CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiros contra os quais pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais – Indisponibilidades que, entretanto, não impunham aos herdeiros o dever de aceitar a herança – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados.

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001772-70.2020.8.26.0263

Comarca: ITAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Registro: 2021.0000973510

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263, da Comarca de Itaí, em que é apelante CELIA PEREIRA BUNDER, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Apelante: Celia Pereira Bunder

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itaí

VOTO Nº 31.644

Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiros contra os quais pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais – Indisponibilidades que, entretanto, não impunham aos herdeiros o dever de aceitar a herança – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados.

1. Trata-se de apelação interposta por Célia Pereira Bunder contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaí/SP, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro de escritura de inventário e partilha tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 5.046 e 5.047 da referida serventia extrajudicial (fl. 119/122).

Alega a apelante, em síntese, que os imóveis em questão foram adquiridos na constância de seu casamento com Juveniano Mario Almaceu Bunder, falecido em 27 de junho de 2017. Afirma que, na escritura de inventário e partilha lavrada, os herdeiros filhos, Mariwalton Bunder, Douglas Bunder e Jefferson Bunder renunciaram à herança deixada pelo pai, nos termos do art. 1.806 do Código Civil. Esclarece que, à época, não havia sido decretada a indisponibilidade dos bens dos herdeiros renunciantes, Mariwalton Bunder, Douglas Bunder, tal como apurado em consulta realizada quando da lavratura do ato.  Sustenta que, em virtude da renúncia à herança, os imóveis versados nos autos não chegaram a ingressar no patrimônio dos filhos do falecido e, portanto, não podem ser atingidos pela indisponibilidade posteriormente decretada. Ressalta que, segundo o princípio da saisine, os bens do de cujus são transmitidos aos herdeiros no momento da morte, mas dependem da aceitação ou renúncia posteriores, retroagindo os efeitos à data da abertura da sucessão na forma do art. 1.804, § único, do Código Civil.

A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (154/157).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser reformada, não obstante as suas bem fundadas razões.

Sempre que trata do tema, a doutrina faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 247) no campo das proibições ao poder de dispor, pois ela:

(a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179);

(b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671);

(c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109);

(d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291);

(e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e

(f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral – Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843).

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão:

“Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor, com finalidade acautelatória, resta por determinar o seu efetivo alcance no caso concreto. O problema coloca-se, porque, na hipótese em discussão, entenderam assim o ofício de registro de imóveis como o juízo corregedor permanente que os herdeiros, a quem a herança se transmite ipso jure com a morte do de cujus (Código Civil, art. 1.784), não podem renunciar ou, o que é o mesmo, devem aceitar o que veio a seu patrimônio a causa de morte.

Em que pesem à bem fundada nota devolutiva e às boas razões da r. sentença apelada, essa interpretação não é a mais consentânea com o sistema da lei civil e a liberdade que se concede em matéria hereditária. Isso porque, como está no art. 1.813 do Código Civil, a existência de credores não impõe aos herdeiros que necessariamente aceitem a herança: permite-se, em vez disso, e no seu lugar, que os credores aceitem, mas de nenhuma forma está na lei que os herdeiros estejam impedidos de renunciar e se tal dever não está criado no Código Civil, muito menos aparece como decorrência das indisponibilidades em questão.

Segundo as informações postas a fl. 03, com efeito, as indisponibilidades que recaem sobre os herdeiros renunciantes advêm, todas elas, de decisões jurisdicionais, proferidas pela Justiça Federal e pela Justiça do Trabalho, as quais, portanto, não se fundam em regra nenhuma que abra exceção ao regime geral do Código Civil, o qual, repita-se, não impõe dever de aceitação.

Como ensina Pontes de Miranda:

“Em caso de concurso de credores, ou de devedores, a deliberação é segundo os princípios. No direito brasileiro, há o art. 1.586 do Código Civil, onde se diz: ‘Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando a herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Nesse caso, e depois de pagas as dívidas do renunciante, o remanescente será devolvido aos outros herdeiros’. Noutros sistemas jurídicos parte-se de princípio que colima com a regra jurídica acima transcrita: entende-se que se apoia em pensamento prático não ser influenciada pelos credores a manifestação de vontade do herdeiro” (Tratado de Direito Privado, tomo LV, § 5.590, 4).

“No direito brasileiro, o credor tem a pretensão à adição, a despeito de ter havido a renúncia pelo sucessor. Tem de ser exercida, satisfeitos os pressupostos e produzidas as provas, com o remédio jurídico processual da autorização judicial. O credor pede ao juiz tal autorização. Tem base jurídica exigir-se o rito ordinário, pois é indispensável a citação do renunciante, para a contestação e os demais atos processuais. O renunciante pode alegar e provar que não há insolvabilidade, que o demandante não é credor do que diz, que as dívidas foram posteriores à renúncia. Se o renunciante paga a dívida, ou as dívidas, cessa a demanda. A lei criou direito, pretensão e ação para o credor, se se compõem os requisitos que ela aponta como necessários. Não se trata de inserção do credor na situação jurídica do devedor insolvente e renunciante. Apenas se sub-roga ao renunciante, no que toca ao devedor, razão por que, no inventário e partilha, se legitima a todos os atos que o devedor renunciante tinha de praticar ou poderia praticar. Desde o momento em que se paga de todo o crédito, cessa a legitimação do credor para atos que concernem ao patrimônio ou à parte do patrimônio que seria do renunciante se renúncia não tivesse havido. Não se trata de ‘anulação’ a favor do credor, o que é erronia de alguns juristas (e. g., CARLOS MAXIMILIANO, Direito das Sucessões, 1, 86). Todas as renúncias a herança ficam expostas a essa eventual ineficacização por ter algum credor, ou por terem alguns credores, satisfeitos os pressupostos, exercido o direito de se sub-rogar nos direitos do renunciante, até a importância do que esse lhe devia antes da renúncia. No fundo, a ação do credor é constitutiva negativa, quanto à renúncia pelo devedor, e tem carga de eficácia condenatória, sem que isso altere o rito processual do inventário e da partilha. […] A desconstituição é até o quanto da dívida, ou das dívidas, seja um só o credor, ou sejam dois ou mais os credores. No que excede à soma devida, a eficácia da renúncia não é atingida. O resto vai aos outros sucessores, conforme os princípios, em virtude da permanência abdicativa.” (Pontes de Miranda, op. cit., § 5.592, 9)

Não se ignora, é certo, que as razões da renúncia formulada pelos herdeiros é matéria que extrapola o aspecto formal a que em regra se limita a qualificação registral. De resto, o dever de velar pelos interesses dos beneficiados com a indisponibilidade não é da serventia imobiliária, mas dos credores, a quem tocará, eventualmente, usar dos remédios jurídicos que possam ter.

As decisões proferidas por este Conselho na Apelação Cível nº 1100256-61.2019.8.26.0100 (j. 16.03.2020, DJe 14.04.2020), na Apelação Cível nº 0000003-66.2011.8.26.0196 (j. 07.11.2011, DJe 13.01.2012) e na Apelação Cível nº 1003970-04.2018.8.26.0505 (j. 15.08.2019, DJe 02.09.2019), invocadas como precedentes nas razões de suscitação de dúvida, não se aplicam a este caso, porque tratam de hipóteses diversas.

Em todas, é claro, se cuida de saber se são eficazes (ou mesmo válidos) os atos dependentes daquele praticado por quem estava sob a indisponibilidade. Contudo, isso não basta para dar similaridade às espécies, porque nos referidos precedentes estava certo que se tratava de legitimado que se demitiu de seu patrimônio, cedendo direitos a despeito da indisponibilidade, enquanto na hipótese em análise se versa situação distinta, ou seja, o caso de legitimados que, segundo disseram o ofício de registro de imóveis e a sentença, estavam obrigados a adquirir para, então, não poder alienar e, desse modo, não prejudicar seus credores o que, repita-se, não é a solução da lei, que permite a renúncia e faculta aos interessados que aceitem em lugar do renunciante.

Em suma: a pendência das indisponibilidades não impedia que os herdeiros renunciassem; a renúncia, portanto, foi válida e eficaz, e não há impedimento a que se proceda, agora, aos registros stricto sensu resultantes da partilha causa mortis.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para, afastando-se o óbice registral e reformando-se a r. sentença, deferir os pretendidos registros stricto sensu da partilha (escritura pública copiada a fl. 19/26; matrículas nos 5.046 e 5.047 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaí/SP; prenotação nº 22.878).

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de adjudicação – Ordens de Indisponibilidade que obstam o registro da alienação voluntária – Acordo de dação em pagamento homologado judicialmente que não desnatura a voluntariedade da alienação – Cláusula de retrovenda com prazo de cinco anos em afronta à norma cogente constante do art. 505 do Código Civil – Óbices mantidos – Dúvida procedente – Recurso a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1003007-96.2021.8.26.0664

Comarca: VOTUPORANGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664

Registro: 2021.0001020019

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante PAULO MÁRCIO SILVA DAVANÇO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664

Apelante: Paulo Márcio Silva Davanço

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga

VOTO Nº 31.676

Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de adjudicação – Ordens de Indisponibilidade que obstam o registro da alienação voluntária – Acordo de dação em pagamento homologado judicialmente que não desnatura a voluntariedade da alienação – Cláusula de retrovenda com prazo de cinco anos em afronta à norma cogente constante do art. 505 do Código Civil – Óbices mantidos – Dúvida procedente – Recurso a que se nega provimento.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por PAULO MÁRCIO SILVA DAVANÇO contra a r. sentença de fl. 94/96, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga, mantendo-se os óbices registrários.

A Nota de Exigência de fl. 07 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Não foram atendidas todas as exigências elaboradas nas notas de devolução anteriores. Portanto, reiteramos o seguinte: Existem na matrícula n.º 8.832 averbações de indisponibilidade de bens de Jurandir Barros Araújo e Nanci Sidnei Pires Barros Araújo. Desta forma, tratando-se de transmissão voluntária (“dação em pagamento”), NÃO é possível o registro da Carta de Adjudicação, enquanto perdurarem as ordens judiciais de indisponibilidade de bens dos proprietários do imóvel.

Ademais, não houve a adequação do prazo da retrovenda ao limite estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil. De fato, nos peticionamentos de folhas 465 e 470/471 dos autos do processo não consta menção alguma à exigência relativa à correção do prazo da retrovenda (Notas de Devolução de 02/10/2020 e de 24/11/2020). Da mesma forma, não consta do título apresentado qualquer pronunciamento judicial determinando a prevalência do prazo convencional de 5 anos sobre o prazo legal de 3 anos (CC, artigo 505)”.

Sustenta o recorrente, em suma, que tem preferência sobre as indisponibilidades do imóvel, tendo em vista que foi o primeiro a efetuar penhora sobre ele, e também porque o imóvel serviu de garantia em contrato de locação. Acrescentou, ainda, que a questão do prazo da retrovenda não interfere no registro da carta de adjudicação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 137/140).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

A apelação, a despeito de seus jurídicos fundamentos, não comporta provimento.

Com efeito, restou apresentada a registro a carta de adjudicação extraída dos autos da ação de despejo por falta de pagamento n.º 3001458-95.2013.8.26.0664 requerido por Paulo Marcio Silva Davanço em face de Izabel Caracanha Vicente e outros, tendo por objeto a transmissão para aquele da parte ideal de 50% do imóvel matriculado sob o n.º 8.832.

O titulo foi prenotado sob n.º 235.219 em 25 de março de 2021 e, qualificado negativamente, foi expedida a nota de devolução de fl. 07.

Compulsando os autos do processo n.º 3001458- 95.2013.8.26.0664 verifica-se que a ação de despejo por falta de pagamento foi ajuizada pelo ora recorrente em face de Izabel Caracanha Vicente, locatária; e Jurandir Barros Araujo e Nanci Sidnei Pires Barros Araujo, fiadores, titulares de domínio do imóvel matriculado sob o n.º 8.832, e julgada procedente para declarar a rescisão do contrato de locação; com decreto de despejo e condenação dos então réus ao pagamento dos aluguéis e demais encargos vencidos até a desocupação.

Iniciada a fase de cumprimento de sentença, ante o decurso do prazo para pagamento espontâneo do débito, o imóvel matriculado sob o n.º 8.832 foi penhorado, designando-se as praças, que resultaram infrutíferas.

Homologado acordo entre as partes, o lá exequente noticiou o inadimplemento dos executados, requerendo a continuidade da execução com a adjudicação do imóvel penhorado e depósito nos autos da diferença do preço, o que foi deferido pelo MM. Juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Votuporanga.

Sobreveio, então, novo acordo, homologado judicialmente, objeto da carta de adjudicação ora em análise.

Por meio do dito acordo Jurandir Barros Araújo e sua esposa Nanci Sidnei Pires Barros Araújo deram em pagamento da dívida 50% do imóvel objeto da matrícula n.º 8.832. Restou, também, estabelecida cláusula de retrovenda pelo prazo de 05 anos.

O oficial Registrador, como acima consignado, apontou dois óbices ao registro da carta de adjudicação, quais sejam: a) a existência de ordens de indisponibilidade na matrícula n.º 8.832 a não autorizar o registro da transmissão voluntária (dação em pagamento); e

b) a inadequação do prazo da retrovenda, superior ao limite estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil.

Pois bem.

Consoante dispõe o item 413 do Capítulo XX, das NSCGJ:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Referido dispositivo determina que as indisponibilidades averbadas só não impedem a inscrição de constrições judiciais e o registro da alienação judicial do bem desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade ou se foi consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

Idêntica disposição consta do art. 16 do Provimento n.º 39/2014 do C. Conselho Nacional de Justiça, in verbis:

“Art. 16. As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.”

Assim, à vista das ordens de indisponibilidades averbadas sob os n.º 7, 8 e 9 na matrícula n.º 8.832, a transmissão voluntária ocorrida in casu por meio da dação em pagamento, ainda que homologada judicialmente, não comporta registro.

E, o fato de o negócio ter sido celebrado e homologado no bojo de processo judicial não altera a natureza da voluntariedade do ato. Não se trata de alienação forçada.

Outro não é o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Partilha de direitos hereditários. Cessão de direitos ocorrida nos autos do arrolamento, com adjudicação integral do bem em favor de um dos herdeiros. Imóvel com ordem de indisponibilidade. Alienação voluntária. Impossibilidade de registro. Recurso desprovido.” [1]

Relevante pontuar, também, que os requisitos de validade e eficácia do título, sob a ótica registrária, são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil):

“Art. 1246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo.”

Assim, em face do princípio da prioridade, gerado pela prenotação, os títulos contraditórios, preponderam sobre o título prenotado posteriormente (art. 186 da Lei n° 6.015/73), sendo irrelevante o fato da ação de despejo por falta de pagamento ser anterior às ordens de indisponibilidade.

Tampouco há como se superar o outro óbice registrário.

Consoante dispõe o art. 505 do Código Civil:

“O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.”

No que tange à retrovenda, ensina Nelson Rosenvald:

“A retrovenda é pacto adjeto à compra e venda, pelo qual as partes estipulam que o vendedor possuirá o direito potestativo (portanto, submetido, tão só, à sua própria manifestação de vontade) de comprar a propriedade de volta, em certo prazo (não superior a três anos), sujeitando o adquirente a tanto independentemente da vontade de quem comprou), desde que deposite o preço, acrescido de despesas realizadas pelo comprador.

Acerca do prazo constante do referido dispositivo legal, prossegue o Doutrinador:

(…)

Nota-se que o prazo decadencial descrito na norma é o maximo, nada impedindo que as partes convencionem um período inferior, observando-se o disposto no art. 211 do CC. Aliás, seria ofensivo ao direito de propriedade permtir a convenção de um prazo maior, diante da insegurança que a cláusula provocaria nas ralações patrimoniais do proprietário e de terceiros que com ele eventualmente negociassem[2]

Cuida-se, portanto, de prazo decadencial, norma cogente, inalterável pelas partes, sendo pertinente o óbice registrário.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Apelação Cível nº 1003970-04.2018.8.26.0505, Des. Relator e Corregedor Geral da Justiça Geraldo Francisco Pinheiro Franco

[2] in Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002/ Coordenador Cezar Peluso- 9 ed. Ver. E atual-Barueri, SP: Manole, 2015, p. 538. (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Contrato particular de compra e venda de imóvel a que atribuído valor superior a trinta salários mínimos – Obrigatoriedade de celebração do negócio jurídico por instrumento público, na forma do art. 108 do Código Civil – Não incidência, para esse efeito, do piso salarial fixado para determinadas categorias profissionais em legislação estadual – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1065900-69.2021.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100

Registro: 2021.0000973503

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes LETICIA NOGUEIRA GONÇALVES PITON e OLAVO PITON JUNIOR, é apelado 12º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100

Apelantes: Leticia Nogueira Gonçalves Piton e Olavo Piton Junior

Apelado: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.634

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Contrato particular de compra e venda de imóvel a que atribuído valor superior a trinta salários mínimos – Obrigatoriedade de celebração do negócio jurídico por instrumento público, na forma do art. 108 do Código Civil – Não incidência, para esse efeito, do piso salarial fixado para determinadas categorias profissionais em legislação estadual – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo e manteve a recusa do registro de contrato de compra e venda de imóvel celebrado por instrumento particular, porque foi atribuído ao imóvel valor superior a trinta vezes o salário mínimo nacional (fl. 61/63).

Os apelantes alegaram, em suma, que o negócio jurídico teve o valor de R$ 34.992,00 que é igual ao valor de referência do imóvel. Disseram que esse valor é inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país que, por sua vez, é o fixado por lei do Estado do Paraná e corresponde a R$ 1.692,00. Ademais, o valor do negócio jurídico não superou trinta vezes o salário mínimo fixado no Estado de São Paulo, que é de R$ 1.183,33. Aduziram que o art. 108 do Código Civil prevê o requisito da escritura pública para o negócio jurídico sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País e, portanto, deve ser interpretado de forma extensiva para considerar os salários mínimos fixados por todos os entes federativos. Asseveraram que a existência de diferentes salários mínimos também decorre da Lei nº 9.560-A, de 1966 que dispõe sobre o salário mínimo dos diplomados pelos cursos regulares superiores mantidos pelas Escolas de Engenharia, de Química, de Arquitetura, de Agronomia e de Veterinária, o que demonstra a admissão da existência de diferentes salários mínimos (fl. 68/75).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 96/97).

É o relatório.

2. Os recorrentes pretendem o registro de contrato particular de compra e venda da vaga da garagem nº 135 do Condomínio Residencial Casa Alta, situado na rua Coronel Meireles, 788, Vila Lais, objeto da matrícula nº 163.773 do 12º Registro de Imóveis da Comarca da Capital, celebrado em 08 de março de 2021, em que foi atribuído ao negócio jurídico o valor de R$ 34.992,00 (fl. 14/17).

Esse valor supera a quantia de R$ 33.000,00 que corresponde a trinta vezes o salário mínimo vigente na data do negócio jurídico.

E a escritura pública é essencial para a validade do negócio de transmissão de direito real sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o salário mínimo, como previsto no art. 108 do Código Civil:

Art. 108 – Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País“.

Em decorrência, o contrato particular de compra e venda não é passível de registro. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224, Comarca de Guarulhos, Rel. Desembargador Ricardo Anafe, j. 13.02.2020);

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de registro de instrumento particular de compra e venda de imóvel – Alienação de 1/14 do bem – Dispensa de escritura pública quando o imóvel tem valor até 30 salários mínimos Irrelevância que o negócio jurídico verse apenas sobre fração ideal de valor menor – Inteligência do art. 108 do Código Civil – Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 0007514-42.2010.8.26.0070, da Comarca de Batatais, Rel. Desembargador Maurício Vidigal, j. 28.07.2011);

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente Instrumento particular de venda e compra de imóvel com valor acima de 30 salários mínimos. Ofensa ao artigo 108 do Código Civil. Obrigatoriedade de escritura pública. Irrelevância de o negócio ter valor inferior ao limite da lei, por corresponder a parte ideal do bem. Fracionamento do negócio que, se considerado, conduziria à fraude e ao esvaziamento do comando legal. Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 1.088-6/0, da Comarca de Paraguaçu Paulista, Rel. Desembargador Ruy Camilo, j. 02.06.2009).

Por sua vez, o valor do salário mínimo a ser considerado para efeito de exigência do instrumento público é o previsto no art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (grifei).

A fixação de piso salarial superior ao salário mínimo prevista no inciso V do art. 7º da Constituição Federal se destina à remuneração de categoria específica de trabalhador, em conformidade com a complexidade do trabalho, e não se confunde com o salário mínimo nacional a que se refere o art. 108 do Código Civil.

Esse valor, portanto, não se confunde com o salário mínimo de abrangência nacional porque é limitado a categoria específica que for prevista em lei estadual ou do Distrito Federal, sendo por essa razão denominado no inciso V do art. 7º da Constituição Federal como piso salarial, e não salário mínimo:

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;” (grifei).

De igual modo se verifica no art. 1º da Lei Complementar nº 103/2000:

Art. 1º – Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho” (grifei).

Destarte, para efeito de obrigatoriedade da escritura pública como requisito de validade do negócio jurídico sobre imóvel, como previsto no art. 108 do Código Civil, prevalece o salário mínimo vigente no País que, em razão da data do negócio jurídico, é o previsto na Lei nº 14.158/2021:

Art. 1º – A partir de 1º de janeiro de 2021, o saláriomínimo será de R$ 1.100,00 (mil e cem reais)“.

3. Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

São Paulo, 21 de outubro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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