Artigo: Imposto Estadual sobre transmissão “Causa Mortis” e doação (ITCMD) – exigência ilegal em face de bens transferidos aos sócios por ocasião da liquidação da Sociedade – Por Rogério Pires da Silva

* Rogério Pires da Silva

Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o campo de incidência do ITCMD permite identificar que os limites da lei são cada vez mais desrespeitados pela fúria arrecadatória. A aparente ausência de barreiras para a “interpretação” fazendária – aliada à ausência de punição para os excessos da fiscalização – conduz ao absurdo lançamento fiscal que somente o Poder Judiciário pôde obstaculizar nos autos da apelação cível n. 0007687-15.2013.8.26.0053 (processo julgado em 8.9.2014).

Em suma, naquele caso a Corte paulista houve por bem anular débito fiscal de ITCMD lançado pela autoridade fazendária do Estado de São Paulo em face (dentre outros) de transmissão de bens da sociedade aos sócios, por ocasião da liquidação regular da empresa.

O absurdo salta aos olhos porque na liquidação da sociedade não há transmissão “causa mortis”, e de doação também não se pode cogitar – mas a autoridade fazendária interpretou que no caso concreto os bens teriam sido transferidos pela sociedade aos sócios por mera “liberalidade” daquela, e com amparo nessa leitura dos fatos formalizou o lançamento do ITCMD, antevendo suposta “doação” sujeita ao imposto.

Foi preciso que o Tribunal de Justiça de São Paulo se debruçasse sobre o tema para dizer o óbvio: os bens recebidos a título de distrato da sociedade não se submetem ao ITCMD.

De fato, a Constituição outorga aos Estados (e ao Distrito Federal) a competência para instituir e cobrar o imposto sobre “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (art. 155, I), e o Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66, com eficácia de lei complementar em razão da matéria) estipula que nem mesmo a lei pode alterar a “definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias” (art. 110).

A doação é negócio jurídico definido expressamente no art. 638 do Código Civil (Lei n. 10.406/02): “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”

Já a liquidação de sociedade é negócio jurídico totalmente distinto (arts. 51, 1.033 e ss., e especialmente 1.102 e ss., do Código Civil), em virtude do qual a transmissão de bens pela sociedade aos sócios decorre de partilha de haveres (idem, art. 1.103, IV), jamais por mera “liberalidade” da sociedade.

Tais conceitos de direito privado são relevantes, portanto, para a delimitação do campo de incidência do ITCMD, e não havendo fraude ou simulação – posto que isso não foi sequer aventado pela fiscalização no caso concreto – não se pode confundir a doação sujeita ao tributo e o pagamento de haveres aos sócios na liquidação de sociedade de pessoas.

O lançamento original contemplava ainda a cobrança do imposto em face de doação de imóveis efetivamente ocorrida, mas regularmente submetida à incidência do tributo. Neste caso, a doação de imóveis do pai para cada um de seus três filhos foi feita por escritura pública, com divisão igualitária, de modo a aquinhoar cada donatário com 1/3 (um terço) dos imóveis – e cada quinhão acabou ficando abaixo do limite de isenção do imposto, que é de duas mil e quinhentas UFESP (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo), de conformidade com o art. 6º, inciso II, alínea “a”, da Lei Estadual nº 10.705/00 (reproduzida no art. 6º, II, “a”, do Decreto Estadual nº 46.655/02, que regulamenta aquele diploma).

Ocorre que uma das donatárias, por engano, declarou ao fisco federal ter recebido em doação o valor total dos imóveis, e com base tão somente nessa declaração ao fisco federal a autoridade fazendária estadual partiu do pressuposto de que a referida donatária, na verdade, teria recebido todos os imóveis – pelo que recusou fé à escritura pública de doação dos imóveis, lançando o ITCMD supostamente devido pela referida donatária em face do valor integral dos imóveis doados.

Ora, o valor da soma dos imóveis doados ultrapassou o limite de isenção acima referido, mas é fora de dúvida que a donatária não possuía capacidade contributiva para arcar com o imposto – eis que, ao fim e ao cabo, recebeu apenas 1/3 (um terço) dos imóveis – e de todo modo a regra de isenção prevalece para cada doação isoladamente considerada.

De mais a mais, a escritura de doação é documento público. E é vedado ao Estado negar fé ao documento público (art. 19, II, da Constituição Federal). Por isso mesmo não poderia prevalecer no lançamento do ITCMD, contra o próprio documento público, a mera declaração (equivocada) entregue pela donatária ao fisco federal.

Tais elementos foram simplesmente ignorados pela fiscalização estadual no caso concreto, novamente com base numa suposta liberdade de “interpretação” da autoridade fazendária. Como se os imóveis pudessem ser considerados inteiramente transmitidos a um só dos donatários apenas em razão da declaração (unilateral) por ele prestada ao fisco federal.

A esta altura é irrelevante se houve equívoco naquela declaração, como se pode facilmente constatar, porque bens imóveis não podem ser considerados transmitidos (independente do negócio jurídico: doação ou compra e venda, não importa) por singela declaração de uma das partes. A lei exige instrumento público para esse tipo de transação (art. 108 do Código Civil), e o instrumento público prevalece – como é evidente – em detrimento de qualquer outra manifestação de vontade.

Como se não bastasse, a manifestação de vontade do contribuinte (dotada ou não de equívoco) é irrelevante para fazer nascer a obrigação de pagar o tributo, pois em nosso direito tributário a obrigação é “ex lege” – ou seja, só há tributo devido quando ocorrida, na realidade dos fatos, a hipótese de incidência prevista abstratamente na lei.

De todo modo, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no caso concreto demonstra que há certo despreparo dos servidores no trato da matéria – revelando a necessidade de que o fisco redobre a atenção no treinamento de seus agentes fazendários (com ênfase nos elementos de direito tributário e nos fundamentos de direito privado essenciais à atividade de quem está encarregado de lançar o ITCMD).

É preferível acreditar que essa deficiência foi a única causadora do lançamento impugnado no processo em epígrafe; a prevalecer a ideia de que a tese fazendária resultou de uma interpretação “possível” da norma em vigor – e se essa interpretação se difundir para vitimar outros contribuintes – o já assoberbado Poder Judiciário remanescerá como último limite para corrigir erros elementares das autoridades fazendárias.

* Rogério Pires da Silva (Advogado em São Paulo, sócio de BOCCUZZI ADVOGADOS ASSOCIADOS)

Fonte: Migalhas | 29/04/2015.

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STJ: DIREITO EMPRESARIAL. AVAL EM CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL.

Admite-se aval em cédulas de crédito rural. Isso porque a proibição contida no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei 167/1967 não se refere ao caput (cédulas de crédito), mas apenas ao § 2º (nota promissória e duplicata rurais). Dispõe o art. 60 do DL 167/1967 que “Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas”. O § 2º do referido artigo, por sua vez, impõe ser “nulo o aval dado em Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, salvo quando dado pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas”. Já o § 3º preceitua que “também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas”. Observe-se que a afirmação de que “também são nulas” outras garantias só pode complementar dispositivo no qual haja referência a outra nulidade, e o único dispositivo do citado artigo a fazer tal assertiva é o § 2º, no tocante à nulidade do aval. É dizer que a afirmação de que “também são nulas” outras garantias não pode mesmo dizer respeito aocaput, que não contém previsão alguma acerca de nulidade de garantias. Frise-se, ademais, que os arts. 11, 17 e 18 do Decreto-Lei 167/1967 fazem referência textual a garantias prestadas por terceiros em cédulas de crédito rural. De mais a mais, observa-se que as alterações promovidas pela Lei 6.754/1979 – que acrescentou ao art. 60 os parágrafos 1º a 4º –, pretenderam retirar a responsabilidade cambiária do produtor rural pelo endosso e aval nas notas promissórias rurais ou duplicatas rurais descontadas em instituição bancária, quando o principal devedor, a indústria agrícola, fraudulentamente ou não, deixava de honrar a dívida garantida pelas cártulas. A disciplina das cédulas de crédito rural, por sua vez, é absolutamente diferente. Mesmo porque se trata de títulos de crédito referentes a financiamentos tomados pelos produtores rurais com integrantes do sistema nacional de crédito rural ou cooperativas (nesse sentido, são os arts. 1º,caput e parágrafo único, 14, IV, 20, IV, 25, IV, e 77, parágrafo único, todos do Decreto-Lei 167/1967). Com efeito, as alterações trazidas pela Lei 6.754/1979, a toda evidência, não tiveram como destinatárias as Cédulas de Crédito, pois estas são títulos representativos de financiamento rural tomado pelo produtor ou cooperado para o incremento de suas próprias atividades. Ou seja, nelas o produtor figura mesmo como devedor, ao contrário da nota promissória rural e da duplicata rural, nas quais o devedor é o comprador do produto rural a prazo – no mais das vezes, a agroindústria de grande porte. Nessa linha de raciocínio, o aval prestado por terceiros nas cédulas de crédito rural constitui reforço de garantia do próprio produtor rural, sem o qual figuraria sozinho como responsável pelo financiamento perante o credor. A um só tempo, o crédito rural estaria sensivelmente dificultado – e certamente mais caro – ao pequeno produtor rural, e, além disso, tal circunstância vai de encontro ao próprio sistema do crédito rural, o qual tem como um dos principais objetivos “possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios” (Lei 4.829/1965, art. 3º, III). REsp 1.315.702-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/3/2015, DJe 13/4/2015.

Fonte: STJ – Informativo nº 0559 | 6 a 16 de abril/2015.

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1ªVRP/SP: – Protesto – contrato de locação – convenção das partes sobre o local do pagamento – obrigação portável – artigo 327 CC e 27, da Seção II, Capítulo XV, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça – pagamento a ser efetuado no local indicado expressamente no título – independência do Oficial para qualificação do título – reclamação improcedente.

Processo 1018840-13.2015.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – M.L.A.R. – M.L.A.R. – Protesto – contrato de locação – convenção das partes sobre o local do pagamento – obrigação portável – artigo 327 CC e 27, da Seção II, Capítulo XV, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça – pagamento a ser efetuado no local indicado expressamente no título – independência do Oficial para qualificação do título – reclamação improcedente. Vistos. Trata-se de reclamação e pedido de providências formulados por M.L.A.R. em face da negativa do º Tabelião de Protestos de Letras e Títulos de (…) em efetivar o protesto de contrato de locação (fls.06/ 11). O óbice refere-se à existência da cláusula 2ª, § 2º, que dispõe: “o aluguel deverá ser pago no dia do vencimento pré estipulado através de depósito bancário no Banco Itaú, agência 3809, conta nº 25745-8, enviando cópia do comprovante de depósito para a Caixa Postal 2536 – Guarulhos/SP, CEP: 07010-972, até o final do mês em curso”. Logo, em face da mencionada cláusula, o local para protesto seria a cidade de Guarulhos. De acordo com o relatado pela reclamante, o referido título foi recusado sucessivas vezes (em 19.09.2014 e 04.02.2015). Alega não ser a cidade de Guarulhos a praça de pagamento para protesto e que o º Tabelião de Protesto de (…), em 16.10.2014, recusou a lavratura do ato, sob a alegação de que o documento deve ser protestado na praça de São Paulo. Salienta que, nos termos do contrato, não foi estabelecido local de pagamento, sendo equivocada a recusa do Tabelião. Juntou documentos às fls. 15/20. O Tabelião informa que o contrato mencionado, ao contrário do que faz crer a reclamante, foi apresentado duas vezes, sendo o título qualificado negativamente, por entender tratase de dívida portável, já que cabe à locatária (devedora) fazer chegar à locadora (credora) o pagamento do aluguel (fls. 23/29 e 42/44). Esclarece que a agência 3809, localiza-se no Município de Guarulhos, razão pela qual não possui competência para recepcionar o pedido de protesto, uma vez que as partes elegeram como local do pagamento da obrigação comarca diversa. Juntou documentos às fls. 30/35. É o relatório Passo a fundamentar e a decidir. Em que pesem os argumentos da reclamante, verifico que a presente reclamação não merece prosperar, assim como a providência por ela pleiteada. Conforme estabelecido no artigo 327, “caput”, do Código Civil: “Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias” (g.n) O local do cumprimento do contrato, em regra, está indicado no título constitutivo do negócio jurídico, ante o princípio da liberdade de eleição, pelo qual os contraentes são livres para especificar o domicílio onde serão cumpridos os deveres e os direitos resultantes do contrato, bem como determinar o foro competente para dirimir conflitos decorrentes inadimplemento das obrigações. Pela análise dos termos estabelecidos pelas partes, entendo que na presente hipótese foi constituída uma obrigação portável, cabendo ao devedor ir ao encontro do credor para realizar o pagamento, em local aventado previamente. Neste contexto, na minuta do contrato juntado às fls. 06/11, houve expressa previsão do lugar de pagamento para dirimir as pendências resultantes do contrato, na cláusula 2ª, § 2º, segundo a qual as partes ajustaram como sendo o local do pagamento a Comarca de (…), o que define a competência para efetivação dos protestos. E ainda, de acordo com o capítulo XV, seção II, item 27 das Normas de Serviço da Egrégio Corregedoria Geral da Justiça: “27. Somente podem ser protestados os títulos, as letras e os documentos pagáveis ou indicados para aceite nas praças localizadas no território da comarca. 27.1. Quando não for requisito do título e não havendo indicação da praça de pagamento ou aceite, será considerada a praça do sacado ou devedor ou, se não constar essa indicação, a praça do credor ou sacador. 27.2. O protesto especial para fins falimentares será lavrado na circunscrição do principal estabelecimento do devedor. 27.3. Os títulos executivos judiciais podem ser protestados na localidade de tramitação do processo ou na de domicílio do devedor.” Constando do contrato que o local de pagamento é Guarulhos, o delegatário competente para lavrar o protesto será o Tabelião daquela Comarca. Portanto, não houve qualquer erro, falta funcional ou irregularidade na conduta do Tabelião, que cumpriu corretamente sua atribuição. Diante do exposto, determino o arquivamento da reclamação formulada por M.L.A.R. em face do º Tabelião de Protestos de Letras e Títulos da Comarca da (…), e mantenho o entrave levantado pelo Oficial. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: M.L.A.R. (OAB 189305/SP)

Fonte: DJE/SP | 06/05/2015.

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