CGJ/SP: Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Capítulo XX – Requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo – Alienação fiduciária de imóveis – Forma – Escritura pública ou instrumento particular para quaisquer dos contratos previstos na Lei n° 9.514/97 ou resultantes de sua aplicação – Proposta de utilização do instrumento particular com efeitos de escritura pública apenas nos lavrados por entidade integrante do SFI – Não acolhimento.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2012/131428
(69/2014-E)

Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Capítulo XX – Requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo – Alienação fiduciária de imóveis – Forma – Escritura pública ou instrumento particular para quaisquer dos contratos previstos na Lei n° 9.514/97 ou resultantes de sua aplicação – Proposta de utilização do instrumento particular com efeitos de escritura pública apenas nos lavrados por entidade integrante do SFI – Não acolhimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de requerimento formulado pelo Colégio Notarial do Brasil, seção São Paulo, em que se busca a modificação do item 230 (antigo 290), do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ), para nele inserir subitem com a seguinte redação:

O instrumento particular terá efeitos de escritura pública somente quando lavrado por entidade integrante do SFI.

É o relatório.

O presente expediente teve início com a apresentação, pela ARISP, de diversas propostas de alteração das NSCGJ.

As sugestões foram examinadas em duas etapas. A primeira resultou na implantação do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI (Provimento CG n° 42/2012 – fls. 142/158); a segunda, na edição do Provimento CG n° 11/2013, que tratou das regras gerais da atividade do registro imobiliário, dentre elas as relativas à alienação fiduciária de imóvel e à padronização do procedimento de execução extrajudicial a ela relacionada (fls. 201/219).

O Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, com lastro em bem fundamentada interpretação da Lei n° 9.514/97, em especial o art. 38, busca a modificação do atual item 230 (antigo 290), do Capítulo XX, das NSCGJ, para nele inserir subitem nos seguintes termos:

O instrumento particular terá efeitos de escritura pública somente quando lavrado por entidade integrante do SFI.

A proposta, salvo melhor juízo de V. Exa., não comporta acolhimento.

A Lei n° 9.514/97 dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário, institui a alienação fiduciária de imóveis e dá outras providências.

O Capítulo I cuida do Sistema Imobiliário Financeiro (arts. 1º/21), o Capítulo II, da alienação fiduciária de imóvel (arts. 22/33), o Capítulo II-A, do refinanciamento com transferência de credor (arts. 33-A/33-F) e o Capítulo III, das disposições gerais e finais.

O conceito de alienação fiduciária de imóvel é trazido pela própria Lei n° 9.514/97, cujo art. 22 diz ser o negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante), com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor (fiduciário), da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

O § 1º, do art. 22, elucida que a alienação fiduciária não é privativa das entidades que operam no SFI[1], e o 23, que a sua constituição depende de registro do contrato no Registro de Imóveis[2].

E o art. 38, por sua vez, enuncia que os atos e contratos previstos na Lei n° 9.514/97 ou resultantes da sua aplicação, mesmo os que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.

A redação do art. 38 é ampla. Abrange todos os contratos previstos na Lei n° 9.514/97 e os resultantes de sua aplicação. Ocorre que nem todos os contratos nela indicados são privativos das entidades que operam no SFI, conforme anuncia expressamente o já citado o § 1º, do art. 22.

Assim, se todos os contratos compreendidos na Lei n° 9.514/97 (ou resultantes da aplicação dela) podem ser lavrados por escritura pública ou instrumento particular com efeitos de escritura pública, e se nem todos os contratos previstos nessa lei são privativos das entidades que compõem o sistema financeiro, não há como vincular a utilização do instrumento particular apenas quando o negócio for lavrado por entidade integrante do SFI.

Note-se que, como foi dito, a estrutura da Lei n° 9.514/97 é compartimentada. Não existe ligação umbilical entre a parte que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e a que trata da alienação fiduciária. Constatação clara disso é que há disposição expressa no sentido de que a alienação fiduciária pode ser contratada por qualquer pessoa, física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI.

Ora, se inexiste esse nexo necessário entre o contrato de alienação fiduciária e as entidades integrantes do SFI, não se vislumbra por qual razão o instrumento articular só teria efeitos de escritura pública quando lavrado por entidade integrante do SFI.

A interpretação do Colégio Notarial parece ir de encontro à intenção do legislador, que, num primeiro momento, declarou, expressamente, que qualquer pessoa pode celebrar contrato de alienação fiduciária; e, num segundo, dispôs, sem nenhuma ressalva, que todos os contratos referidos na lei, ou resultantes de sua aplicação, podem ser celebrados por escritura pública ou instrumento particular, com efeitos de escritura pública.

Mesmo a interpretação histórica das quatro redações do art. 38 não levam à conclusão diversa.

Na redação original, permitia-se o instrumento particular apenas quando a pessoa física fosse a beneficiária final da operação[3].

Na segunda, dada pela Medida Provisória n° 2.223/2001, houve um alargamento, admitindo-se o uso do instrumento particular em qualquer hipótese de compra e venda com alienação fiduciária[4].

Na terceira, cuja redação decorre da Lei n° 10.931/04, a lógica da segunda redação foi mantida[5].

Por fim, sobreveio a quarta e atual redação[6] que, a despeito da respeitável opinião em sentido diverso do Colégio Notarial, apenas ratificou o sentido das redações anteriores, qual seja, a de prestigiar o uso do instrumento particular para instrumentalizar o contrato de alienação fiduciária de imóvel.

A única diferença é que, agora, o legislador quis deixar expresso que a escritura pública também pode ser utilizada para os mesmos contratos contidos na lei ou decorrentes da aplicação dela, haja vista que as duas redações anteriores nada falavam sobre a escritura pública.

É certo que, em 2011, ao julgar dúvida registral na E. 1ª Vara de Registros Públicos da Capital[7], exteriorizei opinião em sentido diverso, qual seja, de admitir o uso do instrumento particular somente quando presente algum integrante do SFI, sendo obrigatória a escritura pública para os demais casos.

Contudo, o reexame do tema mostra que o legislador não quis fazer essa restrição.

A interpretação a que ora se chega em nada faz desaparecer os riscos de fraude e de simulação por mim aventados na decisão que julgou procedente a dúvida registral.

Nem afasta a falta de harmonia do legislador que, para o negócio jurídico mais simples (compra e venda de imóvel de valor acima de 30 salários mínimos – art. 108, do CC) exige escritura pública, ao passo que, para o mais complexo, compra e venda de imóveis com alienação fiduciária, admite o instrumento particular.

Sem embargo, a eventual incongruência do legislador deve ser questionada na seara adequada, restando a esta, de natureza administrativa, apenas aplicar os termos legais.

Não é viável que, no âmbito administrativo, se pretenda alargar a interpretação de uma lei, a ponto de apontar eventuais falhas ou incoerências em face do ordenamento. Isso não é papel do Estado-Administração, mas, eventualmente, do Estado-Juiz, na condição de intérprete autêntico, visando à construção da norma de decisão.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que não seja acolhida a abalizada sugestão do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, de alteração do item 230 (antigo 290), do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Sub censura.

São Paulo, 06 de março de 2014.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, deixo de acolher a sugestão apresentada pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, a quem agradeço a valiosa participação. Publique-se. São Paulo, 07.03.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:

[1] § 1ª A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

[2] Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

[3] Art. 38. Os contratos resultantes da aplicação desta Lei, quando celebrados com pessoa física, beneficiária final da operação, poderão ser formalizados por instrumento particular, não se lhe aplicando a norma do art. 134, II, do Código Civil.

[4] Art. 38. Os contratos de compra e venda com financiamento e alienação fiduciária, de mútuo com alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de cessão de crédito com garantia real e, bem assim, quaisquer outros atos e contratos resultantes da aplicação desta Lei, mesmo aqueles constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por instrumento particular, a eles se atribuindo o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, não se lhes aplicando a norma do art. 134, II, do Código Civil. (Redação dada pela Medida Provisória n° 2.223. de 2001).

[5] Art. 38. Os contratos de compra e venda com financiamento e alienação fiduciária, de mútuo com alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de cessão de crédito com garantia real poderão ser celebrados por instrumento particular, a eles se atribuindo o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito. (Redação dada pela Lei n° 10.931, de 2004)

[6] Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública. (Redação dada pela Lei n° 11.076, de 2004)

[7] Processo n° 0006136-24.2011.8.26.0100, da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, DJE 30.05.11.

Fonte: INR Publicações – Publicado em PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 024| 31/3/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.