Por outro lado, o encerramento da personalidade civil é corolário da morte, sendo esta o fim da existência de todo homem.
O tema “morte”, embora tão natural e corriqueiro, nunca foi de diálogo simplista e cômodo, e isso, talvez, em razão do medo do desconhecido, nutrido por alguns, ou ainda pela semente de sobrevivência arraigada em todo ser humano.
Mas se todos hão de morrer, pode-se escolher o momento e a maneira pela qual isso ocorrerá?
É garantido ao ser humano o direito a antecipar a sua morte para evitar sofrimento e agonia, diante de situações determinadas?
O assunto ganhou maior relevância no final do ano passado, quando foi noticiado que uma jovem americana de 29 anos, diagnosticada com um devastador câncer no cérebro, anunciou que daria fim à sua vida em 1º de novembro de 2014.
Tal prática só foi possível, após a jovem e sua família se mudarem da Califórnia para o Estado do Oregon, um dos cinco Estados americanos onde o suicídio com assistência de médicos é permitido, como noticiado pela BBC-Brasil[1].
No Brasil é possível tal prática?
Deixando de lado as complexas discussões filosóficas, médicas, morais e religiosas que envolvem a matéria, o direito brasileiro proíbe a antecipação da morte de uma pessoa, pela ministração de substâncias e assistência médica, o que é chamado de “eutanásia”.
Um dos pilares pelo qual se proíbe a prática é a premissa de que o direito a vida e a integridade física são inerentes a dignidade e a personalidade de todo ser humano, e por assim ser, são indisponíveis. Tanto é assim, que o diploma privado, prevê que “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes” (art. 13), admitindo-se a disposição para fins de transplante, se observado o estabelecido em lei especial.
Tema bastante interessante, e que não é demais mencionar, diz respeito a chamada conduta de “wanna be”, que é aquela onde a pessoa, de forma deliberada, amputa parte do próprio corpo que não lhe agrada, o que não é permitido no ordenamento jurídico pátrio.
Em sua obra “Manual de Direito Civil”, o nobre professor Flávio Tartuce, faz referência ao “wanna be”, e para isso afirma que
Em que pese a proibição da eutanásia no Brasil, é possível a lavratura de um instrumento onde a pessoa manifeste de forma antecipada sua vontade acerca dos cuidados e procedimentos a serem adotados no caso de eventual tratamento médico, se em tal ocasião o paciente não estiver revestido de sua capacidade – é o chamado “testamento vital”, ou ainda, “diretivas antecipadas de vontade”.
Roxana Cardoso Brasileiro Borges, Doutora em Direito Civil pela PUC/SP, ensina que o testamento vital, é também chamado de testamento em vida, “living will”, “testament de vie”, e que:
Ao que parece, a nomenclatura “testamento vital”, embora usual, não é a mais técnica, pois o ato não se trata de testamento, mas sim de escritura pública de declaração, já que vigora antes da morte daquele que manifestou sua vontade, perdendo o seu objeto se a morte ocorrer.
Atualmente a legislação pátria não possui tratamento específico sobre o tema.
O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.995 de 09 de agosto de 2012, define
Apesar da utilização do documento particular em algumas situações, a melhor solução e sugestão é no sentido de que o documento seja elaborado por um Tabelião de Notas, tendo em vista que o tabelião, nos termos da lei, é profissional de direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial (art. 3º – Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994), e por assim ser, tem como pressuposto a prestação do serviço de maneira eficiente e adequada.
A Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994, chamada de “Lei dos notários e dos registradores”, ao tratar da das atribuições e competências dos notários, prevê que compete aos notários “formalizar juridicamente a vontade das partes” (art. 6º inciso I), bem como “intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo” (art. 6º inciso II), e por assim ser, é inequívoco a competência e o preparo do notário para lavrar o ato.
Oportuno sempre lembrar a brilhante redação constante dos itens 1 e 1.1 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Provimento nº 58/89):
1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.
1.1 Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.
Pelo exposto resta clara a ideia de que o notário prestará toda a assessoria de que a parte necessita para que sua vontade seja perfeitamente manifesta.
As diretivas antecipadas de vontade, em que pese desconhecida por alguns, são muito utilizadas por determinados segmentos da sociedade, como é o caso, por exemplo, dos chamados “Testemunhas de Jeová”, que por convicções religiosas, baseadas, sobretudo no Pentateuco, evitam procedimentos que envolva a utilização de sangue de terceiros.
Também tem sido comum, na lavratura de escritura pública de união estável, além da declaração base de convivência, disposição acerca de providências médicas em caso de incapacidade superveniente de um(a) dos(as) companheiros(as), de modo que em caso de enfermidade, o(a) companheiro(a) são (sã) pode deliberar, prioritariamente aos demais familiares, sobre as providências médico-hospitalares oportunas[5].
Atualmente é possível a consulta livre sobre a existência das escrituras de Diretivas Antecipadas de Vontade (testamento vital), através da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC – administrada pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal – CNB-CF – com a finalidade de gerenciar banco de dados com informações sobre existência de testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza, inclusive separações, divórcios e inventários lavradas em todos os cartórios do Brasil.
Segundo o jornal o Estadão, entre 2009 e 2014, o número de documentos do tipo (testamento vital) lavrados em cartório cresceu 2.000%, conforme levantamento efetuado pelo CNB-SP[6], e a tendência é que o numero cresça ainda mais, à medida que a sociedade descubra as benesses da escritura.
Importante mencionar que as diretivas antecipadas de vontade podem ser revogadas ou alteradas em qualquer oportunidade, sendo que o único requisito é que a parte demonstre aptidão mental para o ato. “A vontade criadora é a vontade que extingue”.
Como ninguém esta imune a doenças que reduzem ou aniquilam a capacidade de manifestação de vontade, como, por exemplo, a Alzheimer, ou outras advindas até mesmo da condição de senilidade, e o consequentemente tratamento médico, é aconselhado, de forma contumaz, a todos aqueles que não desejam se submeter a tratamento que prolongue artificialmente a vida, a exemplo da transfusão de sangue, a realização da escritura tratando das diretivas antecipadas de vontade (testamento vital), para que tais decisões não fiquem ao livre arbítrio de terceiros, para tanto disponha sempre de um Tabelião de Notas.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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