1ª VRP/SP: Doação entre cônjuges. Cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade.


  
 

Processo 1120715-21.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1120715-21.2018.8.26.0100

Processo 1120715-21.2018.8.26.0100 – Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Kelly Cristina Felippe Machado – Vistos. Tratase de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Kelly Cristina Felippe Machado, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura de doação lavrada em 30.04.2018 pelo 30º Tabelião de Notas da Capital, por meio da qual Marcelo Augusto Paiva Pereira transmitiu por doação à sua mulher, ora suscitada, o imóvel matriculado sob nº 54.798. O título restou qualificado negativamente, tendo em vista tratar-se de doação entre cônjuges de imóvel clausulado com incomunicabilidade. Informa que Marcelo recebeu 50% do imóvel por doação de seus genitores, que impuseram as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, declarando na mencionada escritura que visavam com este ato que o imóvel permanecesse na família dos doadores. A outra metade foi recebida à titulo de permuta com sua irmã, permanecendo entretanto, as cláusulas restritivas mencionadas, por expressa sub-rogação do vínculo. De acordo com o Oficial, o registro do título afrontaria a vontade dos genitores de Marcelo, que instituíram os gravames. Juntou documentos à fls.05/64. A suscitada não apresentou impugnação, conforme certidão de fl.65, todavia, manifestou-se perante a Serventia Extrajudicial (fls.05/16). Argumenta que o imóvel não está gravado com a cláusula de inalienabilidade, apenas com a incomunicabilidade e impenhorabilidade, logo, o donatário não estaria impedido de doar o respectivo imóvel, estando afastada a incidência das exceções previstas no parágrafo único do art. 1911 do Código Civil ao feito em testilha. O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls.69/71). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Em que pesem o zelo e argumentos expostos pelo Registrador no presente procedimento, entendo que o óbice registrário deve ser afastado. Conforme consta da averbação nº 18 da matrícula nº 54.798, o imóvel foi gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, nos termos da escritura datada de 18.08.2008 (fls.45/46) por José Paiva Pereira e Olímpia Appendino Paiva Pereira, os quais transmitiram o imóvel por doação aos filhos Marcelo Augusto Paiva Pereira e Eliana Paiva Pereira Silveira Conceição, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Luiz Fernandes Silveira Conceição. Neste contexto, Eliana, com anuência de seu marido, transmitiu por permuta a Marcelo, a parte ideal de 50% do imóvel pelo valor de R$ 50.500,00, nos termos do registro nº 20 (fl.46). Ora, como é sabido a cláusula de impenhorabilidade estabelece que o bem não pode ser objeto de penhora por dívidas contraídas pelo seu titular e a de incomunicabilidade tem o efeito de manter o bem separado, impedindo que o imóvel integre automaticamente o patrimônio do outro cônjuge como um dos efeitos do casamento. Verifica-se que a vontade dos instituidores, genitores do doador, foi de resguardar o patrimônio da familia, impedindo que o bem fosse transmitido automaticamente e por causas alheias à vontade do donatário, fato é que se abstiveram de gravar o imóvel com a cláusula de inalienabilidade, o que pressupõe que não há qualquer impedimento para que o donatário disponha do imóvel por livre vontade. Decerto que a cláusula de inalienabilidade implica necessariamente a impenhorabilidade e a incomunicabilidade, todavia, estas não importam necessariamente naquela. Tal matéria foi tratada no Boletim do IRIB, nº 37, Seção “Perguntas e Respostas”, p.3) e mencionada pelo ilustre Drº Ademar Fioranelli (registrador do 7º RI) em “Direito Registral Imobiliário, Coleção IRIB em Debate, Coordenador: Sérgio Jacomino: “Pergunta: Pode ser vendido um imóvel gravado com as clausulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade sem o cancelamento prévio dessas clausulas? Resposta: A resposta é afirmativa. O proprietário de um imóvel gravado tão somente com as clausulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade pode vendê-lo, sem necessidade do cancelamento prévio de tais clausulas. Essas duas clausulas tem interpretação restritiva. Não importam na de inalienabilidade e, tampouco, a toda evidência, impedem a alienação ou transmissão, a outra pessoa do imóvel de sua propriedade. Se o doador ou o testador (pois tais clausulas só podem ser impostas nos atos de doação ou em testamento) quisesse impedir a alienação ou a transmissão do imóvel, teria imposto a clausula de inalienabilidade. Se impôs apenas as clausulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade, evidentemente, não quis restringir a faculdade de dispor do móvel por parte do donatário. A cláusula de incomunicabilidade consiste em impedir que o imóvel doado ou testado integre a comunhão estabelecida com o casamento. Não repercute, evidentemente, sobre a outra clausula mais ampla. O titular do direito de propriedade de bem incomunicável nenhuma limitação sofre no poder de disposição (Orlando Gomes, Sucessões, n.139). A cláusula de impenhorabilidade objetiva tão somente, impedir que o imóvel doado ou legado venha a ser tomado por dívidas contraídas pelo donatário. Não impede, que ele venha a ser alienado espontaneamente. A alienação , portanto, de imóvel gravado com a clausula de impenhorabilidade ou com a de incomunicabilidade é livre e não depende do cancelamento de qualquer delas” (g.n) Logo, entendo que a doação do imóvel realizada por Marcelo não afronta a vontade dos intituidores do gravame, uma vez que se quisessem que o imóvel não pudesse ser alienado, instituiriam a clausula de inalienabilidade, o que não ocorreu. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Kelly Cristina Felippe Machado, e determino o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: DIEGO DA SILVA SOARES (OAB 278729/SP).

Fonte: DJe/SP | 11/01/2019.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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