Artigo: Não tem culpa o cartório – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo


Por Marco Antonio de Oliveira Camargo*

A firma foi reconhecida, a transferência do veículo está bloqueada. O comprador não consegue regularizar, o vendedor não sabe o que fazer e tem gente querendo pôr toda culpa no cartório.

É difícil de imaginar situação tão absurda; mas é verídica.

Em dezembro de 2014 o proprietário de um veículo automotor compareceu em cartório, portando um documento de transferência de propriedade de veículo, completamente preenchido com dados do comprador, mas ainda sem nenhuma assinatura.

Então ele, vendedor, assinando o documento e o livro de registro de sua presença em cartório – ato necessário para o registro de reconhecimento de firmas por autenticidade – fez realizar o instrumento de reconhecimento de sua assinatura, restando pendente, para realização em um segundo momento, a assinatura do comprador e o posterior reconhecimento de sua assinatura.

Em menos de dois dias úteis, conforme determinação legal, este tabelionato providenciou a Comunicação de Transferência de Propriedade de Veículo junto à Secretaria da Fazenda do Estado.

Aparentemente tudo havia ocorrido normalmente, entretanto, neste início de outubro de 2015, o vendedor do veículo retornou ao cartório e relatou o drama vivido por ele nos últimos meses.

O adquirente, pessoa de seu círculo de amizade, não conseguiu concluir a transferência da propriedade daquele veículo por conta de um bloqueio na sua transmissão, em razão da existência da comunicação de transferência do mesmo veículo para terceira pessoa.

Não fosse a explicação dada por ele, ninguém iria entender o acontecido.

De fato, nem nosso cartório e nem a Secretaria da Fazenda do Estado, são culpados pela dificuldade em concluir a transmissão da propriedade do citado veículo.

O erro causador de todo este problema ocorreu no preenchimento daquela Autorização Para Transferência de Veículo – ATPV.  Nela constou o número do registro da Carteira Nacional de Habilitação – CNH-DETRAN do comprador no local onde se deveria o preencher o número de seu CPF.

Um erro evidente e facilmente explicável.

Para o necessário preenchimento do “Recibo de Venda” (a citada ATPV) o comprador forneceu ao vendedor uma cópia de sua CNH e a correta indicação de seu endereço. De posse deste documento (cópia da Carteira Nacional de Habilitação) e informação, o vendedor preencheu a ATPV. Entretanto, por um lamentável descuido,  no lugar indicado para constar o número de CPF ele transcreveu o número de registro da CNH do comprador.

É publico e notório que o numero de Cadastro de Pessoa Física contém 9 dígitos principais e mais 2 dígitos de controle, resultando,  portanto,  em uma sequência de 11 dígitos, onde os dois últimos resultam de um cálculo matemático (algoritmo) capaz de conferir autenticidade à sequência anterior.

Tal característica singular do CPF, segundo se imagina, representaria garantia suficiente para evitar erros de digitação. Portanto, se indicada outra sequência numérica de 11 dígitos, no campo destinado à verificação de autenticidade de um número de CPF, legítimo seria esperar que, o sistema de recepção de informações, viesse a rejeitar a informação incorretamente prestada.

Mas, curiosamente, no caso em análise, isso não ocorreu.  O número de registro da CNH do comprador daquele veículo não foi recusado ou identificado como inválido pelo sistema montado pela Fazenda Estadual para acolher a comunicações de venda realizada pelos cartórios do Estado de São Paulo

Por uma infeliz coincidência tal número de Registro de CNH é perfeitamente igual ao número de Cadastro de Pessoa Física – CPF de um cidadão totalmente alheio ao negócio realizado.

O que era ruim ficou pior quando, em uma demonstração de notável eficiência do sistema, o verdadeiro comprador do veículo, ao tentar concluir a transferência da propriedade daquele veículo se viu impedido de fazê-lo, na medida em que era outro o número de CPF do comprador que constava no DETRAN (conforme informação originada em nosso tabelionato e retransmitida pela Fazenda Estadual).

O leitor pode imaginar que isso seria um problema fácil de resolver, entretanto, infelizmente não é o que ocorre. O fato é que vários meses se passaram, muitas tentativas foram feitas, mas ninguém conseguiu resolver a confusão.

Segundo o meu cliente, a ultima informação por ele recebida, seria de que o problema, começado por uma comunicação originada neste cartório, deveria ser aqui solucionado.

Discordando totalmente desta posição, nesta primeira semana de outubro de 2015 (já 10 meses passados daquele reconhecimento de firma realizado), me propus a entregar para ele um documento escrito (um Atestado)  relatando a situação, em seus contornos curiosos.

Fico na expectativa de que exista bom senso em algum lugar desta burocracia e que alguém entenda a situação do modo como entendi. Para ilustrar o que digo, transcrevo adiantes o desfecho do documento que redigi, graciosamente lhe forneci e que, espero, venha a lhe servir de auxílio:

Salvo melhor juízo da autoridade competente para promover a conclusão do procedimento de Transferência de Propriedade do referido veículo, respeitosamente entende este tabelião, que o erro de indicação do número de Cadastro de Pessoa Física – CPF – do adquirente do veículo não invalida o documento assinado pelo vendedor e que referido documento, apesar de conter falha material, encontra-se íntegro e apto a produzir todos os seus efeitos jurídicos, sendo necessária apenas a realização de carta de correção; em forma análoga à que ocorreria se o erro verificado estivesse na indicação do endereço, grafia do nome ou data da realização do negócio.”

Para os colegas que atuam nesta seara fica a dica: não se surpreendam se casos parecidos como este aqui vivenciado venham a ocorrer em seus cartórios. O sistema concebido pelo Poder Público Estadual, para garantia da cobrança de IPVA (o objetivo nunca foi atenuar o problemas das multas de trânsito), pode falhar e, aparentemente, como o sistema ainda é recente, os seus operadores não sabem como solucionar este tipo de problema. Na dúvida ou insegurança, eles podem querer jogar a culpa para o cartório.

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* Marco Antonio de Oliveira Camargo é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de  Sousas

Fonte: Notariado | 06/10/2015.

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Artigo – A pergunta que não quer calar: você confiaria em um tabelião de notas ‘doublè’ de comerciante dono de posto de gasolina ou vice-versa? – Por Marcelo Rodrigues


O Chefe do Poder Judiciário brasileiro, atual presidente do STF e do CNJ, o culto – mas não onisciente, pois ninguém nesse plano terreno o é, não é verdade? – min. Ricardo Lewandowski, não só confiaria como, indo além, parece defender esse ‘modelo’ norte-americano em crítica frontal ao sistema brasileiro.

Talvez S. Exa. não saiba, mas adotamos o sistema do notariado latino, herdado da longa tradição do direito romano-germânico, que prima pela segurança jurídica preventiva, contrariamente ao modelo – não se pode denominá-lo de sistema -, estadudinense. Lá, é também possível, além de registrar a alienação de veículos em postos de gasolina, barbearias, quitandas e similares, p. ex., o frequente golpe de roubo de hipotecas e até mesmo a tentativa de fraude sobre a propriedade do Empire State Building, em N.Y., foi objeto de ação criminosa nesse sentido. Mais informações a respeito podem ser colhidas na página do FBI na internet.

A agilidade é bem-vinda, é claro, mas não a custo de insegurança jurídica, dogma supremo por lá adotado, basicamente, pela pressão da poderosa indústria financeira e organismos privados, em detrimento do interesse público.

Outro exemplo pernicioso que floresce por lá é o denominado ‘MERS – Mortgage Eletronic Registration System’, que permite o registro da propriedade imóvel fora de sua circunscrição territorial, ‘gerido’ pela própria indústria financeira (registro privado) e, além disso, a securitização das hipotecas e a ocultação dos credores sob um manto de opacidade, principal responsável pela crise de execuções hipotecárias sem precedentes na história do mundo civilizado. Isso resultou, p. ex. que proprietários de casas que nunca foram hipotecadas, ou que nunca contraíram empréstimo, ou, que o tendo contraído, mantém os pagamentos em dia, têm sido notificados de início de ‘foreclosure’ contra eles.

Em verdade, antes mesmo do ‘MERS’, o registro da propriedade imóvel nos EUA já era dos mais inseguros, decorrendo a constatação por três aspectos principais: a) vigência da regra da reivindicabilidade ilimitada, b) sistema de arquivo de documentos (e não de registro de direitos), c) existência de companhias de seguros de títulos (onerosidade excessiva, diante do alto risco assumido, e permanente, pois a apólice deve ser renovada anualmente).
Não há dúvida que muito há a ser aperfeiçoado no que concerne ao funcionamento da atividade cartorária no Brasil e que existe sim um excesso de litigiosidade a respeito, sobretudo nos concursos públicos, ocupando de forma abusiva o já reduzido tempo socialmente útil de importantes órgãos do Poder Judiciário, e o CNJ é um deles.

Mas comparar o sistema brasileiro com o norte-americano, enaltecendo esse último, equivale a escancarar a falta de conhecimento a respeito, para dizer o menos.

Fonte: Facebook do autor- https://www.facebook.com/escritormarcelorodrigues.

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*Marcelo Rodrigues é desembargador do TJ/MG. Especialista em Direitos Notarial e Registral. Autor das obras Tratado de registros públicos e direito notarial (Atlas, 2014) e Código de normas dos serviços notariais e de registros do estado de minas gerais – provimento cgjmg 260/2013 – comentado (Anoreg-Serjus, 2014). Presidente da Comissão do Concurso para Outorga das Delegações dos Tabelionatos e Registros Públicos do Estado de Minas Gerais (Edital 1/2014).

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