APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.302.152-4 DO FORO REGIONAL DE CAMBÉ DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA 1ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA
APELANTES: ARTUR LUCAS SANTOS DE ARAÚJO E OUTRO
APELADO: MUNICÍPIO DE CAMBÉ
RELATOR: DES. STEWALT CAMARGO FILHO
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR E GARANTIDOR DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. COISA JULGADA. POSTERIOR DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. STF ADIN Nº 3089//DF (TRIBUNAL PLENO, REL. MIN. CARLOS BRITTO, DJE 1º.08.2008). DECISÃO COM EFICÁCIA VINCULANTE E ERGA OMNES. IMPOSSIBILIDADE DE ALCANCE RETROATIVO PARA DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. APLICAÇÃO A FATOS GERADORES POSTERIORES AO TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NA ADIN 3089 (ART. 28, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.868/99). RELAÇÃO JURÍDICA CONTINUATIVA. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
VISTOS.
I. Os apelantes propuseram ação de mandado de segurança preventivo visando à abstenção, por parte do apelado, “de lançar ou cobrar valores alusivos ao ISSQN”, a partir de 2009, reputados indevidos
por conta de coisa julgada operada, não se aplicando ao caso julgamento do SFT.
Através da r. sentença de f. 174/170, a segurança restou denegada, sendo condenados os impetrantes ao pagamento das custas processuais.
Opostos embargos de declaração por parte dos impetrantes (f. 174/178, e após a manifestação do impetrado (f. 184/185), estes foram acolhidos para corrigir erro material, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem assim, ao pagamento da verba honorária.
Novos embargos foram opostos (f. 191/193).
Decidiu o MM. Juiz (f. 195/199), acolhendo os embargos e revogando a decisão de f. 187/188, bem como rejeitou os embargos de declaração em seu conteúdo.
Em seu recurso, os apelantes defendem que “impõe-se o presente recurso de apelação contra a sentença ora hostilizada para o fim de restabelecer a sentença que afastou a cobrança do ISSQN dos ora recorrentes, proferida nos autos nº 010/2004, em razão da notória coisa julgada que se operou, não admitindo, tal como fez a ilustre magistrada através da decisão de fls. 0195-0199, que julgou os embargos de declaração de fls. 0191-0193, a `relativização da coisa julgada”.
Entendem também que “o Município de Cambé deve se abster, definitivamente, de cobrar-lhes quaisquer valores a título de ISSQN, não apenas porque referido município não interpôs recursos nas instâncias superiores, mas também porque não manejou, em tempo hábil, ação rescisória … dando azo, por consequente, à imutabilidade da decisão”; “há, em favor dos recorrentes, o trânsito em julgado de uma decisão anteriormente enfrentada por esse Egrégio Tribunal, garantindo-lhes a imunidade tributária”; deve ser preservada a coisa julgada e a segurança jurídica; não deve prevalecer a relativização da coisa julgada. Requerem o provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões pelo Município de Cambé (f. 225/230), pugnando pelo desprovimento do recurso.
Oficiando no feito, o Ministério Público, em seu r. parecer de f. 239/248), culmina por entender que o recurso deve ser desprovido.
É o relatório.
II. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Em mandado de segurança anterior, objeto da apelação cível e reexame necessário nº 321.932-3 (v. f. 239/246) consta que “A sentença de primeiro grau suspendeu os efeitos da Lei Municipal n. 1723/03 no que tange a tributação do ISSQN imposto de serviços de qualquer natureza relativos àqueles prestados pelos impetrantes, condenando o impetrado ao pagamento das custas processuais”.
Essa suspensão foi reconhecida no v. Acórdão nº 26761, 2ª Câm. Cível, Relator Juiz Péricles B. de Batista Pereira, no sentido de que “não há como se permitir a cobrança do ISSQN, sob pena de violar o disposto no artigo 150, VI da Constituição Federal”. A sentença de primeiro grau foi mantida (autos nº 0010/2004).
O v. Acórdão transitou em julgado em 22.08.2006 (f.
257).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3089-DF, consignou que a cobrança do ISSQN sobre serviços de registros públicos, cartórios e notariais, não é inconstitucional.
Veja-se:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE.
1. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISSQN.
2. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do ISQN permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada.
Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados.
3. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º, da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
(STF, ADI nº 3089, Relator Min. Carlos Britto, Relator para o Acórdão Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, em 13- 2-08, DJe-142 – ressaltei).
Neste novo mandado de segurança aduzem os apelantes que a presente medida é endereçada “contra novas pretensões de o fisco municipal, na pessoa de seu atual Secretário da Fazenda, lançar ou cobrar valores supostamente devidos a título de ISSQN, o que já restou evidenciado através de documento enviado aos autores, intitulado `Termo de orientação Fiscal nº 013 e 014 O/2010′, recebido por ambos em data de 06.10.2010”.
Este foi o motivo da impetração em sua forma preventiva (f. 006).
As orientações fiscais (f. 036 e 037), com base na Legislação Municipal específica (Lei nº 454/83, Lei nº 1723/2003 e Lei Complementar nº 116/2003), deram o prazo de dez dias para que os apelantes providenciassem a declaração e o recolhimento do ISSQN, a partir do exercício de 2005.
O ponto relevante em discussão é sobre a coisa julgada, o que no entender dos apelantes, tornou imutável a sentença proferida no mandado de segurança anterior, na qual fora decretada a suspensão dos efeitos da Lei Municipal n. 1723/03 e, consequentemente, afastada a cobrança do ISSQN definitivamente, garantindo-lhe a imunidade tributária.
À luz do instituto da coisa julgada, em tese, não poderia a decisão posterior, resultante da ADIn nº 3.098, em que foi reconhecida a constitucionalidade da exação, alterar, por si só, o julgado anterior, que não foi objeto de ação rescisória e nem de recurso em instância superior.
Entretanto, no caso dos autos, as relações tributárias são de trato sucessivo, renovam-se a cada fato gerador ocorrido, orientando-se pelas premissas existentes no momento da incidência da norma tributária1.
A declaração de constitucionalidade em controle concentrado não pode retroagir para desconstituir a sentença transitada em julgado, nem ser relativizada, em observância ao princípio da segurança jurídica, mas pode ela ser aplicada aos fatos geradores posteriores ao trânsito em julgado do acórdão proferido na ADIn 3.089, conforme estipulado no artigo 28, parágrafo único, da Lei Federal nº 9.868/99:
“Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”
A respeito, leciona Luís Guilherme Marinoni2:
1 Artigo 144, do CTN: O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege- se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
2 MARINONI, Luís Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008,
pp. 157 a 159.
“A partir da declaração de constitucionalidade há certeza jurídica sobre a constitucionalidade da norma.
Além de a certeza jurídica vincular os órgãos do Judiciário e da Administração, ela se impõe sobre todos os membros da sociedade, obrigados que estão a respeitá- la.
Assim, a pergunta que resta é a de se a coisa julgada, ao revestir sentença que não aplicou a norma por considerá-la inconstitucional, pode atingir, no tempo, instante posterior ao da declaração de constitucionalidade. Será que, nas relações continuativas ou que duram no tempo, esta coisa julgada sobrevive à declaração de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal? A declaração de constitucionalidade interfere sobre a relação continuativa, pois obriga os seus partícipes a observá-la. De outra parte, não teria sentido que uma decisão que se submete, na lógica do sistema de produção de decisões, ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, pudesse continuar a regular uma situação jurídica que se mantém duradoura após a decisão de constitucionalidade.
Note-se que a decisão de constitucionalidade não está operando para o passado ou retroagindo, mas sim regulando a relação ou a vida que continua. É evidente que, em razão da declaração de constitucionalidade, não se pode rescindir a sentença que declarou a inconstitucionalidade de um tributo. Muito menos se pode pretender cobrar os valores que o contribuinte deixou de pagar com base na sentença que declarou a inconstitucionalidade do tributo. Isto seria dar efeito retroativo à declaração de constitucionalidade, em flagrante violação aos princípios da segurança e da proteção à confiança.
Contudo, ao se dar eficácia à declaração de constitucionalidade sobre as relações jurídicas continuativas, mantendo-se intacta a situação que se formou e se consolidou durante o tempo que mediou entre a decisão judicial que produziu efeitos e a declaração de constitucionalidade, restará preservado o princípio da proteção à confiança. Lembre-se, aliás, que a melhor doutrina portuguesa, ao tratar dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, basta sublinhar o princípio de que, desde que não haja violação autônoma do princípio da proteção da confiança, o caso julgado de trato sucessivo não impede de per si que se atribua relevância à superveniente declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
O princípio da proteção à confiança explica a eficácia da declaração de (in)constitucionalidade sobre as relações continuativas. Por um lado, impede que a decisão do Supremo Tribunal Federal interfira sobre os projetos daquele que depositou confiança no ato jurisdicional revestido pela coisa julgada. De outro, sem alterar as situações consolidadas e operando apenas para o futuro, permite a realização do direito tal como definido pelo Supremo Tribunal Federal, evitando que as relações que devem se desenvolver sob a égide de uma declaração de (in)constitucionalidade possam ser reguladas de forma diversa.
Nesta dimensão, protegendo-se a confiança e afirmando-se o princípio da segurança, a declaração de inconstitucionalidade não retroage sobre a coisa julgada, mas incide imediatamente sobre as relações em trânsito, no tempo, dando-lhes a regulação constitucional própria ao momento em que se desenvolvem.
Frise-se que, embora atribuir efeito a um juízo que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional, não há racionalidade em admitir que um juízo continue a produzir efeitos, regulando uma relação que se desenvolve no tempo, depois de a lei que por ele foi aplicada ter sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.”
Diante do reconhecimento de relação jurídica continuada, cujos lançamentos de impostos nascem com o passar do tempo, a modificação do quadro jurídico após a decisão do Supremo Tribunal Federal não pode ser afastada e, com isso, é possível aos municípios cobrar ISSQN sobre os serviços notariais, registrais e cartorários, com base em legislação própria, cumprindo destacar que, neste caso, deve ser reconhecida a incidência do referido imposto somente com relação aos fatos geradores posteriores a 13.08.2008, e não como requereram os autores, alternativamente, a partir de 2009.
Assim, ao caso, aplica-se o princípio da imutabilidade da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF) até 13.08.2008 e, a partir daí, devem ser observados aqueles princípios da supremacia da Constituição Federal e das decisões do Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput, da CF), que nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, possuem efeitos vinculantes erga omnes.
Voto no sentido de dar provimento parcial ao recurso, a fim de conceder parcialmente a segurança impetrada, para determinar ao Município apelado que se abstenha de cobrar o ISSQN dos apelantes até 13.08.2008. Por sucumbentes, cada parte arcará com 50% das custas processuais (art. 21 do CPC). Rejeitado o pedido alternativo.
III. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos da fundamentação supra.
Participaram do julgamento presidido pelo Desembargador LAURO LAERTES DE OLIVEIRA com o Relator, e acompanhou o voto do Relator, o Desembargador ANTÔNIO RENATO STRAPASSON.
Curitiba, 24 de fevereiro de 2015.
Des. Stewalt Camargo Filho Relator
Fonte: INR Publicações | 09/04/2015.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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