NORMAS DA CGJ-SP EM DISCUSSÃO: PRINCÍPIO DA GRAFICIDADE E O INVENTÁRIO DA MATRÍCULA. ITENS 65 – 72.

Nesta edição das Normas em Debate, realizada no dia 28.8.2014 na Sala Elvino Silva Filho, em dependências anexas ao 7º Registro de Imóveis de São Paulo, o Des. Ricardo Dip foi acompanhado pelo Des. Marcelo Martins Berthe, Presidente da Comissão de Concurso para Outorga de Delegações do Estado de São Paulo, além dos Juízes-Auxiliares da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Drs. Gabriel Pires de Campos Sormani e Renata Mota Maciel Madeira Dezem.

Além dos magistrados, a plateia contou com a participação de registradores, substitutos, prepostos e estudiosos do tema do direito registral em São Paulo.

CNJ em movimento

O Des. Ricardo Dip informou aos presentes que a Min. Nancy Andrighi, Corregedora Nacional de Justiça, em seu discurso de posse afirmou que tratará da instituição de uma normativa nacional mínima para o serviço extrajudicial. Segundo Dip, bom será, a propósito, “contar com a contribuição histórica e atual dos registradores e notários de São Paulo e também com a ajuda indispensável de alguns magistrados especialistas na área, para que se possa oferecer uma boa normativa nacional”.

Esse projeto terá abrangência nacional, mas pode ter pôr o ponto de partida as normas de serviço de vários Estados da Federação, incluso as da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Para tanto, é preciso, quanto a estas, que se depure, no entanto, tudo que se mostre excessivo ou contrarie textos normativos de posição constitucional superior, tendo-se em vista que a normativa correcional não poderá impor ao País uma adaptação àquilo que se pretende para São Paulo, considerados os variados níveis de desenvolvimento econômico, político e jurídico dos diversos Estados do Brasil”.

Observada a subsidiariedade dos Estados na elaboração de regulações específicas, bom será que se institua um conjunto normativo mínimo para a uniformidade dos procedimentos realizados com base na legislação vigente, para a regulamentação e fiscalização dos serviços das notas e dos registros.

“Princípio” da graficidade e o inventário da matrícula.

Item 65. As averbações das circunstâncias atualmente previstas no art. 167, II, 4, 5, 10 e 13, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, constantes à margem de transcrições, deverão ser, quando da respectiva matrícula, incorporadas à descrição do imóvel. Irregular, portanto, venha a ser o imóvel matriculado com a mesma descrição anterior, mencionando-se, em seguida, o conteúdo das averbações precedentemente efetuadas.

O Coordenador iniciou seus comentários indicando que essas circunstâncias se referem à descrição do imóvel e também às pessoas. Segundo ele, os itens 10 e 13 não fazem mais do que especializar os itens 4º e 5º. “O que move essa determinação é o caráter econômico nas inscrições. Devemos sempre lembrar que o princípio fundamental para o processo de registro, mais propriamente para a matriculação, é a economia de esforços, de tempo e de gastos. É manifesto que a transferência, para a matrícula, das averbações existentes na transcrição, representa um maior dispêndio de tempo, esforços e custos. Daí porque uma nova descrição do imóvel, com as devidas averbações incorporadas, deve integrar-se no inventário da matrícula”. Segue:

O aspecto econômico revela-se muito importante quando se tem em vista a desenvoltura quantitativa da matrícula (atualmente há casos de matrículas com centenas de fichas). Por outro lado, também opera em favor dessa indicação um tema que surpreendentemente tem ficado à margem das discussões, qual seja o “princípio” da graficidade da matrícula.

Um dos objetivos da transformação da técnica de transcrição para a técnica do fólio real foi, exatamente, propiciar uma visualização mais gráfica das informações relativas ao imóvel −sobretudo no que diz respeito às descrições. Essa “graficidade” estará muito melhor em uma descrição unitária do que numa descrição parcelada em que se efetua uma averbação para dizer que se alterou o nome da rua, outra averbação para dizer que se modificou o número, despendendo gasto de tempo para a remontagem da descrição inicial.

São, portanto, dois aspectos a considerar e que justificam essa sábia norma: primeiro, o do princípio da economia, aquele que, depois da segurança jurídica, tem maior regência no processo administrativo; e, segundo, o da graficidade da matrícula.

Ademar Fioranelli lembra, que no início da vigência da lei 6.015/73, os cartórios costumavam abrir matrícula para terreno com remissão a todas as averbações constantes à margem da transcrição. Acredita ele que essa norma tenha resultado justamente dessa repetição desnecessária que ocorria logo no início da lei.

Ricardo Dip observou que, no direito brasileiro, não se utiliza muito a expressão “inventário da matrícula”, termo comum em Portugal para definir a primeira parte reservada à descrição inicial do prédio, às referências pessoais, às indicações numéricas, ao registro anterior etc. “Não utilizamos aqui nenhuma expressão para essa parte superior da folha inicial da matrícula, embora ela tenha uma importância manifesta.”.

Óbito – fato averbável

65.1. Na hipótese de óbito do titular de domínio, a remissão à averbação do óbito deverá ser transportada para a matrícula aberta.

Neste caso não há outra saída, a averbação por transporte deve existir. Se tal não fosse, do próprio inventário da matrícula constaria: “O espólio de fulano de tal, falecido, proprietário…”.

Quod non est in titulus et in tabula

66. A descrição do imóvel não poderá incluir construção que não conste do registro anterior ou que nele não tenha sido regularmente averbada. Permite-se seja a averbação feita logo após a abertura da matrícula, se o registro anterior estiver em outro cartório.

Veiculou-se que a inovação da situação jurídica imobiliária se dá por meio da atualização averbatória. A averbação, que atrai para inscrição os fatos que apresentem transcendência inscritiva, faz irradiar sobre eles a legitimação registral. A hipótese de averbação da acessão está prevista no art. 167, II, 4 c.c. art. 246 da LRP, exigindo-se, sempre, para a prática do ato, documento autorizador (em regra licença urbanística, habite-se, conclusão de obra etc.).

Destacou-se que a parte final do item representa outra exceção que milita em favor do encerramento das antigas transcrições. As decisões administrativas da Vara de Registros Públicos, com sua jurisprudência, e a CGJ, com as normas de serviço, foram sempre ampliando as hipóteses de abertura de matrícula em detrimento das averbações à margem da transcrição anterior. O caráter substancial e o de ordem tributária justificam essa providência.

Retificação – Imóveis situados em outra comarca.

66.1 Logo após a abertura da matrícula, também poderão ser averbadas, no cartório a que atualmente pertencer o imóvel, as circunstâncias previstas no art. 167, II, 1, 4, 5, 10 e 13 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, sendo suficiente que tais documentos se encontrem arquivados na Serventia.

Eis outra exceção” – aponta Ricardo Dip. A tendência de consumar-se todos os atos na circunscrição atual mais um vez é confirmada nesta passagem.

São coisas diversas o encerramento da transcrição e a abertura de uma matrícula. Não é uma consequência inevitável que se deva encerrar uma transcrição e imediatamente abrir uma matrícula. Uma coisa é que se encerre a transcrição e que se determine depois que todos os atos que venham a ser praticados referentes ao imóvel passem à circunscrição imobiliária competente”.

Segue:

Nada impede que se atribua a um ou outro cartório o processo de retificação. A proposta que está sendo examinada pela Dra. Tânia Mara Ahualli, da 1ª Vara local de Registros Públicos, é a de encerramento da transcrição com o escopo de que, doravante, tenhamos um sistema único. Saber se o processo de retificação vai correr no novo cartório ou no cartório antigo é outra questão.

Jacomino comenta de passagem que essa medida vai gerar uma situação muito interessante: “ninguém vai querer fazer a retificação porque não haverá ato a ser praticado e, portanto, não haverá emolumentos”.

Tania Mara Ahualli relatou a participação em workshop sobre retificação de registro juntamente com o Dr. Marcelo Terra e o Dr. Flaviano Galhardo. “Ambos falavam que era um sonho de todos que atuam na área que todas as matrículas fossem abertas. E o doutor Flaviano sustentou a ideia de que a retificação pudesse ser feita no cartório da situação atual. Ou seja, parece que a ideia vem se ampliando…”.

George Takeda observa que o item 120 das normas atuais da Corregedoria proíbe as averbações nas transcrições ou matrículas que tenham passado a pertencer a outra comarca. Em caso de eventual impugnação, a retificação será encaminhada ao juiz competente da situação do imóvel. “Ora, então eu não posso fazer uma retificação de Guarulhos porque eu não estou vinculado ao juízo corregedor de Guarulhos”… 

Ricardo Dip responde que juridicamente é possível. “Quando a norma é de caráter estritamente administrativo, quem decide finalmente sobre a matéria, no caso dos registros públicos, é o corregedor geral.

VOZ NÃO IDENTIFICADA – Quanto à exceção do item 120, o fato é que os cartórios do interior já estão rejeitando praticar atos de retificação de registro.

RICARDO DIP – Essa norma pode ser alterada em vista das situações concretas que venham adiante. Acredito, no entanto, que criaremos um obstáculo a mais com o discutir esse tema agora. Neste momento, o que parece relevante é aproveitar a oportunidade de unificar o sistema de matrícula, e ver se a experiência paulista pioneira pode emprestar-se a todo o Brasil, para o bem da instituição registrária. Depois, num segundo momento, quando começarmos a levantar o problema atinente às competências retificatórias, avaliaremos o que for melhor.

Abertura de matrícula e parcelamentos do solo urbano

67. Também não deverá ser feita, na descrição do imóvel, referência a lotes e respectivos números, quando não se trate de loteamento ou desmembramento registrado ou regularizado, ou, ainda, de subdivisão de imóvel constante de planta arquivada no cartório anteriormente à Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, ou de projeto de desdobro regularmente aprovado pela Municipalidade em que os imóveis oriundos da subdivisão passem a ter indicação para diferenciá-los (ex. lote “22-A”).

Segundo o Coordenador, o objetivo desse item é evitar burla à Lei de Parcelamento do Solo Urbano e também, sobretudo, evitar o rompimento da unidade da matrícula.

Jacomino observa que o dispositivo que proíbe a indicação de nomenclatura para diferenciar parcelas oriundas da segregação. “Essa indicação figura muitas vezes na planta cadastral do município: ex. ‘Lote 22-A’, ‘Lote 22-B’ etc. Esse é um elemento cadastral que poderia ingressar eventualmente na matrícula, uma vez tenha ocorrido, por exemplo, um desdobro e os dois lotes passem a constituir matrículas distintas”.

Um participante da plateia aponta a diferença entre a regra atualmente em vigor e a anterior: “a grande inovação vem no trecho intermediário que refere as plantas arquivadas em cartório. Havia expressa vedação de menção de lote quando o loteamento não fosse regular. Agora o dispositivo autoriza a menção ao número de lotes em plantas arquivadas, aquelas plantas dos proprietários que faziam referência à distância métrica”.

Sumarizando: são três as hipóteses que o dispositivo autoriza a referência aos lotes:

– quando se tratar de loteamento ou desmembramento,

– quando houver subdivisão de imóvel constante de planta arquivada no cartórioou

– quando da existência de projeto de desdobro regularmente aprovado pela Municipalidade.

Com exceção dessas três hipóteses, a designação de lote e quadra não será tolerada na descrição do imóvel. “A autorização, nesses três casos específicos, independerá da leitura da distância métrica que, a meu ver, é muito mais incerta do que a menção ao número do lote”, concluiu Ricardo Dip.

O que é parcelamento regular?

George Takeda chamou a atenção para uma questão subjacente na norma sob comentário que consiste em saber-se o que é o loteamento regular. “Anteriormente à Lei 6.766/79”, diz o registrador paulistano, “o diploma legal em vigor era o Decreto-lei 58/37, que obrigava o registro apenas nos casos de venda por oferta pública ou mediante o pagamento em prestações [1]. A prefeitura de São Paulo só começou a exigir o projeto de desmembramento a partir de 1972. Antes desse período, a transcrição da venda de parte do lote podia ser feita mediante a apresentação de planta particular que ficava arquivada juntamente com o extrato. Desse modo fica muito difícil fazer a qualificação porque o só fato de haver uma planta particular arquivada não quer dizer que o lote seja irregular. Talvez por conta disso a norma permitiu que se fizesse referência ao lote”.

George Takeda – “O que se deve considerar loteamento regular antes da Lei 6.766/1979?”.

Reiterando seu entendimento, Jacomino sustenta que o texto deveria ser simplesmente suprimido, pois existem milhares de situações em que se enunciam designações cadastrais relativos a lotes e quadras e que são perfeitamente regulares.

68. Quando houver divisão de imóvel, deverá ser aberta matrícula para cada uma das partes resultantes, sendo registrado, em cada matrícula, o título da divisão. Na originária, averbar-se-á a circunstância, com subsequente encerramento.

Ricardo Dip, numa primeira aproximação ao sentido expresso no texto, indica a ideia de que a expressão divisão, que se acha nesse item das Normas, deve ser compreendida em sentido estrito, significando divisão amigável ou divisão objeto de sentença. “Mas não é propriamente isso o que resulta do texto, que fala em divisão do imóvel – fenômeno que pode provir de outras formas de segmentação como, por exemplo, o parcelamento”. Lança-se aos participantes a questão: qual o sentido que se quis dar a essa divisão?

Ademar Fioranelli responde que o dispositivo enuncia a forma de se praticar o ato de registro para os casos de escritura com dois proprietários que pretendam fazer a divisão do imóvel, determinando uma porção para cada um.

O Coordenador Ricardo Dip concorda. Não fosse assim, diz ele, “tratando-se de mera segregação de parte, teríamos que encerrar a inscrição originária para proceder à abertura de duas matrículas. Se o dispositivo estiver mencionando a divisão que provém de outras práticas que não seja um título de divisão, toda vez que houver a segregação de uma parte, se abrirá matrícula”…

SJ – A redação podia mencionar divisão amigável ou divisão judicial.

69. Ao se abrir matrícula para registro de sentença de usucapião, será mencionado, se houver, o registro anterior.

RICARDO DIP – Não se registra sentença, o que se registra é a usucapião. O registro anterior é uma indicação prudencial. Embora o Código de Processo Civil se refira à transcrição da sentença de usucapião, trata-se ali de uma lei geral e anterior à de Registros Públicos.

Ricardo Dip relembra o grande jurista Alexandre Corrêa, “dos maiores romanistas de todos os tempos”, que sustentava que a usucapião e a desapropriação não representariam modos originários de aquisição, mas “um modo sui generis, especial, situado entre o modo originário e o derivado. Recentemente, estudando outro romanista importante, Álvaro d’Ors, descobri que ele também pensa dessa forma. Em seu livro são encontradas as razões pelas quais a usucapião e a desapropriação não são modos originários de aquisição, mas um modo sui generis. Essa referência pode ser encontrada no Manual de Direito Romano, de Alexandre Corrêa e Gaetano Sciascia”.

Adotando esse entendimento, segundo ele, ao menos como uma inflexão ao direito romano,“compreenderíamos que a referência ao registro anterior está bem justificada.

George Takeda emenda para dizer que a indicação do registro anterior nos casos de usucapião pode representar um controle importante do Cartório, a fim de se evitar a sobreposição e para se indicar que a outra matrícula ou registro não estão mais ativos.

Ademar Fioranelli levantou uma questão sobre o registro da usucapião. “Geralmente obedecemos ao laudo pericial para a abertura da matrícula, a não ser que se descreva o imóvel tal e qual consta no registro. Há cartórios do interior que estão exigindo, para o registro da usucapião, o auto de regularização da construção e a CND do INSS. Isso é um absurdo porque, se entendemos que a usucapião é modo originário de aquisição, há de abranger naturalmente as acessões, que ficam imunes a pretensões tributárias”[2].

Concordando com a tese, Jacomino lembra que o conceito de imóvel, previsto no artigo 79 do Código Civil, engloba as acessões.

Terras indígenas

69.1. A abertura de matrícula para registro de terras indígenas demarcadas será promovida pela União Federal, em seu nome, devendo ser realizada simultânea averbação, a requerimento e diante da comprovação no processo demarcatório, da existência de domínio privado nos limites do imóvel.

Jacomino levanta a seguinte questão: A requerimento de quem se fará a averbação?

Takeda aventa a resposta: por conta do litígio, a averbação será feita por decisão judicial.

Jacomino lembra que a demarcação de terras indígenas é um processo administrativo da União e não decorrente de uma sentença judicial[3]. Com a demarcação e o retalhamento da gleba, haverá inovação na descrição do eventual remanescente do proprietário. Quem tem interesse para modificar a situação jurídica do imóvel é o interessado.

70. Uma vez aberta matrícula, não mais poderão ser feitas averbações à margem da transcrição anterior.

Jacomino sustenta que nenhum ato poderia, em tese, ser praticado num livro que se acha encerrado. Entretanto, por conta da exceção contida no art. 169 da LRP[4], embora esteja encerrado o livro, a transcrição pode estar vigente e será à margem desta que se fará uma eventual averbação (art. 295). Além disso, a transcrição pode estar em outro livro previsto por lei e aberto para acomodar aquelas hipóteses excepcionais que devem ser feitas por averbações (art. 295 cc. art. 297 da LRP). Mas concluiu que “Deveríamos mesmo partir da conclusão básica: a regra intersistemática se esgotou. Se o livro está encerrado, encerrado está”.

SJ: “Deveríamos mesmo partir da conclusão básica: a regra intersistemática se esgotou. Se o livro está encerrado, encerrado está”!

Ricardo Dip pondera que essa observação não está inteiramente correta. “O livro está encerrado para o fim de se fazerem novas transcrições. Temos que compatibilizar essa ideia com a de que há averbações que se previam realizadas transitoriamente à margem das transcrições. Isto significa que o encerramento do livro está restrito às novas transcrições ou inscrições. A averbação acidental poderia ser feita dentro das hipóteses excepcionais previstas em lei”.

Jacomino observa que essa conclusão seria verdadeira somente se admitíssemos que a regra da acessoriedade da averbação fosse um critério uniforme e absoluto. “Mas já não é! Fusão, cisão, incorporação, e, mais recentemente, todas as penhoras, são atos que provocam uma relevante mutação jurídica e que são feitos por averbação – e averbação com valor! Urge resolvermos essa questão tendo em vista que está havendo, por parte do legislador, uma subversão de conceitos, malbaratando expressões que antes eram muito claras para todos nós. Uma coisa é uma transcrição ou registro, outra coisa é uma averbação. Não sabemos mais o que é uma coisa e o que é outra porque o legislador confundiu tudo”. 

Além do que é mais sonoro, parece, falar 'averbação'… a legislação confundiu as distinções”, concluiu Ricardo Dip.

Takeda observa que o parágrafo único do art. 295 da LRP[5] diz que se não houver espaço nos anteriores Livros de Transcrição das Transmissões, será aberta a matrícula do imóvel.

Segue Ricardo Dip: “O livro de traslado (contra legem) foi uma criação nossa. O livro está encerrado e não se pode fazer mais nada. Se criarmos um livro de traslado, continuaremos no sistema de transcrição para o resto da vida…”.

Título anterior ao Código Civil

71. Quando for apresentado título anterior à vigência do Código Civil Antigo (Lei nº 3.071/1916), referente a imóvel ainda não registrado, a matrícula será aberta com os elementos constantes desse título e aqueles constantes de documentos oficiais.

Tem surgido título anterior ao Código Civil de 1916? – lança a questão o coordenador.

George Takeda nos traz um caso concreto: “Há um caso de uma área que ultrapassa cem mil metros quadrados, que abriga atualmente a Feirinha da Madrugada e cujo título é um auto de imissão de posse da União do ano de mil oitocentos e pouco. O título judicial, além de ser anterior ao código civil, não se sujeitou (porque não era obrigado) ao registro”.

ADEMAR FIORANELLI – Há dois imóveis adquiridos pela USP anteriormente ao Código Civil. A Jurisprudência obriga a apresentação do título anterior para qualificação registral.

RICARDO DIP – Estão admitindo títulos públicos e particulares?

VOZ GERAL – Qualquer título.

ADEMAR FIORANELLI – Geralmente título judicial, principalmente formal de partilha.

SJ – Essa é uma grande discussão[6]…

GEORGE TAKEDA – Há casos, no Pará e Piauí, de registro de posse e abertura de matrícula. A posse está sendo partilhada e registrada como aquisição de propriedade.

RICARDO DIP – No Estado do Amazonas, dizia Gilberto Valente da Silva, que, houve uma época, se a abertura de matrícula com base em posse não fosse admitida, a região estaria paralisada. Isso porque o Banco do Brasil só concederia empréstimos em face de uma hipoteca que, por sua vez, depende não apenas de um suposto domínio como também da matrícula, o que não era possível porque não existia a titulação regular. Dessa forma, segundo Gilberto Valente da Silva, admitiu-se abrir matrículas com base na posse. Por óbvio, esse sistema está longe de ser adequado, mas, se assim não se procedesse, instaurar-se-ia um desastre no Estado do Amazonas.

SJ – Eu estive lá e vi isso de perto. A Corregedoria Nacional de Justiça (apoiada na própria Corregedoria do Estado do Pará) determinou o bloqueio de vários imóveis matriculados irregularmente naquela região. Representantes do setor produtivo ingressaram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar, que foi concedida e os processos agora se acham conclusos à ministra relatora[7]. Grande parte daqueles imóveis que foram sumariamente bloqueados suportavam hipotecas do Banco do Brasil, além de garantirem várias execuções fiscais. O bloqueio, pura e simples, poderia gerar um colapso econômico na região.

RICARDO DIP – Quem me conhece há mais tempo sabe que sou zeloso em termos de afirmar o papel da forma no registro. Defendo, efetivamente, que não podemos informalizar e deformar o Registro, mas também não perco de vista seu caráter instrumental. Não podemos sacralizar o registro a ponto de preferi-lo às necessidades sociais. Em certa comarca paulista, um juiz muito bem intencionado mas, simplificando a jurisprudência administrativa, decidiu que, se os registros de loteamentos antigos tinham sido feitos de maneira irregular, era o caso, então, de se cancelar todas as inscrições. Milhares de proprietários ficaram entregues, do dia para a noite, não só a um bloqueio, mas ao risco de o imóvel voltar ao loteador supostamente inescrupuloso. Por isso é preciso tomar muito cuidado…

72. A inocorrência dos requisitos previstos nos itens 58 e 59 não impedirá a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior.

É assentada, no âmbito do direito formal, a aplicação do princípio tempus regit actum, (aplica-se o direito em vigor no momento do registro). A discussão muito fecunda consiste em saber se a data é a da instância, isto é, da protocolização do título, ou se a data em questão é a do registro realizado. “Em princípio, prevalece o entendimento de que a data é a da protocolização do título”, diz Ricardo Dip.

A legislação anterior, referida no dispositivo, é o Decreto 4.857, de 1939. Após o advento da Lei 6.015, de 1973, os cartórios começaram a enfrentar muitos problemas com os títulos lavrados anteriormente, mas que não eram registrados na vigência da nova lei. Abriu-se um caminho de passagem, transitório. Observa Jacomino: “não podemos cair na armadilha de imaginar que não havia tanto rigor na legislação anterior quando de fato havia”.

RICARDO DIP – Havia alguma coisa no decreto de 1939 com previsão expressa de registro que tenha sido vedada pela Lei de Registros Públicos?

ADEMAR FIORANELLI – Toda partilha amigável apresentada no registro de imóveis tinha que retornar ao judiciário para homologação para possibilitar o registro. Acredito que o item 72 das normas também esteja se referindo às partilhas extrajudiciais…

SJ – Mas a continuidade não veio pelo Código Civil, mas sim, pelo Regulamento hipotecário de 1928, de alguns anos posteriores.

GEORGE TAKEDA – Antes de 1928 não existia continuidade. O título anterior poderia ser registrado posteriormente…

Notas

[1] Reza o art. 1º: “Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a depositar no cartório do registo de imóveis da circunscrição respectiva”. Não há parcelamento se a venda de lotes não se desse por oferta pública, mediante pagamento do preço em prestações sucessivas e periódicas.

[2] O art. 945 do CPC reza: “A sentença, que julgar procedente a ação, será transcrita, mediante mandado, no registro de imóveis, satisfeitas as obrigações fiscais”.

[3] O quadro normativo é este: CF. art. 231; Lei Federal 6.001, de 1973 (v. art. 19) e Decreto Federal 1.775/1996 (v. arts. 6º e 7º).

[4] Art. 169 – Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel, salvo:  I – as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição.

[5] Art. 295 – O encerramento dos livros em uso, antes da vigência da presente Lei, não exclui a validade dos atos neles registrados, nem impede que, neles, se façam as averbações e anotações posteriores. Parágrafo único – Se a averbação ou anotação dever ser feita no Livro nº 2 do Registro de Imóvel, pela presente Lei, e não houver espaço nos anteriores Livros de Transcrição das Transmissões, será aberta a matrícula do imóvel”.

[6] NE: A minha hesitação se deveu ao fato de que os instrumentos particulares eram admitidos entre nós ao menos desde a Lei de 20 de junho de 1774 (hipoteca de pessoas privilegiadas). Relevante, como exemplo impressivo de exceção à regra reinol da exigibilidade do instrumento notarial, será o Alvará de 30 de outubro de 1793, baixado com força de Lei. Este diploma aludirá às circunstâncias peculiares da Colônia e apontará a prática comum, entre nós, de se lavrar instrumentos particulares em razão da distância entre as comarcas, da falta de tabeliães etc. Especial destaque para o “costume desta praça” de se transacionar com os instrumentos particulares. Não se poderá afirmar, categoricamente, que os instrumentos particulares não poderiam, sob certas condições, instrumentalizar atos que hoje são passíveis de registro. V. Jacomino. Sérgio. O instrumento particular e o Registro de Imóveis. Aqui:http://goo.gl/cXsUWR.

[7] Trata-se do Pedido de Providências 0001943-67.2009.2.0.0000, movido pelo Estado do Pará, Procuradoria Geral do Estado, Instituto de Terras do Pará, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil (Seção do Pará), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Federação dos Trabalhadores na Agricultura e pela Comissão Pastoral da Terra. Foram perto de 10 mil imóveis atingidos com o bloqueio determinado com base na Lei 6.739/79. As liminares foram concedidas para obstar o cancelamento de matrículas: MS 30231, MS 30220, MS 29.375, MS 29.312, etc.

Edição: Sérgio Jacomino. Rev. Ricardo Dip. Transcrição: Cláudia Trifiglio.

Fonte: iRegistradores – ARISP | 16/09/2014.

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Painel apresenta as funcionalidades da Central de Indisponibilidade de Bens (CNIB)

Os registradores de imóveis Sérgio Busso, Seneval Veloso da Silva, Natal Cicote e Maria do Carmo de Rezende participaram do debate

A implantação do Registro Eletrônico de Imóveis e a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) foram os temas do último painel desta quinta-feira (11/9) dentro da programação do XLI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. O debate reuniu os registradores de imóveis do Estado de São Paulo Sérgio Busso (Bragança Paulista), Seneval Veloso da Silva (Itapetininga), Natal Cicote (Angatuba) e Maria do Carmo de Rezende (Atibaia).

A Central funcionará no  domínio www.indisponibilidade.org.br  – desenvolvido, mantido e operado pela Associação de Registradores Imbiliários de São Paulo (Arisp), com a cooperação do IRIB – e deverá substituir o atual modelo de comunicações das indisponibilidades de bens. 

A CNIB foi criada e regulamentada pelo Provimento nº 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça, publicado em 25 de julho último, entrando em vigor 15 dias após referida data, ou seja, 8 de agosto. Ficou, ainda, determinado o prazo de 90 dias para que oficiais e tabeliães providenciem seu regular cadastramento junto à Arisp, o que deve ocorrer até o próximo dia 22 de novembro.

A principal mudança implentanda pela Central é que haverá a migração do papel para o meio eletrônico. Outra alteração é que as ordens, enviadas atualmente pelas Corregedorias para os Registros de Imóveis do próprio estado, passarão a ser disponibilizadas nacionalmente.

Um dos principais objetivos da CNIB é dar eficácia para as decisões judiciais e administrativas de indisponibilidades, divulgando-as para tabeliães, oficiais de Registro de Imóveis e demais usuários do sistema. Outra vantagem é a segurança nos negócios de compra, venda e financiamento de imóveis.

A CNIB foi idealizada a partir de constatações feitas pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de que as ordens de indisponibilidade não chegavam ao conhecimento de todos os cartórios brasileiros. Como consequência, imóveis de pessoas atingidas por indisponibilidades permaneciam como se seu patrimônio estivessem livre, podendo ser comercializados prejudicando adquirentes que precisam peregrinar por juízos e Tribunais para demonstrar que os gravames lhes eram ocultos.

A Central foi desenvolvida a partir do Termo de Acordo de Cooperação Técnica 084/2010 – firmado entre o CNJ, IRIB e Arisp – e funciona como um módulo da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis.

Para o registrador Sérgio Busso, a migração para o sistema eletrônico prevê inúmeras vantagens para a atividade registral. Ele ressaltou que se trata de um trabalho árduo em um primeiro momento e que é necessário ser consideradas as individualidades de cada região.

Já a registradora Maria do Carmo frisou que o CNIB implica em segurança para os negócios imobiliários e que, na prática, deverá rastrear todos os imóveis, constituindo uma ferramenta eficiente para inibir crimes e demais problemas com duplicidade de bens.

Fonte: IRIB | 12/09/2014.

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Determinação e especialidade subjetivas – item 63 das NSCGJSP em discussão

Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo em debate na sessão do dia 21/08/14

Na quinta-feira (21/8/2014), o Desembargador Ricardo Dip recebeu a visita do Dr. Ricardo Felício Scaff, Juiz assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, e da Dra. Tânia Mara Ahualli, Juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, na série de debates que o Desembargador vem conduzindo sobre as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

Nesta reunião foram debatidos os temas relacionados com o item 63 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. As distinções entre princípios axiomáticos e postulados mereceu especial atenção do Desembargador Ricardo Dip, que se estendeu sobre o tema da determinaçãosubjetiva, distinguindo-a da chamada especialidade subjetiva.

Pesquisa acadêmica

Antes de voltar às considerações do Capítulo XX das normas, o Des. Ricardo Dip deu notícias acerca de precioso trabalho acadêmico que está sendo realizado pelo Dr. Ricardo Caixeta que enfrenta o tema da qualificação registral de títulos judiciais. Trata-se de um trabalho de conclusão de curso de Direito, cujos detalhes, por enquanto sob regimental sigilo acadêmico, não podem ser divulgados, mas que se debruça no exame empírico das decisões proferidas, ao longo de uma década, pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, nos recursos de processos de dúvida em que houve recusa de registro de títulos judiciais.

Segundo o Desembargador, o trabalho de pesquisa do Autor foi muito bem feito em vários sentidos. O que mais o impressionou foi o seguinte:

De acordo com seu levantamento, nos vários biênios entre o período de 2004 e 2011, as dúvidas, apreciadas em grau de recurso que tiveram como solução a improcedência da exigência registral, corresponderam a cerca de 11 ou 12% dos julgados – salvo um único período em que esse índice alcançou 19%. Todavia, no biênio passado (2012-2013), esse índice subiu para 41%, ou seja: mais do que o dobro do maior índice registrado nos pares de biênios anteriores”.

Segundo o Desembargador, isso “demonstra que a gestão imediatamente anterior do Conselho Superior da Magistratura afastou-se mais da tradição antecedente. O próprio Autor da pesquisa salientou que, em alguns casos, isso foi fruto de influxo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mas, em grande parte, remanesce o fato de que houve uma forte mudança autônoma no entendimento do próprio Conselho da Magistratura paulista”.

Para compor a banca referente à defesa do TCC de Ricardo Caixeta, orientado pelo Prof. Dr. Luciano de Camargo Penteado, da Universidade de São Paulo,campus de Ribeirão Preto, foram convidados o Desembargador Ricardo Dip e o Registrador paulistano, Sérgio Jacomino.

Item 63, Cap. XX – especialidade subjetiva

Na sessão, o item discutido e debatido foi o item 63 do Capítulo XX das Normas, que reza:

A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.

Palavra-chave: determinação subjetiva

Segundo Ricardo Dip, “esse conjunto de indicativos para a composição da especialidade subjetiva serve apenas como um reforço à determinação. O que verdadeiramente importa é a determinação do proprietário. Para a determinação do proprietário podem convergir os acidentes indicados na norma. A relevância dessa observação é que, se há determinação subjetiva, se se sabe exatamente quem é o proprietário, algum dado faltante a propósito não deve impedir a abertura de matrícula. É muito frequente que o interessado não saiba dizer qual é sua profissão. Esse é um dado absolutamente acidental. A falta dessa informação não pode impedir o registro; exigência desse gênero pode mesmo induzir à pratica de uma falsidade, aventando-se uma profissão. Obviamente, de toda a sorte, quanto mais dados de qualificação, maior será a certeza da determinação correspondente”.

Todos esses dados são relevantes para que haja uma identificação mais segura das partes, principalmente numa cidade complexa e do tamanho de São Paulo. Sem embargo, esses dados podem não ser e frequentemente não são indispensáveis à determinação subjetiva. “O que interessa para o registro é que a pessoa não esteja indeterminada, até porque a especialidade subjetiva, em muitos de seus aspectos, é extremamente variável. Hoje eu sou professor de francês, mas posso perder meu emprego no dia seguinte e deixar de ser professor. Assim como alguém que hoje é casado, amanhã pode divorciar-se, tornar-se viúvo etc.”.

“Sacralização do registro”

O Desembargador concluiu, dizendo que os elementos acidentais não têm uma importância essencial. A sua valorização excessiva pode levar à indesejável “sacralização do registro”. O registro é forma – não fórmula. “Não percamos de vista que o registro é um meio, um instrumento. Não façamos do registro um fim em si mesmo, sem prejuízo, é claro, da vantagem que se espera obter da observância das formas”.

George Takeda, Registrador na Capital de São Paulo, observa que vários registradores interpretam essa norma ao pé da letra. A qualificação imprecisa que se encontra numa transcrição não deve ser impeditiva para a abertura da matrícula. O problema é quanto à qualificação que se faz no momento do registro do título. Essa qualificação tem de estar perfeita para que se possa ter certeza de que se trata da mesma pessoa. É por essa razão que se incluiu a letra “g”, no art. 213, inciso I, da Lei 6.015/73, que fala da retificação da especialidade subjetiva:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:

I – de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;

Princípios axiomáticos e postulados – determinação e especialidade

Retomando a palavra, Ricardo Dip observa que existem exigências essenciais, como é o caso da determinação subjetiva, e exigências consideradas ao modo depostulados. Os princípios registrais estão sendo, lamentavelmente, tratados com o mesmo valor. O princípio axiomático, que é essencial, não permite a abertura de matrícula quando não haja determinação de quem seja o proprietário. Todavia, tratando-se de princípio postulado, quando o imóvel está determinado e se sabe quem é o proprietário, principalmente em cidades menores (onde geralmente as pessoas muito se conhecem entre si), “não tem sentido fazer exigências demasiadas que tornem o processo registral um excesso burocrático”.

O expositor, ademais, afirmou não ser coerente vedar a abertura de matrícula sem informação adicional a agregar ao que já  constava da transcrição, pois que, vigente esta, eficaz que se encontre, não se vislumbra o que entravaria a mera inauguração de matriz com os mesmos dados constantes da transcrição precedente. Coisa diversa, claro, é o que diz respeito, no plano pessoal, aos casos em que se tenha tolerado a vigência de transcrição omissa quanto ao nome de algum contitular (p.ex., “proprietários: Carlos de Laet e sua mulher”), identidade que deve ser colmatada para descerrar-se a matrícula.

Há uma espécie de mito, prossegue o Desembargador, que cercou a adoção do sistema de matrícula, no Brasil de 1976. Alguns divisavam nessa matrícula um repositório constitutivo do futuro cadastro. Esse juízo de que a matrícula se preordenava ao cadastro, proposição que confundia cadastro jurídico e cadastro físico, levou a um resultado equivocado. “Não era nada disso, era só uma simples alteração de técnica inscritiva”.

O expositor destacou ainda que devamos satisfazer, o mais possível, os requisitos para a garantia da determinação subjetiva. “Especialmente, porque estamos trabalhando para o futuro. Utilizamos uma linguagem que hoje nos parece relativamente clara, mas que não pode ser imposta às próximas gerações. Provavelmente, nossos bisnetos não nos entenderão na linguagem atual. O que precisamos fazer é cercar-nos o mais possível de dados objetivos. Mas isso não significa adotar uma visão tão sacralizada do registro que saia mais econômico manter-se no sistema informal e clandestino: guarda-se o contrato na gaveta e confia-se no vendedor”.

É preciso distinguir a determinação subjetiva, princípio axiomático que está ligado diretamente à essencialidade da identificação do titular, da especialidade subjetiva, princípio postulado que não deve impedir a legitimação própria do registro, sempre que não se vulnere a determinação subjetiva. Em resumo, o registro não deve ser um obstáculo à vida negocial.

Ademar Fioranelli, Registrador em São Paulo, dá sua opinião. Segundo ele, todo titular de cartório deveria ter sobre a sua mesa o trabalho que o Des. Ricardo Dip escreveu sobre a qualificação no registro de imóveis e do qual colheu o seguinte trecho: ‘Mas, desde que se adote um critério analítico moderado, é certo que a qualificação registrária melhor se afeiçoa ao princípio da legalidade’. De fato, o registrador tem que ter temperamento na qualificação, evitar exageros – como o de devolver um título porque a parte se declara aposentada e ele não consideraaposentado uma profissão…”.

Prudência registral

“Nessa atividade do registro − disse Ricardo Dip −  não se pode esperar certeza de tipo absoluto”. E segue, reportando-se a Aristóteles, “o que nós temos que encontrar é o justo médio. É preciso evitar o excesso que consistiria em exigir rigorosamente vírgulas, letras rígidas, números fidelíssimos, signos esmeradamente recortados etc. Em contrapartida, também é preciso evitar o déficit de se fazerem as coisas de qualquer jeito. A questão é saber onde está ojusto médio em cada caso, tarefa própria da virtude da prudência, que só se realiza exercitando. Não se trata de crítica aos mais novos, mas a experiência daqueles que já viveram e muito experienciaram no registro favorece-os, porque a virtude da prudência é hábito próprio dos que viveram bastante”.

Existe um quadro que bem retrata a virtude da prudência  – a “Alegoria do Tempo Governado pela Prudência” (Ticiano; c. 1565-1570) – que se acha na National Gallery, em Londres. A imagem expõe três cabeças humanas, de frente para direções diferentes, penduradas sobre três cabeças de animais, representando estes (a partir da esquerda) um lobo, um leão e um cachorro. As três cabeças humanas são uma alegoria das ‘Três Idades do Homem’ (juventude, maturidade, velhice).

“A prudência é a virtude que guiará intelectualmente para a solução do caso e imperará a vontade de executar o que se deve. É preciso encontrar o justo médioem cada caso. Nos casos não é possível alçar-se a uma certeza absoluta extensa. Os casos são irrepetíveis e, em rigor, essencialmente indefiníveis. Por isso, têm algo de inefável. Não os podemos conceituar por essência, e, bem por isso, tampouco exprimi-los essencialmente. Convivo há 35 anos com esse risco em meus julgamentos; por mais me esforce, por mais me empenhe, não há, não houve, não haverá um só caso em que eu alcance certeza absoluta nas soluções. A certeza absoluta, repita-se, é incompatível com a solução de casos”.

Isso já deixara dito Aristóteles, “cada gênero do saber possui uma correspondente gradação de certeza. E quanto a fatos e casos individuais, nunca temos certeza absoluta. Não se pode querer ter certeza absoluta nessa matéria e, consequentemente, não são bastantes esquemas absolutos e apriorísticos quando sempre haja circunstâncias novas a avaliar”, concluiu.

União estável averbável instável

63.1. Sendo o proprietário casado sob regime de bens diverso do legal, deverá ser mencionado o número do registro do pacto antenupcial no Cartório de Registro de Imóveis competente, ou o dispositivo legal impositivo do regime, bem como na hipótese de existência de escritura pública que regule o regime de bens dos companheiros na união estável.

Segue-se uma troca de informações e impressões dos participantes sobre a nova regulamentação do registro da união estável no Registro Civil competente. A regra acha-se estampada nos itens 1 e 13, Cap. XVII das NSCGJSP (Livro “E”). Já no Registro de Imóveis, a regra acha-se estampada no item 11, letra “a”, n. 11 do Cap. XX que reza serão objeto de registro no Livro 3 as “convenções antenupciais e das escrituras públicas que regulem regime de bens dos companheiros na união estável” (v. tb. Item 80, “d” e item 85 do mesmo Capítulo XX). Isso sem prejuízo da averbação no Livro 2 das escrituras públicas que regulem regime de bens na união estável nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos companheiros, “inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento ou ao contrato ou reconhecimento judicial da união estável” (item 11, “b”, n. 1 do Cap. XX).

Tania Mara Ahualli, Juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, destacou que as modificações nas Normas de Serviço foram concebidas para o registro facultativo da união estável. “Parece-me que há registradores exigindo, para o registro de escritura, que a união estável esteja averbada no livro do registro civil”, lança a questão.

GEORGE TAKEDA – Na minha serventia, as partes apenas declaram que vivem em união estável.

ADEMAR FIORANELLI – Agora é obrigatório que a união estável esteja averbada no registro civil. No caso de inventário não é preciso que a união estável esteja averbada para o registro do formal de partilha.

TANIA AHUALLI – E no caso de impossibilidade de averbação da união estável, por exemplo, uma união que se iniciou quando uma das partes ainda era casada?

ADEMAR FIORANELLI – O impedimento existe na seguinte situação: Ademar, casado com Sônia, pretende averbar uma declaração de união estável com Maria.

TANIA AHUALLI – Ademar é casado com Sônia, mas adquire um imóvel com Maria, com quem vive em união estável. Esse registro não é possível porque ele é casado com Sônia.

RICARDO DIP – Quanto ao efeito retroativo, imaginemos que uma determinada pessoa esteja respondendo a uma execução e averbe uma união estável que afirme existente antes mesmo da aquisição do imóvel, reconhecendo-se, pois, a meação da companheira. É possível essa declaração unilateral?

ADEMAR FIORANELLI – A não ser que nessa união estável se estabeleça o regime da comunhão de bens. Ainda que se reconheça a união estável, neste caso, não há comunicação.

VOZ NÃO IDENTIFICADA – Tenho a impressão de que, mesmo em se declarando na escritura o tempo retroativo da união estável, os efeitos são ex nunc.

Desjudiciarização – só do que couber!

RICARDO DIP – Eu sou muito favorável à desjudiciarização… mas desjudiciarizar o que couber. Não mais que isso. De novo encontramos o problema do justo médio. Enfrentam-no o déficit e o excesso. Não me parece bem empurrar para a via não judicial situações que exijam aferição de prova não documental com virtualidade de litígio. Não se pode trasladar, sem mais, a função do juiz para os notários e os registradores, porque, sob o nome de desjudiciarização do Judiciário, estamos judicializando o Registro e as Notas. É preciso fazer uma correta distinção de situações antes que sacrifiquemos o bem comum com a perda de garantias (como a coisa julgada) próprias do processo no Judiciário. Falou-se na usucapião; opino que deva ser desjudiciarizada; a retificação, a propósito, foi uma experiência bem sucedida. O fato, porém, de o Judiciário estar com excesso de processos não deve ser o critério clave para a desjudiciarização. Só cabe transferir ao registrador os casos sem litígios em ato e que não tragam riscos a terceiros ou, mais amplamente, ao bem comum.

Lembremo-nos que abaixo da presunção absoluta e da ficção jurídica nada há que tenha mais força do que a presunção relativa graduada de veracidade do registro. Não podemos esquecer-nos, porém, de que toda ideia de fé pública está amparada na confiança social. A fé pública só se torna efetiva pela confiança que se tem na autoridade. Se começarmos a permitir o ingresso de ficções no registro, atingiremos e afligiremos o registro como um todo.

Considero que há um equívoco radical a respeito da união estável. Nós passamos da ideia de uma união que deveria tender ao casamento para uma situação anômala em que se agregou o mesmo valor do casamento à união estável. Não tardará que essa situação se inverta, porque a união estável é de inicial consagração jurídica mais econômica do que o casamento. Isso não é um problema do registro, é um problema sistêmico.

Casamento no estrangeiro

GEORGE TAKEDA – É preciso que haja muito cuidado quando o casamento tiver sido realizado no estrangeiro, porque o regime de bens precisa ser analisado conforme as leis do país.

ADEMAR FIORANELLI – Há alguns precedentes da Vara de Registros Públicos no sentido de que devemos solicitar uma declaração do consulado. Pouco importa o regime de bens, se os dois comparecem adquirindo. Mas quando apenas um está adquirindo, casado segundo as leis de um país estrangeiro, é interessante que se exija um complemento para que se evite futuramente um problema sucessório.

GEORGE TAKEDA – Mas essa exigência é interessante para o momento da venda, e não da aquisição, que pode ser muito antiga…

RICARDO DIP – É preciso verificar as leis do país à época do casamento. Houve um caso julgado pela Vara de Registros Públicos, relativo ao regime de bens de um casamento realizado na Romênia (quero crer), com celebração em 1919; veio a época em que esse País se submeteu ao tacão do regime comunista; toda a legislação anterior desaparecera. O Consulado romeno não tinha a menor ideia da legislação que vigorava em 1919 na Romênia. Foi um caso bastante difícil de resolver, bem me lembra.

63.2. As partes serão identificadas por seus nomes corretos, não se admitindo referências dúbias, ou que não coincidam com as que constem dos registros imobiliários anteriores (p. ex: que também assina e é conhecido) a não ser que tenham sido precedentemente averbadas no Registro Civil das Pessoas Naturais e seja comprovada por certidão ou que de outra forma o oficial constate tratar-se da mesma pessoa.

Ricardo Dip inicia seus comentários com uma referência a Ariano Suassuna: “Nós precisamos ceder passo à realidade de que muitas pessoas são conhecidas por mais de um nome. Em O Romance da Pedra do Reino, várias personagens têm pelo menos um outro nome, pseudônimo ou apodo. Uns, em determinado local, são conhecidos de um jeito, e em diverso lugar, de outro. Há muitos casos reais semelhantes a esses da literatura fecunda deste grande que foi Ariano Suassuna, em que a variação de nomes auxilia a identificação de uma pessoa”.

Segundo Ricardo Dip, é compreensível a preocupação que guardou essa regra, mas não se entende a necessidade dessa referência estar averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais, “exatamente onde não tem de estar averbado”.

“Na vida social é perfeitamente possível uma pessoa ser conhecida por três nomes diferentes” – diz ele. “Mas essa variação não pode constar do Registro Civil porque atenta contra o bem da personalidade, qual o da unicidade do nome. Diversamente, seria possível no registro de imóveis, porque este, sua função, no aspecto subjetivo, é a de identificar o dono do bem, e não de expressar seu nome único”.

Os participantes dirigem questões à mesa. Um assistente diz que, ao receber a documentação para a realização de um inventário, muitas vezes acaba por deparar com pequenas diferenças de grafia no nome, no CPF ou mesmo no RG (numeração trocada, por exemplo), certidões de nascimento de herdeiros com o nome da mãe assinado de forma diversa. São informações importantes, mas contraditórias.

Ricardo Dip aludiu que a função da determinação e da especialidade subjetiva no registro de imóveis não pode ser substituir a publicidade do registro civil. “O registro de imóveis cuida de situação jurídica real, e o registro civil de situação jurídica pessoal. Se nós queremos descobrir alguma coisa sobre a situação da pessoa, devemos procurar o registro civil das pessoas naturais, e não o registro de imóveis”.

Ademar Fioranelli observa que o problema é que a norma é dirigida ao registro de imóveis, tanto que o dispositivo faz a ressalva “…ou que não coincidam com as que constem dos registros imobiliários anteriores”.

A vacilação da norma, segundo Ricardo Dip, evidencia-se na parte final quando diz “…ou que de outra forma o oficial constate tratar-se da mesma pessoa”.

E concluiu: “Do ponto de vista teórico, nosso problema é encontrar os motivos que nos afastaram de certos princípios. Essa solução passa por aquele estudo que eu mencionei na semana passada do qual nós ainda carecemos; é dizer, ainda não se fez no Brasil um estudo que separe claramente, de um lado, os princípios registrais axiomáticos que devem ser rigorosamente observados, e, de outro lado, os princípios meramente postulados. Enquanto não for feita essa distinção, permaneceremos sem segurança fundacional sobre o que podemos ou não podemos dispensar em dadas práticas do registro”.

Princípio da legalidade no RI

63.3 Deverá ser sempre indicado o número de inscrição no CPF, sendo obrigatório para as pessoas físicas participantes de operações imobiliárias, até mesmo na constituição de garantia real sobre imóvel, inclusive das pessoas físicas estrangeiras, ainda que domiciliadas no exterior (Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, art. 3º, IV e XII, “a”).

Ao iniciar os comentários ao item 63.3 das Normas, Ricardo Dip observa que ao cuidar do princípio da legalidade no Registro de Imóveis, devemos considerar a peculiaridade desse princípio. O item 63.3 é um caso que provém de uma instrução normativa da Receita Federal. Para ele, trata-se, com essa instrução, de “lei em sentido amplo”, assim considerada no âmbito do princípio da legalidade registrária. Para ele não é nada cômodo, é mesmo impróprio, tratar do princípio da legalidade, nos diversos segmentos do direito, como se fosse um único princípio. “O princípio da legalidade registrária, se comparado, por exemplo, com o princípio da legalidade penal, põe à mostra, ali, uma extensão muito maior, abrangendo uma série de mandamentos oriundos de diversas fontes, incluindo o costume. Espera-se, faz uma década ao menos, que os registradores brasileiros façam um estudo sobre o papel do costume no registro de imóveis”.

Casuísmo: exigível somente na alienação

Diz George Takeda, que certa feita enviou à Vara de Registros Públicos um caso de uma partilha com vários herdeiros entre os quais havia um português. Para o registro era preciso que o estrangeiro solicitasse pessoalmente ao consulado a emissão do CPF. Diante da falta de interesse, a VRP foi provocada e decidiu pelo registro, mediante a indicação da filiação. “O CPF não pode ser condição para aquisição, somente para alienação”.

Encerramento

Ricardo Dip despediu-se dos presentes prometendo, para a próxima reunião, discussões mais profundas acerca da especialidade subjetiva, especialmente porque está em marcha o chamado sistema único (SIRC), previsto no Decreto 8.270, de 26 de junho de 2014.

Fonte: Observatório do Registro | 21/08/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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