ARTIGO – Diogo Melo: “Quanto mais notário menos juiz”

Publicado em: 30/09/2024
O autor desta célebre frase foi um dos maiores processualistas do mundo, Francesco Carnelutti. E o que isto quer dizer? “Quanto mais conselho do notário, quanto mais consciência do notário, quanto mais cultura do notário, tanto menos possibilidade de litis”. Muitas pessoas não sabem mas notário é sinônimo de tabelião ou cartotário.

Nos atos que o notário está presente auxilia a justiça e como consequência estimula a celeridadde processual, deixando para o judiciário a lide propriamente dita (tabelião como vetor da 3 onda renovatória do processo) “o juiz julga na presença de um inconveniente verificado; o notário, para que o inconveniente não surja”. A partir dai pode se contextualizar a desjudicialização.

A desjudicialização é um movimento que cresce exponencialmente no Brasil tendo em vista que é o país que concentra uma das maiores demandas de processos do mundo (1.5 a 3 milhões de bacharéis em Direito e 1670 faculdades de Direito presentes no Brasil segundo dados do Blog Exame da Ordem). Pode se conceituar a desjudicialização como a faculdade das partes optarem pelos cartórios para a realização de atos, que anteriormente eram exclusivos da esfera judicial.

A opção pela via administrativa dos cartórios beneficia a coletividade como um todo, pois a tendência é concentrar no judiciário apenas as demandas que envolvam conflitos pelas quais não tem como se resolver através da composição de interesses nos cartórios. A duração dos processos no judiciário é dimensionada em anos ou até décadas, enquanto os atos praticados nos cartórios são solucionados em dias ou meses.

A escolha pelos Cartórios também gera economia para os cofres públicos. Desde a edição da lei 11.441/07, que possibilitou a realização de inventários e divórcios em cartório, conforme um estudo conduzido em 2013, pelo Centro de Pesquisas sobre o Sistema de Justiça brasileiro (CPJus), cada processo que entra no Judiciário custa em média R$ 2.369,73 para o contribuinte. Portanto, o erário brasileiro economizou mais de 5,2 bilhões de reais com a desburocratização desses atos (dados fornecidos por matéria veiculada no Colégio Notarial do Brasil).

No Brasil são inúmeros os casos de desjudicialização que auxiliam o Judiciário, retirando inúmeras demandas a serem analisadas, tendo solução na própria via administrativa. Podem-se citar com retrospecto positivo: 1) retificação de área no ofício de registro de imóveis (Lei 10.991/04); 7) Execução extrajudicial da Alienação fiduciária no Registro de Imóveis (Lei 9.514/73) Retificação de assento no registro civil de pessoas naturais (Lei 6.015/73); 4) Divórcios e separações consensuais no Tabelionato de Notas (Lei 11.441/07); 5) Inventários, partilhas e adjudicação no Tabelionato de Notas (Lei 11.441/07); 6) Procedimento de Usucapião (CPC/15 e Provimento 65 CNJ); 7) Execução extrajudicial da Alienação fiduciária no Registro de Imóveis (Lei 9.514/97), 8) Adjudicação Compulsória (Provimento 149 do CNJ), 9) Protesto para fins de execução fiscal (STF), assim como outros.

Muitas pessoas possuem uma percepção equivocada sobre a função desenvolvida pelos cartórios, que tem como premissa proporcionar celeridade e segurança aos atos jurídicos, e não como muitos pensam tratar-se de burocracia sem utilidade. A tendência da desjudicialização é o exemplo que melhor ilustra a eficiência e agilidade demonstrada pela atuação dos cartórios.

Diogo Melo é tabelião em Andradina, formado em Direito pela Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC)

Fonte: ANOREG/SP.

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ARTIGO – AS FÉRIAS, O BEBÊ DE ROSEMARY E O PROVIMENTO CG 18/24 DO TJ/SP – Marcos Rogério Orita

Veja, ao final, a legenda da foto.

AS FÉRIAS, O BEBÊ DE ROSEMARY E O PROVIMENTO CG 18/24 DO TJ/SP

No filme de terror “O Bebê de Rosemary”, este, o bebê, não é mostrado ao espectador. O famoso diretor de cinema Roman Polanski mantém o suspense do começo ao fim do filme e não mostra a semente do Diabo. Mas na aplicação retroativa do Provimento 18/24, quem procurar vai encontrar a semente do Diabo nas férias retidas dos empregados de Cartórios.

Imagine que um certo titular de Cartório, cujo nome é Samuel, tenha renunciado à sua delegação em outubro/2023, para assumir um novo Cartório. Imagine que por ocasião da renúncia, Gabriel, escrevente exemplar da antiga delegação, já tivesse adquirido o direito de gozo de um período completo de férias. Bem, com a aplicação retroativa do Provimento 18/24, como preconizado pela CGJ, sem levar em conta provisionamento e custódia no Balanço de Transmissão (atos consumados anteriormente à edição do Provimento), Gabriel será obrigado a receber uma indenização do antigo titular e perderá o direito de gozo das férias. Vamos imaginar que Gabriel tivesse gozado férias em julho de 2022, no inverno, e estava com a expectativa de gozar férias no verão, em janeiro de 2024. Se as férias forem indenizadas pelo antigo titular, Samuel, por aplicação retroativa do Provimento CG 18/24, o fiel e dedicado escrevente Gabriel, que já ficou sem férias em 2023, também ficará sem férias em 2024.

Segue o jogo. O Estado assumiu diretamente a gestão do Cartório em outubro de 2023, após a renúncia do antigo titular Samuel. Naquela data teve início a contagem de um novo período aquisitivo de férias, e Gabriel, conformado diante da situação, vai contando os dias na expectativa de tirar férias no verão, em janeiro/2025. É certo que em novembro/2024 completar-se-á o período aquisitivo de férias durante a gestão do Estado, e o Interino poderá fazer Gabriel esperar mais 12 meses para conceder as férias, sob a alegação de que a lei assim permite. E a vida segue com Gabriel sem férias. Pelo andar da carruagem, com o 13º Concurso em andamento, tudo indica que o novo titular do Cartório assumirá a delegação em julho/2025. Se isso ocorrer, e o Estado rescindir todos os contratos de trabalho dos empregados de Cartório sob vacância, conforme o Provimento CG 18/24, Gabriel receberá novamente indenização, mas perderá o direto de gozo de férias.

Gabriel é um colaborador exemplar e não pretende reclamar. Suportará prejuízo físico e emocional, e aguardará pacientemente o início de um novo período de aquisição do direito de gozo de férias perante o novo titular do Cartório. Assim, em julho/2025 terá início a contagem do período aquisitivo de férias perante o novo delegatário, e em julho/2026 se completará a aquisição do direito de gozo das férias. Ufa! Finalmente Gabriel vai poder desfrutar de merecidas férias. Calma! A via dolorosa talvez não venha a terminar aí, pode se prolongar. Porque o novo titular do Cartório pode conceder as férias do Gabriel até 12 meses depois que se completar o período aquisitivo. Mas vamos considerar que o novo patrão é bonzinho e venha a conceder as férias seis meses após o período aquisitivo. Assim, finalmente, por obra e graça do Provimento CG nº 18/24, Gabriel poderá gozar as merecidas férias no verão, em janeiro/2027.

Tomando-se como exemplo a saga do nosso personagem Gabriel, mesmo sem a criatividade de Roman Polanski, não é difícil extrair a conclusão e constatação acerca do imbróglio imposto pelo Provimento 18/24: Gabriel ficou sem férias em 2023 e ficará sem férias em 2024, 2025 e 2026. Cabe então a pergunta: O que a Justiça do Trabalho achará disso tudo? Polanski valorizou o suspense e não mostrou o bebê de Rosemary no cinema, mas o Provimento CG 18/24 não pode esconder o seu bebê de Rosemary. Ele tem nome, é cruel por ferir direitos trabalhistas e está à mostra para quem quiser ver. A semente do Diabo tem nome, chama-se Férias retidas, e tem como pai o Provimento CG nº 18/24. E o tamanho do imbróglio vai muito além de um bebê, é um verdadeiro Frankstein. Quem vai segurar essa encrenca na Justiça do Trabalho? O Interino, o antigo titular, o novo titular, o CNJ ou a mãe da criança? Esperemos a marcha dos acontecimentos. A Justiça do Trabalho está com a palavra final, em quem se deposita a esperança e a concretização da justiça. Que as respostas venham sem demora.

E o que podemos aprender com o Gabriel desta sátira ou crônica? No mínimo, extrair a lição de que até mesmo o Estado, quando for encerrar o período de interinidade, terá de adotar e se submeter ao Balanço de Transmissão, quanto ao período de férias adquirido e ainda não gozado, para não causar dano irreparável aos empregados de Cartório que permanecerem no emprego. E, com muito maior razão, não pode o Estado passar por cima e ignorar o Balanço de Transmissão imposto aos delegatários renunciantes, em sucessões ocorridas anteriormente à edição do Provimento 18/24, conforme o Comunicado CG nº 710/2023, cabendo ao Estado, empregador, honrar e conceder as férias de que já recebeu o terço constitucional e respectivos encargos do antigo delegatário. Porque, salário de férias sem terço constitucional passa a ser salário comum como o de qualquer mês de trabalho, cujo pagamento incumbe ao empregador atual.

O autor, Marcos Rogério Orita, Sócio do escritório Orita Advogados, desde 2003. Mestre em Administração. Pós-graduado em Responsabilidade Civil pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Tributário pela COGEAE/PUC/SP. Graduou-se em Direito pela FMU, em 1998. Foi professor universitário nas disciplinas de Direito Civil, Empresarial, Processo Civil e Tributário da UNINOVE, entre 2017 a 2019. Desde 2020 é professor universitário nas disciplinas de Direito Civil, Empresarial, Processo Civil, Tributário e Oratória no Centro Universitário São Roque, onde, atualmente, também é coordenador do curso.

LEGENDA DA FOTO: Gabriel em um labirinto de calendários: Gabriel está no centro de um labirinto feito inteiramente de calendários gigantes. Cada parede do labirinto é formada por páginas de calendário marcando os meses e anos de 2023 a 2027. Em cada ponto onde ele tenta avançar, as paredes de calendários bloqueiam seu caminho, simbolizando os obstáculos repetidos e o adiamento das férias.

No topo das páginas de calendário, há várias mãos segurando carimbos de “Indenizado” e “Adiado”, representando as decisões que impactam Gabriel. A expressão de Gabriel é de frustração e cansaço, enquanto ele tenta encontrar uma saída. No centro do labirinto, há um único ponto de luz representando a esperança de finalmente tirar férias, mas o caminho até lá é tortuoso e incerto.

Essa imagem visualiza a sensação de estar preso em uma situação repetitiva e frustrante, com o tempo e as circunstâncias sempre agindo contra o personagem.

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Os treze equívocos do Provimento 141 do CNJ- Dra. Priscila Agapito*

Em 16 de março de 2023, o CNJ baixou o Provimento 141/16, alterando o Prov. 37/2014, para supostamente atualizá-lo de acordo com a lei 14.382 de 27/06/2022. Já não bastassem todas as críticas tecidas à esta famigerada lei, que tenta emprestar aos registradores civis atribuições civilmente notariais, esse provimento foi muito mais além e exacerbou em, muito, o texto de lei, senão, vejamos:

1. O artigo 94-A da Lei 6.015/73 não permite a dissolução de união estável por termo declaratório lavrado por RCPN, o provimento previu.

2. Há inconstitucionalidade na inclusão do artigo 94-A na Lei 6.015/73 pela Medida Provisória 1.085/01, pois uma MP não pode tratar de matéria de processo civil.

3. A Emenda 320 que incluiu o artigo 94-A na Lei 6.015/73 foi feita com a intenção de dar registro aos termos declaratórios de união estável para gerar publicidade e efeitos perante terceiros e não para que registradores civis pudessem formalizar contratos.

4. A criação da atribuição de termo de dissolução de união estável para o Registro Civil das Pessoas Naturais é competência privativa da União, conforme a Constituição Federal.

5. O provimento não pode estender os efeitos do artigo 733 do CPC para atos sujeitos que não são disciplinados no texto legal.

6. O provimento permite a mudança de regime de bens e partilha de união estável sem decisão judicial, o que fere o artigo 734 do CPC e a regra de competência que atribui a dissolução e partilha de união estável aos tabeliães de notas, nos termos do artigo 733 do CPC.

7. A dissolução e partilha de união estável é atribuição dos tabeliães de notas e do foro judicial, nos termos da Lei 8.935/95 e do artigo 733 do Código de Processo Civil.

8. O provimento não pode estabelecer a livre escolha do Oficial de Registro de Pessoas Naturais, pois feriria as regras de competências da Lei 6.015/73 que delimitam a competência por espécie de ato. Este é um dos maiores absurdos deste provimento.

9. O provimento legisla sobre direito tributário, criando regras de cobrança para o termo de dissolução de união estável, o que fere o artigo 236, §2º, e a Lei 10.169/01 que o regulamenta. Emolumentos têm natureza jurídica de taxa e assim sendo, são criados por lei, não por provimento do CNJ.

10. Com relação à escolha do regime de bens, o provimento fere termos estabelecidos pelo artigo 1.640, parágrafo único, que exige escritura pública perante o Serviço Notarial para se estabelecer regime diverso da comunhão parcial de bens.

11. A norma se omite quanto à aplicação do regime da separação obrigatória de bens quando existente causa suspensiva, nos termos estabelecidos pelo artigo 1.641, I, norma também constante das disposições gerais dos regimes de bens, além do disposto em outra norma geral dos regimes de bens, o artigo 1.641, II, que obriga o regime da separação obrigatória à pessoa maior de 70 anos que constitui união estável.

12. Os oficiais do registro civil não detêm a competência legal para formalizar a vontade jurídica das partes, como se vê claramente na Lei 8.935/1994, regulamentadora da Constituição Federal.

13. Os registradores civis de pessoas naturais não têm obrigação de fiscalizar o imposto de transmissão, gerando risco de evasão fiscal quando houver a dita partilha por força de dissolução de união estável no registro civil. Vide CTN: Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

Esses treze pontos não esgotam a matéria, são apenas uma primeira e perfunctória análise feita em dez dias da publicação do dito provimento.

Há que se ter ética. Há que se obedecer ao sistema legal.

Como se diz popularmente, “cada macaco no seu galho”. As instituições notariais existem há milênios e merecem respeito. Um provimento não pode, por si derrubar a lei civil, a lei de registros públicos e uma instituição milenar. Desde que o mundo é mundo, registrador civil REGISTRA fatos já pré-existentes. O bebê nasceu, ele registra. O juiz de paz celebrou o casamento, ele registra. O indivíduo morreu, ele registra. O tabelião de notas é o profissional que formaliza a vontade das partes. É o tabelião que faz contratos.

Nas palavras da tabeliã Daniela Bellaver, triste mesmo é ver a antropofagia dentro da própria classe.

O caminho para se tornar um tabelião de notas é árduo e passa por um concurso público.

Não podemos aceitar sermos turbados em nossas atribuições desta maneira.

O certo continua sendo certo, mesmo que todo mundo esteja fazendo errado.

* Por Dra. Priscila Agapito, tabeliã de Notas em São Paulo capital, diretora do IBDFAM Nacional e SP.


Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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