Processo 1064751-72.2020.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro de Imóveis – 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – Bari Invest Eirelli ME – – Thiago Gama Souza e outros – Ante o exposto, determino o arquivamento do presente pedido de providências. Porém, a fim de preservar o princípio da segurança jurídica, já que os elementos trazidos aos autos revelam que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação aos interessados e a terceiros de boa fé, por cautela, nos termos do artigo 214, § 3º da Lei 6015/75, mantenho o bloqueio da matrícula nº 113.151, até que a parte interessada obtenha a manifestação do juízo trabalhista quanto às indisponibilidades e à alienação fiduciária, sendo que, com relação a esta última, o juízo deverá se manifestar expressamente quanto ao cancelamento da alienação fiduciária ou à declaração de sua ineficácia por fraude à execução. No mais, aguarde-se pelo derradeiro prazo 10 dias a comprovação do recolhimento dos tributos e emolumentos devidos pela Bary Invest Erirelli ME, sob pena de, no âmbito tributário, haver comunicação ao órgão competente, inclusive com multa pelo pagamento após o fato gerador, e, no âmbito dos emolumentos, emissão de título extrajudicial para cobrança e protesto, nos termos do art. 784, XI, do CPC, e item 20.8 do Cap. XV das NSCGJ/ SP. Para o cumprimento do prazo aqui concedido, deverá a própria interessada tomar as providências que julgar necessárias junto à 4a Vara Trabalhista de Santos. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: VALTER LUIS DE ANDRADE RIBEIRO (OAB 81326/SP), RAFAEL MARTINELLI LEITE (OAB 313487/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1064751-72.2020.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vivian Labruna Catapani
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, comunicando a apresentação por Bari Invest EIRELI ME de carta de arrematação de 50% da parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº 113.151, expedida pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Santos (proc. 0000886-24.2015.5.02.0444). O Oficial negou o registro e apresentou nota devolutiva (fls. 225/226) em razão dos seguintes óbices:
i) existência de outras indisponibilidades averbadas na matrícula, que não foram examinadas pelo Juízo que determinou o leilão judicial; ii) o imóvel foi alienado fiduciariamente ao Banco Itaú (terceiro estranho à execução), de modo que a arrematação não poderia recair sobre o direito de propriedade sobre o bem; iii) ausência de recolhimento do ITBI devido; iv) ausência de recolhimentos das custas e emolumentos correspondentes ao registro. Apresentada a nota devolutiva ao Juízo Trabalhista, entretanto, foi detereminado que o Oficial efetuasse o registro da carta de arrematação, sob pena de crime de desobediência, mesmo sem terem sido afastados os óbices apontados. Em decisão interlocutória proferida nestes autos (fls. 227/229), foi determinado o bloqueio da matrícula, diante da insegurança jurídica gerada pelo registro realizado sem o cumprimento dos óbices apontados pelo Oficial. Na mesma decisão, foi determinada a intimação da interessada Bari Invest EIRELI ME, dos devedores fiduciários do imóvel (Suzi Schlatter de Souza e Thiago Gama Souza), bem como do Itaú Unibanco S/A.
Thiago Gama Souza manifestou-se às fls. 263/265, declarando que não houve o cancelamento da alienação fiduciária, haja vista que existe um saldo devedor em aberto no valor de R$ 613.359,59. Afirmou que não é mais casado com a Sra. Suzi Schlatter de Souza e que ela não reside mais no local onde a intimação foi entregue.
Bari Invest EIRELI ME manifestou-se às fls. 286/295. Em relação à alienação fiduciária, sustentou que tanto a penhora averbada na matrícula por determinação do Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Santos (Av. 23), quanto o edital de praceamento do imóvel, dão conta que a constrição recaia sobre parte ideal do bem, e não sobre direitos decorrentes de alienação fiduciária. Além disso, afirmou que o Itaú Unibanco S/A, em sede de Embargos de Terceiro, buscou o cancelamento da arrematação, em razão da alienação fiduciária existente; todavia, o Juízo competente não acolheu os Embargos e determinou a extinção da alienação fiduciária. No que toca ao recolhimento do ITBI, argumentou que o imposto não é devido, em virtude de a arrematação ser uma forma originária de aquisição da propriedade. Por fim, pugnou pela expedição de ofício ao Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Santos, para que este saneasse eventuais óbices remanescentes à regularidade registrária.
O Ministério Público manifestou-se pela manutenção do bloqueio determinado em decisão interlocutória (fls. 327/328). Intimado a se manifestar (fl. 233), o Itaú Unibanco S/A quedou-se inerte.
Já a Sra. Suzi não foi intimada, em razão de a pesquisa de endereço realizada através do sistema Infojud (fl. 311) ter apontado o endereço de seu ex-cônjuge, já diligenciado.
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De proêmio, ressalto que a não intimação da Sra. Suzi não impede o prosseguimento deste procedimento, que já está apto à julgamento. Além disso, entendo desnecessária sua intimação por edital, haja vista que o Sr. Thiago, seu ex-cônjuge, já compareceu aos autos e prestou informações acerca da alienação fiduciária de que o imóvel é objeto.
Superada essa questão, passo à análise do mérito.
Ressalto, inicialmente, que esta Corregedoria Permanente não tem competência para cancelar o registro determinado por ordem judicial, por não ser órgão revisor do Juízo que proferiu a decisão. Se os termos da ordem judicial, com ameaças de sanções penais, trazem insegurança aos registros públicos por afastar a qualificação do Oficial, deve-se considerar também que se trata de decisão jurisdicional, que limita os atos desta Corregedoria com vista a preservar a incolumidade do registro.
Recebida a ordem judicial pelo Oficial Registrador, seu conteúdo não pode ser por ele questionado, mas tão somente cumprido.
Nesse ponto, vale aqui transcrever trecho do quanto decidido por esta Corregedoria no pedido de providências n. 1061501-31.2020.8.26.0100:
“No direito registral diferencia-se ordem judicial de título judicial. O primeiro se caracteriza pela natureza obrigatória, em que ato jurisdicional de juiz demanda a realização de determinado ato, sob pena de descumprimento, independentemente da verificação de requisitos legais pelo Oficial, salvo excepcionalmente quando houver manifesta incompetência em razão da matéria.
Já os títulos judiciais, apesar de sua origem, são passíveis de qualificação, porquanto é pacífico o entendimento jurisprudencial de que a ele cabe a análise formal, das peculiaridades extrínsecas do título, para verificação do cumprimento dos princípios registrais. Nesse sentido:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1)
Na presente hipótese, embora infringindo-se o principio da continuidade, a decisão judicial foi expressa no sentido da obrigatoriedade da averbação da penhora.
Destarte, tendo sido prolatada na esfera jurisdicional, deve prevalecer, sobrepondo-se à qualificação realizada em atividade administrativa.
Sobre o tema, confira-se parecer aprovado pelo DD Desembargador Hamilton Elliot Akel, nos autos do Proc. CG n. 167.709/2013:
“Distinguem-se título e ordem judicial. O título judicial, embora com alguma mitigação (CSM: Apelação Cível nº 1025290-06.2014.8.26.0100, relator Des. Elliot Akel), também se sujeita à qualificação do registrador. Já a ordem judicial, salvo hipóteses excepcionais de patente ilegalidade, tem de ser necessariamente cumprida, sob pena de desobediência.
Assim, ao receber um título judicial (formal de partilha, certidão de penhora, carta de arrematação), o registrador – respeitados alguns limites como, por exemplo, a não incursão no mérito judicial – é livre para qualificá-lo negativamente sem que isso configure descumprimento de ordem judicial.
Todavia, se o MM. Juízo que expediu o título examinar e afastar a recusa do registrador e, ato contínuo, determinar-lhe a ingresso no registro de imóveis, o que antes era um título torna-se uma ordem judicial, cujo cumprimento não pode ser postergado, sob pena de desobediência” (CGJSP: 12.566/2013, DJ: 07/03/2013, Relator: José Renato Nalini).
Exatamente a hipótese do caso em exame, em que, após qualificação negativa do título judicial, sobreveio decisão judicial que afastou as razões do Registrador e determinou o ingresso registral.
Com o advento da ordem judicial, superada a fase de qualificação do título, não restando outra alternativa ao Registrador que não cumpri-la e, assim, promover o registro do título. Não se ignoram as nulidades decorrentes de possível prática delitiva.
Entretanto, a questão deverá ser solucionada na esfera adequada, ou seja, mediante recurso perante o Tribunal de Justiça local, tirado da decisão que ensejou o registro, sem prejuízo de eventual ação autônoma. De qualquer forma, na esfera administrativa não há nenhuma outra providência a ser tomada, não sendo possível falar sequer em bloqueio da matrícula nesta sede, uma vez que o registro foi decorrente do estrito cumprimento de ordem judicial”.
Logo, não houve qualquer conduta irregular praticada pelo Registrador que cumpriu a ordem judicial, sendo que eventual declaração de ineficácia da penhora averbada deverá ser objeto de ação própria.”
Assim, da análise dos fatos não se vislumbra, no caso em tela, conduta repreensível do Registrador, que agiu em estrito cumprimento de ordem judicial, precedida de nota devolutiva (fl. 225).
Observo que os itens constantes da nota devolutiva encontram-se em total consonância com a obediência aos princípios registrários.
Isso porque, em relação ao primeiro óbice apontado, observo que a existência de outras indisponibilidades averbadas não impedem a alienação judicial do imóvel. Contudo, conforme preceitua o art. 16 do Provimento 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça, o Juízo da execução deve examinar as demais indisponibilidades averbadas na matrícula, bem como deve ser “consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.
Dessa forma, o não atendimento a esta disposição normativa gerou incerteza em relação às demais restrições eventualmente eficazes sobre o bem. O Oficial, ao observar que no título apresentado (carta de arrematação) não estava consignada a prevalência da alienação judicial em relação às outras indisponibilidades, agiu de modo regular no exercício de suas atribuições e negou o registro – posteriormente realizado, em razão da ordem que insistiu no registro, sem enfrentar as razões da negativa. Tal óbice, contudo, só poderá ser superado por decisão do Juízo da execução, de modo que a matrícula permanecerá bloqueada, por cautela, até que o vício seja sanado.
Por esse motivo, justifica-se a manutenção aqui do bloqueio da matrícula determinado na decisão de fls. 227/229.
No que tange ao segundo óbice, observo que o fato de o bem ser objeto de alienação fiduciária impediria que fosse objeto de penhora em razão de dívidas do fiduciante, haja vista que a propriedade resolúvel pertence à instituição financeira fiduciária (no caso, o Itaú Unibanco S/A), nos termos do art. 22 da Lei 9.514/1997. Desta feita, eventual constrição só poderia recair sobre os direitos de aquisição decorrentes da alienação fiduciária.
Destarte, o registro da arrematação sobre parte ideal do bem sem prévio esclarecimento acerca da situação atual da alienação fiduciária – se cancelada ou declarada ineficaz por eventual fraude à execução – importa em patente violação ao princípio da continuidade registrária, haja vista que a instituição financeira é a real proprietária do bem.
Sobre este ponto, observo que, ao contrário do quanto afirmado pela Bari Invest, a alienação fiduciária não foi extinta pelo Juízo da execução, haja vista que, em consulta processual dos Embargos de Terceiro opostos pelo Itaú Unibanco S/A (proc. 1000898-79.2019.5.02.0444), no site do TRT2, constatei que o mérito da impugnação da instituição financeira não foi analisado pelo Juízo da execução, que extinguiu o feito por razões processuais.
Sendo assim, também neste ponto mantenho o quanto determinado na decisão interlocutória de fls. 227/229, confirmando o bloqueio da matrícula, que deverá persistir até que o Juízo competente se manifeste acerca do cancelamento da alienação fiduciária ou declaração de sua ineficácia por fraude à execução, devendo tal informação constar da carta de arrematação, que é o título apresentado a registro.
A manifestação do Juízo da execução, contudo, deverá ser obtida pela parte, mediante pedido judicial em sede do feito que ensejou a arrematação. Por razão disso, indefiro o pedido de expedição de ofício à 4ª Vara Trabalhista de Santos, uma vez que tal medida fugiria ao escopo deste procedimento, que não pretende discutir as razões do Juízo da execução.
Em relação ao terceiro óbice, ressalto que a arrematação judicial, ao contrário do quanto alegou a parte interessada, não é uma forma originária de aquisição da propriedade, mas sim uma forma derivada, sujeita à cobrança de ITBI, nos termos do art. 901, § 2º, do CPC e do art. 2º, inciso V, da Lei Municipal nº 11.154.
Dessa forma, agiu corretamente o Oficial ao exigir o recolhimento do imposto, haja vista ser sua função“fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício” (art. 289 da LRP).
Por fim. no que se refere ao quarto óbice, noto que não há notícia de que a parte interessada é beneficiária da gratuidade processual nos autos da execução trabalhista, de modo que os emolumentos pelo registro são devidos, haja vista que os serviços prestados pelas serventias são remunerados pelos usuários, com o pagamento dos respectivos emolumentos, cuja individualização e cobrança, previstos no art. 236, § 2º, da
Constituição da República, foram regulamentados pela Lei nº 10.169/2000, que dispôs sobre as normas gerais para a fixação dos emolumentos no âmbito dos Estados-membros. Constantes todos os óbices acima na nota devolutiva apresentada pelo Oficial Registrador, não vislumbro nenhuma conduta irregular do delegatário, que adotou todas as cautelas necessárias quando da apresentação do título, ao mesmo tempo cumprindo a ordem judicial dentro de suas atribuições e buscando garantir os interesses dos envolvidos, não havendo que se falar em responsabilidade por falta funcional do registrador.
Observo que eventuais prejuízos sofridos em virtude da ordem judicial emanada pelo juízo trabalhista poderão ser objeto de ação própria a ser proposta pelos interessados.
Ante o exposto, determino o arquivamento do presente pedido de providências.
Porém, a fim de preservar o princípio da segurança jurídica, já que os elementos trazidos aos autos revelam que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação aos interessados e a terceiros de boa fé, por cautela, nos termos do artigo 214, § 3º da Lei 6015/75, mantenho o bloqueio da matrícula nº 113.151, até que a parte interessada obtenha a manifestação do juízo trabalhista quanto às indisponibilidades e à alienação fiduciária, sendo que, com relação a esta última, o juízo deverá se manifestar expressamente quanto ao cancelamento da alienação fiduciária ou à declaração de sua ineficácia por fraude à execução.
No mais, aguarde-se pelo derradeiro prazo 10 dias a comprovação do recolhimento dos tributos e emolumentos devidos pela Bary Invest Erirelli ME, sob pena de, no âmbito tributário, haver comunicação ao órgão competente, inclusive com multa pelo pagamento após o fato gerador, e, no âmbito dos emolumentos, emissão de título extrajudicial para cobrança e protesto, nos termos do art. 784, XI, do CPC, e item 20.8 do Cap. XV das NSCGJ/SP. Para o cumprimento do prazo aqui concedido, deverá a própria interessada tomar as providências que julgar necessárias junto à 4a Vara Trabalhista de Santos.
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 10 de março de 2021. (DJe de 15.03.2021 – SP)
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias
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