ARTIGO – AS FÉRIAS, O BEBÊ DE ROSEMARY E O PROVIMENTO CG 18/24 DO TJ/SP – Marcos Rogério Orita


  
 

Veja, ao final, a legenda da foto.

AS FÉRIAS, O BEBÊ DE ROSEMARY E O PROVIMENTO CG 18/24 DO TJ/SP

No filme de terror “O Bebê de Rosemary”, este, o bebê, não é mostrado ao espectador. O famoso diretor de cinema Roman Polanski mantém o suspense do começo ao fim do filme e não mostra a semente do Diabo. Mas na aplicação retroativa do Provimento 18/24, quem procurar vai encontrar a semente do Diabo nas férias retidas dos empregados de Cartórios.

Imagine que um certo titular de Cartório, cujo nome é Samuel, tenha renunciado à sua delegação em outubro/2023, para assumir um novo Cartório. Imagine que por ocasião da renúncia, Gabriel, escrevente exemplar da antiga delegação, já tivesse adquirido o direito de gozo de um período completo de férias. Bem, com a aplicação retroativa do Provimento 18/24, como preconizado pela CGJ, sem levar em conta provisionamento e custódia no Balanço de Transmissão (atos consumados anteriormente à edição do Provimento), Gabriel será obrigado a receber uma indenização do antigo titular e perderá o direito de gozo das férias. Vamos imaginar que Gabriel tivesse gozado férias em julho de 2022, no inverno, e estava com a expectativa de gozar férias no verão, em janeiro de 2024. Se as férias forem indenizadas pelo antigo titular, Samuel, por aplicação retroativa do Provimento CG 18/24, o fiel e dedicado escrevente Gabriel, que já ficou sem férias em 2023, também ficará sem férias em 2024.

Segue o jogo. O Estado assumiu diretamente a gestão do Cartório em outubro de 2023, após a renúncia do antigo titular Samuel. Naquela data teve início a contagem de um novo período aquisitivo de férias, e Gabriel, conformado diante da situação, vai contando os dias na expectativa de tirar férias no verão, em janeiro/2025. É certo que em novembro/2024 completar-se-á o período aquisitivo de férias durante a gestão do Estado, e o Interino poderá fazer Gabriel esperar mais 12 meses para conceder as férias, sob a alegação de que a lei assim permite. E a vida segue com Gabriel sem férias. Pelo andar da carruagem, com o 13º Concurso em andamento, tudo indica que o novo titular do Cartório assumirá a delegação em julho/2025. Se isso ocorrer, e o Estado rescindir todos os contratos de trabalho dos empregados de Cartório sob vacância, conforme o Provimento CG 18/24, Gabriel receberá novamente indenização, mas perderá o direto de gozo de férias.

Gabriel é um colaborador exemplar e não pretende reclamar. Suportará prejuízo físico e emocional, e aguardará pacientemente o início de um novo período de aquisição do direito de gozo de férias perante o novo titular do Cartório. Assim, em julho/2025 terá início a contagem do período aquisitivo de férias perante o novo delegatário, e em julho/2026 se completará a aquisição do direito de gozo das férias. Ufa! Finalmente Gabriel vai poder desfrutar de merecidas férias. Calma! A via dolorosa talvez não venha a terminar aí, pode se prolongar. Porque o novo titular do Cartório pode conceder as férias do Gabriel até 12 meses depois que se completar o período aquisitivo. Mas vamos considerar que o novo patrão é bonzinho e venha a conceder as férias seis meses após o período aquisitivo. Assim, finalmente, por obra e graça do Provimento CG nº 18/24, Gabriel poderá gozar as merecidas férias no verão, em janeiro/2027.

Tomando-se como exemplo a saga do nosso personagem Gabriel, mesmo sem a criatividade de Roman Polanski, não é difícil extrair a conclusão e constatação acerca do imbróglio imposto pelo Provimento 18/24: Gabriel ficou sem férias em 2023 e ficará sem férias em 2024, 2025 e 2026. Cabe então a pergunta: O que a Justiça do Trabalho achará disso tudo? Polanski valorizou o suspense e não mostrou o bebê de Rosemary no cinema, mas o Provimento CG 18/24 não pode esconder o seu bebê de Rosemary. Ele tem nome, é cruel por ferir direitos trabalhistas e está à mostra para quem quiser ver. A semente do Diabo tem nome, chama-se Férias retidas, e tem como pai o Provimento CG nº 18/24. E o tamanho do imbróglio vai muito além de um bebê, é um verdadeiro Frankstein. Quem vai segurar essa encrenca na Justiça do Trabalho? O Interino, o antigo titular, o novo titular, o CNJ ou a mãe da criança? Esperemos a marcha dos acontecimentos. A Justiça do Trabalho está com a palavra final, em quem se deposita a esperança e a concretização da justiça. Que as respostas venham sem demora.

E o que podemos aprender com o Gabriel desta sátira ou crônica? No mínimo, extrair a lição de que até mesmo o Estado, quando for encerrar o período de interinidade, terá de adotar e se submeter ao Balanço de Transmissão, quanto ao período de férias adquirido e ainda não gozado, para não causar dano irreparável aos empregados de Cartório que permanecerem no emprego. E, com muito maior razão, não pode o Estado passar por cima e ignorar o Balanço de Transmissão imposto aos delegatários renunciantes, em sucessões ocorridas anteriormente à edição do Provimento 18/24, conforme o Comunicado CG nº 710/2023, cabendo ao Estado, empregador, honrar e conceder as férias de que já recebeu o terço constitucional e respectivos encargos do antigo delegatário. Porque, salário de férias sem terço constitucional passa a ser salário comum como o de qualquer mês de trabalho, cujo pagamento incumbe ao empregador atual.

O autor, Marcos Rogério Orita, Sócio do escritório Orita Advogados, desde 2003. Mestre em Administração. Pós-graduado em Responsabilidade Civil pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Tributário pela COGEAE/PUC/SP. Graduou-se em Direito pela FMU, em 1998. Foi professor universitário nas disciplinas de Direito Civil, Empresarial, Processo Civil e Tributário da UNINOVE, entre 2017 a 2019. Desde 2020 é professor universitário nas disciplinas de Direito Civil, Empresarial, Processo Civil, Tributário e Oratória no Centro Universitário São Roque, onde, atualmente, também é coordenador do curso.

LEGENDA DA FOTO: Gabriel em um labirinto de calendários: Gabriel está no centro de um labirinto feito inteiramente de calendários gigantes. Cada parede do labirinto é formada por páginas de calendário marcando os meses e anos de 2023 a 2027. Em cada ponto onde ele tenta avançar, as paredes de calendários bloqueiam seu caminho, simbolizando os obstáculos repetidos e o adiamento das férias.

No topo das páginas de calendário, há várias mãos segurando carimbos de “Indenizado” e “Adiado”, representando as decisões que impactam Gabriel. A expressão de Gabriel é de frustração e cansaço, enquanto ele tenta encontrar uma saída. No centro do labirinto, há um único ponto de luz representando a esperança de finalmente tirar férias, mas o caminho até lá é tortuoso e incerto.

Essa imagem visualiza a sensação de estar preso em uma situação repetitiva e frustrante, com o tempo e as circunstâncias sempre agindo contra o personagem.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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