CSM/SP: Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.


Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1042311-59.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Registro: 2025.0000988355

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Apelante: Altair Ferreira dos Santos

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.887

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa ao registro de hipoteca judiciária sobre imóvel com averbação de indisponibilidade, com base no art. 1.420 do Código Civil, além de ausência de determinação judicial sobre a prevalência da oneração.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a hipoteca judiciária pode ser registrada em imóvel com averbação de indisponibilidade sem determinação judicial expressa sobre a prevalência da oneração.

III. Razões de Decidir

3. O art. 1.420 do Código Civil não se aplica à hipoteca judicial, que não tem natureza negocial, mas sim processual. Não deriva da vontade do devedor, mas sim do credor, e visa conferir publicidade ao crédito reconhecido por sentença judicial.

4. A hipoteca judiciária não implica em privilégio do crédito, muito menos em alienação imediata do bem. O atributo da hipoteca judicial é conferir efeito erga omnes ao crédito e sequela em relação terceiros, de modo que e não impede o registro, pois não há transmissão da propriedade. Tem a natureza de medida processual para assegurar futura execução.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A hipoteca judiciária pode ser registrada mesmo com averbação de indisponibilidade, pois não implica alienação imediata. 2. A prevalência da hipoteca judicial não necessita de determinação expressa quando se trata de alienação judicial forçada.

Legislação Citada:

– Código Civil, art. 1.420.

– Código de Processo Civil, arts. 495, 835, § 3º.

Jurisprudência Citada:

– CSM, Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017.

– CSM, Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368, Rel. Des. Pinheiro Franco, j. 27/08/2019.

– CSM, Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 01/09/2022.

– CSM, Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 22/08/2024.

– CSM, Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 27/06/2024.

Trata-se de apelação interposta por ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS em face da r. sentença de fls. 467/471, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para registro da hipoteca judiciária junto ao imóvel objeto da matrícula 76.031, em razão de averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária Imobiliária e Construtora Continental Ltda, com fundamento no art. 1.420 do Código Civil e pela ausência de determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade.

O apelante busca a reforma da sentença, tendo em vista que a pretensão é de registro de hipoteca judiciária determinada por decisão judicial após comprovação do cumprimento dos requisitos legais, a fm de garantir e satisfazer a condenação imposta em processo judicial, de modo que não há que se falar em preferência da indisponibilidade porque necessária a proteção ao credor em fase de cumprimento de sentença ou execução. Acrescente-se que a Imobiliária e Construtora Continental Eireli tem outros imóveis e figura como devedora em muitos outros processos judiciais (fls. 479/484).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 507/508).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

De acordo com os autos, o apelante apresentou ao 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos requerimento para registro de hipoteca judiciária do imóvel objeto da matrícula 76.031, autorizada por decisão judicial nos autos do processo nº 0012924-50.2023.8.26.0224 movido pelo apelante Altair Ferreira dos Santos em face da Imobiliária e Construtora Continental Eirelli, perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos.

O Oficial informou que junto à matrícula 76.031 consta averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária e requerida Imobiliária e Construtora Continental Ltda, o que impede o registro da hipoteca, mesmo da judiciária, tendo em vista a vedação contida no art. 1.420 do Código Civil, no sentido de que somente os bens alienáveis podem ser dados em hipoteca e também porque o requerimento veio desacompanhado de qualquer determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade, razão para a nota de devolução (fls. 81/82).

Como se vê, o ingresso do título foi impedido pela existência de averbação de indisponibilidade proveniente de ordem de outro juízo (Av. 08, ação civil pública nº 224.01.2009.049383-8/000000-000, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos), sem que o juízo da execução tenha ressalvado a prevalência da hipoteca.

No entanto, a qualificação negativa deve ser afastada.

Em primeiro lugar porque o artigo 1.420 do Código Civil não se destina às hipóteses de hipoteca judicial, decorrente da vontade do credor, mas principalmente à hipoteca convencional, que deriva da vontade do devedor. Logo, óbice apresentado pelo Registrador quanto a esse fundamento não se justifica.

Em segundo lugar, com amparo no art. 495 do Código de Processo Civil, a hipoteca judiciária tem a função de “garantir uma possível execução definitiva ou provisória” (FONSECA, João Francisco N. da. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IX. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87). Por meio dela, o bem é afetado para que recaia sobre ele, ao depois, a penhora em eventual cumprimento de sentença (art. 835, § 3º, do CPC/2015).

Uma vez constituída, a hipoteca judiciária confere ao credor hipotecário o direito de preferência no pagamento, observada prioridade no registro (art. 495, § 4º, do CPC/2015). Vale dizer, o montante obtido na excussão hipotecária servirá, prioritariamente, ao pagamento do credor hipotecário, ressalvadas eventuais preferências estabelecidas a outros créditos por leis específicas. Por ser “apenas uma medida processual, diferente, portanto, da hipoteca como garantia real do direito material, a preferência apontada pelo dispositivo legal cede a qualquer regra de direito material” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. 8ª ed. Juspodivm: 2023, p. 919).

Dizendo de outro modo: por si só ela não implica em transmissão do domínio ou imediata alienação do imóvel e eventual registro da arrematação ou adjudicação futuras deverá ser precedido do levantamento da indisponibilidade.

Lado outro, “a hipoteca judiciária não estabelece vinculação absoluta quanto ao futuro bem a penhorar. Tanto o credor como o devedor podem motivadamente vir a pleitear que a penhora atinja outro bem – cabendo ao juiz resolver a questão tomando em conta as diretrizes do menor sacrifício do devedor e da utilidade da execução” (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Egon Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a hipoteca judiciária. Revista de Informação Legislativa, n. 133, jan.-mar./1997. Brasília, p. 88).

Nessa linha de ideias, a hipoteca judiciária não acarreta, tal qual o pagamento, a imediata satisfação do direito do credor. A constituição da hipoteca judiciária, além de não derivar de ato do devedor, mas sim do próprio credor, destina-se, reitera-se, a assegurar futura execução. Inclusive, a excussão da hipoteca somente ocorrerá se o executado não pagar o débito no prazo legal.

Não há óbice, portanto, para o deferimento de seu registro porque ela não importa, por princípio, em alienação do bem.

Adicionalmente, a sustentar o mesmo raciocínio, este C. Conselho Superior da Magistratura, em precedentes envolvendo alienação judicial forçada, ou seja, não voluntária, vem entendendo que a previsão expressa de prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo é prescindível:

“(…) apesar de o decreto de indisponibilidade advir de Juízo distinto daquele que providenciou a alienação forçada, é de se amainar a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção de prevalência da venda judicial. Deveras, a preferência da alienação judicial sobre eventuais decretos de indisponibilidade é ínsita à expedição da carta de arrematação ou de adjudicação. A finalidade precípua da carta é viabilizar o registro da venda forçada. Seria de todo incongruente que o Juízo em que efetuada a hasta pública expedisse carta de arrematação ou de adjudicação, se não fosse para que arrematante ou adjudicante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo que providenciou a alienação já está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que Juízo distinto tenha decretado a indisponibilidade do bem arrematado. Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado o decreto de indisponibilidade. O crédito que possui subroga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Tampouco se olvide que o destinatário da determinação judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta- se a obstar que o devedor, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Todavia, a ordem de indisponibilidade não impede a venda judicial do bem” (Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017).

No mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Indisponibilidade decorrente de penhora determinada em favor do INSS – Carta de Arrematação – Alienação forçada – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido” (CSM; Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368; Rel. Des. Pinheiro Franco; j. 27/08/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – INDISPONIBILIDADE DOS BENS DA EXECUTADA DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO BEM IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, AFASTADO O ÓBICE REGISTRAL E REFORMADA A SENTENÇA” (CSM; Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278; Rel. Des. Fernando Torres Garcia; j. 01/09/2022).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE AVERBADAS NA MATRÍCULA DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO PROVIDA” (CSM; Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, de minha relatoria; j. 22/08/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTAS DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA INVERSA – AUSÊNCIA DE PROTOCOLO VÁLIDO – ANUÊNCIA EM RELAÇÃO A PARTE DAS EXIGÊNCIAS FORMULADAS PELO OFICIAL DE REGISTRO – IMPUGNAÇÃO PARCIAL – DÚVIDA PREJUDICADA – ANÁLISE, EM TESE, DA EXIGÊNCIA IMPUGNADA A FIM DE ORIENTAR – FUTURA PRENOTAÇÃO – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE – AVERBADAS NAS MATRÍCULAS DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DOS IMÓVEIS E SEU RESPECTIVO REGISTRO – PRECEDENTES DO EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO NÃO CONHECIDA” (CSM; Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, de minha relatoria; j. 27/06/2024).

A conclusão acima ganha reforço com alteração recente das Normas de Serviço Extrajudiciais (item 413 do Capítulo XX), por força de aprovação do Parecer 607/2024-E, elaborado no bojo da Apelação n. 1073659-79.2024.8.26.0100, em reflexo do entendimento que tem prevalecido neste Conselho Superior da Magistratura, no sentido de se admitir o registro da alienação judicial do bem imóvel ainda que oriunda de juízo diverso do que determinou a indisponibilidade e ainda que ausente, no título, alusão à sua prevalência.

Assim, por força do Provimento CG n. 44/2024, publicado em 19/09/2024, foi suprimida a parte final do item 413 do Cap.XX das NSCGJ, que hoje vigora com a seguinte redação:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ n.º 39/2014 e na forma do § 1.º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel”.

Por consequência, os precedentes acima, apesar de referentes à alienação judicial forçada, estendem-se aos casos de hipoteca voluntária, uma das modalidades de constrição judicial.

Ressalte-se, no entanto, que a solução dada ao caso concreto não se baseia na aplicação retroativa do dispositivo alterado, mas nos precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, que há longa data vêm prevalecendo.

Daí porque desnecessária a exigência de que seja consignada, no título, a prevalência da hipoteca judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou de que seja previamente cancelada a ordem de indisponibilidade averbada.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da hipoteca judiciária.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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1VRP/SP: EMENTA (NÃO OFICIAL)- DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – CONTRATO DE LOCAÇÃO COM CLÁUSULA DE VIGÊNCIA – ASSINATURA DIGITAL EM PLATAFORMA PRIVADA (“DOCUSIGN”) – EXIGÊNCIA DE ASSINATURA ELETRÔNICA QUALIFICADA (ICP-BRASIL) – DOCUMENTO CONSIDERADO INVÁLIDO PELO VERIFICADOR DO ITI – ÓBICE REGISTRÁRIO MANTIDO – PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA.


Processo 1108905-05.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Guimarães & Vieira de Mello Advogados – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: HELDER FELIPE FONSECA DAMASCENO (OAB 449801/SP), MARCELLO AUGUSTO LIMA VIEIRA DE MELLO (OAB 339563/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1108905-05.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Oficial do 15º de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Guimarães & Vieira de Mello Advogados
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Guimarães & Viera de Mello Advogados, diante de negativa em se proceder ao registro de contrato de locação envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentado contrato de locação não residencial celebrado em 22 de fevereiro de 2021, com cláusula de vigência, assinado digitalmente pela plataforma “DocuSign”, figurando como locador, IRB Renda Empreendimentos SPE S.A. e como locatária a suscitada, Guimarães & Vieira de Mello Advogados, objetivando o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 da serventia; que pelo R.6 da referida matrícula, a locadora tornou-se titular dominial do imóvel; que o título foi desqualificado porque, ao verificar o arquivo na plataforma https://verificador.iti.br/, consta relatório como “inválido”; e que a exigência, portanto, foi para reapresentar o contrato assinado digitalmente com o e-CPF de todos os participantes em PDF/A ou pela plataforma https://assinador.registrodeimoveis.org.br/, em conformidade com o padrão de assinaturas eletrônicas qualificadas e avançadas em relação à regulamentação da ICP-Brasil e às definições contidas na Medida Provisória n. 2.200-2/2001, na Lei n. 14.063/2020, no Decreto n. 10.543/2020, na Portaria Conjunta ITI/CC/PR SGD/SEDGG/ME n. 1/2021, e nos itens ns. 366 e seguintes, Subseção VII, da Seção XI, das NSCGJ (fls. 01/05).
Documentos vieram às fls. 06/82.
Em impugnação apresentada nos autos, a parte suscitada aduziu, em apertada síntese, que a exigência deve ser afastada, pois o documento apresentado a registro possui de forma inequívoca meios de conferência de sua integridade e autenticidade, por meio da própria plataforma utilizada para aposição das assinaturas digitais; que o registro de um contrato de locação na matrícula de um imóvel não se confunde com o registro propriamente dito da transferência de um bem imóvel, não se submetendo o caso em comento a referida hipótese de uso obrigatório da assinatura qualificada; que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. e 83/94). Juntou documentos (fls. 95/134).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 137/138).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que no sistema registral vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice.
A Lei n. 6.015/1973 preceitua que a forma do título é indispensável para sua admissão no Registro de Imóveis. Somente podem ser admitidos a registro os títulos hábeis que assumam a forma prevista em lei (artigo 221 da Lei de Registros Públicos).
Assim, a qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, no exame dos requisitos formais do título apresentado para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, não se admitindo o acesso ao fólio real de documento que não assuma a forma prevista em lei ou apresentado com deficiência formal. A avaliação do título recai diretamente na análise formal do documento apresentado, de sua autenticidade, conteúdo, presunção de validade jurídica, dentre outros aspectos formais.
Neste aspecto, o Oficial apontou que a parte interessada apresentou contrato de locação não residencial celebrado em 22 de fevereiro de 2021, com cláusula de vigência, assinado digitalmente pela plataforma “DocuSign”, figurando como locador, IRB Renda Empreendimentos SPE S.A. e como locatária a suscitada, Guimarães & Vieira de Mello Advogados, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 do 15º RI (fls. 15/50).
No entanto, a verificação dos atributos do documento mencionado, realizada pelo Oficial junto ao portal do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação ITI, atesta que o arquivo é inválido, encerrando contrariedade ao disposto no inciso I do § 1º do artigo 208 do Provimento CNJ n. 149/2023, e no subitem 366.5, Cap. XX, das NSCGJ.
A Lei n. 14.063/2020, que, entre outras coisas, “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos”, classifica, no artigo 4º, a assinatura eletrônica em três modalidades: (i) assinatura eletrônica simples; (ii) assinatura eletrônica avançada; e (iii) assinatura eletrônica qualificada:
“Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I – assinatura eletrônica simples:
a) a que permite identificar o seu signatário;
b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:
a) está associada ao signatário de maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
§ 1º. Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.
§ 2º. Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados”.
Nos termos do decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça no RESP 2159442-PR, julgado em 24/09/2024: “A intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas (em suas modalidades simples, avançada ou qualificada), conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e – ao mesmo tempo – conferir validade jurídica a qualquer das modalidades, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares”.
Portanto, a diferença principal entre as três modalidades de assinatura eletrônica está no nível de segurança e na forma de verificação da identidade do signatário.
A primeira espécie, assinatura eletrônica simples, é “a que permite a identificação do signatário” ou “a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário”, mas não utiliza certificado[1] para garantir a autenticidade e integridade da assinatura, tal como a assinatura que permite identificar os dados do signatário a partir de simples preenchimento de um formulário eletrônico, atrelado ou não à localização geográfica ou ao IP (internet protocol) do dispositivo ou da rede utilizada para acesso.
A segunda, assinatura eletrônica avançada, é “a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”, tal como a assinatura que utiliza dados biométricos ou Personal Identification Number (PIN) do signatário, tais como feitas via “Contraktor”, “D4Sign”, “Clicksign”, “Adobe Sign”, todas feitas em plataformas privadas fora da ICP-Brasil.
A terceira, assinatura digital qualificada, é que utiliza certificado digital nos moldes do § 1º, do artigo 10 da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, ou seja, produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
Na lição de Ricardo Campos:
“Destarte, é possível afirmar que “somente a assinatura eletrônica qualificada, por meio de uso da criptografia assimétrica, aliado a um certificado digital emitido por uma Autoridade Certificadora no âmbito de uma Infraestrutura de Chaves Pública, permite, atualmente, atestar de forma segura a integridade e a autenticidade de um documento eletrônico assinado. Todas as demais modalidades de assinatura eletrônica, conquanto não sejam – …- juridicamente inválidas, não são capazes, por si só, de assegurar a integridade e a autenticidade de um documentos ainda que, eventualmente, sejam aptas e suficientes para outras finalidades”. [2]
Portanto, dentre essas três espécies, a assinatura digital qualificada é a que alcança o maior nível de segurança, por possuir “nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.” (Lei n. 14.063/2020, artigo 4º, § 3º), a partir do regramento dado pela MP n. 2.200-2/2001.
No caso em análise, a consulta efetuada pelo Oficial para a apuração de conformidade do padrão de assinatura digital ICP-Brasil resultou negativa, tendo as assinaturas do título prenotado sido realizada por plataforma privada não validada.
À luz do artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, exige-se a assinatura eletrônica qualificada nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais:
“Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público.
(…)
§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: (…)
IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso I do § 1º deste artigo;
(…)
§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada.
§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.
No tocante à Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil, muito embora ela não impeça o uso de outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica (artigo 10, § 2º), é certo que, em se tratando de atos de transferência e de registro de bens imóveis, diante do disposto no artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, é necessário que a assinatura eletrônica seja qualificada.
É importante destacar que se trata de lei especial – “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos” – que permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n. 14.620/2023, a qual modificou o artigo 784 do Código de Processo Civil para tratar de assinatura eletrônica nos títulos executivos.
No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, a matéria é tratada nos itens 365 e 366, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:
“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.”
“366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.”
“366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes.”
No mesmo sentido, o artigo 208 do Provimento CNJ n. 149/2023:
“Art. 208. Os oficiais de registro e os tabeliães deverão recepcionar diretamente títulos e documentos nato-digitais ou digitalizados, observado o seguinte:
I – a recepção pelos tabeliães de notas e de protestos ocorrerá por meio que comprove a autoria e integridade do arquivo;
II – a recepção pelos oficiais de registro ocorrerá por meio:
a) preferencialmente, do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – Serp e dos sistemas que o integra (especialmente os indicados nos incisos I a III do § 1º do art. 211 deste Código); ou
b) de sistema ou plataforma facultativamente mantidos em suas próprias serventias, desde que tenham sido produzidos por meios que permitam certeza quanto à autoria e integridade.
§ 1º Consideram-se títulos nato-digitais, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles previstos em lei específica:
I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código); (…)”
Na situação telada, porém, não se está diante do acesso ou envio de informações aos registros públicos (artigo 17, § 1º, da Lei n. 6.015/1973), assim como não se trata de atos expedidos pelos registros públicos (artigo 38, da Lei n. 11.977/2009) nem de assinatura eletrônica notarizada (artigo 285 do Provimento n. 149/2023), e, por fim, a Corregedoria Nacional já expediu regras de admissão da assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, como facultam o artigo 17, § 2º, da Lei n. 6.015/1973 e o artigo 38, § 2º, da Lei 11.977/2009, mas não para os atos como os da espécie, que continuam submetidos à exigência do artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020.
Nesse mesmo sentido, válido destacar os seguintes precedentes julgados recentemente pelo C. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):
“Apelação – Dúvida – Registro de Imóveis – Negativa de inscrição no fólio real de contrato de locação e seu aditamento para assegurar observância da cláusula de vigência e do exercício do direito de preferência em caso de alienação da coisa locada – Exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas dos signatários. Óbice mantido – Assinatura eletrônica qualificada exigível por força do disposto no artigo 5º, § 1º, inciso II, da lei nº 14.063/2020, e nos itens 365 e 366 das NSCGJ Regramento da Corregedoria Nacional que não instituiu regra diversa para a prática de atos de registro, como ocorre na espécie. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1094448-02.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/11/2024; Data de Registro: 19/11/2024).
“Dúvida – Registro de Imóveis – Negativa de registro de instrumento particular de confissão de dívida garantido por alienação fiduciária – Exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas de todos os signatários. Exame do título de acordo com norma vigente ao tempo da prenotação – Princípio tempus regit actum – Assinatura eletrônica qualificada necessária para atos de transferência e registro de bens imóveis, ou seja, para todos os atos de constituição, modificação e extinção de direitos reais sobre imóveis. Lei n. 14.063/2020 e Código Nacional de Normas. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1006264-51.2023.8.26.0344; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Marília – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2024; Data de Registro: 04/11/2024).
Bem por isso, mostra-se acertado o óbice apontado pelo Oficial, que fica mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 25 de setembro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
Nota:
[1] “Atestado eletrônico que associa os dados de validação da assinatura eletrônica a uma pessoa natural ou jurídica”, nos termos do artigo 3º, III, da Lei n. 14.063/2020.
[2] CAMPOS, Ricardo. Parecer Assinaturas eletrônicas e registros imobiliários. Legal Grounds Institute, 2023, p. 16-7.

Fonte: DJE/SP 26.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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