Pedido de providências – Tabelionato de protesto – Negativa de protesto de contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel – Apresentante que não pretende a resolução do contrato, mas o singelo protesto do título representativo de dívida não paga – Contrato bilateral – Ausência de liquidez, certeza e exigibilidade – Contrato que não constitui título executivo – Recusa mantida, embora por fundamento diverso – Recurso não provido.


  
 

Número do processo: 1000119-32.2022.8.26.0079

Ano do processo: 2022

Número do parecer: 135

Ano do parecer: 2024

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1000119-32.2022.8.26.0079

(135/2024-E)

Pedido de providências – Tabelionato de protesto – Negativa de protesto de contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel – Apresentante que não pretende a resolução do contrato, mas o singelo protesto do título representativo de dívida não paga – Contrato bilateral – Ausência de liquidez, certeza e exigibilidade – Contrato que não constitui título executivo – Recusa mantida, embora por fundamento diverso – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Soghomon Sérgio Arakelian contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da 2ª Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Botucatu/SP, confirmando a recusa de protesto de contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel (fls. 60/61).

Sustenta o recorrente, em síntese, o protesto do instrumento particular de compromisso de compra e venda não poderia ter sido negado, eis que, embora exista procedimento próprio para constituição em mora do devedor, nos termos do Decreto-lei nº 745/1969, o contrato celebrado configura título executivo extrajudicial, como previsto no art. 784, III do Código de Processo Civil, com a indicação de débito certo, líquido e exigível (fls. 68/72).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 100/103).

Nos termos da r. decisão monocrática, foi determinada a redistribuição dos autos a esta Corregedoria Geral da Justiça (fls. 105/106).

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo da parte foi manifestado contra r. decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da Serventia Extrajudicial.

A 2ª Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Botucatu/SP qualificou o título que lhe fora apresentado (fls. 07/09) e denegou o protesto, expedindo nota devolutiva (fls. 10) nos seguintes termos:

“Há vedação para o protesto de compromisso de compra e venda de bens imóveis, assim como de promessa de cessão ou cessão de direitos, loteados ou não, por haver previsão legal de forma específica de constituição em mora, seja interpelação judicial ou do Oficial de Registro de Títulos e Documentos (Decreto-lei 745/1969, para imóveis não loteados), seja notificação do Registro de Imóveis ou do RTD (Lei 6.766/1979, artigo 32, § 1º, e 49, para imóveis loteados)”.

Insiste o apresentante na possibilidade de protesto do instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel, argumentando que se trata de título executivo extrajudicial (art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil). Nesse sentido, ressalta que há cláusulas contratuais prevendo o valor das prestações devidas e as datas para os respectivos pagamentos, de maneira que, em caso de inadimplemento, mostra-se cabível o protesto requerido.

Ora, a despeito do entendimento da Tabeliã (fls. 10), corroborado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 60/61), é sabido que a notificação prevista nos arts. 32, § 1º, e 49 da Lei nº 6.766/1979, para imóveis loteados, e a interpelação referida no Decreto-Lei nº 745/1969, com a redação dada pela Lei nº 13.097/2015, para imóveis não loteados, destinam-se à conversão da mora, que é ex re, em inadimplemento absoluto e, por conseguinte, abrem caminho para o exercício do direito potestativo de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel.

No caso concreto, ao que se depreende das razões recursais, não pretende o recorrente a resolução do contrato, mas sim, o singelo protesto do título representativo de dívida não paga (art. 1º da Lei nº 9.492/1997). Em verdade, é possível concluir que optou o recorrente pela execução do contrato para recebimento das prestações inadimplidas pelo compromissário comprador.

Logo, o óbice apresentado pela Tabeliã (fls. 10) não merece subsistir.

Resta, então, analisar o cabimento do protesto de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel celebrado entre particulares, ante o alegado não pagamento de duas parcelas, vencidas em outubro e novembro de 2021, no valor total de R$ 395.000,00 (fls. 07/09, 11/13).

O Código de Processo Civil e as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça admitem, além dos considerados títulos executivos, o protesto de outros documentos de dívida dotados de certeza, liquidez e exigibilidade, “atributos a serem valorados pelo Tabelião, com particular atenção, no momento da qualificação notarial” (Cap. XV, item 22, NSCGJ).

Quanto a essa valoração, embora nada tenha mencionado a respeito por ocasião da negativa de protesto e expedição da nota de devolução, a Tabeliã, ao formular o presente pedido de providências, sustentou que, tratando-se de contrato bilateral, caberia ao credor demonstrar que cumpriu suas obrigações contratuais, o que, no seu entender, não ocorreu.

Com efeito, o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel encerra obrigações sinalagmáticas, assumidas de parte a parte. A propósito, prevê o art. 476 do Código Civil que, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro“.

E se assim é, o documento levado a protesto, por se tratar de contrato bilateral, só poderia ser considerado como título de dívida líquida (certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto a seu objeto) e vencida (CPC, art. 783; Lei nº 9.492/1997, art. 1º; NSCGJ, II, Capítulo XV, item 1), se e quando houvesse prova do cumprimento de todos deveres e obrigações recíprocos (CC, art. 476; CPC, art. 787 e 798, I, “d”), o que não se pode fazer no tabelionato de protesto de letras e títulos, perante o qual a qualificação é somente formal (NSCGJ, II, Capítulo XV, item 16).

O C. Superior Tribunal de Justiça, há tempos, condiciona o ajuizamento da ação de execução fundada em contrato bilateral à demonstração do cumprimento das obrigações do exequente, de modo que se viabilize a execução direta (REsp 16073-RJ, DJU 11.05.1992 p. 6.432). Sem que isso ocorra, não é possível falar na existência de título líquido e certo, que autorize a propositura da ação de execução.

Destarte, pela ausência de força executiva do contrato juntado aos autos – o que decorre de seu caráter sinalagmático, o protesto requerido, ainda que por fundamento diverso daquele apresentado na nota de devolução expedida pela Tabeliã, não poderia mesmo ser lavrado. Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

TABELIÃO DE PROTESTO – Recebimento de título para protesto que não constitui título executivo extrajudicial – Sinalagma configurador da avença bilateral com obrigações diversas para ambas as partes – Necessidade, não obstante se tratar de documento assinado por duas testemunhas, e da existência de cláusula na qual as partes reconhecem se tratar de título executivo, de análise cuidadosa para valoração dos atributos de certeza, liquidez e exigibilidade, no momento em que o título é apresentado para protesto, conforme previsto no Capítulo XV, itens 16, 17, 20 e 22 das NSCGJ – Conduta que configura em tese infração disciplinar, passível de apuração, observados o contraditório e o direito de defesa – Decisão de arquivamento reformada para tal finalidade – Recurso provido.” (Parecer nº 58/2015-E – Processo nº 171.807/2014 – Autora do Parecer: Ana Luiza Villa Nova; Corregedor Geral da Justiça: Des. Hamilton Elliot Akel; Data da Decisão: 17/03/2015 – g.n.).

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação interposta como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, data registrada no sistema.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos Aprovo o parecer apresentado pela MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação interposta como recurso administrativo e a ele nego provimento. São Paulo, 01 de março de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: FABRICIO GALLI JERONYMO, OAB/SP 254.288 e PAULA GALLI JERONYMO, OAB/SP 317.211.

Fonte: CGJ/DJ 20.03.2024.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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