Provimento n. 14/2015 da CGJ/SP: elaboração e manutenção dos arquivos de segurança (backups) das Serventias Extrajudiciais

DICOGE 5.1
PROCESSO Nº 2012/117706 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

PARECER: (73/2015-E)

Serventias Extrajudiciais – Provimento 22/2014 – Requerimentos das entidades de classe buscando alterações pontuais – Proposta de acolhimento em parte.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Com o escopo de regulamentar padrões mínimos para a formação e manutenção dos arquivos de cópia de segurança dos acervos das Serventias Extrajudicias, V. Exa. editou o Provimento CG nº 22/2014, que foi publicado pela primeira vez no DJE de 18.09.14
Sobrevieram sugestões apresentadas pelo CNB/SP, ARPEN-SP, IRTDPJ-SP, ANOREG-SP, ARISP e IEPTB-SP (fls. 298/370) e, depois, manifestação conjunta (fls. 379/382).
É o relatório.
Opino.
Ao editar o Provimento CG 22/2014, V. Exa. procurou fixar critérios mínimos uniformes para a formação e manutenção dos arquivos de segurança das Serventias Extrajudicias.
A iniciativa desta Corregedoria Geral em muito se apoiou nas Recomendações nºs 09 e 11 da Corregedoria Nacional de Justiça.
Publicado o Provimento, sobrevieram propostas das entidades de classe, as quais passam a ser analisadas.
1 – item 90, letra “i”
Relatam as entidades de classe que a resolução adotada pelo Provimento 22/2014 (300 DPI sem compressão nem compactação) traria dificuldades de ordem técnica e econômica em virtude do elevado tamanho de cada arquivo.
A ilustração do IRTDPJ mostra que a imagem de uma folha A4 colorida com 300 DPI sem compressão gera um arquivo com tamanho de 26 MB. Cada um dos 10 RTDs da Capital gera cerca de 1.950 imagens por dia (500.000 por ano), o que representaria 51 GB por dia e 13 TB por ano. E, para digitalizar todo o acervo desde 1980, seriam necessários 10.000TB.
É certo que as entidades de classe podem fornecer suporte material e tecnológico a seus associados. Mas como se trata da primeira etapa oficial da criação dos arquivos de segurança e diante dos motivos trazidos pelas entidades, parece razoável a redução requerida a fim viabilizar a implantação dos arquivos de segurança.
A resolução reclamada pelas entidades de classe – de 200 DPI – é suficiente para os fins ora almejados, notadamente porque o arquivo de segurança não servirá de fonte para substituir o livro original, mas de ponto de partida para a restauração dos registros, a qual deve seguir o disposto nos itens 47 e 47.1, do Capítulo XIII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
47. O desaparecimento ou a danificação de qualquer livro deverá ser imediatamente comunicada ao Juiz Corregedor Permanente e à Corregedoria Geral da Justiça.
47.1. Autorizada pelo Juiz Corregedor Permanente, far-se-á, desde logo, a restauração do livro desaparecido ou danificado, à vista dos elementos constantes dos índices, arquivos das unidades do serviço notarial e de registro e dos traslados e certidões exibidos pelos interessados.
Assim, basta que os arquivos de segurança sirvam para a restauração do registro e a remontagem dos livros, o que pode ser atendido com a resolução de 200 DPI com compressão sem perdas (lossless).
2 – item 90, letra “o”
Quanto ao aproveitamento das digitalizações anteriores ao Provimento 22/2014, ponderam as Entidades de Classe que mais da metade das Serventias que consultaram já realizaram a digitalização do acervo com requisitos diversos dos contidos no provimento, porém em conformidade com as normas constantes nas Resoluções nºs 09 e 11, do Conselho Nacional de Justiça.
Pedem, assim, que seja reconhecida a validade dessas digitalizações.
O abrandamento da resolução, de 300 para 200 DPI, torna factível a digitalização, de modo que não há justificativa para a admissão das anteriormente feitas sem atendimento aos critérios ora fixados.
3 – item 91, letra “a”
A proposta pede que o arquivo de segurança abranja os últimos 5 anos dos livros Registro Diário da Receita e da Despesa, Protocolo, Controle de Depósito Prévio e Auxiliar de Protocolo.
Embora a melhor opção seja a digitalização de todo o acervo, tratando-se de livros que não cuidam da escrituração em si, o prazo sugerido, de cinco anos, parece adequado aos propósitos perseguidos.
Em relação ao livro de correições, requer-se que o backup abarque a escrituração de 1980 adiante o que, em verdade, já é a regra vigente.
A alteração pretendida, porém, melhor se aloca no item 90, letra “b”, conforme se vê da minuta de provimento anexa a este parecer.
4 – Microfilme
De fato, como bem destacado pelas entidades de classe, o microfilme goza de validade legal (Lei nº 5.433/68, Decreto 1.799/96 e Portaria 12/96, do Ministério da Justiça), de segurança e de longa duração. Assim, pode ser considerado arquivo de segurança suficiente quando os documentos estiverem microfilmados em duas vias em locais diferentes.
5 – Assinatura digital
Sobre a utilização da assinatura por certificado digital, pode-se, por ora, suspender a exigibilidade até que a tecnologia permita a validação e verificação a longo prazo. Não se pode perder de vista, ainda, a dificuldade de se garantir a autenticidade do documento em virtude das conversões de formatos ao longo dos anos e do vencimento do certificado digital.
Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça sejam alteradas nos termos da anexa minuta de Provimento.
Em caso de aprovação, sugiro a publicação da íntegra do parecer por três dias alternados para conhecimento geral.
Sub censura.
São Paulo, 16 de março de 2015.
(a) Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino a alteração das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça nos termos da anexa minuta de Provimento, que acolho. Para conhecimento geral, determino a publicação na íntegra do parecer por três vezes em dias alternados. Publique-se. São Paulo, 20 de março de 2015. (a) HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça. (DJe de 31.03.2015 – SP)

Provimento CG N.º 14/2015

Modifica a Seção VI, do Capítulo XIII, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que cuida da elaboração e manutenção dos arquivos de segurança (backups) das Serventias Extrajudiciais

O DESEMBARGADOR HAMILTON ELLIOT AKEL, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, NO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO os requerimentos apresentados pelas entidades de classe dos Notários e Registradores;
CONSIDERANDO as dificuldades relatadas pelas entidades de classe dos notários e oficiais de registro para implantar o arquivo de segurança;
CONSIDERANDO que se trata da primeira fase da criação dos arquivos de segurança;
RESOLVE:
Artigo 1º – O item 90, “b”, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a vigorar com a seguinte redação:
b. Prazo de 1 ano para a formação do arquivo de segurança abrangendo, pelo menos, os documentos de 01.01.76 em diante, exceto para: I) os livros “Registro Diário da Receita e da Despesa”, “Protocolo”, “Controle de Depósito Prévio” e “Auxiliar de Protocolo”; e II) os tabelionatos de protesto, cujos arquivos de segurança deverão abarcar, ao menos, os livros escriturados nos último 5 anos.
Artigo 2º – O item 90, “d”, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a vigorar com a seguinte redação:
d. Observação da Lei nº 12.682/2012 para digitalização e armazenamento dos documentos, dispensado o emprego de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil.
Artigo 3º – Fica suprimida a letra “g”, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Artigo 4º – O item 90, “h”, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a vigorar com a seguinte redação:
h. Existência de duas cópias de segurança, sendo uma de armazenamento interno na serventia (em disco rígido removível, microfilme ou servidor RAID) e a outra externa (em microfilme, servidor externo alocado em datacenter ou serviço de STORAGE no modelo NUVEM (PaaS – Platform As A Service), com SLA (acordo de nível de serviço) que garanta backup dos dados armazenados. Os serviços de datacenter e de Storage devem ser contratados com pessoa jurídica regularmente constituída no Brasil;
Artigo 5º – O item 90, “i”, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a vigorar com a seguinte redação:
i. Matriz com resolução equivalente a 200DPI, permitida a compressão sem perda (lossless), exceto quando adotado microfilme;
Artigo 6º – Fica suprimida a letra “j”, do item 90, da Seção VI, do Capítulo XIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Artigo 7º – Este provimento entra em vigor 15 dias após a data de sua primeira publicação no DJE. São Paulo, 30 de março de 2015.
(a) HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça

Fonte: DJE/SP | 31/03/2015.

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Artigo: A Incidência da Lei de Improbidade Administrativa nas Notas e nos Registros Públicos – Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

* Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

 A responsabilidade do agente público sempre foi analisada, no rigor da técnica jurídica, em três instâncias distintas, quais sejam: a civil, a criminal e a administrativa. A par dessa tríplice responsabilização, é possível identificar uma quarta esfera de responsabilidade do agente público, aquela decorrente da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/1992.

De fato, como a aplicação das sanções decorrentes da prática de ato de improbidade administrativa ocorre em processo judicial autônomo em relação às demais esferas de responsabilização, é correto dizer que a apuração do ato de improbidade independe do resultado nos processos civil, penal e administrativo. Afinal, de regra, as diferentes instâncias são independentes entre si, de forma que o resultado apurado em uma independe das demais.

A palavra “probidade”, de origem latina, deriva de probitate, que significa aquilo que é bom, ligando-se diretamente à honradez, à honestidade e à integridade. Ao reverso, a expressão “improbidade”, advém de improbitate, que reporta à imoralidade, desonestidade. 1

Todo aquele que de qualquer modo relaciona-se com o Estado possui, antes de tudo, dever jurídico de atuar com probidade. Assim, a probidade administrativa “conta com um fundamento não apenas moral genérico, mas com a base de moral jurídica, vale dizer, planta-se ela nos princípios gerais de direito”. 2

Com efeito, é das mais árduas a missão de conceituar “improbidade administrativa”, existindo, inclusive, relevante dissonância entre juristas de escol acerca da abrangência deste conceito. Nada obstante, parece salutar que o termo deva ser compreendido como o “ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”. 3

Nessa esteira, a Carta da República em seu art. 37, § 4º, prevê que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Indigitado preceito – norma constitucional de eficácia limitada, na dicção de José Afonso da Silva –, foi regulamentado pela Lei nº 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

No cenário contemporâneo, diante do legítimo anseio social de combate à corrupção, historicamente diagnosticada na administração da “coisa pública” no Brasil, vem galgando avanço jurídico a repressão dos atos de improbidade administrativa. Pretende-se consagrar, de uma vez por todas, que a corrupção é inimiga capital da República. Nesse jaez, a aplicação efetiva da Lei de Improbidade Administrativa tem ganhado nítida intenção ampliativa, com proposital aumento da abrangência subjetiva de incidência deste diploma, para reforçar o espectro de mecanismos aptos ao controle da máquina administrativa e da probidade na gestão pública.

Lançadas essas linhas vestibulares, convém aferir a possibilidade de incidência do controle à improbidade administrativa nos serviços notariais e de registros.

De plano, vale diagnosticar, ainda que de passagem, a natureza e a peculiaridade das notas e dos registros públicos na vigente ordem constitucional. A atividade notarial e registral configura-se, pois, como função pública exercida em caráter privado. Em palavras outras, os serviços notariais e registrais, gozam de regime jurídico sui generis, destacando-se como serviço público essencial, exercido de modo privato, através da delegação do Poder Público. Saliente-se, inclusive, que a própria alocação constitucional do dispositivo que consagra a atividade notarial e registral na Lei Maior (art. 236) indica sua natureza especial. Repare que mencionado preceito normativo encontra-se inserido no Título IX da Constituição Federal de 1988, que trata “Das Disposições Constitucionais Gerais”. Topografia normativa esta que demonstra ao intérprete o não enquadramento dos serviços extrajudiciais dentro da Administração Pública, nem tampouco dentro da organização do Poder Judiciário. Destarte, são serviços que pertencem ao seu próprio gênero.

Notório, assim, que a delegação dos serviços extrajudiciais é marcada por destacada especialidade. A propósito, esta especialidade é tal, que – parafraseando o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto –, 4 não há qualquer atividade no Brasil que se assemelhe com tais serviços. Cuida-se de atividade diferenciada, que, em sua peculiar ontologia, não encontra precedentes no direito brasileiro com qualquer outra.

Síntese preciosa, e tecnicamente irrepreensível, sobre a atividade notarial e registral e sua natureza atual na Constituição Federal de 1988 é ofertada por Ingo Wolfgang Sarlet: “Os serviços notariais e registrais são concedidos mediante ‘peculiar’ delegação do Poder Público.A teleologia desta peculiaridade reside na ‘natureza da atividade’, pois são serviços públicos essenciais (do Estado), e não simples atividade materiais, portanto não se encontram ao abrigo do art. 175 da Carta de 1988, inexistindo qualquer ‘relação contratual’ entre o Estado e o Notário ou Registrador. Esta delegação está contaminada pela ‘pessoalidade natural’ do delegado, que somente poderá ser a pessoa física cuja tal atribuição tenha sido conquistada mediante ‘concurso público’ de provas e títulos. O controle de suas atividades é exercido pelos Tribunais, e sua remuneração é estabelecida através de uma tabela de emolumentos, sempre editada por lei”. 5

Dada a sua peculiar formatação constitucional, os serviços notariais e de registros estão submetidos à norma reguladora da improbidade administrativa, sob dois prismas de sujeição. Vale dizer, os notários e registradores podem ser sujeitos passivos ou ativos dos atos previstos na Lei nº 8.429/1992.

Sujeito passivo é a pessoa ou entidade que sofre as consequências do ato de improbidade administrativa. Nesse caso, a possibilidade dos notários e registradores enquadrarem-se como sujeitos passivos decorre diretamente da natureza jurídica da remuneração que recebem. As serventias notariais e de registros públicos são destinatárias dos emolumentos, consistentes na contraprestação paga pelo utente destes serviços públicos essenciais.

Sempre houve muita controvérsia a respeito da natureza jurídica dos emolumentos. Entrementes, já é de algum tempo que, encerrando qualquer polêmica, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os emolumentos possuem natureza tributária, especificamente na espécie taxa. Dada a clareza do raciocínio, vale transcrever o entendimento da Suprema Corte: “A jurisprudência do Supremo tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se (…) ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade”. 6

Nesse ambiente, segundo os clássicos autores de direito tributário – sendo lícito recordar as lições do professor Geraldo Ataliba –, taxa é espécie de tributo vinculado, tendo em vista que seu fato gerador exige do Estado uma contraprestação específica. Aliás, sabe-se que no atual regime jurídico-constitucional, esta exação tributária pode ser dividida em “taxa de polícia” (art. 145, II, da CF e art. 78 do CTN), quando tem por contraprestação do Estado o exercício do poder de polícia; e “taxa de serviço”, quando exige do Estado a prestação de um serviço púbico específico e divisível.

Nessa linha de raciocínio, na melhor técnica tributária, pode-se observar que, no que concerne à atividade notarial e registral, os emolumentos podem ser considerados como sendo uma taxa de natureza especial, atípica, em vista de seu nítido caráter bifronte, já que parcela dos valores integrantes desta exação remunera os serviços do notário ou registrador e, outra parcela, remunera o poder de polícia exercido em razão da “regulação” dos serviços notariais e de registros – regulação deve compreendida como a atividade estatal fincada no binômio “disciplina normativo-orientadora e fiscalização propriamente dita” – feita pelo Poder Judiciário Estadual, nos termos do art. 236, § 1º, da Constituição Federal.

Além disso, deve ser analisado o tratamento jurídico dispensado aos emolumentos em cada Estado da Federação, tendo em mira que a Lei Federal nº 10.169/2000, em seu artigo 1º – ao atender o preceito constitucional do art. 236, § 2º, e veicular as normas gerais sobre os emolumentos incidentes sobre os serviços notariais e registrais –, delegou aos Estados e ao Distrito Federal, a atribuição de fixar os valores dos emolumentos. Assim, em cada Estado os emolumentos são compostos por receitas destinadas a entidades distintas e previstas por lei.

A título de ilustração, tomando-se por base o Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 11.331/2002 fixou a partição dos emolumentos dos serviços extrajudiciais para diversas entidades. Além da parcela pertencente aos próprios notários e registradores (62,5% do valor total recebido), os valores integrantes dos emolumentos são destinados às seguintes entidades: a) receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização; b) contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado; c) parcela destina à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; d) receita destinada ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços; e) contribuição de solidariedade destinada às Santas Casas de Misericórdia; e, f) o valor a ser recolhido ao Município, a título de tributação de ISSQN. 7

Enfim, observa-se que os valores arrecadados pelos notários e registradores a título de emolumentos, além de integrar-se da contraprestação aos próprios titulares da delegação, são compostos por receitas destinadas a outras entidades e repartições públicas. Quanto a estas últimas, os notários e registradores funcionam, pois, como verdadeiros arrecadadores de recursos públicos. Essas quantias são repassadas pelos delegatários a quem de direito, nas formas e prazos previstos na própria lei estadual (em São Paulo, conforme art. 12 da Lei nº 11.331/2002).

De mais a mais, a própria natureza jurídica da atividade, como já analisado alhures, indica que os serviços notariais e de registros gozam de uma estatalidade indissociável ao seu exercício. Nessa linha de pensamento, confira-se, por oportuno, lição extraída de primoroso voto da lavra do ministro do STF, José Celso de Mello Filho:A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa”. 8

Diante desse cenário, considerando os fundamentos acima ventilados – (a) o caráter público dos valores arrecadados pelos serviços extrajudiciais, decorrentes, em realidade, do exercício do poder de império estatal, sendo impostos, ex lege, a tantos quantos utilizem tais serviços essenciais; e (b) a própria natureza jurídico-constitucional da prestação dos serviços de notas e de registros públicos –, é perfeitamente possível concluir pela subsunção do notário ou do registrador ao disposto no art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa. Noutro linguajar, os aspectos acima elencados revelam-se suficientes a justificar o enquadramento das serventias notariais e de registro na sujeição passiva imediata dos atos de improbidade administrativa, subsumindo-se no rol de entidades indicadas no art. 1º da Lei nº 8.429/1992. 9

De outra banda, agora sem qualquer esforço hermenêutico, os notários e registradores podem, indiscutivelmente, figurar como sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. Observe-se que, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.429/1992, podem praticar atos de improbidade administrativa todos aqueles considerados agentes públicos.

A expressão “agentes públicos” há de ser encarada aqui em sua conotação mais ampla, genérica, englobando todas as pessoas que exercem funções estatais. São aquelas pessoas responsáveis pela manifestação de vontade do Estado. Ora, os titulares dos serviços extrajudiciais são agentes públicos. Nesse particular, lançando mão da tradicional classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello, a tipologia mais adequada para os notários e oficiais de registro é, sem dúvida, considerá-los como “particulares em colaboração com o Estado”. Em vista de seu teor pedagógico, salutar destacar a conclusão do festejado administrativista: “d) Particulares em colaboração com a Administração (…) Esta terceira categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares – portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal […] -, exercem função pública, ainda que às vezes em caráter episódico. Na tipologia em apreço reconhecem-se: […] d) delegados de função ou ofício público, que se distinguem de concessionários e permissionários em que a atividade que desempenham não é material, como a daqueles, mas jurídica. É, pois, o caso dos titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como notários e registradores, ex vi do art. 236 da Constituição, e, bem assim, outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades particulares reconhecidas. Anote-se que cada “serviço” notarial ou registral, constitui-se em um plexo unitário, e individualizado, de atribuições e competências públicas, constituídas em organização técnica e administrativa, e especificadas quer pela natureza da função desempenhada (serviços de notas e de registros), que pela área territorial onde são exercidos os atos que lhes correspondem. Inobstante estejam em pauta atividades públicas, por decisão constitucional explícita elas são exercidas em caráter privado por quem as titularize, como expressamente o diz a Constituição no artigo referido”. 10

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sem dificuldade, também consolidou o entendimento de que notários e registradores encontram-se no campo de incidência da Lei nº 8.429/1992, pois “estão abrangidos no amplo conceito de ‘agentes públicos’, na categoria dos ‘particulares em colaboração com a Administração’ ”. 11

Do exposto, é possível perceber que os serviços de notas e de registros públicos encontram-se inseridos com destaque na pertinência subjetiva da Lei de Improbidade Administrativa. Dada a natureza jurídica peculiar desses serviços públicos essenciais e a forma pela qual a delegação é exercida, notários e registradores, encontram-se, a um só tempo, na sujeição passiva imediata dos atos de improbidade, do mesmo modo que também podem ser enquadrados como sujeitos ativos de tais atos. De tudo isso, pode-se aferir a intensa aplicação do princípio da moralidade na atividade notarial e registral. É dizer, na condição delonga manus do Estado, notários e registradores, por atuarem em colaboração com o Poder Público, através da delegação, devem zelar por uma atuação pautada na observância de padrões éticos, agindo, sempre, com probidade e honestidade na prestação dos serviços a eles delegados.

Referências

1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1.086 e 1.640.

2. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Improbidade administrativa e finanças públicas. Boletim Administrativo, dez. 2000, p. 920.

3. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 24-25.

4. Esta peculiaridade dos serviços notariais e de registro foi muito bem destacada no voto do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, no julgamento da ADI 3151, da qual foi relator. Julgamento pelo Tribunal Pleno, ocorrido em 08.06.2005.

5. SARLET, Ingo W.; MOLINARO, Carlos A.; PANSIERI, Flávio. Comentário ao art. 236. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; STRECK, Lenio L.; SARLET, Ingo W. (Coords.).Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 7560).

6. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

7. Esta partição dos emolumentos aplica-se nos termos do art. 19, I, da Lei nº 11.331/2002 aos tabeliães de notas, tabeliães de protesto, oficiais de registro de imóveis, oficiais de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas. A partição dos emolumentos no que se refere aos atos praticados por registradores civis das pessoas naturais é distinta nos termos do inciso II, do art. 19, do mesmo diploma legal.

8. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

9. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 81-82.

10. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed., São Paulo: Malheiros, 2013. p. 256.

11. STJ – REsp 1186787/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., julgado em 24/04/2014.

_________________

* O autor é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas no interior do Estado de São Paulo. Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Fonte: Notariado | 30/03/2015.

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Artigo: Todos são chamados – Por Renato Nalini

* Renato Nalini

Quando o Brasil enfrenta uma judicialização doentia – mais de 100 milhões de processos em curso pelos quase 100 Tribunais – todos os brasileiros são chamados a refletir sobre essa patologia. O remédio usual e dispendioso é criar mais cargos e mais estruturas. O equipamento Justiça já custa muito ao povo. Em tempos de contenção, imposta pela dramática situação econômico-financeira, não há espaço para maiores dispêndios. Orçamentos cronicamente insuficientes não comportam novos impactos. Por isso, é urgente inovar.

A Corregedoria Geral da Justiça já previra em 2012/2013 o advento de tempos nebulosos. Além de outras iniciativas, editou o Provimento 17/2013, que institucionalizou a conciliação em serventia extrajudicial. Os notários e registradores já cumprem essa missão por dever de ofício. Se a missão tabelioa, principalmente, é formalizar juridicamente a vontade das partes e se estas quiserem fazer um ajuste legítimo de seus interesses, é obrigação do notário formalizar e dar fé pública ao ato.

Pois o Provimento 17/2013 foi neutralizado no CNJ, por decisão monocrática e não houve deliberação em Plenário para que ele pudesse surtir seus efeitos. Quem perde é o povo. Outra iniciativa meritória é o NECRIM. Núcleo Especial Criminal instituído pela Polícia Civil em Lins. Inaugurado em março de 2010, as conciliações superaram as melhores expectativas. Foram superiores a 86% nos últimos cinco anos e em 2013 e 2014, atingiram 91% de casos solucionados.

O Delegado de Polícia é a autoridade que atende a uma grande coleção de pequenos entreveros. Brigas domésticas, de vizinhança, de trânsito e outras. Sua função o predispõe a um desempenho voltado à pacificação. Se a Polícia já executa esse papel, por que não permitir que o faça de maneira institucionalizada?

O Provimento 17/2013 e o NECRIM são dois exemplos de criatividade e inovação que merecem aplauso da população e não podem ser coartados por resistência da reserva de mercado ou de um conservadorismo na contramão das necessidades de um Brasil impregnado de crises.

Menos preconceito, menos monopólio funcional, mais espírito público e pensamento/ação voltados à resolução de problemas, não à criação de novos entraves ao desenvolvimento da Democracia.

___________________

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.

Fonte: Blog do Renato Nalini | 27/03/2015.

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