Registro de Imóveis – Emolumentos – Instituição de condomínio edilício – Alienação pelo incorporador de frações ideais a que corresponderão futuras unidades autônomas – Determinação de cobrança de emolumentos como ato único pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Art. 237-A da Lei nº 6.015/73 – Registro pretendido que não se refere a direitos reais de garantia, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam todo ou parte do empreendimento – Atividade empresarial desenvolvida pelo incorporador, que tem por finalidade a venda das unidades autônomas e não pode ser confundida com os atos praticados na matrícula, relativos ao próprio empreendimento – Recurso provido.


  
 

Número do processo: 0009006-08.2019.8.26.0344

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 501

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0009006-08.2019.8.26.0344

(501/2020-E)

Registro de Imóveis – Emolumentos – Instituição de condomínio edilício – Alienação pelo incorporador de frações ideais a que corresponderão futuras unidades autônomas – Determinação de cobrança de emolumentos como ato único pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Art. 237-A da Lei nº 6.015/73 – Registro pretendido que não se refere a direitos reais de garantia, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam todo ou parte do empreendimento – Atividade empresarial desenvolvida pelo incorporador, que tem por finalidade a venda das unidades autônomas e não pode ser confundida com os atos praticados na matrícula, relativos ao próprio empreendimento – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica e 1º Tabelião de Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Marília/SP por não se conformar com a decisão proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, em consulta sobre a cobrança de emolumentos para registro de escritura pública de cessão de direitos inerentes ao compromisso de permuta celebrado com os proprietários do imóvel, tendo por objeto frações ideais correspondentes a unidades autônomas em construção do condomínio Edifício Residencial Marselha, cuja incorporação está registrada sob nº 2 na Matrícula nº 61.225 da serventia imobiliária (fl. 99/100).

Preliminarmente, argui o recorrente a nulidade da decisão proferida, por falta de fundamentação. No que diz respeito à consulta formulada, afirma que o instrumento público apresentado retrata a cessão dos direitos relativos à promessa de permuta com os proprietários do terreno, em favor de sessenta e quatro cessionários, cabendo a cada um os direitos relativos a uma determinada fração ideal que corresponderá à futura unidade. Aduz que a incorporadora, a despeito dos poderes que lhe foram outorgados na forma e para os fins previstos no art. 31, § 1º, da Lei nº 4.591/1964, optou, singelamente, pela cessão, de uma só vez e por instrumento único, de todos os seus direitos aos adquirentes de futuras unidades autônomas. Sustenta que não houve alteração quanto à incorporação em si mesma, nem sucessão ou outro negócio envolvendo o empreendimento como um todo, mas sim, alienação de futuras unidades por meio pouco convencional, qual seja, a cessão de direitos. Alega que a finalidade principal da incorporação é, além da construção do edifício, a atividade voltada à alienação total ou parcial das futuras unidades autônomas, nos moldes previstos no art. 28 da Lei nº 4.591/64, razão pela qual a cessão não pode ser tida como negócio inerente ao empreendimento, estando afastada a aplicação do art. 237-A da Lei nº 6.015/1973 para efeito de cobrança de emolumentos. Acrescenta que a disciplina dos emolumentos devidos na hipótese em análise está explícita na Lei Estadual nº 11.331/02, na nota explicativa à Tabela II, em que prevista a cobrança em duas etapas, distinguindo-se os emolumentos devidos pelo registro da instituição daqueles devidos pelo registro das alienações das unidades. Por fim, ressalta que os emolumentos devidos pelo registro da especificação ou instituição do condomínio não se confundem com aqueles devidos e pagos quando do registro da incorporação, sendo que a atribuição tem regras próprias e a cobrança tem relação com a alienação das unidades autônomas, tratando-se de atos independentes.

Foram ofertadas contrarrazões recursais (fl. 122/130).

A douta Procuradora de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 155/158).

Opino.

Desde logo, importa consignar que, em havendo divergência quanto à aplicação da Lei de Custas e Emolumentos, como ocorre in casu, o recurso cabível é aquele previsto no art. 29, § 1º, da Lei Estadual nº 11.331/02, competindo à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça seu julgamento.

A preliminar de nulidade da decisão não prospera, eis que, ao fazer referência ao julgamento de outro feito, apresentou a MM.ª Juíza Corregedora Permanente, ainda que suscintamente, os fundamentos da conclusão trazida ao caso concreto.

O procedimento teve início como consulta sobre os emolumentos devidos para o registro da escritura de cessão de direitos por intermédio da qual a Incorporadora MFMA SPE Ltda., após efetuado o registro da incorporação imobiliária, cede os direitos oriundos de compromisso de permuta celebrado com proprietários do terreno aos adquirentes de frações ideais vinculadas às unidades autônomas do empreendimento.

A consulta, por sua vez, decorre da apresentação, para exame e cálculo, da escritura pública de cessão de direitos, lavrada em 30.07.2018, juntamente com as escrituras públicas de retificação e ratificação lavradas em 23.08.2018 e 22.04.2019 (fl. 13/24, 25/26 e 27/45). A certidão a fl. 47/62 demonstra que, na matrícula nº 61.225 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Marília/SP, foi promovido o registro (R.1) do instrumento particular de compromisso de permuta de terreno, por intermédio do qual os titulares de domínio “prometeram permutar parte ideal do imóvel correspondente a 85,125% com a Incorporadora MFMA SPE Ltda., por doze (12) futuras unidades de apartamento-tipo, com direito ao uso exclusivo de um depósito cada, localizados no mesmo pavimento, mais vinte e quatro (24) vagas de garagem localizadas no subsolo do edifício (…)”. Constou, ainda, que as referidas unidades autônomas “farão parte do futuro edifício que a incorporadora se obrigou a construir e que serão entregues prontas e acabadas (…)”. A certidão também demonstra que houve o registro (R.2) da incorporação condominial para construção de edifício residencial “composto por três (03) subsolos, pavimento térreo, vinte (20) pavimentos-tipo e ático (…)”. Nos termos da AV. 10, ficou constando “a alteração da incorporação objeto do R.2, do Edifício Residencial Marselha, mais precisamente nas partes internas dos pavimentos: 3º Subsolo; 2º Subsolo e térreo”.

Para o registro pretendido o Oficial entende que a alienação de uma ou mais unidades autônomas a terceiros, depois de averbado o “habite-se”, configura verdadeira venda ou promessa de venda, não se enquadrando, portanto, na disposição trazida pelo art. 237– A da Lei de Registros Públicos, que assim prevê:

Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relativos à pessoa do incorporador ou referentes a direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas.

§ 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizados com base no caput serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.

§ 2º Nos registros decorrentes de processo de parcelamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendências a serem satisfeitas para sua efetivação.

§ 3º O registro da instituição de condomínio ou da especificação do empreendimento constituirá ato único para fins de cobrança de custas e emolumentos.

No caso concreto, quando do registro da incorporação foi apresentada a minuta do Contrato Particular de Cessão Parcial de Fração Ideal de Terreno com Permuta de Área Construída e Administração e Construção de Edifício em Condomínio, instrumento destinado à alienação de unidade autônoma em construção, a ser individualmente celebrado entre a incorporadora/construtora e cada adquirente. O contrato padrão trata da cessão parcial de fração ideal do terreno, correspondente à futura unidade autônoma (cláusula terceira), pelo preço e condições previstos em sua cláusula décima (fl. 63/73).

O título apresentado para exame e cálculo reproduz o teor desse contrato, ainda que em um instrumento único, alienando a Incorporadora os direitos adquiridos por intermédio da promessa de permuta celebrada com os titulares de domínio a sessenta e quatro cessionários adquirentes, com especificação das frações ideais do terreno correspondentes às unidades autônomas negociadas com cada qual e respectivos preço (fl. 36/44).

Desse modo, os negócios jurídicos de que se pretende o registro consistem nas alienações feitas pela Incorporadora, para sessenta e quatro adquirentes, das frações ideais do terreno a que vinculadas as futuras unidades autônomas, o que foi realizado em conformidade com o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 4.591/64 que prevê:

“Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

A natureza desses sessenta e quatro contratos não se altera pela celebração em escritura pública única, da qual participaram a Incorporadora e todos os adquirentes, porque não se cuidou de cessão de todo ou de parte do empreendimento para novo incorporador, mas de alienações feitas em cumprimento das obrigações assumidas perante cada um dos adquirentes das futuras unidades autônomas.

Igual decorre da participação na escritura pública, como anuentes, dos proprietários que prometeram permutar o terreno, com a incorporadora, por futuras unidades autônomas.

Assim porque o contrato de promessa de permuta que foi celebrado com os proprietários do terreno não altera a natureza das obrigações assumidas e dos negócios jurídicos celebrados pelo Incorporador com os adquirentes das futuras unidades autônomas, como decorre do art. 32 da Lei nº 4.591/64:

“Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado.”

Como se vê, os documentos apresentados evidenciam que o pretendido registro não se refere a direitos reais de garantia, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento. Trata-se, em verdade, de negócio jurídico por intermédio do qual a Incorporadora MFMA SPE Ltda., após o registro da incorporação imobiliária, aliena a sessenta e quatro adquirentes frações ideais a que corresponderão futuras unidades autônomas do empreendimento.

A cobrança de emolumentos como ato único, conforme dispõe o art. 237-A, § 1º, da Lei nº 6.015/1973, diz respeito apenas a averbações e registros relacionados ao próprio empreendimento e não, à alienação, por qualquer modo, pelo incorporador a terceiros adquirentes das unidades autônomas a serem construídas ou já construídas. A atividade empresarial desenvolvida pelo incorporador, na forma do art. 28 da Lei n. 4.591/1964, que tem por finalidade a venda das unidades autônomas a construir, ou em construção, visando a obtenção de lucro, não pode ser confundida com os atos praticados na matrícula que envolvam o próprio empreendimento.

Em outras palavras, tal como bem esclarecido pelo Oficial de Registro em sua manifestação (fl. 01/12), para a cobrança de emolumentos como ato único é imprescindível que os registros e averbações estejam relacionados à pessoa do incorporador como responsável pelo empreendimento e aos negócios jurídicos visando que seja concluído mediante construção do edifício e instituição do condomínio edilício, tais como registro de hipotecas de futuras unidades autônomas para conclusão da obra e o registro da instituição do condomínio com a sua transposição para as fichas auxiliares que serão convertidas nas matrículas. Essa, no entanto, não é a hipótese dos autos.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de ser dado provimento ao recurso, para afastar a cobrança, como ato único, dos emolumentos devidos pelos registros das cessões de direitos sobre as unidades autônomas referidas na escritura pública versada nos autos.

Sub censura.

São Paulo, 20 de novembro de 2020.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso, para afastar a cobrança, como ato único, dos emolumentos devidos pelos registros das cessões de direitos sobre as unidades autônomas referidas na escritura pública versada nos autos. Publique-se. São Paulo, 27 de novembro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: HELIO LOBO JUNIOR, OAB/SP 25.120, NARCISO ORLANDI NETO, OAB/SP 191.338, ANA PAULA MUSCARI LOBO, OAB/SP 182.368, LUIZA ROVAI ORLANDI, OAB/SP 376.773, BENJAMIM SOARES DE AZEVEDO, OAB/SP 19.814 e DANIELA SOARES DE AZEVEDO MANSO, OAB/SP 120.204.

Diário da Justiça Eletrônico de 03.12.2020

Decisão reproduzida na página 147 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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