Artigo: O papel do notário no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro – Por José Flávio Bueno Fischer


*José Flávio Bueno Fischer

Todos nós temos acompanhado os escândalos de corrupção que têm assolado o Brasil nos últimos tempos e estamos cientes da importância das instituições, como Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, no combate e punição a este tipo de crime que prejudica gravemente a população brasileira. O que poucos sabem, no entanto, é a importância e o papel do notário, como verdadeiro colaborador do Estado e da população, no combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

E, diante da crescente desvalorização que os notários têm sofrido no Brasil, com diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional na tentativa de limitar sua autonomia e independência funcional, torna-se muito importante deixarmos claro o fundamental papel do notário como essencial colaborador da Sociedade, especialmente neste cenário político-econômico tão delicado que estamos vivendo hoje.

Com efeito, a intervenção do notário é de grande vantagem na luta contra a crescente criminalidade nas estruturas econômicas, uma vez que suas características lhe permitem proporcionar um importante serviço de controle de legalidade, em virtude de sua independência profissional e de sua competência especializada. O adequado manejo e sistematização da documentação a seu cargo, por meio de seguros e modernos mecanismos de guarda e conservação, permitem a rastreabilidade das operações pelos Órgãos Estatais de forma rápida e eficiente.

Vejamos, neste sentido, a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, que está sendo considerada uma das mais fundamentais ferramentas de combate ao crime organizado, em especial os de lavagem de dinheiro.

A CENSEC é um sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal – CNB/CF, que tem por finalidade gerenciar um banco de dados com informações sobre existência de testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza, inclusive separações, divórcios e inventários lavradas em todos os cartórios do Brasil. Através desta Central, é possível o intercâmbio de documentos eletrônicos entre os 10 mil cartórios notariais do País, o que possibilita a rastreabilidade rápida e eficiente, pelos Órgãos Estatais, de atos notariais lavrados até mesmo em cidades pequenas e distantes do Brasil.

À título de ilustração, vejamos um exemplo de um fraudador que compra um imóvel no Rio Grande do Sul para lavar dinheiro e, em razão dos recursos da compra serem ilegais, coloca o imóvel em nome de um terceiro, um “laranja”. O terceiro, então, na condição de aparente proprietário do imóvel, outorga uma procuração para o fraudador no Rio de Janeiro, dando-lhe poderes para a venda do imóvel. Antes da CENSEC, era quase impossível saber que o fraudador havia participado do negócio, em razão da procuração ter sido outorgada em outro Estado. Agora, com a Central, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia têm uma ferramenta efetiva de investigação, através da pesquisa eletrônica dos atos notariais praticados em todo País.

Com a CENSEC, que combina segurança tecnológica com segurança jurídica, o notariado brasileiro se tornou um aliado ainda mais forte do Estado na rastreabilidade das operações e, consequentemente, na luta contra a lavagem de dinheiro e contra o preocupante crescimento da criminalidade e da corrupção e de sua penetração nas estruturas econômicas e estatais.

Além disso, na última sexta-feira, dia 20 de maio, foi realizada reunião na sede da Receita Federal do Brasil, em Brasília, para dar início as tratativas entre o notariado brasileiro e o principal órgão administrativo de gestão e execução das atividades de arrecadação, lançamento e cobrança de tributos federais, com o objetivo de fechar parcerias para maior segurança jurídica na comunicação de transações imobiliárias e da criação, alteração e extinção de empresas mercantis.

De acordo com notícia veiculada no site do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal[1], um dos assuntos bastante debatidos na reunião foi a importância da escritura pública notarial nos atos de constituição, alteração e extinção de empresas, visando à prévia qualificação e, consequentemente, maior agilidade nos processos de registro junto aos órgãos competentes, redundando, ainda, em maior transparência e eficiência na fiscalização destes atos empresariais.

Atualmente, no Brasil, não é exigida, por lei, escritura pública, e nem mesmo reconhecimento de firma, para atos de constituição, alteração e extinção de empresas. Em razão disso, muitas pessoas que tiveram seus documentos perdidos ou roubados foram vítimas de fraude e surpreendidas por dívidas decorrentes da inserção de seu nome como sócio “laranja” em empresas “fantasmas”.

Aliás, justamente em razão de tentativas rotineiras de falsificação de assinatura em documentos societários levados a registro, as Juntas Comerciais de alguns Estados brasileiros, como Mato Grosso, Tocantins, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro, passaram a adotar, por meio de resolução, a obrigatoriedade do reconhecimento de firma nos atos a serem arquivados.[2]

Melhor ainda, no entanto, é a alternativa trazida na reunião do Notariado brasileiro com a Receita Federal, da escritura pública para os atos de constituição, alteração e extinção de empresas, pois somente a escritura permite aos órgãos responsáveis pela fiscalização pública rastrearem contratos sociais e possível existência de “laranjas”, evitando fraudes.

Assim, é inegável que a intervenção do notário é essencial para o Estado e para a Sociedade na luta contra a corrupção, a fraude e a lavagem de dinheiro. A CENSEC e a disponibilidade do Notariado Brasileiro em trabalhar em conjunto com órgãos estatais buscando medidas para coibir estes crimes, a exemplo da reunião realizada com a Receita Federal, acima mencionada, comprovam que os notários sempre estiveram e estão mobilizados pela contínua melhora do nosso país.

Na medida em que o notário preserva para o Estado os valores de segurança jurídica e legalidade dos negócios, prevenindo litígios e auxiliando no combate à corrupção e à criminalidade, é merecedor da confiança estatal, na qualidade de delegado de uma função pública, sendo um importante instrumento do Estado Democrático pós-moderno na busca pela paz social.


[1] COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL. CNB/CF debate integração de base de dados com a Receita Federal e parceria nos atos empresariais. Notícia publicada em 24.05.2016. Disponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NzYxMA==. Acesso em 25 mai 2016.

[2] COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL. Juntas Comerciais adotam reconhecimento de firma como mecanismo de prevenção contra fraudes com documentos. Notícia publicada em 26.10.2015. Disponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NjU0Nw. Acesso em 20 nov 2015.

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* José Flávio Bueno Fischer – 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF, membro do Conselho de Direção da UINL

Fonte: Notariado | 31/05/2016.

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Artigo:Breves apontamentos sobre a Usucapião Administrativa – Por Tânia Ahualli


* TANIA MARA AHUALLI

O Novo Código de Processo Civil Brasileiro, que entrou em vigor no dia 16 de março último, trouxe uma grande inovação no âmbito do instituto da usucapião, passando a prever a usucapião administrativa.

O seu artigo 1071 alterou o artigo 216 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), acrescentando o artigo 216-A.

A norma seguiu uma tendência no direito brasileiro de desjudicialização, movimento que ganhou ênfase a partir da Emenda Constitucional 45/2004 e tem por finalidade tirar do judiciário as demandas sem litigiosidade. A maioria dos casos atingidos é de jurisdição voluntária, mas a usucapião, embora não seja, passou a integrar o rol, nas hipóteses em que haja concordância expressa de todos os titulares de domínio, seja do imóvel objeto do pedido ou dos confinantes.

O motivo dessa exigência decorre da tutela constitucional, que recai sobre o direito de propriedade e não é, portanto, do usucapiente, mas do proprietário tabular.

Estando comprovada a anuência de todos os envolvidos, deve-se ter muito cuidado para evitar o abuso de direito e a fraude na substituição da usucapião pelo negócio jurídico. Sempre deve ser aferida a efetiva necessidade do procedimento.

A eficácia desta via está sendo posta em dúvida, diante de vários entraves criados pelo novo dispositivo legal.

Entretanto, pondera Leonardo Brandelli, em sua obra  Usucapião Administrativa – De acordo com o Novo Código de Processo Civil ( Editora Saraiva, 2016), que o legislador não só passou a permitir o procedimento administrativo da usucapião, mas incentivou esse caminho, extinguindo o rito especial previsto para a modalidade judicial.

A esse respeito cabe fazer a observação de que o instituto da usucapião, de direito material, não foi alterado, mas sim criada uma nova possibilidade, de ordem processual e extrajudicial, para a declaração de domínio.  A natureza originária da aquisição da propriedade ficou mantida. A manifestação do Oficial, que encerra o procedimento, a exemplo da sentença, é meramente declaratória do direito previamente adquirido pelo possuidor.

É bom lembrar que a Lei 11977/09 já previa uma forma extrajudicial de usucapião, mas de âmbito reduzido, atingindo apenas o direito real de propriedade e na esfera de Programas Federais de Regularização Fundiária de Interesse Social, na modalidade constitucional urbana (art. 183, CF), para moradias populares.

O novo procedimento terá início no Registro de Imóveis da circunscrição do bem imóvel, sendo presidido pelo Registrador. Este teve seu poder de cognitude ampliado, diante na necessidade de que confira a presença dos requisitos legais da modalidade da usucapião invocada para a declaração da propriedade.

É indispensável presença de advogado para a propositura e acompanhamento do processo perante o Registro de Imóveis. No Tabelionato, responsável pela lavratura da ata que instruirá o pedido inicial, é controversa ainda a imprescindibilidade do profissional.

Como já mencionado, não se cria direito material novo, mas um caminho alternativo, processual, de alcançá-lo. Deste modo, todas as modalidades de usucapião podem ser objeto do procedimento na via administrativa, ressalvadas poucas exceções, como a da usucapião familiar.

A via administrativa, por determinação constitucional, não exclui a judicial. O contrário não é verdade. A existência de prévio processo judicial, com decisão transitada em julgado, entre as mesmas partes e objeto, obsta a revisão administrativa, salvo diante da ocorrência de fato novo.

O objeto pode ser qualquer imóvel, mesmo pertencente a loteamento irregular ou clandestino, alias casos estes em que terá a maior incidência.  Haverá, é certo, dificuldade em se aplicar o procedimento em sendo o imóvel objeto de regularização fundiária, por,  no mais das vezes, não se ter o controle da disponibilidade quantitativa e qualitativa junto ao registro imobiliário. Isso porque a identificação dos titulares de domínio, incluindo dos bens confrontantes, é complicada e depende de complexa prova pericial. Deve ser inaugurada nova matrícula nesta hipótese, com a averbação da saída do novo imóvel na do remanescente.

Consequente desmembramento da área, decorrente da nova matrícula, não precisa contar com desdobro administrativo anterior perante a Administração Pública Municipal.

Com o ingresso do pedido ocorre a prenotação da usucapião (que não é título, mas notícia de processo administrativo), que implica em direito de prioridade, em sendo o pedido deferido, o que obsta o ingresso de título posterior durante a tramitação do procedimento. Na ação de retificação, como não há modificação da propriedade, não existe suspensão dos atos registrários.

É necessária e não indispensável, no entendimento do Desembargador Ricardo Henry Marques Dip, exposto em várias palestras proferidas no âmbito da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário, a lavratura de Ata Notarial, que poderia ser substituída por outro instrumento de valor similar, como peças de um processo judicial extinto sem julgamento de mérito.

A forma que deverá assumir a Ata Notarial é ainda nebulosa. Para alguns o Tabelião, para atestar o tempo de posse, deverá ir ao local do imóvel, percorrer suas divisas, ouvir os vizinhos. Para outros, trata-se de escritura meramente declaratória, dando fé dos depoimentos e elementos trazidos pelo interessado. Constituiria um instrumento legal, com a finalidade de fazer prova documental de atos e fatos que sejam passíveis de percepção e consignação pelo Notário.

Sendo o titular de domínio falecido, ou os confrontantes tabulares, devem concordar todos os herdeiros ou serem todos intimados, já que a propriedade se transmite com a morte (artigo 1784, Código Civil).

Não é possível notificação judicial no curso do processo administrativo e questiona-se a possibilidade de notificação por Cartório de Títulos e Documentos, o que me parece viável.

A apresentação de planta do imóvel é essencial para o cumprimento do princípio da especialidade objetiva. Todavia, o critério para a elaboração desse trabalho técnico depende das peculiaridades de cada caso. Se a descrição e a posse exercida forem coincidentes com a descrição feita na matrícula, poderá ser admitido laudo de menor complexidade. No condomínio edilício basta a notificação do síndico, desde que a descrição seja coincidente com a da Especificação arquivada na Serventia. O imóvel rural requer georreferenciamento, em todos os casos. A reserva legal deve constar no CAR (cadastro ambiental rural), o que se exige para todas as formas de transmissão de propriedade.

Só não podem ser usucapidos os bens públicos. Bens gravados com garantias ou bem de família podem ser alcançados pela usucapião.  Observo que o Ente Público pode figurar como usucapiente.

As construções sobre o terreno constituem acessões e integram a usucapião, sem necessidade de recolhimento de impostos, INSS, ou de habite-se.

As certidões negativas dos distribuidores cíveis, previstas em lei, só devem ser consideradas quando interferirem na apreciação da usucapião, ou seja, quando se referirem ao bem ou direitos a ele afetos.

Em sendo negado o registro, ou havendo qualquer incidente, cabe dúvida ao Juiz Corregedor Permanente.

I     O Provimento nº 58/2015, da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, alterou as Normas de Serviço do Extrajudicial para regulamentar o processo perante o Registro de Imóveis, bem como a lavratura da Ata Notarial prevista na usucapião administrativa.

Muitas arestas ainda deverão ser aparadas pelas Corregedorias Permanentes e pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.

Questões relativas à gratuidade, à situação da Fazenda Pública Municipal, enquanto confinante em razão das vias públicas; da apreciação do fundamento de eventual impugnação; da dispensa de anuência do proprietário quando o requerente exibir prova de pagamento integral de compromisso de venda e compra e certidão negativa de ações cíveis; deverão ser resolvidas com o passar do tempo e o amadurecimento do novo direito.

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* A autora Tânia Mara Ahualli é Juíza Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP.

Fonte: iRegistradores | 25/05/2016.

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