Pedido de Providências – Regulamentação nacional do reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva – Parentesco – Cartório de registro civil e de pessoas naturais – Previsão do art. 1539 e 1596 do CC/2002 – Constitucionalização do direto civil – Princípio da afetividade – Princípio da dignidade da pessoa humana – Melhor interesse do menor – Proteção integral do menor – Igualdade jurídica entre os filhos


  
 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0002653-77.2015.2.00.0000

Requerente: INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

EMENTA

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REGULAMENTAÇÃO NACIONAL DO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PARENTESCO. CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL E DE PESSOAS NATURAIS. PREVISÃO DO ART. 1539 E 1596 DO CC/2002. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIRETO CIVIL. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. IGUALDADE JURÍDICA ENTRE OS FILHOS.

1. O Corregedor Nacional de Justiça possui a prerrogativa de editar atos normativos com vistas ao aperfeiçoamento dos serviços auxiliares do Poder Judiciário (Art. 3º, inciso XI, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça,).

2. O Código Civil de 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal possibilitam e os Tribunais reconhecem a filiação baseada na relação afetiva construída entre pai e filho sem que haja limitação da origem da paternidade aos laços biológicos ou à consanguinidade.

3. O reconhecimento da paternidade socioafetiva como forma de parentesco homenageia os princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os filhos, do maior interesse da criança e do adolescente, assim como da sua proteção integral.

4. O termo de nascimento fundado em relação socioafetiva depende, primordialmente da verificação da posse de estado de filho, a qual denota a existência de uma relação estável de afetividade (tractus), a demonstração social de que os registrantes se relacionam como pai/mãe e filho (reputatio) e que o infante/adolescente carregue o nome da família (nomen)

5. O registro da filiação socioafetiva independe de demonstração de prazo mínimo do exercício de relação de paternidade e exige que o reconhecimento da paternidade/maternidade esteja respaldada pela vontade livre, despida de vícios (erro, dolo, coação, fraude ou simulação) e consciente da irrevogabilidade do ato.

6. O reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva deve ser realizada pessoalmente pelo interessado, perante o Oficial de Registro Civil ou por meio de testamento (post mortem), vedado o procedimento realizado por meio de procuração.

7. Não cabe excluir do assento funcional o registro de pai/mãe original quando inexistente qualquer vício de consentimento ou equívoco formal, na sua constituição.

8. Impede-se o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva quando o Oficial de Registro Civil suspeitar de fraude ou não restarem preenchidos os requisitos necessários para a realização do ato.

9. Provimento publicado regulamentando a matéria.

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, referendou o Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, nos termos apresentados pelo Relator. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Daldice Santana e Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 24 de abril de 2018. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Cármen Lúcia, João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

Trata-se de Pedido de Providências formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família em desfavor do Conselho Nacional de Justiça em desfavor do Conselho Nacional de Justiça com vistas a regulamentação de registro civil de paternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil do Brasil.

O requerente, em suma, narrou que, embora ainda não exista regramento legal sobre a matéria, já há reconhecimento jurídico sobre o instituto. Na mesma oportunidade, argumentou que alguns tribunais ((TJAM, TJCE, TJMA, TJPE e TJSC) já emitiram provimentos regulamentando a matéria.

Determinada a juntada dos retromencionados atos normativos, o requerente cumpriu a determinação (Id 2023210 e seguintes).

Em despacho de Id 2040763, determinou-se fossem oficiadas as Corregedorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal, assim como a ANOREG para que se manifestassem sobre os fatos narrados na petição inicial e enviassem sugestões para eventual normatização da questão pelo Conselho Nacional de Justiça.

À determinação, responderam as Corregedorias dos seguintes estados: CGJ/CE (Id 2048950, 2048951 e 2053382); CGJ/PE (Id 2049176); CGJ/SC (Id 2052164); CGJ/SE (Id 2054621); CGJ/PA (Id 2054663); CGJ/MS (Id 2056252); CGJ/PB (Id 2057127); CGJ/SP (Id 2058373); CGJ/ES 9Id 2059146); CGJ/TO (Id 2059593); CGJ/DF (Id 2061515); CGJ/MG (Id 2070449); CGJ/AL (Id 2070956); CGJ/RO (Id 2073850 e Id 2073851); CGJ/AC (Id 2076211); CGJ/RS (Id 2077372); CGJ/GO (Id 2081653); CGJ/RN (Id 2081658); CG J/AP ( ID 2084167); CGJ/RJ 2084913); CGJ/BA (Id 2085775); CGJ/PI (Id 2085946, 2085947 e 2085948), CGJ/PR (Id 2092643), CGJ/RR (Id 2093031); CGJ/MS (Id 2094967); CGJ/AM (2099757).

Registre-se que alguns tribunais de justiça editaram provimentos autorizando o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva.

Outros realizam estudos para a eventual normatização da questão enquanto existem aqueles tribunais que rechaçam o reconhecimento da paternidade socioafetiva sob o argumento de que inexiste lei tratando sobre o assunto e ante a ameaça à segurança jurídica.

Destacam-se o TJMA que apenas possibilitou “ o reconhecimento da paternidade socioafetiva de pessoas maiores de dezoito anos que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida” (Id 2023214), o TJSE que reconhece a possibilidade do reconhecimento de filho por escrito particular, inclusive codicilo, a impossibilidade de reconhecimento da paternidade caso seja posterior ao falecimento do reconhecido a “desnecessidade de concordância da genitora, bem como do reconhecido, se menor, caso seja o reconhecimento por escritura pública, com base no que se infere da Lei nº 8.560/90, como também do Código Civil”.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, opina que, em relação a crianças menores de dois anos de idade, o reconhecimento da paternidade socioafetiva deve seguir o procedimento previsto para a adoção normatizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Id 2058373).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que não possui regulamentação sobre a matéria, manifestou-se no sentido de não haver impedimento para a expedição de ato normativo do CNJ dispondo sobre o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva diretamente nos Ofícios de Registo Civill. Trouxe ainda aos autos parecer da ANOREG/DF que rechaça o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva.

A ANOREG/BR manifestou-se defendendo a regulamentação do reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva diretamente perante os oficiais de registro civil, assim como a uniformização e padronização das orientações já editadas pelos Tribunais dos Estados do Amazonas, Ceará, Maranhão Pernambuco e Santa Catarina (Id 2080005 e 2080024).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

Trata-se de Pedido de Providências formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família em desfavor do Conselho Nacional de Justiça em desfavor do Conselho Nacional de Justiça com vistas a regulamentação de registro civil de paternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil do Brasil.

O requerente, em suma, narrou que, embora ainda não exista regramento legal sobre a matéria, já há reconhecimento jurídico sobre o instituto. Na mesma oportunidade, argumentou que alguns tribunais (TJAM, TJCE, TJMA, TJPE e TJSC) já emitiram provimentos regulamentando a matéria.

Determinada a juntada dos retromencionados atos normativos, o requerente cumpriu a determinação (Id 2023210 e seguintes).

Em despacho de Id 2040763, determinou-se fossem oficiadas as Corregedorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal, assim como a ANOREG para que se manifestassem sobre os fatos narrados na petição inicial e enviassem sugestões para eventual normatização da questão pelo Conselho Nacional de Justiça.

À determinação, responderam as Corregedorias dos seguintes estados: CGJ/CE (Id 2048950, 2048951 e 2053382); CGJ/PE (Id 2049176); CGJ/SC (Id 2052164); CGJ/SE (Id 2054621); CGJ/PA (Id 2054663); CGJ/MS (Id 2056252); CGJ/PB (Id 2057127); CGJ/SP (Id 2058373); CGJ/ES 9Id 2059146); CGJ/TO (Id 2059593); CGJ/DF (Id 2061515); CGJ/MG (Id 2070449); CGJ/AL (Id 2070956); CGJ/RO (Id 2073850 e Id 2073851); CGJ/AC (Id 2076211); CGJ/RS (Id 2077372); CGJ/GO (Id 2081653); CGJ/RN (Id 2081658); CG J/AP ( ID 2084167); CGJ/RJ 2084913); CGJ/BA (Id 2085775); CGJ/PI (Id 2085946, 2085947 e 2085948), CGJ/PR (Id 2092643), CGJ/RR (Id 2093031); CGJ/MS (Id 2094967); CGJ/AM (2099757).

Registre-se que alguns tribunais de justiça editaram provimentos autorizando o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva.

Outros realizam estudos para a eventual normatização da questão enquanto existem aqueles tribunais que rechaçam o reconhecimento da paternidade socioafetiva sob o argumento de que inexiste lei tratando sobre o assunto e ante a ameaça à segurança jurídica.

Destacam-se o TJMA que apenas possibilitou “ o reconhecimento da paternidade socioafetiva de pessoas maiores de dezoito anos que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida” (Id 2023214), o TJSE que reconhece a possibilidade do reconhecimento de filho por escrito particular, inclusive codicilo, a impossibilidade de reconhecimento da paternidade caso seja posterior ao falecimento do reconhecido a “desnecessidade de concordância da genitora, bem como do reconhecido, se menor, caso seja o reconhecimento por escritura pública, com base no que se infere da Lei nº 8.560/90, como também do Código Civil”.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, opina que, em relação a crianças menores de dois anos de idade, o reconhecimento da paternidade socioafetiva deve seguir o procedimento previsto para a adoção normatizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Id 2058373).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que não possui regulamentação sobre a matéria, manifestou-se no sentido de não haver impedimento para a expedição de ato normativo do CNJ dispondo sobre o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva diretamente nos Ofícios de Registo Civill. Trouxe ainda aos autos parecer da ANOREG/DF que rechaça o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva.

A ANOREG/BR manifestou-se defendendo a regulamentação do reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva diretamente perante os oficiais de registro civil, assim como a uniformização e padronização das orientações já editadas pelos Tribunais dos Estados do Amazonas, Ceará, Maranhão Pernambuco e Santa Catarina (Id 2080005 e 2080024).

Assim, conforme acima relatado, pretende o requerente seja emitida normativa regulamentando o registro civil de paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais em todo o Brasil.

Com efeito, o art. 3º, inciso XI, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça concede ao Corregedor Nacional de Justiça a prerrogativa de editar atos normativos com vistas ao aperfeiçoamento dos serviços auxiliares do Poder Judiciário.

Nesse sentido assim dispõe:

Art. 3º. Compete ao Corregedor, no âmbito de sua competência constitucional, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

[…]

XI – editar recomendações, atos regulamentares, provimentos, instruções, orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares, bem como dos demais órgãos correcionais;

A par de tais considerações, apresento ao Plenário o texto do referido provimento.

PROVIMENTO N. 63, DE 14 DE NOVEMBRO DE 2017.

Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida.

O CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, usando de suas atribuições, legais e regimentais e

CONSIDERANDO o poder de fiscalização e de normatização do Poder Judiciário dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da Constituição Federal de 1988);

CONSIDERANDO a competência do Poder Judiciário de fiscalizar os serviços notariais e de registro (arts. 103-B, § 4º, I e III, e 236, § 1º, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO a competência da Corregedoria Nacional de Justiça de regulamentar a padronização das certidões de nascimento, casamento, óbito e certidão de inteiro teor (art. 19, caput, da Lei de Registros Públicos);

CONSIDERANDO a existência de convênio firmado entre a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN-Brasil) e a Receita Federal do Brasil (RFB) que viabiliza a integração da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC) com o banco de dados da RFB;

CONSIDERANDO a gratuidade da incorporação do número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) aos documentos de identidade civil da União, dos Estados e do Distrito Federal e, mediante essa integração de dados, a possibilidade de verificação do cumprimento dos requisitos de elegibilidade para concessão e manutenção dos benefícios sociais pelo órgão concedente (art. 9º da Lei n. 13.444, de 11 de maio de 2017);

CONSIDERANDO a possibilidade de a naturalidade do cidadão corresponder à do município em que ocorreu o nascimento ou à do município de residência da mãe do registrando, desde que localizado em território nacional, cabendo a opção ao declarante no ato de registro de nascimento (art. 1º da Lei n. 13.484, de 26 de setembro de 2017);

CONSIDERANDO a possibilidade, no caso de adoção iniciada antes do registro de nascimento, de o declarante optar pela naturalidade do município de residência do adotante na data do registro;

CONSIDERANDO a necessidade de constar no assento de casamento a naturalidade dos cônjuges (art. 1º da Lei n. 13.484/2017);

CONSIDERANDO a importância da integração de dados para aumentar a confiabilidade da documentação e diminuir as possibilidades de fraudes no país, além de contemplar as fontes primárias de todo e qualquer cidadão concernentes ao nascimento, casamento e óbito, que compõem a base de dados da CRC;

CONSIDERANDO o eventual interesse de pessoa física de solicitar, quando da expedição de nascimento atualizada, a averbação de outros documentos, de forma a facilitar seu acesso a programas sociais e reunir informações em documento único;

CONSIDERANDO o sistema de registro eletrônico, que facilita a interoperabilidade de dados (arts. 37 e seguintes da Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009);

CONSIDERANDO o direito do adotado de acesso irrestrito a todos os procedimentos e incidentes da adoção (art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente);

CONSIDERANDO a existência de regulamentação pelas corregedorias-gerais de justiça dos Estados do reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais;

CONSIDERANDO a conveniência de edição de normas básicas e uniformes para a realização do registro ou averbação, visando conferir segurança jurídica à paternidade ou à maternidade socioafetiva estabelecida, inclusive no que diz respeito a aspectos sucessórios e patrimoniais;

CONSIDERANDO a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, contemplando os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como fundamento da filiação civil;

CONSIDERANDO a possibilidade de o parentesco resultar de outra origem que não a consanguinidade e o reconhecimento dos mesmos direitos e qualificações aos filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, proibida toda designação discriminatória relativa à filiação (arts. 1.539 e 1.596 do Código Civil);

CONSIDERANDO a possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade perante o oficial de registro civil das pessoas naturais e, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, de reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva;

CONSIDERANDO a necessidade de averbação, em registro público, dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação (art. 10, II, do Código Civil);

CONSIDERANDO o fato de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (Supremo Tribunal Federal – RE n. 898.060/SC);

CONSIDERANDO o previsto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal e no art. 1.609 do Código Civil;

CONSIDERANDO as disposições do Provimento CN-CNJ n. 13, de 3 de setembro de 2010, bem como da Resolução CNJ n. 175, de 14 de maio de 2013;

CONSIDERANDO o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, com eficácia erga omnes e efeito vinculante para toda a administração pública e demais órgãos do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal, ADPF n. 132/ RJ e ADI n. 4.277/DF);

CONSIDERANDO a garantia do direito ao casamento civil às pessoas do mesmo sexo (Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.183.378/RS);

CONSIDERANDO as normas éticas para uso de técnicas de reprodução assistida, tornando-as dispositivo deontológico a ser seguido por todos os médicos brasileiros (Resolução CFM n. 2.121, DOU de 24 de setembro de 2015);

CONSIDERANDO a necessidade de uniformização, em todo o território nacional, do registro de nascimento e da emissão da respectiva certidão para filhos havidos por técnica de reprodução assistida de casais homoafetivos e heteroafetivos;

CONSIDERANDO a competência da Corregedoria Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços notariais e de registro (art. 8º, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça);

CONSIDERANDO as sugestões encaminhadas à Corregedoria Nacional de Justiça, bem como as decisões proferidas nos autos dos Pedidos de Providência n. 0006194-84.2016.2.00.0000, 0002653-77.2015.2.00.0000, 00003764-28.2017.2.00.0000 e 0005066-92.2017.2.00.0000, em trâmite no Conselho Nacional de Justiça,

RESOLVE:

Seção I

Das regras gerais

Art. 1º Os modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotados pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais em todo o país, ficam instituídos na forma dos Anexos I, II e III deste provimento.

Art. 2º As certidões de casamento, nascimento e óbito, sem exceção, passarão a consignar a matrícula que identifica o código nacional da serventia, o código do acervo, o tipo do serviço prestado, o tipo de livro, o número do livro, o número da folha, o número do termo e o dígito verificador, observados os códigos previstos no Anexo IV.

§ 1º A certidão de inteiro teor requerida pelo adotado deverá dispor sobre todo o conteúdo registral, mas dela não deverá constar a origem biológica, salvo por determinação judicial (art. 19, § 3º, c/c o art. 95, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos).

§ 2º A certidão de inteiro teor, de natimorto e as relativas aos atos registrados ou transcritos no Livro E deverão ser emitidas de acordo com o modelo do Anexo V.

Art. 3º O oficial de registro civil das pessoas naturais incluirá no assento de nascimento, em campo próprio, a naturalidade do recém nascido ou a do adotado na hipótese de adoção iniciada antes do registro de nascimento.

§ 1º O registrando poderá ser cidadão do município em que ocorreu o nascimento ou do município de residência da mãe na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, cabendo ao declarante optar no ato de registro de nascimento.

§ 2º Os modelos de certidão de nascimento continuarão a consignar, em campo próprio, o local de nascimento do registrando, que corresponderá ao local do parto.

Art. 4º As certidões de nascimento deverão conter, no campo filiação, as informações referentes à naturalidade, domicílio ou residência atual dos pais do registrando.

Art. 5º O número da declaração do nascido vivo, quando houver, será obrigatoriamente lançado em campo próprio da certidão de nascimento.

Art. 6º O CPF será obrigatoriamente incluído nas certidões de nascimento, casamento e óbito.

§ 1º Se o sistema para a emissão do CPF estiver indisponível, o registro não será obstado, devendo o oficial averbar, sem ônus, o número do CPF quando do reestabelecimento do sistema.

§ 2º Nos assentos de nascimento, casamento e óbito lavrados em data anterior à vigência deste provimento, poderá ser averbado o número de CPF, de forma gratuita, bem como anotados o número do DNI ou RG, título de eleitor e outros dados cadastrais públicos relativos à pessoa natural, mediante conferência.

§ 3º A partir da vigência deste provimento, a emissão de segunda via de certidão de nascimento, casamento e óbito dependerá, quando possível, da prévia averbação cadastral do número de CPF no respectivo assento, de forma gratuita.

§ 4º A inclusão de dados cadastrais nos assentos e certidões por meio de averbação ou anotação não dispensará a parte interessada de apresentar o documento original quando exigido pelo órgão solicitante ou quando necessário à identificação do portador.

§ 5º As certidões não necessitarão de quadros predefinidos, sendo suficiente que os dados sejam preenchidos conforme a disposição prevista nos Anexos I, II, III e IV, e os sistemas para emissão das certidões de que tratam referidos anexos deverão possuir quadros capazes de adaptar-se ao texto a ser inserido.

Art. 7º Será incluída no assento de casamento a naturalidade dos cônjuges (art. 70 da Lei de Registros Públicos).

Art. 8º O oficial de registro civil das pessoas naturais não poderá exigir a identificação do doador de material genético como condição para a lavratura do registro de nascimento de criança gerada mediante técnica de reprodução assistida.

Art. 9º Os novos modelos deverão ser implementados até o dia 1º de janeiro de 2018 e não devem conter quadros preestabelecidos para o preenchimento dos nomes dos genitores e progenitores, bem como para anotações de cadastro que não estejam averbadas ou anotadas nos respectivos registros.

Parágrafo único. As certidões expedidas em modelo diverso até a data de implementação mencionada no caput deste artigo não precisarão ser substituídas e permanecerão válidas por prazo indeterminado.

Seção II

Da Paternidade Socioafetiva

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.

§ 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.

§ 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.

§ 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.

§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

§ 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.

§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.

§ 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).

§ 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.

Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.

Art. 13. A discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida neste provimento.

Parágrafo único. O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.

Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

Art. 15. O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica. Seção III Da Reprodução Assistida.

Art. 16. O assento de nascimento de filho havido por técnicas de reprodução assistida será inscrito no Livro A, independentemente de prévia autorização judicial e observada a legislação em vigor no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, munidos de documentação exigida por este provimento.

§ 1º Se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer ao ato de registro, desde que apresente a documentação referida no art. 17, III, deste provimento.

§ 2º No caso de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna.

Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:

I – declaração de nascido vivo (DNV);

II – declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;

III – certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

§ 1º Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.

§ 2º Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida.

§ 4º O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.

Art. 18. Será vedada aos oficiais registradores a recusa ao registro de nascimento e à emissão da respectiva certidão de filhos havidos por técnica de reprodução assistida, nos termos deste provimento.

§ 1º A recusa prevista no caput deverá ser comunicada ao juiz competente nos termos da legislação local, para as providências disciplinares cabíveis.

§ 2º Todos os documentos referidos no art. 17 deste provimento deverão permanecer arquivados no ofício em que foi lavrado o registro civil.

Art. 19. Os registradores, para os fins do presente provimento, deverão observar as normas legais referentes à gratuidade de atos.

Seção IV Das Disposições Finais.

Art. 20. Revogam-se os Provimentos CN-CNJ n. 2 e 3, de 27 de abril de 2009, e 52, de 14 de março de 2016.

Art. 21. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação.

É o voto.

Brasília, 2018-05-03.

Dados do processo:

CNJ – Pedido de Providências nº 0002653-77.2015.2.00.0000 – Rel. Cons. João Otávio de Noronha – DJ 07.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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