Recurso administrativo – Contagem do prazo em dias úteis – Aplicação supletiva do Código de Processo Civil – Recurso do art. 215 do Decreto-lei Complementar Estadual nº 3/69 que não se confunde com os atos de registro e de averbação, atribuídos aos Oficiais de Registro, ou com atos notariais, cuja contagem deve ser feita em dias corridos. Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Desdobro do imóvel em três áreas – Cancelamento da garantia sobre dois imóveis a serem formados pelo desdobro, com manutenção da garantia em relação ao terceiro imóvel – Anuência do credor fiduciário – Possibilidade – Recurso provido.


  
 

Número do processo: 1000271-36.2017.8.26.0506

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 276

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1000271-36.2017.8.26.0506

(276/2019-E)

Recurso administrativo – Contagem do prazo em dias úteis – Aplicação supletiva do Código de Processo Civil – Recurso do art. 215 do Decreto-lei Complementar Estadual nº 3/69 que não se confunde com os atos de registro e de averbação, atribuídos aos Oficiais de Registro, ou com atos notariais, cuja contagem deve ser feita em dias corridos.

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Desdobro do imóvel em três áreas – Cancelamento da garantia sobre dois imóveis a serem formados pelo desdobro, com manutenção da garantia em relação ao terceiro imóvel – Anuência do credor fiduciário – Possibilidade – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por Comega Indústria de Tubos Ltda. contra r. sentença que manteve a recusa da averbação desdobro, em três novas áreas, do imóvel objeto da matrícula n. 128.987 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto porque é objeto de alienação fiduciária, tendo o credor anuído com o desdobro e com a manutenção da garantia somente em relação a uma das áreas a serem destacadas do imóvel original.

A apelante alegou, em suma, que o imóvel objeto da matrícula n. 128.987 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto foi dado em alienação fiduciária em garantia em favor da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Profissionais de Saúde da Alta Mogiana – SICOOB CREDIMOGIANA. Afirmou que obteve autorização municipal para o desdobro do imóvel em três novas áreas que passaram a ser identificadas no Cadastro Municipal sob os n.s 340.063, 340.064 e 340.065. Aduziu que o credor fiduciário concordou com o desdobro e a manutenção da garantia somente em relação a uma das áreas a serem formadas pela divisão do imóvel. Disse que não há vedação para o desdobro do imóvel gravado pela alienação fiduciária e para a manutenção da garantia somente em relação a um dos imóveis desdobrados, cancelando-se a alienação fiduciária sobre os outros dois. Esclareceu, por fim, que atualmente não tem recursos para obter o cancelamento de toda a garantia e a posterior constituição de nova alienação fiduciária sobre área a desdobrada (fls. 96/101).

O processamento do recurso foi indeferido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente porque seria intempestivo, o que ensejou a interposição de recurso específico que foi provido por Vossa Excelência (fls. 129/143).

A douta Procuradoria Geral de Justiça se manifestou às fls. 148/149 e 150.

É o relatório.

Opino.

A questão relativa ao exercício do juízo de admissibilidade do recurso administrativo interposto contra r. decisão de fls. 79/81 foi apreciada por Vossa Excelência no Processo CG n. 2018/112.288, como se verifica às fls. 130/134.

No que se refere à tempestividade, a r. decisão que rejeitou os embargos de declaração interpostos contra a decisão recorrida foi disponibilizada no DJe de 30 de janeiro de 2018 (fls. 94), ao passo que o recurso administrativo foi interposto em 23 de fevereiro de 2018 (fls. 96), no prazo de quinze dias úteis.

Os itens 19 e 19.1 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça determinam que suas disposições são aplicáveis a todos os notários e registradores (item 19) e que os prazos relativos à prática de atos registrários e notariais, de direito material ou processual, são contados em dias corridos (subitem 19.1):

“19. Respeitadas as particularidades de cada serviço, as disposições previstas no Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça aplicam-se a todos os notários e registradores, bem como, no que couber, aos responsáveis pela serventia.

19.1. Contam-se em dias corridos todos os prazos relativos à prática de atos registrários e notariais, quer de direito material, quer de direito processual, aí incluídas, exemplificativamente, as retificações em geral, a intimação de devedores fiduciantes, o registro de bem de família, a usucapião extrajudicial, as dúvidas e os procedimentos verificatórios”.

Esses prazos, materiais e processuais, são os relativos à prática dos atos inerentes aos serviços notariais e de registro que incluem intimações e notificações e prazos para defesa, como, por ex., ocorre com os procedimentos de usucapião extrajudicial e retificação de área.

O prazo de recurso contra os atos e decisões dos Juízes Corregedores Permanentes, de 15 dias, é, porém, previsto no art. 246 do Decreto-lei Complementar n. 3/69, do Estado de São Paulo e não se confunde com o previsto no subitem 19.l do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

E não há vedação para que o prazo do art. 246 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3/69 seja contado em dias úteis mediante aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 2015:

“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Isso porque o art. 219, caput, e parágrafo único, do Código de Processo Civil prevê que os prazos processuais são contados em dias corridos:

“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais”.

Ao contrário, a não observação dessa regra em relação ao recurso previsto no art. 246 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3/69 poderá causar prejuízo aos recorrentes pela ignorância sobre a dicotomia de prazos recursais.

Ademais, o recebimento do recurso interposto no prazo de 15 dias úteis não causa prejuízo a terceiros e é a solução que melhor se coaduna com o princípio da autotutela que permite à Administração Pública rever seus próprios atos.

Segundo informado pela Sra. Oficial de Registro de Imóveis, a recusa da averbação do desdobro decorreu exclusivamente da existência de alienação fiduciária em garantia que na forma da anuência manifestada pelo credor somente subsistirá em relação a uma das áreas a ser formada pelo parcelamento do imóvel (fls. 4 e 38).

Embora a certidão de fls. 33/35 não mostre o registro da alienação fiduciária em favor da Cooperativa de Economia e Crédito Mutuários Profissionais da Saúde da Região da Alta Mogiana – SICOOB CREDIMOGIANA, a existência da garantia foi confirmada pela Sra. Oficial de Registro de Imóveis na suscitação deste procedimento (fls. 2) e fundamentou a recusa da averbação, porque entendeu que não seria possível a sua manutenção somente em relação a uma das três áreas a serem formadas com o desdobro da matrícula n. 128.987.

As três novas áreas a serem formadas pelo desdobro do imóvel original foram identificadas no Cadastro Municipal sob os n.s 340.063, 340.064 e 340.065 (fls. 14/165).

O credor fiduciário concordou com o desdobro (fls. 12 e 77) e, mais, com o cancelamento da alienação fiduciária em relação aos imóveis identificados no Cadastro Municipal sob os n.s 340.063 e 340.064, mantendo-se a garantia em relação ao imóvel identificado sob o n. 340.065 que terá área total de 3.000,00m2, avaliado em R$3.363.590,45 (fls. 12 e 77).

E não há vedação para o desdobro do imóvel que contou com a anuência do credor fiduciário, nem para o posterior cancelamento do registro da garantia em relação a dois dos imóveis formados pelo desdobro, com sua manutenção sobre o terceiro imóvel constituído a partir do parcelamento da área maior.

A divisão do imóvel não importa em divisão da garantia que subsistirá em relação às três áreas formadas pelo desdobro, sendo nesse ponto aplicável o raciocínio igual ao adotado em precedente desta Eg. Corregedoria Geral da Justiça, em que foi aprovado parecer da lavrada do e. Desembargador Vicente de Abreu Amadei, então Juiz Auxiliar da Corregedoria, em que admitido o desdobro de imóvel hipotecado:

“Aliás, não confundir a indivisibilidade da hipoteca com a indivisibilidade da coisa, sabendo que aquela não impede divisão do bem hipotecado, é da tradição de nosso direito (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, vol. IIL p. 398; Caio Maria da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, IV, p. 307, Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. XX, p.127-130), como bem leciona Ademar Fioranelli (A Hipoteca, in Direito Registral Imobiliário. Ed. Saf, 2001, p. 283-285)” (Processo CG n. 259/2006, com aparecer aprovado em 6/10/2006 pelo e. Des. Gilberto Passos de Freitas).

Por sua vez, averbado o desdobro e transposta a da alienação fiduciária para as três matrículas a serem abertas, também não há vedação para o posterior cancelamento da garantia em relação a dois dos imóveis a serem formados pelo parcelamento da área maior, mantendo-se a alienação fiduciária sobre o terceiro imóvel que terá área total de 3.000,00m² (fls. 12).

Assim porque, a partir da averbação do desdobro o credor fiduciário terá a propriedade resolúvel sobre cada um dos três imóveis formados com o parcelamento da área maior (art. 22 da Lei n. 9.514/97), podendo, por esse motivo, autorizar o cancelamento do registro da garantia, e a consolidação da propriedade plena com o devedor fiduciante, em relação a um ou a mais desses imóveis que constituirão unidades imobiliárias distintas.

Em outros termos, o procedimento a ser adotado não implica em divisão da garantia, mas em manutenção da alienação fiduciária sobre cada um dos três imóveis a serem formados pelo desdobro, o que permite o posterior cancelamento, separadamente, também sobre cada um desses imóveis.

Ademais, a autorização para o cancelamento do registro da garantia somente em relação a dois dos imóveis é a solução que melhor se coaduna com a autonomia da vontade privada, por se tratar, neste caso concreto, de direito patrimonial disponível e por não contrariar norma cogente.

Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para afastar a recusa da averbação do desdobro.

Sub censura.

São Paulo, 24 de maio de 2019.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou provimento ao recurso para afastar a recusa da averbação do desdobro. Oportunamente, restituam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 27 de maio de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: ANDRE LUIZ CARRENHO GEIA, OAB/SP 101.346.

Diário da Justiça Eletrônico de 10.06.2019

Decisão reproduzida na página 108 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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