CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de desapropriação amigável – Modo originário de aquisição da propriedade – Desnecessidade de prévia apuração da área remanescente do registro atingido – Abertura de matrícula para a área desapropriada, com a averbação do desfalque no registro originário – Recurso a que se nega provimento


  
 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037

Registro: 2016.0000386213

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA EUROPA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Prefeitura Municipal de Nova Europa

VOTO Nº 29.222

Registro de imóveis – Escritura pública de desapropriação amigável – Modo originário de aquisição da propriedade – Desnecessidade de prévia apuração da área remanescente do registro atingido – Abertura de matrícula para a área desapropriada, com a averbação do desfalque no registro originário – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra a sentença de fls. 134, que afastou o óbice apresentado pelo Oficial e determinou o registro de escritura pública de desapropriação amigável, com a abertura da respectiva matrícula.

Sustenta o apelante, em síntese, que o registro do título afronta os princípios da especialidade e da continuidade (fls. 138/140).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 160/162).

É o relatório.

De acordo com a suscitação de dúvida de fls. 10/14, as exigências de nº 2 e 3 da nota devolutiva de fls. 17 foram devidamente cumpridas. Após isso, a escritura de desapropriação amigável foi novamente prenotada, acompanhada do pedido de suscitação de dúvida.

A exigência cujo cabimento se discute (item 1 de fls. 17) diz respeito à necessidade de, antes do registro da escritura de desapropriação, ser realizada a apuração do remanescente do imóvel atingido pela expropriação.

Com o intuito de justificar a exigência, o Oficial citou a Apelação Cível nº 3000623-74.2013.8.26.0481, julgada por este Conselho em 21 de julho de 2015, relatada pelo Desembargador Elliot Akel, que foi assim ementada:

Registro de imóveis – Dúvida – Recusa de ingresso de mandado translativo do domínio extraído dos autos da ação de desapropriação – Deficiente descrição do imóvel, em desconformidade com o registro anterior e que apresenta área maior – Imóvel integrante de loteamento irregular – Risco de sobreposição de área – Ofensa aos princípios da especialidade objetiva e da disponibilidade – Necessidade de prévia retificação da área – Recurso não provido.

O Juiz Corregedor Permanente, por meio da decisão de fls. 134, afastou o óbice e determinou o ingresso do título.

Agora, recorre o Ministério Público, sustentando que o registro da escritura de desapropriação afronta os princípios registrários.

De início, cabe esclarecer que a desapropriação, ainda que amigável, é modo originário de aquisição da propriedade.

Embora esse entendimento tenha sido modificado por breve período (cf. Apelação nº 83.034-0/2 (Rel. Des. Luís de Macedo, j. em 27/12/2001), com o novo reexame da questão, por ocasião do julgamento da Apelação nº 990.10.415.058-2, julgada em 7 de julho de 2011 e relatada pelo Desembargador Maurício Vidigal, retomou-se a tese de que a desapropriação amigável, inclusive, é modo originário de aquisição da propriedade.

Feita a observação, passa-se à análise da exigência formulada.

O registro da escritura, por força do traço distintivo da originariedade da aquisição, independe da prévia apuração do remanescente do registro atingido pela desapropriação.

O caminho a trilhar é o inverso. Isto é, aberta a matrícula e registrado o título, averbar-se-á o destaque na matrícula de origem, inscrição indispensável em atenção à eficácia extintiva da desapropriação; para que se dê conhecimento do término dos direitos reais incompatíveis com a desapropriação.

No caso, competirá ao registrador simplesmente abrir a matrícula relativa à área desapropriada e comunicar no registro originário o desfalque ocorrido.

Vale aqui o que se afirmou no julgamento da Apelação Cível n.º 092270-0/0, rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 22.8.2002, onde se entendeu que a usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade (como a desapropriação), independe da observância do princípio da continuidade para o registro do título correspondente, “sendo de exclusiva responsabilidade do Registrador identificar nos assentos registrários quais o que foram atingidos pelo título originário. Atendidos os requisitoslegais, contendo o título original as características e as confrontações, ou seja, perfeita descrição do imóvel, não pode ser negado o seu registro, mormente se o mandado for instruído com cópia da planta elaborada pelo perito que atuou no processo de usucapião.” (grifei)

A impertinência do obstáculo amparado na exigência de prévia apuração do remanescente é avalizada por precedentes deste CSM envolvendo a aquisição por desapropriação: Apelação Cível n.º 20.330-0/2, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 7.7.1994; Apelação Cível n.º 058456-0/0, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 29.11.1999; Apelação Cível n.º 067912-0/2, rel. Des. Luís de Macedo, j. 1.8.2000; e Apelação Cível n.º 789-6/1, rel. Des. Ruy Camilo, j. 27.5.2008.

Aliás, a desvinculação do título em relação aos registros anteriores conforta essa solução: ora, com a abertura da matrícula, inaugurar-se-á nova cadeia dominial.

Pela expressividade de seus fundamentos e semelhança com o caso vertente, convém transcrever trechos do v. acórdão proferido pelo CSM, na Apelação n.º 075444-0/0, rel. Des. Luís de Macedo, j. 10.4.2001, no qual se discutiu a necessidade de prévia apuração do remanescente, tendo em vista não se saber com precisão, em virtude de destaques pretéritos, se a área desapropriada estava situada dentro do perímetro de uma ou outra ou de ambas ou de nenhuma das matrículas oriundas dos desmembramentos anteriores:

… Sendo a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade imobiliária, o registro da carta de adjudicação independe da prévia apuração de remanescentes, e de se saber se a área desapropriada equivale total ou parcialmente a esta ou àquela matrícula.

(…)

Assim, uma vez presente a correta e exaustiva identificação da área alcançada pela ação expropriatória, cumprindo o princípio da especialidade, pode ser praticado o ato registral da carta de adjudicação

(…)

O registrador deve se acautelar para que o desfalque decorrente da desapropriação seja anotado nos registros atingidos, com o fim de conservar o controle de disponibilidade do imóvel; porém, este encargo não pode ser transferido para a recorrente sob o argumento de ofensa à continuidade, porquanto não incidente tal princípio à forma originária de aquisição do imóvel.”

Com essa inteligência, e acrescentando a importância do registro da desapropriação para a segurança jurídica e tutela dos interesses de terceiros de boa-fé, lembro lição de Francisco Eduardo Loureiro:

Nas desapropriações, os registros das cartas marcam não propriamente o ingresso do imóvel no domínio público, que pode se dar por destinação, mas, sobretudo, a perda do domínio pelo particular, para efeito de controle da disponibilidade para evitar nova alienação do expropriado a terceiro de boa-fé. Dispensam-se o registro anterior e a observância ao princípio da continuidade, por se entender ser um modo originário de aquisição de propriedade, em virtude do qual o Estado chama a si o imóvel diretamente, livre de qualquer ônus.” [1]

De mais a mais, a compreensão a que se acede afina-se com o princípio da eficiência, a teleologia e a instrumentalidade registral. A exigência de prévia apuração do remanescente, nessas situações, obstaria, com tendência dissuasória, a regularização e a publicidade de uma situação fática e jurídica consolidada, que seriam obtidas, em benefício da segurança jurídica, por meio do registro, que, in concreto, é meramente declaratório.

Fica claro, portanto, que com a solução aqui adotada, supera-se o entendimento esposado na apelação nº 3000623-74.2013.8.26.0481, que exigiu a prévia retificação do registro originário para o ingresso de título translativo do domínio extraído dos autos da ação de desapropriação. Retoma-se, assim, o entendimento anterior, segundo o qual, em se tratando de aquisição originária, o ingresso do título independe de prévia apuração do remanescente do registro originário, no qual será lançada averbação para noticiar o desfalque.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Lei de Registros Públicos comentada. José Manuel de Arruda Alvim Neto; Alexandre Laizo Clápis; Everaldo Augusto Cambler (coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.220. (DJe de 20.06.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 21/06/2016.

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