Artigo: O namoro sem objetivo de casamento – Por José Flávio Bueno Fischer


* José Flávio Bueno Fischer

Carlos Alberto conheceu Talita através de um site de relacionamentos. Em seu perfil já havia narrado um pouco de sua história e, consequentemente, de suas futuras expectativas: “Já tenho filhos de outra relação e quando da separação de minha ex, abri mão de uma  porção considerável do patrimônio que construí ao longo daqueles anos de casamento… Agora, quero continuar morando sozinho, não pretendo ter mais filhos e quero continuar trabalhando muito, pra conquistar algumas coisas que ainda almejo. Sendo assim, o que procuro é alguém para namorar, viajar comigo, cada um na sua mas juntos nas aventuras…”

O foco de sua narrativa sinalizava claramente o tipo de relação pretendida para a sua vida de ora em diante.

Coincidentemente, para Talita, esse era o perfil de relacionamento almejado para o seu momento de vida. Ela também era protagonista de uma relação anterior desfeita há pouco tempo, dissolvida principalmente por controvérsias de origem patrimonial, deixando tristes os filhos resultantes da união e a necessidade de dissolução de uma empresa constituída por ela e o companheiro.

Portanto, tanto Carlos Alberto quanto Talita tinham experiências anteriores que lhes trouxeram amadurecimento pessoal e a intenção de um novo modelo de relação, que fosse estabelecida simplesmente pelo afeto e pelo prazer da companhia do outro, sem intenção de futuro casamento ou de filhos comuns, embora com constância e continuidade, e que pudesse estar, via de regra, desvinculada diretamente da esfera patrimonial.

O número de casais afirmando que sua relação não passa de um namoro não é pequeno. Em que pesem alguns entendimentos de que o contrato de namoro poderia ser considerado ineficaz, ou, ainda, de que, embora válido, teria pouca utilidade prática, parece-nos que as reais aspirações de duas pessoas que pretendem estabelecer uma relação diferenciada devem e podem ser levadas em consideração, também do ponto de vista formal.

Em texto lúdico e com muito bom humor – “Contrato de Namoro em Cartório”, o colega José Hildor Leal trata desse assunto, trazendo à pauta com muita propriedade que a matéria é defendida por uns e repudiada por outros, em constante discussão, como tantos outros temas dos quais tratamos.

O namoro constitui uma relação afetiva onde duas pessoas ficam unidas pelo desejo de estarem juntas, e embora comprometidas entre si, reciprocamente, até em relação a questões de fidelidade, não estabelecem um “ vínculo matrimonial perante a lei civil ou religiosa”. Tradicionalmente, poderia corresponder à fase do relacionamento que antecede o noivado e o casamento, pois há um compartilhamento de experiências e troca de intimidades que servirão de base para a definição quanto a um compromisso mais sério, ou não.

Atualmente, assim como verificamos uma pluralidade de formas de constituição familiar, também temos uma diversidade de situações e formatos de relações afetivas.

Por tais motivos, quando entre os namorados não há intenção de constituição de família, embora exista uma relação contínua, pública e duradoura, entendemos viável a declaração, firmada por eles, sob as penas da lei, de que mantêm laços afetivos, podendo viajar e pernoitar juntos, inexistindo, porém, qualquer intenção de constituição de família e/ou união estável, cada um custeando as despesas para sua própria mantença, inexistindo qualquer dependência econômica entre eles.

Sabemos que, no contexto atual, talvez uma relação nesses termos poderia ser interpretada como união estável em eventual discussão judicial. 

Por tal motivo, mostra-se oportuno, também, que os namorados declarem, no mesmo instrumento, que descartam de sua relação a configuração de união estável, e, na eventualidade de qualquer alegação em contrário, que pretenda tal equiparação, já afirmam, desde aquele momento, para todos e quaisquer efeitos de direito, que o regime patrimonial aplicável à sua relação deverá ser similar ao da separação total de bens, com a consequente incomunicabilidade de todos os bens que integram o patrimônio de um e de outro.

Encerramos nossa breve exposição reproduzindo parte do parecer emitido em recente  julgamento de recurso de apelação cível, nº 196007-2, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, tendo como Relator  o desembargador José Fernandes de Lemos, recurso esse que, embora tenha por mérito o reconhecimento de uniões estáveis paralelas, vem ao encontro do entendimento de que o sistema jurídico não pode controlar e enquadrar rigidamente a conduta de pessoas que pretendam estabelecer determinado tipo de relação:  “ Em uma democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo” (grifo nosso).

Fonte: Notariado | 19/01/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.




Artigo: Escritura de divórcio com filho menor? – Por Rodrigo Reis Cyrino


* Rodrigo Reis Cyrino

É inegável o avanço que a Lei 11.441/2007 trouxe para toda a sociedade e advogados, ao instituir a permissão de realização de separações, divórcios e a conversão da separação em divórcio por escritura pública, atividades essas que eram exclusivamente do Poder Judiciário.
 
Além disso, atualmente, alguns provimentos das Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados têm autorizado que os Tabeliães de Notas possam lavrar escrituras públicas de separação e divórcio, mesmo que haja filhos menores ou incapazes, mas se todas as questões jurídicas relativas à pensão alimentícia, guarda ou regulamentação de visitas já tiverem sido decididas judicialmente. Tal fato decorre da desjudicialização de alguns procedimentos, o que confere maior celeridade às partes, sem contar o grande benefício para o sistema judiciário como um todo, porque o magistrado poderá dedicar um maior tempo na análise de tantas questões complexas que são levadas a juízo. Ganha toda a sociedade.
 
Dessa forma, percebe-se que com tal possibilidade, os resultados práticos serão benéficos aos usuários em geral, pois possibilitará a solução de suas questões na esfera extrajudicial, o que contribuirá também para desafogar o Poder Judiciário, na medida do possível, evitando o início de processos sem qualquer litígio.
 
Nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, as Corregedorias Gerais da Justiça entenderam pela possibilidade de lavratura de escritura de separação e divórcio, mesmo havendo filhos menores, desde que as questões relativas aos mesmos já tenham sido previamente resolvidas na esfera judicial. Veja-se:
 
Código de Normas de São Paulo
 
Subseção IV
Disposições Comuns a Separação e Divórcio Consensuais
86. As partes devem declarar ao Tabelião de Notas, por ocasião da lavratura da escritura, que não têm filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente capazes, indicando os seus nomes e as datas de nascimento.
86.1. Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores (guarda, visitas e alimentos), o tabelião de notas poderá lavrar escrituras públicas de separação e divórcio consensuais.
 
Código de Normas do Rio de Janeiro
Provimento nº 16/2014
 
Art. 310. (…)
§1º. Havendo filhos menores, será permitida a lavratura da escritura, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.
 
Assim, à luz dos princípios insertos na Lei 11.441/2007, cuja edição foi inspirada na perspectiva da desjudicialização dessas matérias, quando não houver risco potencial lesivo aos relevantes interesses que podem estar subjacentes nas questões atinentes à dissolução do vínculo conjugal, as normas editadas por aqueles Órgãos Correicionais firmam completa harmonia com o atual sistema jurídico, não colidindo com os dispositivos da Lei 11.441/2007.  Sem contar que: por serem os Tabeliães de Notas dotados de fé pública, isso lhes permite constatar e atestar fatos, bem como certificar a correspondência entre cópias e os respectivos autos judiciais originais e ainda certificar a resolução ou não das questões relativas aos menores, o que será consignado no texto do ato notarial.
 
Nesse caso, o Tabelião de Notas deverá exigir da parte interessada todos os documentos judiciais que possam comprovar que a guarda, visitação, pensão alimentícia e outras questões relativas aos filhos menores já foram resolvidas, arquivando-os na serventia em pasta própria, bem como mencionar no texto da escritura tal particularidade.
 
Nessa toada, podemos verificar também seus reflexos nos textos normativos editados pelas Corregedorias Gerais da Justiça de outros Estados da Federação, senão vejamos:
 
CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO
DO FOROEXTRAJUDICIAL
Divórcio Consensual
 
3.7.4 – Para lavratura de escrituras de divórcio consensual deverão ser observados os seguintes requisitos e condições:
III – declaração quanto à existência ou não de filhos, e, havendo-os, serão consignados seus nomes e datas de nascimento, verificando-se se todos são maiores e capazes, ou emancipados. Havendo filhos comuns, menores ou incapazes, o Tabelião deverá recusar a lavratura do ato, recomendando às partes a via judicial, exceto se as questões de guarda, visita e pensão alimentícia já tiverem sido decididas judicialmente, o que deverá ser devidamente comprovado e expressamente assinalado na escritura pública
 
CONSOLIDAÇÃO NORMATIVA NOTARIAL E REGISTRAL – CGJ/RS
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROVIMENTO Nº 32/06-CGJ
 
Art. 619-C (…)
§ 6º – É possível a lavratura de escritura pública de conversão da separação judicial em divórcio consensual, com ou sem partilha de bens, mesmo que existam filhos menores ou incapazes do casal, desde que não haja nenhuma alteração do que foi convencionado e homologado na separação judicial em relação aos direitos dos filhos menores ou incapazes.
 
CÓDIGO DE NORMAS
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROVIMENTO CGJ/ES Nº 18/2014
 
Art. 1°. ALTERAR o caput art. 716, do Código de Normas desta Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, bem como acrescentar parágrafo único ao dispositivo, que passa a ter a seguinte redação:
 
Art. 716. Havendo filhos comuns do casal, menores ou incapazes, será permitida a lavratura da escritura de separação, divórcio ou a conversão da separação em divórcio consensuais, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes a guarda, visitação e alimentos dos mesmos, o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.
 
Parágrafo único: Em havendo dúvida a respeito do cabimento da escritura de separação ou divórcio consensuais, diante da existência de filhos menores ou incapazes, o Tabelião de Notas deverá suscitá-la diretamente ao Juízo competente em matéria de registros públicos.
 
Ante tais considerações, sugere-se que as Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados possam autorizar a todos os notários a lavrarem tais tipos de escrituras públicas, mesmo existindo filhos menores, o que pode se efetivar com a edição de provimentos específicos, com a seguinte redação: “Havendo filhos menores ou incapazes, será permitida a lavratura da escritura de separação, divórcio ou a conversão da separação em divórcio, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.”

_____________________
 
 * Rodrigo Reis Cyrino
Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício – Tabelionato de Linhares – ES
Membro da Comissão de Segurança e Tecnologia da Comissão de Assuntos Americanos da União Internacional do Notariado – UINL
Vice-presidente regional do Sudeste da Diretoria do Colégio Notarial Federal – Conselho Federal
Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Espírito Santo
Diretor do Tabelionato de Notas do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo – SINOREG-ES
Mestre em Direito Estado e Cidadania
Pós Graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil
Palestrante em Direito Notarial e Registral
Autor de diversos artigos

Fonte: Notariado | 19/01/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.