Artigo: Testamento Vital – instrumento jurídico para resguardo da vontade pertinente a situações existenciais e de saúde – Por Wendell Salomão e Cristiane Bassi Jacob

*Wendell Salomão e Cristiane Bassi Jacob

RESUMO

O ser humano está acostumado a tomar decisões em quase todos os âmbitos de sua existência, no entanto, quando se refere à incapacidade civil ou à morte nos parece que existe uma forte resistência até mesmo em pensar sobre o assunto. A pretensão deste artigo é quebrar o paradigma existente e propor o diálogo sobre um instrumento jurídico relativamente recente em nosso país que é o testamento vital, que tem por escopo clausular diretivas antecipadas de vontade (DAV) pertinente a aspectos de escolha quanto a tratamento de saúde, prolongamento ou não da vida de forma artificial, escolha de médicos e hospitais, bem como eleição de representante e mandatário para efeitos da vida civil, notadamente, em momentos de ausência total de capacidade, como na terminalidade da vida. Trataremos da manifestação consciente da pessoa que disporá por meio de um testamento vital acerca de como pretende ser tratada pelos médicos, bem como o que permite que se faça com seu corpo em momento futuro, enquanto não puder manifestar sua vontade.

Palavras Chaves.

  1. Testamento Vital. 2. Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV). 3. Dignidade da Pessoa Humana.
  1. INTRODUÇÃO

Ao longo de nossa existência temos que tomar decisões a todo instante, sejam relativas a algo extremamente simples ou situações que envolvem uma complexidade maior como, por exemplo, relacionadas a questões patrimoniais como a escolha do regime de bens a ser adotado no casamento, a compra ou alienação de bens, questões de ordem empresarial e negocial, a elaboração ou não de disposições de ultima vontade, enfim, a maior parte destas decisões importa em consequências importantes e que nos faz refletir sobre seus efeitos.

Apesar de termos grande satisfação em falar do patrimônio líquido conquistado durante a vida, pouco refletimos e falamos acerca do maior patrimônio que uma pessoa tem que é seu corpo físico, sua saúde, seu bem estar e como pretende cuidar dele em momentos de ausência de saúde, demência ou incapacidade, seja temporária ou definitiva.

Grande parte dos brasileiros sacraliza a vida, não tendo o hábito de falar sobre a morte e sobre tudo que possa envolver esse assunto. No entanto, chamamos à reflexão para o momento quando estiverem ausentes, por exemplo, a capacidade jurídica, a lucidez e a saúde, estando a pessoa inapta a fazer escolhas, decidir e proclamar suas vontades e desejos livremente.

Existe, pois, um mecanismo jurídico conhecido popularmente como testamento vital, o qual tem por objetivo deixar previamente escrito e formalizado o desejo da pessoa no que tange à sua vontade quanto ao tratamento médico e terapêutico que deseja ou não que se execute em caso de ausência de capacidade.

É importante dizer que a ninguém é imposto a elaboração de um testamento vital, todos somos livres para escolher se deseja ou não realizá-lo. Bem como, o testamento vital é passível de revogação ou retificação a qualquer tempo antes da limitação e ausência de capacidade do instituidor.

A recomendação é que o testamento vital, como instrumento jurídico de manifestação de ultima vontade e que envolve decisões livres, sérias e conscientes, seja feito antes de qualquer diagnóstico de doença grave, a fim de evitar que o medo, a emoção aflorada, incapacidade e demais questões relacionadas a aspectos emocionais e físicos possam prejudicar a elaboração das diretivas.

Desta forma questiona-se: Qual a importância da formalização de um testamento vital para a vida pessoal de uma pessoa? Pergunta-se, ainda: O instituto do testamento vital encontra-se respaldado em lei em nosso país? O que é permitido clausular no testamento vital?

Após levantamento bibliográfico e virtual assim como a coleta de informações jurídicas e de bioética acerca do tema proposto, com vistas a socializar o instituto “testamento vital”, difundindo sua importância e efeitos práticos, este artigo tem como objetivos apresentar definição do instituto, bem como apresentar o contexto nacional pertinente ao tema, possibilidades e propostas de pontos essenciais para que o legislador possa se nortear a fim de desenvolver legislação específica que regule a matéria.

Assim, como o brasileiro ainda não lida bem com o tema “morte” e tudo, que a rodeia, não temos, por ora, uma cultura que propicie discussões e reflexões sobre tais temas. É nesse contexto que o convidamos a refletir sobre a possibilidade de adoecimento, de incapacidade temporária e permanente, bem como da morte sendo a dignidade pessoal uma constante em qualquer dessas situações. Questionando-se ainda qual o tempo e a melhor maneira de lidar com esse assunto.

Dados do Colégio Notarial do Brasil, obtidos por meio da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC) – banco de dados que reúne todos os atos praticados em Tabelionatos de Notas do Brasil – indicam que até agosto/2014, 505 pessoas optaram por realizar formalmente oTestamento Vital em Tabelionato de Notas. Em 2013, foram 475, um crescimento exponencial de mais de 9.400% quando comparado aos cinco atos lavrados em todo o ano de 2009.[1]

Mais adequadamente denominado Diretivas Antecipadas da Vontade (DAV), no meio jurídico, o ato originou-se na década de 1960 nos Estados Unidos e hoje em dia é realizado também em países como Alemanha, Brasil, Espanha, Inglaterra e Portugal.

Acreditamos que este artigo tem por finalidade abranger a importância do esclarecimento das pessoas quanto às diretivas antecipadas, desmistificando, assim, este instituto visando com isso possibilitar que se busque o exercício da cidadania plena, iniciando pelo respeito e pelo resguardo da vontade pessoal quanto ao seu próprio corpo e saúde e demais diretivas, evitando, inclusive, litígio em família quando da incapacidade do instituidor.

  1. Da definição de testamento vital.

Inicialmente, cumpre esclarecer que testamento vital difere do instituto testamento civil com eficáciapost mortem, que é aquele instrumento formal, em que a pessoa realiza a disposição de última vontade, geralmente relativamente a questões patrimoniais, contudo, pode fazê-lo igualmente quanto à questões pessoais como o reconhecimento de filho, por exemplo mas levando em consideração que somente terá efeito com após a sua morte. Já o testamento vital tem eficácia para durante a vida, ou em alguns casos especiais, para depois da morte como na hipótese de doação de órgãos e destinação do corpo.

O Conselho Federal de Medicina, nos termos do artigo 1º da Resolução 1.995, de 9 de agosto de 2012 dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade, como sendo: “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer ou não receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Assim, tendo em vista o exposto, o testamento vital é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável[2], com efeito erga omnes, sendo premente que a pessoa que o institui esteja em pleno gozo de sua capacidade civil e com total discernimento para o ato.
Luciana Dadalto ensina sobre o testamento vital:

é um documento no qual uma pessoa capaz possa indicar seu desejo de que se deixe de lhe aplicar um tratamento em caso de enfermidade terminal”, enquadrando-se no modelo denominado por Beuchamp e Childress de pura autonomia, vez que há expressa manifestação de vontade do paciente, feita enquanto capaz. [3]

O testamento vital ou diretivas antecipadas de vontade nada mais é do que a expressão da vontade do paciente relativamente à forma e ao tratamento que deseja receber ou não na hipótese de doenças crônicas, doenças incapacitantes, estado vegetativo, demência avançada e ou qualquer acidente fatos estes que o impossibilite de dizer o que deseja, podendo ter eficácia em qualquer estágio clínico, não se restringindo apenas a terminalidade da vida uma vez que por razão de causas transitórias poderá estar impedido de exprimir sua vontade.

Importante frisar que a vontade expressa neste documento deve ser cumprida pelos médicos e hospitais, prevalecendo sobre o que expressa a família e os amigos.

Paulo Roberto Gaiger Ferreira ensina ainda sobre testamento vital:

Ato de vontade de quem, prevendo a doença, ou acidente ou a ausência, e a impossibilidade de manifestar a vontade, preleciona diretivas gerais ou específicas sobre o tratamento de saúde, os procedimentos médicos, as disposição sobre o próprio corpo, representante para estas diretivas e para outras de caráter ordinário ou empresarial. [4]

No caso de estar a pessoa incapacitada temporária ou definitivamente para decisões da vida civil, o testamento vital também poderá funcionar como mecanismo de outorga de poderes para terceiro previamente identificado para resolução e condução da vida profissional e empresarial, sendo que este assunto será tratado em artigo científico próprio em razão das suas peculiaridades.

  1. Do Ordenamento Jurídico Brasileiro e dos Fundamentos Legais.
Nosso país ainda não dispõe de uma legislação específica que trate do assunto, o que temos por ora é apenas a Resolução nº 1.995 do Conselho Federal de Medicina que prevê, in verbis:
Resolução CFM Nº 1995 DE 09/08/2012
Publicado no DO em 31 de agosto de 2012
Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, eConsiderando a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;

Considerando a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;

Considerando a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;

Considerando que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;

Considerando que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;

Considerando o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012,

Resolve:

Art. 1º. Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Art. 2º. Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.

§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.

§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.

Art. 3º. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

ROBERTO LUIZ DAVILA
Presidente do Conselho

HENRIQUE BATISTA E SILVA
Secretário-geral

Luciana Dadalto esclarece que esta resolução do Conselho Federal (CFM) de Medicina não legaliza em nosso país as diretrizes antecipadas de vontade, pelo simples fato de não possuir força de lei, posto que o CFM não tem competência para legislar.[5]

Apesar de inexistir legislação própria que trate da matéria, a prática do testamento vital tem se consolidado em nosso país nos últimos anos, isso se dá em razão das pessoas buscarem que suas convicções pessoais sejam efetivamente colocadas em prática em caso de uma incapacidade e também pelo fato de não esbarrar na legislação pátria.

Nos ensinamentos de Paulo Roberto Gaiger Ferreira, o testamento vital tem como fundamentos legais o direito à dignidade (art. 1º, III, da CF); direito à vida (art. 5º, caput, da CF); direito à liberdade de ação (art. 5º, III, da CF); direito à integridade física (art. 5º, III, da CF) e direito à liberdade de crença ou religião (art. 5º, VI, da CF).[6]

  1.  Dos possíveis objetos de cláusulas testamentárias nas diretivas de última vontade e suas vantagens
Por inexistir lei que regulamente a matéria, o instituto é possível e viável desde que respeite o ordenamento jurídico, assim, elencamos alguns possíveis objetos de cláusulas testamentárias constantes de um testamento vital no que tange à saúde e ao tratamento médico em caso de terminalidade da vida ou incapacidade civil:
  • Ser ou não informado acerca de um diagnóstico funesto;
  • Escolha pela morte dilatada ou breve, ou seja, distanásia ou ortotanásia;
  • Utilização ou não de aparelhos e equipamentos para prolongamento da vida de forma artificial;
  • Recebimento de bolsa de sangue e ou de órgãos;
  • Recusa e ou aceitação de cuidados e tratamentos ditos fúteis (Exemplo de tratamento fútil entubação, transfusão de sangue; traqueostomia; amputação; reanimação; hemodiálise, dentre outros);
  • Doação de órgãos;
  • Destinação do Corpo com a morte;
  • Direitos da personalidade;
  • Nomeação de um procurador;
  • Cláusula de representação: mandato para tratamento médico; com fins ordinários; com poderes especiais e ou com fins empresariais;
  • Revogação em caso de retorno da consciência;
  • Autorização de violação de domicílio, com justa causa;
  • Eleição do local da morte;
  • Como deseja que as exéquias ou cerimônias ou honras fúnebres sejam realizadas.

A doação de órgão mediante diretivas antecipadas é tema polêmico já que esta doação pressupõe a morte, assim, muitos entendem que o testamento vital deve gerar efeitos somente durante a vida, não podendo ser clausulado no que tange a este aspecto. Bem se sabe que a lei nº 9.434/1997 alterada pela lei nº 10.211/2001 regula a doação de órgãos no Brasil e que mesmo havendo qualquer manifestação de vontade da pessoa no sentido de doar seus órgãos, se a família não autorizar, nada é realizado nesse sentido.[7]Assim, com vistas a garantir à pessoa que sua vontade será cumprida após sua morte é que entendemos ser plausível a disposição no testamento vital de cláusula acerca da doação de seus órgãos.

O respeito à vontade do paciente, permitindo a realização do direito à autodeterminação preventiva, a busca pela redução do impacto emocional e da alta carga de responsabilidade dos familiares no que tange à tomada de decisões quanto à saúde do instituidor são atribuições positivas que prestigiam a pessoa do instituidor e minimizam conflitos familiares em momentos de dor e de carga emocional intensa.

André Dias Pereira e João Maia Rodrigues preconizam acerca do instituto testamento vital:

Ao testamento do paciente costumam ser apontadas certas vantagens. Primeiramente, têm por base a vontade do paciente e permitem a realização do direito à autodeterminação preventiva. Por outro lado, o testamento vital reduz o impacto emocional de tomar decisões aos familiares e aos médicos. Estes documentos configuram uma expressão do princípio constitucional da liberdade de expressão do pensamento e de culto e apresentam-se como uma barreira à obstinação terapêutica ou “encarniçamento terapêutico”, visando com isso a preservação da dignidade humana no fim da vida. [8]

Além de algumas vantagens enumeradas, podemos dizer que o testamento vital impõe outras possibilidades como a garantia da morte digna, a autonomia da vontade, o respeito à relação médico-paciente e a dignidade da pessoa humana, afastando-se da eutanásia que não é permitida em nosso ordenamento jurídico.

A redação de um testamento vital e a nomeação de um procurador de cuidados de saúde pode ser visto como um grande benefício para aqueles pacientes acometidos de doenças degenerativas, uma vez que podem utilizar deste instrumento para planejar e traçar diretrizes para momentos de falta de lucidez e incapacidade, podendo, além de declarar os tratamentos que deseja ou não receber, designar a pessoa próxima ou de confiança que gostaria que tomasse as decisões clínicas em diálogo com a equipe médica, assim como prever situações de representação empresarial em caso de ser empresário e ter um negócio ativo.

André Dias Pereira e João Maia Rodrigues alertam:

A indicação de que a manifestação da vontade seja feita perante um notário, nesta matéria tão específica, pessoal e delicada, justifica-se, desde logo, porque a plena validade jurídica destes documentos depende da verificação idônea, segura e autêntica dos seguintes requisitos: a) que a pessoa é maior de idade; b) que é capaz para o pleno exercício dos seus direitos; c) que manifesta a sua vontade estando consciente, livre de qualquer pressão ou imposição de outrem; d) que está esclarecida relativamente aos efeitos práticos e jurídicos daquilo que pretende; e e) que o expressa de uma forma clara e inequívoca.[9]

Estabelecidas as diretrizes de vontade quanto aos termos do testamento vital, especialmente se lavrado por escritura pública e em termos válidos, não há que se falar em seu descumprimento seja pela família, pelo médico ou pelo hospital.

  1. Da Forma e da Validade do Ato.

Pelo fato de inexistir no ordenamento jurídico legislação específica sobre o tema testamento vital não há que se falar em uma forma pré-definida, entretanto, a fim de dar fé pública ao ato recomenda-se que o testamento vital seja lavrado por escritura pública no Tabelião de Notas.

Indica-se ainda que o instrumento público do testamento vital se encontre contido no prontuário médico, a fim de dar publicidade ao hospital e à equipe médica acerca dos desejos do instituidor. E para que seja válido, o testamento vital não pode conter cláusula contrária à lei e aos bons costumes.

Assim como qualquer disposição de vontade da pessoa, o testamento vital poderá ser revogado a qualquer tempo, antes da incapacidade ou morte, nos termos acima. E, por fim, recomenda-se que a elaboração do testamento vital seja supervisionada por um profissional da área médica, especialmente um médico e um profissional da área jurídica, notadamente a figura do advogado, preferencialmente especializado na área a fim de evitar transtornos e possível nulidade do ato.

  1. Da importância do testamento vital.

Bem se sabe que em momentos difíceis de terminalidade da vida, situações clínicas irreversíveis e terminais, incapacidade temporária e ou definitiva, as pessoas envolvidas nestes processos estão, muitas vezes, emocionalmente esgotadas, cansadas e com receio da morte. Os conflitos de interesse, de filosofia e religiosos podem fazer com que essa fase de terminalidade ou momento de incapacidade sejam conflituosos e de brigas em família, inclusive até mesmo com o profissional da saúde como médicos e enfermeiros.

Mais do que estar ou não disposto em lei, o instituto do testamento vital busca resguardar a vontade do instituidor face ao médico, ao hospital, aos parentes e amigos, resguardando, desta feita, que o anseio pessoal daquele que apostou seu desejo seja efetivamente cumprido.

Stancioli nos ensina que não há uma fonte moral única capaz de ser a matriz de valores que conduzam à vida boa, nesse sentido preconiza: “A opção por afirmar valores válidos para toda a sociedade foi substituída pela possibilidade dada aos interlocutores de construírem, pragmaticamente, os valores constitutivos da pessoa humana, em cada contexto.”[10]

Pode-se constatar uma mudança de paradigma, de atitude e de postura dos profissionais da saúde no tocante a prática do testamento vital, já que aquele paternalismo antigo presente nas relações médico–paciente de outrora dão lugar à autonomia e consciência do paciente que manifesta sua vontade quanto à aceitação ou não de determinado tratamento, remédio ou terapêutica, enfim, tudo que envolva a qualidade de vida do instituidor, dentre outras possibilidades.

Assim é o entendimento de Leo Pessini:

Felizmente, já passou a época em que as decisões eram tomadas apenas pelos médicos. Hoje, entende-se que tanto os pacientes quanto suas famílias devem também participar do encaminhamento das soluções médicas, em prol de posições mais humanas e dignas tanto para a vida quanto para a morte.[11]

Trata-se de colocar em prática o princípio do auto-governo, de a pessoa pensar e externalizar diretrizes de condução de sua vida em caso de um dia não poder fazê-lo de forma consciente, ou seja, a pessoa é protagonista de sua história até mesmo quando não está consciente e capaz juridicamente. Este autogoverno nada mais é do que a autonomia, que nos dizeres de Renata de Lima Rodrigues e André Ruger representa o poder de estabelecer por si, e não por imposição externa, as regras da própria conduta.[12]

Na qualidade de seres humanos possuem pessoalidade esta que não é pressuposta, tão pouco imposta, pois ela é construída por meio das escolhas seja por ação ou omissão, devendo ser assumidas pelo ser enquanto ser livre, agente da própria vida e autor da sua individualidade. [13]

O respeito às diretivas antecipadas além de possibilitar o exercício do direito de escolha podem aumentar a satisfação dos pacientes e ainda aliviar a ansiedade e duvidas dos familiares.[14]

Na visão de Sánchez citado por Luciana Dadalto as instruções prévias dispostas em um testamento vital visam garantir ao paciente que seus desejos serão atendidos quando do fim da sua vida, bem como propicia à equipe médica um respaldo legal para a tomada de decisões em situações conflitivas. [15]

Relevante é asseverar que o testamento vital não se serve para prever a possibilidade de eutanásia[16], uma vez que esta é crime e nem mesmo a vontade manifesta documentalmente tem o condão de descriminalizar a conduta.

Há quem deseja em caso de terminalidade prolongar ao máximo o tempo de sua vida, independentemente da qualidade da mesma, como se a morte fosse uma terrível inimiga, a isso chamamos de distanásia.[17]

O suicídio assistido nos dizeres de Luciana Dadalto “é o resultado da própria ação do paciente que, com a ajuda de terceiros, provoca a morte”. [18] Já a mistanásia é algo que presenciamos em nossa sociedade brasileira, mas que não gostaríamos que existisse representada pela morte miserável do ser, em razão de omissão de socorro, erro médico, imprudência, negligência e imperícia. [19]

O testamento vital pode servir para apresentar cláusulas com o conteúdo da ortotanásia, que nos ensinamentos de Leo Pessini[20] nada mais é do que “a arte de bem morrer”, bem como o indivíduo pode desejar dispor em suas diretivas de ultima vontade a distanásia, já que sacraliza a vida e busca prolongá-la o quanto mais.

Abordamos até agora a importância do testamento vital no âmbito da medicina e dos cuidados com a saúde, entretanto, este instrumento não se restringe somente a estas questões. Podemos dizer ainda que o testamento vital pode dispor de cláusulas relativas à representação, seja em âmbito pessoal como empresarial.

Por fim, podemos dizer que o testamento vital tem como funcionalidade o respeito pela autonomia privada do instituidor, desde que fundados em fundamentos éticos, não contrários aos bons costumes e à legislação pátria.

  1.  Das Considerações Finais.

Concluímos que enormes avanços foram reconhecidos em nossa sociedade ao elaborar a Resolução do Conselho Federal de Medicina que trata das diretivas antecipadas de vontade, buscando atribuir ao ser humano o direito de escolher a melhor forma de tratamento médico a que será submetido, respeitando, assim, a autonomia da vontade aliada à correta orientação clínica, com o estabelecimento de relação de confiança entre o médico e o paciente e a família. Contudo, almeja-se uma legislação específica que trate sobre o assunto, a fim de salvaguardar a vontade da pessoa quanto à sua própria vida como é o caso da Espanha.

Bem se sabe que a vida é o maior bem que possuímos, no entanto, os demais direitos fundamentais devem ser respeitados, especialmente se estiverem apostos em um instrumento de diretivas antecipadas de vontade.

Pretende-se com este artigo socializar a ideia de que temos a faculdade de delimitar aspectos que julgamos relevantes em nossa vida quanto à terminalidade da vida ou momentos de incapacidade civil por meio do testamento vital que busca resguardar o respeito e a dignidade da pessoa, prevalecendo, com isso, o direito à morte digna.

Compete exclusivamente a cada pessoa, que pode ser orientada por um profissional da área da saúde, bem como do direito, deixar previamente clausulado se aceita ou recusa os tratamentos que lhe serão oportunamente apresentados, se deseja ou não prolongar sua vida artificialmente e, se o deseja, quais os limites; se opta por determinado tratamento inovador ou não e, pode ainda instituir representante e mandatário para vários fins.

Para finalizar encerramos nossas considerações com a esperança que o legislador possa regulamentar este instituto, garantindo, assim, tratamento digno e humanizado a todos, especialmente àqueles que buscam de forma antecipada dispor sobre seus anseios no momento mais delicado de suas vidas que a na terminalidade.

  1. Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.BRASIL. Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001. Dispõe sobre a alteração de dispositivos da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento”.

BRASIL. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.

BRASIL. Resolução CFM nº 1995 de 09 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de pacientes.

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[1]Cartórios brasileiros registram crescimento recorde de Testamentos Vitais.<http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDc5NQ==>.Disponível em: -3 de novembro de 2015.
[2] DADALTO, Luciana. Testamento vital. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 3.
[3] DADALTO, Luciana. Aspectos registrais das diretivas antecipadas de vontade. Disponível em: <http://testamentovital.com.br/wp-content/uploads/2014/09/Aspectos-registrais-das-dav-civilistica.com-a.2.n.4.20131.pdf>. Acesso em 20/10/2015.
[4] FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. O testamento vital no Brasil: realidade e prática notaria. I. Simpósio Notarial Mineiro. Belo Horizonte, 2012.
[5] DADALTO, Luciana. Op. Cit. p. 164.
[6] FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Op. Cit.
[7] Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001).
[8] PEREIRA, André Dias; RODRIGUES, João Maia. Testamento Vital e Procurador de Cuidados de Saúde. Disponível em: <http://alzheimerportugal.org/pt/text-0-9-43-49-testamento-vital-e-procurador-de-cuidados-de-saude>. Acesso em 09 de novembro de 2015.
[9]Op. Cit.
[10] STANCIOLI, B. Renúncia ao exercício de direitos da personalidade ou como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010 apud. MARTINEZ, Sergio Rodrigo. ZALUSKI BELO, Skarleth. Os pacientes terminais e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em:<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/08/Martinez-e-Belo-civilistica.com-a.4.n.1.2015.pdf>. Acesso em 15/10/2015.
[11] PESSINI, Leo. Eutanasia: porque abreviar a vida? São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo, 2004, p. 274.
[12] RODRIGUES, Renata de Lima; RUGER, André. Autonomia como princípio jurídico estrutural. In FIUZA, Cesar; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire. Direito Civil: atualidades II. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 4.
[13] SÁ, Maria de Fátima; MOUREIRA, Diogo Luna. Sujeitos de direitos e tecnologia da vida: as dimensões da pessoalidade e os desafios do direito moderno. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=IGiPAwAAQBAJ&pg=PT22&dq=diretivas+antecipadas+de+vontade&hl=pt-BR&sa=X&redir_esc=y#v=onepage&q=diretivas%20antecipadas%20de%20vontade&f=false>. Acesso em 14 de outubro de 2015.
[14] GONZÁLEZ, Miguel Angel Sánchez. Um novo testamento: testamentos vitais e diretivas antecipadas. Trad. Diaulas Costa Ribeiro. In. BASTOS, Eliene Ferreira; SOUZA, Asiel Henrique. Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 93.
[15] DADALTO, Luciana. Op.Cit. p. 99.
[16] A eutanásia propriamente dita é a promoção do óbito. É a conduta, através da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida. (SÁ, Maria de Fátima Freire de.Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 39).
[17] PESSINI, Leo. Op. Cit. p. 218.
[18] DADALTO, Luciana. Op. Cit. p. 53.
[19] Mistanásia. Dicionário Informal. Disponível em:<http://www.dicionarioinformal.com.br/mistan%C3%A1sia>. Acesso em 12 de outubro de 2015.

[20] PESSINI, Leo. Op. Cit.

___________________

*Wendell Salomão: Escrevente do 5º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto/SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Qualificador Registral pela ARPEN/SP. Membro Diretor do IBDFAM/RP. Autor de artigos. Ministro de aulas e palestras.

*Cristiane Bassi Jacob: Advogada especializada em Planejamento Patrimonial e Direito Sucessório. Mestre em Direitos Coletivos e Função Social do Direito. Com especialização em Direito Processual Civil e em Direito Empresarial. Coordenadora do Centro de Estudos Avançados em Direito Sucessório e ITCMD em Ribeirão Preto/SP.

Fonte: Notariado | 12/11/2015.

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Artigo: 450 anos do Notariado Brasileiro – O notário contra a burocracia ineficaz – Por Ubiratan Guimarães

*Ubiratan Guimarães

A comemoração dos 450 anos de notariado brasileiro reuniu aproximadamente mil notários de vários países, motivados pelos quase cinco séculos de atuação notarial no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro em um evento sem precedentes sob o signo do XX Congresso Notarial Brasileiro, que incluiu, ainda, a II Seção Plenária da Comissão de Assuntos Americanos, a II Seção Plenária da União Internacional do Notariado Latino e 2ª Conferência Afro-americana de Direito Notarial, sendo prestigiado por diversas autoridades nacionais e internacionais.

O lema do evento foi “Reverenciar o passado para construir o futuro” e na abertura oficial havia notários dos 26 estados e do Distrito Federal, além dos presidentes dos notariados de 86 países que praticam o mesmo sistema notarial brasileiro e que integram a União Internacional do Notariado (UINL), o que representou um marco inédito na história da atividade no Brasil. Dentre as autoridades que prestigiaram o evento estiveram o presidente da União Internacional do Notariado, notário Daniel Sendar-Senghor, do Senegal, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta,  presidentes de diversos Tribunais de Justiça do país, dentre os quais o Presidente do Tribunal de Justiça Paulista, Desembargador José Renato Nalini, o Corregedor Geral da Justiça, recém aposentado, Desembargador Hamilton Elliot Akel, e o atual Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino. Nos dias que se sucederam, o Congresso foi prestigiado pela presença do Excelentíssimo Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.

A sociedade brasileira pode não se aperceber, diante da confusa crise política e econômica que aflige o Brasil, mas poucas instituições nacionais podem orgulhar-se de ter 450 anos de história de prestação de serviço contínuo e eficaz à sociedade. A presença do notário é responsável por evitar inúmeros litígios e assegurar que a vontade dos cidadãos esteja juridicamente consignada em acervos perenes e protegidos.

Cabe, neste momento em que o Brasil vê a fragilização das instituições estatais, refletir sobre a importância da existência de sólidas bases documentais no País. Mas ao contrário da valorização, nesse contexto, a palavra burocracia foi rotulada como algo ruim, lento e prejudicial. E, na mesma esteira, o prefixo “des” fez nascer um conceito que promete ser o salvador da pátria, ou melhor, salvador da eficiência – A tal desburocratização.

Antes de estigmatizar um conceito, tomando-o por algo bom ou ruim, importa em primeiro plano compreender exatamente o alcance e a definição a que se vincula o vernáculo. A etimologia da palavra Burocracia, de acordo com o dicionário HOUAISS, é o sistema de execução da atividade pública, por meio de um corpo complexo de funcionários lotados em órgãos, secretarias, departamentos etc., com cargos bem definidos, selecionados e treinados com base em qualificações técnicas e profissionais, os quais se pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e uma hierarquia com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas, gozando de estabilidade no emprego.Portanto, há a boa burocracia, responsável pela organização e funcionamento do Estado, assim como a má burocracia, que apenas gera custos à sociedade.

Assim, despindo-se de todos os pré-conceitos, nota-se que a burocracia pode ser  algo extremamente positivo, se construída em torno de um elemento de organização, ou seja, uma estrutura que permita aos usuários de um determinado serviço seguirem um procedimento encadeado, cujas funções são designadas para colaboradores que exercem trabalhos específicos a fim de alcançar a maior eficiência possível, algo muito próximo de uma produção em massa (Fordismo).

Na atual realidade brasileira o mais importante é dotar os órgãos públicos de mecanismos que façam com que a burocracia esteja a serviço da sociedade, prestando um bom serviço, com eficiência e economicidade. Os serviços públicos devem ser prestados por profissionais selecionados pelo mais republicano dos métodos: a meritocracia, e não pelo apadrinhamento político que aparelha ineficientemente o Estado. Falar em desburocratização pura e simplesmente é o mesmo que buscar uma forma de acabar com todos os procedimentos e processos criados para prestar serviços ao cidadão. Mais correto será a racionalização dos processos e da prestação dos serviços, pois o necessário não é acabar com a burocracia, mas sim aprimorar os procedimentos para eliminar as fases que procrastinam a prestação efetiva dos serviços.

Apenas para ilustrar e colocar a questão no âmbito notarial, a ideia de eliminar o reconhecimento de firma para transferência de veículos automotores, a princípio, parece atraente, afinal os detratores do sistema notarial entendem que o reconhecimento de firmas detém o status de medida burocrática e desnecessária. Contudo, nota-se que o reconhecimento de firma “por autenticidade” realizado pelos cartórios de notas para transmissão de veículos  exige que os contratantes compareçam pessoalmente perante o notário e, em razão da fé pública do tabelião, há aceitação pelo Departamento de Trânsito para viabilizar a transferência. O que não se divulga é que com essa modalidade de reconhecimento de firma as fraudes nas transferências de veículos caíram para índices próximos a zero, pois a atuação notarial confere segurança jurídica e o notário responsabiliza-se pessoalmente pela higidez dos atos que pratica.

Não se discute acerca da possibilidade de os cidadãos comparecerem pessoalmente perante os órgãos públicos, como por exemplo o Departamento de Trânsito, para receber a prestação dos serviços, mas o fato é que excluir o reconhecimento de firma fará com que todos os usuários que antes iam ao cartório migrem para a repartição pública. Pergunta-se: será que o órgão público suportará o volume de pessoas procurando diretamente no Estado a prestação do serviço? Será esse o intuito dos que defendem que o reconhecimento de firmas seja abolido?

Os reconhecimentos de firma e as autenticações, apesar de serem tratados como entraves, são, na verdade, ferramentas à disposição da população que servem justamente para que os cidadãos não precisem comparecer pessoalmente em repartições públicas ou privadas que exigem a confirmação da assinatura ou a apresentação de um documento original. Em outras palavras, não é a lei ou norma que exigem esses procedimentos, mas sim a própria população que os incorporou diante da inviabilidade de comparecimento pessoal, seja por motivos pessoais ou pela deficiência do atendimento daquele que exige o documento.

Ao invés de exigir que os órgãos públicos aumentem de tamanho, o que certamente importará em aumento das despesas públicas, o governo deveria valorizar e cuidar dos processos já existentes. Os serviços extrajudiciais não custam absolutamente nada para o Estado, na verdade, eles sustentam boa parte da máquina estatal. O que não é divulgado à população é que o dinheiro pago pelas escrituras e registros têm uma parte substancial repassada aos cofres públicos e, a parte que fica na mão do notário ou do registrador destina-se a manter toda a estrutura física e de pessoal do cartório.

Outra questão que merece um olhar mais cuidadoso é a responsabilidade dos delegados do serviço público. No caso referido acima, o reconhecimento de firma, que tem um custo ínfimo perto do negócio que está protegendo, é de total responsabilidade dos tabeliães de notas. De forma que, excluindo-os, as partes assumirão completamente o risco de eventual fraude documental.

Essa é apenas uma faceta dos trabalhos realizados diariamente pelos tabeliães de notas de todo o Brasil. Há uma constante luta institucional para esclarecer a população de que esses profissionais auxiliam e assessoram toda a sociedade com medidas preventivas. A marca de 450 anos de notariado é a marca dos quase cinco séculos de burocracia, mas esta burocracia saudável é a responsável por proteger toda sorte de formalização de negócios jurídicos com a chancela da fé pública, além de documentar fatos comuns à vida que precisam ser guardados.

Reconhecer a história daqueles que precederam o notariado atual é o primeiro passo para planejar e construir o futuro do notariado. Durante a realização do XX Congresso Notarial, o Secretário da Reforma do Judiciário, Marcelo Veiga, falou sobre a importância do notariado no contexto atual da sociedade: “A população tem uma grande confiança no trabalho que vocês desenvolvem, diversas pesquisas comprovaram isso. É extremamente importante que possamos continuar juntos nessa trajetória, pensando em alternativas na busca da justiça”, relatou.

O XX Congresso serviu de palco para tratar com profundidade sobre as questões relacionadas à importância da participação dos notários na sociedade, especialmente com a presença do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que apontou a desjudicialização como um dos bons resultados decorrentes da crescente utilização dos serviços extrajudiciais. O ministro Fux disse textualmente: “Não há nada mais legitimador que os atos notariais, pois são documentos dotados de fé pública que provam as declarações das partes perante o um profissional de Direito”. Ainda segundo o ministro o novo CPC aumentará a atuação do notário na sociedade, devido a capilaridade e segurança jurídica que os Tabelionatos oferecem aos usuários. “É óbvio que se alguém precisar de um documento preferirá ir a um cartório, ao invés de entrar na Justiça”, destacou.

Em seguida, no mesmo tom, o Presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Antônio Gustavo Rodrigues, explicou a importância dos notários no combate à corrupção e lavagem de dinheiro, na medida que por meio das procurações e escrituras públicas é possível rastrear os “laranjas” que movimentam patrimônios adquiridos ilegalmente.

Assim, caríssimos leitores, o presente artigo serve não só para marcar a celebração dos 450 anos do notariado brasileiro, mas também para lembrar que da evolução e aprimoramento que a atividade extrajudicial vem experimentando no Brasil decorre a importância para a sociedade da manutenção e valorização desta atividade cujos profissionais são garantidores de preservação de litígios.

__________

* Ubiratan Guimarães é Tabelião de Barueri (SP), Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB-CF) e Membro do Conselho de Direção da União Internacional do Notariado (UINL).

Fonte: Notariado | 05/11/2015.

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Artigo: Renúncia de herança e outorga do cônjuge – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

*Marco Antonio de Oliveira Camargo

Renuncia de herança e outorga do cônjuge.

Não se deve ignorar o fato de que existe polêmica na doutrina acerca da necessidade de outorga conjugal para a realização de documento que venha a formalizar a renúncia ao direito de recebimento de herança

Existe uma corrente que entende desnecessária (Maria Helena Diniz e Washington de Barros) e outra, que contrariamente, defende sua imprescindibilidade quando for o herdeiro casado em qualquer dos regimes, que não seja o da separação convencional.

Assim lecionam Francisco Cahali e Giselda Hironaka:- “tratando a sucessão aberta como imóvel a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge (…). Considera-se que a ausência do consentimento torna o ato anulável, uma vez passível de ratificação (RT, 675/102); no mesmo sentido: RTJ, 109:1086)”.

Igualmente Zeno Veloso entende imprescindível a outorga do cônjuge pelo renunciante casado (salvo se o regime de bens for o da separação absoluta, regulamentado pelo art. 1.647 do CC), visto que a herança, por lei, é considerada imóvel e a renúncia seria equivale a uma alienação.

DELIMITANDO O TEMA

O ponto que se pretende analisar com algum detalhamento neste despretensioso artigo é a renúncia pura, a única que realmente pode ser assim definida.

Diferentemente deste tipo de renúncia – pura – uma existe forma de transmissão de direito hereditário que pode ocorrer após a aceitação da própria herança. Para ser possível este tipo de cessão é preciso que, ainda antes de se cogitar na possibilidade de sua ocorrência, que ocorra a aceitação do direito se pretenda transmitir.

É forma de transmissão que a doutrina denomina renúncia traslativa, que, efetivamente, renúncia não é. Trata-se de uma forma de cessão de direitos ao recebimento da herança e não de uma renúncia do recebimento dela.

Existem características singulares no direito à sucessão aberta.

O mais fundamental dos elementos caracterizadores do instituto é conhecido pelo nome francês “droit de saisene”.

Esta genial construção da ciência do direito tem o mérito de evitar a inconveniência de se conceber que alguma propriedade possa vir a ser considerada, ainda que por algum momento e situação particular, como algo sem dono.

Por uma ficção da lei a herança se transmite, com a morte do proprietário, imediatamente aos seus herdeiros.

Mas esta criação do direito tem uma dificuldade prática.

Ninguém pode, legitimamente, ser obrigado a receber um direito que não lhe interessa.

Portanto é absolutamente necessário que o herdeiro manifeste de alguma maneira sua intenção de aceitar aquela herança que, regra geral, lhe é benéfica e interessante.

Não se negue o fato de que pode existir situação em que o recebimento de uma herança não é de interesse do herdeiro. Perfeitamente possível que um indivíduo não queira receber algum tipo de bem (ou uma fração ideal dele) se, para tanto, se mostre necessário realizar um inventário oneroso e complexo, ou possível fonte de disputas e querelas, ou ainda que um processo que, ao final, resultará em pagamento de valor proporcionalmente muito pequeno.

Não raro, em famílias numerosas, acontece de um ou mais herdeiros preferir a renuncia ao direito de receber uma diminuta fração ideal em bem imóvel (ou móveis) cujo uso efetivo dificilmente virá em ocorrer.

Será muito mais fácil ficar fora do conflito e deixar para os parentes o ônus da realização do inventário e, depois, a superação do inevitável conflito pela posse e uso (ou alienação) do imóvel tornado comum pelo falecimento do autor da herança.

TOMANDO PARTIDO E ABANDONANDO A POLÊMICA

É sempre confortável adotar uma postura e permanecer alinhado ao pensamento de algum renomado doutrinador. Mas em alguns casos, em que existe polêmica e divergência isso não é muito fácil e tranquilizador.

Já no início deste texto pontuou-se a existência da divergência doutrinária sobre o tema.

Em situações específicas e especiais, motivado por alguma filigrana do tema, ou simplesmente em razão de, na análise do assunto ter ocorrido um estudo menos acurado ou, quiçá, tenha ocorrido a influencia de outro pensador igualmente equivocado, mas é fato que até mesmo renomados doutrinadores erram. É preciso aceitar tal limitação do intelecto.

Os grandes sábios são os primeiros a reconhecer limitações e possibilidade de errar. Diante da polêmica, em havendo dúvida, o melhor é pensar por si próprio; tirar conclusões com base em raciocínios próprios (não pelos raciocínios prontos).

HERANÇA É BEM IMÓVEL

O direito a sucessão aberta é considerado bem imóvel por um clara ficção legal . Não existe nenhuma margem de dúvida sobre esta característica singular, expressamente enunciada no inciso II do artigo 80 do Código Civil.

Como bem imóvel que é, para alienar ou gravar o direito ao recebimento de herança, por transmissão onerosa ou gratuita (renúncia traslativa incluída), a anuência do cônjuge é necessária, sendo dispensável apenas em caso de regime de separação absoluta (cf. art.1647, I do CC).

Questiona-se então: O que, exatamente significa alienar ou gravar um direito real? (outros nomes para os mesmos tipos de negócio seriam: transmitir ou onerar). Verdadeiramente não é necessário por ora e para o quanto aqui se propõe, um grande aprofundamento nesta questão. Para a solução do tema que se comenta, basta ressalvar e aceitar como verdade inquestionável a evidência que se impõe a qualquer raciocínio correto e de conformidade com o Direito: somente é possível alienar ou gravar, legitimamente, um direito que seja próprio.

Ou, em outras palavras: não se pode alienar ou gravar um direito que não exista na esfera patrimonial de quem pretenda dele dispor ou usar de qualquer forma.

Um condômino pode renunciar ao direito de preferência que lhe assiste na aquisição de uma fração de propriedade comum. O titular do direito de usufruto, ou de uma servidão predial, pode renunciar a seu direito. Enfim, no Direito, são várias as possibilidades de ocorrer renúncia e a renúncia à sucessão aberta é apenas uma delas.

A forma como tal renúncia deve ocorre está expressamente regulamentada pelo artigo 1806 do CC, verbis: A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

A forma da renúncia ao direito à sucessão aberta está regulamentada pelo citado dispositivo. mas não existe comando legal expresso que defina a obrigatoriedade de anuência do cônjuge para a validade de instrumento formal de renúncia do direito à sucessão aberta.

A exigência de anuência do cônjuge, conforme acima citado, resulta de uma interpretação da regra geral que determina ser tal anuência obrigatória para todos os casos de alienação ou oneração de direito real (com a exceção da dispensabilidade dela no regime de separação convencional).

Inexistente o comando específico a determinar tal providência – anuência do cônjuge para a realização de renúncia formal ao direito de sucessão aberta – parece coerente apoiar a conclusão simples, pulo silogismo, que se apresenta como válida: A sucessão aberta é um direito real, para alienação de direito rela é necessária a anuência do cônjuge, logo, para alienar o direito à sucessão aberta é necessária a anuência do cônjuge.

Esta lógica é, de fato, verdadeira. Para alienar ou gravar tal direito é necessária a anuência do cônjuge.

Entretanto, muito diferentemente disso, para adquirir tal direito não existe a menor possibilidade e se conceber este tipo de conclusão como necessária.

SÓ SÉ TRANSMITE O QUE É PRÓPRIO

É evidente que somente se pode alienar ou gravar o que é próprio. Portanto, antes de se conceber possível qualquer forma de transmissão ou oneração de direito ou propriedade é preciso que exista a aquisição do direito ou da coisa a ser alienado ou gravado.

O disposto no caput do art.1804 do CC é muito claro (e já objeto de comentário acima). A herança considera-se transmitida ao herdeiro após a aceitação dele.

Contudo, o parágrafo único deste mesmo artigo, dispõe, com igual clareza que, em não existindo aceitação (por renúncia expressa de tal direito) não haverá a ocorrência da própria transmissão do direito à sucessão.

Evidente que, se inexistente a transmissão, impossível cogitar-se acerca de possibilidade da alienação ou oneração.

Aceitar o direito atribuído pela Lei ou pela vontade do autor da herança (pode-se conceber a existência de legado testamentário) é condição básica e fundamental para qualquer conclusão acerca da necessidade, ou desnecessidade, de anuência conjugal para a alienação ou oneração de tal direito.

Não parece haver margem de dúvida sobre a mais fundamental característica da situação jurídica conhecida como aceitação: é um ato personalíssimo.

Para considerar aceita uma herança, o Código Civil, em regulamento muito diferente daquele determinado para outras situações, pouca formalidade exige. A aceitação da herança será considerada tácita, resultado da simples prática de atos próprios de quem age na qualidade de herdeiro (confira-se o artigo 1805 e as exceções dos parágrafos 1º e 2º).

O engano verificado em respeitável doutrina é que não se atentou a uma particularidade da situação representada pelo caso específico da renúncia à sucessão aberta. Diferentemente do que ocorre com outros direitos reais já constituídos e que, de uma maneira ou de outra, interessa ao casal e integra a denominada “comunhão de vidas” (bela expressão utilizada pela lei), cuja alienação ou oneração sujeita-se à regra geral da anuência para a alienação ou oneração.

O direito à sucessão aberta (ou, em outras palavras, o direito ao recebimento de herança), tem seu surgimento no mundo jurídico condicionado a um ato de vontade de pessoa colocada na posição de herdeiro ou legatário, por força de lei ou de legado, ato este personalíssimo e que se denomina aceitação.

Tal direito especial pode simplesmente não existir se não for aceito.

FUNDAMENTAL É A ACEITAÇÃO

Deveras, o ato unilateral e pessoal de aceitar a sucessão não pode, de modo algum, ser considerado como alienação ou oneração de um direito. Fundamentalmente antes disso, ele é pré-condição necessária para a existência do próprio direito e, por sua natureza, não pode ser legitimamente condicionado à qualquer espécie de interferência ou anuência conjugal.

Antes de interessar ao casal, a aceitação ou renúncia do recebimento de uma herança é ato que interessa ao indivíduo em sua singular posição de herdeiro ou legatário de uma pessoa falecida. Decidir-se pela aceitação ou pela renúncia ao recebimento de herança é prerrogativa personalíssima de um herdeiro e, como tal, ninguém, nem mesmo o cônjuge do herdeiro, pode legitimamente, condicionar ou impedir tal aceitação – ou renúncia ao recebimento deste direito.

CONCLUINDO

No início da reflexão sobre o assunto poderia existir dúvida sobre qual orientação doutrinária seguir. Poderia se conceber alguma dificuldade na compreensão e aplicação dos comandos legais quando se viesse a enfrentar alguma situação prática em que o herdeiro não pretende concorrer à herança a que faz jus. Desapaixonadamente analisando o instituto da aceitação o convencimento que se impõe é que de a aceitação do direito à sucessão aberta é ato personalíssimo e não pode depender de qualquer participação do cônjuge ou de terceiros.

A aceitação da herança é direito essencialmente potestativo do herdeiro ou legatário. É um caso típico de poder absoluto que, em Direito, se concede ao cidadão.

Parece inquestionável o fato de que, mesmo contra a vontade de seu cônjuge e de qualquer outra pessoa, pode o herdeiro aceitar ao seu direito sucessório.

Somente após a ocorrência da aceitação é que se passa a considerar este direito à sucessão aberta – espécie singular denominada “direito real” – como existente na esfera patrimonial do herdeiro ou legatário.

Uma vez aceita esta herança, se o herdeiro pretender transmitir este direito, por qualquer forma e título, deverá ele sujeitar-se à regra geral que exige, quando não se estiver diante de casamento regulado pelo regime da separação total de bens, a anuência de seu cônjuge.

Entretanto, muito diferentemente disso, quando o herdeiro decidir pela renúncia de seu direito, para a escritura pública a ser obrigatoriamente lavrada em tabelionato (ou para a renúncia documentalmente formalizada nos autos judiciais), não será necessária qualquer participação ou anuência de seu cônjuge, independentemente do regime adotado em seu casamento.

Respeitando a posição de quem afirma o contrário, a conclusão aqui alcançada, parece ser a única que possui coerência com a inteligência da lei atualmente em vigor e os princípios que regulam a transmissão da herança e os direitos patrimoniais dos diferentes regimes de bens existentes em nosso ordenamento.

Fonte: Notariado | 06/11/2015.

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