CSM/SP: Registro de Imóveis – Conferência de bens – Bens transferidos por um dos sócios para sociedade simples limitada – Óbice ao registro pela não formalização da transferência dos imóveis por escritura – Sentença de procedência da dúvida – Reforma da decisão – Sociedade simples limitada que é regida pelas normas aplicáveis às sociedades empresárias limitadas (art. 983 do CC) – Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983 do CC e 64 da Lei n.º 8.934/94 – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida.


  
 

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1031098-21.2016.8.26.0100

Registro: 2017.0000089336

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1031098-21.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes são apelantes JORGE SAAD SOUEN e MARLI TADEA GIANNOTTI SOUEN, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de fevereiro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1031098-21.2016.8.26.0100

Apelantes: Jorge Saad Souen e Marli Tadea Giannotti Souen

Apelado: 4º Oficial de Registro Imóveis de São Paulo

VOTO N.º 29.584

Registro de Imóveis – Conferência de bens – Bens transferidos por um dos sócios para sociedade simples limitada – Óbice ao registro pela não formalização da transferência dos imóveis por escritura – Sentença de procedência da dúvida – Reforma da decisão – Sociedade simples limitada que é regida pelas normas aplicáveis às sociedades empresárias limitadas (art. 983 do CC) – Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983 do CC e 64 da Lei n.º 8.934/94 – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Jorge Saad Souen e Marli Tadea Giannotti Souen contra a sentença de fls. 108/110, que julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, impedindo o registro de instrumento particular de alteração contratual da Clínica Jorge Saad Souen Ltda.

Sustentam os apelantes, em síntese, que, embora a clínica seja uma sociedade simples, o registro da conferência dos bens imóveis prescinde da lavratura de escritura pública, pois o artigo 64 da Lei n.º 8.934/94 aplica-se a toda sociedade que adote forma empresarial (fls. 116/122).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 136/138).

É o relatório.

Dispõe o artigo 108 do Código Civil:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Ou seja, para os negócios jurídicos que envolvam direitos reais relativos a imóveis de valor superior a trinta salários mínimos – o que abrange a grande maioria dos bens dessa natureza –, a escritura pública é essencial, salvo disposição de lei em contrário.

O artigo 64 da Lei n.º 8.934/94 é um dos dispositivos que abre exceção à regra da escritura pública:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

A questão é saber se uma sociedade simples, que adota o modelo da sociedade limitada, pode obter a transferência da propriedade de imóvel utilizado para a formação ou aumento de capital social, apresentando a registro certidão expedida pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

E a resposta é positiva.

Não há dúvida de que o artigo 64 da Lei n.º 8.934/94 faz referência a “sociedades mercantis” e a Juntas Comerciais. Também não se questiona que, pela literalidade do Código Civil, a sociedade simples se contrapõe à sociedade empresária (artigo 982 do CC [1]) e que a inscrição de seus atos não ocorre na Junta Comercial, mas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 1.150 do CC [2]).

No entanto, o artigo 983 do Código Civil possibilita a constituição de sociedades simples com a adoção da estrutura de um dos tipos de sociedade empresária. Nessa hipótese, a contrario sensu do dispositivo abaixo transcrito, serão aplicáveis a essa sociedade simples as normas relativas ao modelo de sociedade empresária adotado. Senão vejamos:

Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. (grifei)

Ora, se a legislação que rege uma sociedade simples limitada é aquela que se aplica a uma sociedade empresária limitada (art. 983 do CC), não há razão para que a regra do artigo 64 da Lei nº 8.934/94 não seja estendida à primeira.

Nem se argumente que o arquivamento dos atos da sociedade simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e não na junta comercial, impede a pretensão dos requerentes. Isso porque o Registro Civil das Pessoas Jurídicas está para as sociedades simples, assim como a junta comercial para as sociedades empresárias. Não se pode admitir que uma certidão emitida por um Registro Civil das Pessoas Jurídicas – serventia extrajudicial dirigida por um titular devidamente aprovado em concurso público – tenha um valor probante menor que o mesmo tipo de certidão emitida por uma junta comercial. É o que ocorreria se na primeira hipótese fosse exigida a lavratura de escritura pública para a transferência de bem imóvel.

A parte final do art. 1.150, do Código Civil, também não deixa dúvida sobre a aplicação da Lei n. 8.934/94 ao caso. Repita-se seu teor:

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

A expressão “o qual”, refere-se ao Registro Civil das Pessoas Naturais. Esse órgão há de obedecer às normas fixadas para os registros na JUCESP, se a sociedade simples adotar um dos tipos da sociedade empresária. No presente caso, foi adotado um desse tipos: a sociedade limitada. Portanto, o Registro Civil, no que toca às regras de registro, obedecerá à Lei n. 8.934/94, especialmente, aqui, o art. 64.

A medida, assim, dá relevo à função do Registrador Civil de Pessoas Jurídicas, pressupondo zelo e prudência em sua atuação.

Ademais, parece excessivamente burocrático exigir que para um ato de conferência de bens, o sócio tenha que: a) registrar o instrumento particular no Registro Civil das Pessoas Jurídicas; b) lavrar escritura em um Cartório de Notas; e c) registrar esta última no Registro de Imóveis.

São três cartórios diversos para regularizar uma única situação.

Desse modo, a aceitação da certidão passada pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas como título para a transferência imobiliária, além de encontrar guarida em nossa legislação, simplifica o procedimento a ser seguido pelo interessado.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

[2] Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. (DJe de 15.03.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações | 15/03/2017.

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