Processo 1183773-22.2023.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – R. D. P. P. – Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter apenas o óbice quanto à base de cálculo do imposto de transmissão devido, determinando, ainda, a requalificação do título ante a necessidade de registro da carta de sentença, o que não foi analisado nas notas devolutivas emitidas. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: G.B.G.S. (OAB (…)/SP), V.G.T.G. (OAB (…)/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1183773-22.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: R. D. P. P.
Requerido: (…)º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por R. D. P. P. em face do Oficial do (…)º Registro de Imóveis da Capital, diante de negativa de ingresso registral de instrumento particular de cessão de direitos denominado “Instrumento Aditivo”, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 84.962 daquela serventia.
A parte alega que foi casada com G. H. A. S. pelo regime da comunhão parcial de bens; que, na constância do casamento, o casal adquiriu o imóvel da matrícula n. 84.962 do (…)º Registro de Imóveis da Capital, mediante contrato de financiamento imobiliário com alienação fiduciária celebrado com o Banco Bradesco, em 02 de dezembro de 2019; que, por meio do referido contrato, o credor fiduciário concedeu crédito aos devedores fiduciantes no valor total de R$ 167.000,00 para pagamento em 360 prestações mensais e consecutivas, vencendo-se a primeira em 17 de janeiro de 2020; que o casal divorciou-se judicialmente em outubro de 2021 (processo n. 1007631-68.2021.8.26.0704 ), e, na partilha dos bens comuns, foi convencionado que o imóvel ficaria integralmente para a requerente, juntamente com o contrato de financiamento; que, no momento do divórcio, haviam sido pagas 21 prestações, no valor equivalente a R$ 32.321,12, de modo que o efetivo direito de aquisição de cada parte importava o montante de R$ 16.160,56; que, após, os devedores fiduciantes formalizaram instrumento particular de cessão de direitos denominado “Instrumento Aditivo” com o credor fiduciário, em que consignaram a cessão, a título gratuito, dos direitos de G. H. A. S. para a requerente.
A requerente sustenta que apresentou o título “Instrumento Aditivo” a registro, contudo, o ingresso registrário foi obstado por nota devolutiva que exigiu a apresentação de guia de recolhimento do ITBI, tomando-se como base ou o valor da cessão dos direitos reais expectativos de aquisição sobre 50% do imóvel ou o valor venal de referência municipal, prevalecendo o que for maior; que a exigência de ITBI é indevida, pois a cessão de direitos aquisitivos de imóvel a título gratuito caracteriza doação, passível da tributação através do ITCMD, e não do ITBI; que, deste modo, o imposto devido para o registro do título é o ITCMD, tendo como base os efetivos direitos que as partes possuíam sobre o bem, no valor de R$ 16.160,56, e não como constou na nota devolutiva (fls. 01/04).
Documentos vieram às fls. 05/31.
A decisão de fls. 32/33 determinou a comprovação de prenotação válida, o que foi atendido pela parte (fls. 50/51).
O Oficial manifestou-se, informando que a suscitante pretende o reconhecimento de que o imposto devido para ingresso de instrumento particular de cessão de direitos denominado “Instrumento Aditivo”, no qual adquiriu a totalidade dos direitos de devedor fiduciante de seu ex-cônjuge é o ITCMD, tendo como base de cálculo do referido imposto o valor efetivamente desembolsado pelos devedores para o pagamento das respectivas prestações, na constância do casamento; que reconhece que, de fato, houve a cessão dos direitos de devedor fiduciante em favor da suscitante de forma gratuita, ou seja, sem contraprestação de valores pecuniários ou de bens próprios, o que caracteriza doação e, consequentemente, a incidência de ITCMD; que nos casos de cessão de direitos de devedor fiduciante, o valor que serve como base de cálculo do tributo é o resultado positivo da subtração entre o valor venal de referência do imóvel e o valor restante para quitação do financiamento, segundo entendimento da Fazenda do Estado em resposta à Consulta Tributária n. 23414/2021, que cuidou de situação idêntica ao aqui tratado (fls. 39/43).
Em esclarecimentos adicionais, o Oficial informou que a suscitante deixou de apresentar guia e respectivo comprovante de recolhimento do imposto devido pela aquisição da fração ideal dos direitos de devedor fiduciante e que o valor que serve como base de cálculo do ITCMD é o resultado positivo da subtração entre o valor venal de referência do imóvel e o valor restante para quitação do financiamento (fls. 61/65). Juntou documentos (fls. 66/84).
O Ministério Público entendeu prejudicada a dúvida, e, no mérito, opinou pela manutenção do óbice (fls. 91/93).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
O Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
No mérito, a dúvida é procedente em parte.
De acordo com a inicial, por ocasião da homologação judicial do divórcio do casal, além de declarar a dissolução do vínculo conjugal, a sentença também homologou o acordo de partilha apresentado pelos divorciandos, segundo o qual o varão abriu mão dos direitos aquisitivos sobre o imóvel adquirido durante a união conjugal em favor de R.., enquanto R.. se responsabilizou pelas despesas do financiamento garantido por alienação fiduciária do imóvel.
No caso, a requerente busca o ingresso registral de instrumento particular de cessão de direitos denominado “Instrumento Aditivo”, pelo qual o credor fiduciário manifestou expressa anuência com a cessão de direitos operada pelo devedor fiduciante G. e a consequente assunção da posição contratual de devedora fiduciante, com exclusividade, por R…
Diante deste quadro, extraem-se três situações jurídicas correlacionadas:
a) o divórcio do casal com a alteração do estado civil; b) a partilha do patrimônio comum, constituído pelo direito real de aquisição de ambos os cônjuges sobre o imóvel da matrícula n. 84.962 do (…)º Registro de Imóveis da Capital, com a consequente cessão, a título gratuito, da cotitularidade do direito real de G. para R..; c) a anuência expressa do credor fiduciário, manifestada no “instrumento aditivo”, com a cessão de direitos operada pelo devedor fiduciante G. e a assunção da posição contratual de devedora fiduciante por R.., com exclusividade.
Por primeiro, nos termos do art. 167, II, “14”, da LRP, a alteração do estado civil do proprietário e titular de direito real na matrícula sempre será objeto de averbação no fólio real, em observância ao princípio da especialidade subjetiva.
Por segundo, quando o divórcio do casal envolver partilha de bens, além da averbação da alteração do estado civil, impõe-se o registro da partilha do patrimônio para constituir a transmissão e divisão de patrimônio imobiliário com a atribuição de quinhões ou bens a cada um dos cônjuges.
Vale dizer, no contexto em que há partilha de bens com transmissão de direito real de aquisição de propriedade de imóvel, a carta de sentença do divórcio deve ser objeto de registro, na forma do artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.
Neste sentido, as notas explicativas do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo (destaque nosso):
“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
a) o registro de:
(…)
23. atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha (Livro 2);
NOTA: A escritura pública de separação ou divórcio e a sentença de separação judicial, divórcio ou que anular o casamento só serão objeto de registro quando versar sobre a partilha de bens imóveis ou direitos reais registrários.
(…)
b) a averbação de:
(…) 14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;
NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio ‘pro indiviso'”.
O objetivo da nota inserida nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é orientar quanto à providência a ser tomada diante da apresentação de título judicial que altere o estado civil do proprietário tabular.
Na espécie, não se tem notícia da carta de sentença de divórcio e partilha de bens.
Como se sabe, os atos atributivos ou declaratórios da propriedade ou de direito real de imóvel são objeto de registro em sentido estrito (art. 167, I, “25”, da LRP).
Essa questão foi resolvida em consulta formulada pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil ao então juiz desta 1ª Vara de Registros Públicos, Dr. José de Mello Junqueira, no processo de autos n.124/1981, cujo resultado esclareceu o seguinte:
“(…) Pela averbação faz-se apenas mudanças de acréscimos ou sinalizações ao objeto (construção, numeração) ou ao título (reratificação) ou circunstâncias de alteração de nome e restabelecimento de sociedades conjugais e outras. Não é lícito alterarlhe a destinação e finalidade dada pelo sistema registrário. (…) As sentenças de separação judicial, divórcio e de nulidade ou anulação de casamento, quando partilharem, concomitantemente, os bens do casal contém, em verdade, dois dispositivos distintos: um ordenamento sobre a situação de estado das pessoas envolvidas e outro sobre o domínio dos bens, como consequência ao ordenamento primeiro. Expede-se no caso um formal de partilha, instrumento próprio que documenta o ato judicial a divisão dos bens, como ocorre nas transmissões “causa mortis”. Não importa o Ofício de Justiça expedir um mandado ou uma carta de sentença, ao invés do formal de partilha. O rótulo não desnatura a natureza do título. Partilhado os bens, o instrumento que documenta esse ato judicial é um formal de partilha, qualquer que seja o título que o encabeça, devendo conter, para se aperfeiçoar, todas as formalidades exigidas em lei. Tratando-se de um formal de partilha, o registrador deverá registrá-lo (inscrevê-lo) por força do número 25, inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73. É preciso que o Oficial do Registro atente para o conteúdo da decisão, examinando a ocorrência ou não da partilha dos bens, principalmente se o instrumento expedido pelo Juízo da Família contiver o nome de mandado ou carta de sentença
(…)”.
Na hipótese vertente, como o direito real de aquisição da propriedade foi adquirido pelo casal na constância do matrimônio contraído sob o regime da comunhão parcial de bens, além da averbação do divórcio, é imprescindível o registro da partilha de bens para a constituição da atribuição da co-titularidade do direito real de G. , de modo a tornar R.. a titular exclusiva do direito real.
À luz do que dispõe o artigo 1.368-B do Código Civil:
“Art. 1.368-B – A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor.”
Como nos ensina o eminente Desembargador Francisco Eduardo Loureiro, ao comentar referido dispositivo legal:
“A titularidade pelo devedor fiduciante de direito real de aquisição, que se converterá em propriedade plena tão logo solva a obrigação garantida, gera relevantes consequencias jurídicas. Tem o devedor fiduciante a seu favor ações reais, fundadas não somente na posse direta (jus possessionis) como também no seu direito real de aquisição (jus possidendi), inclusive ação reivindicatória, contra quem quer que viole tal prerrogativa, inclusive contra o credor fiduciário. Além disso, esse direito é transmissível inter vivos e causa mortis, e suscetível de ser penhorado, arrestado e sequestrado, porquanto é atual e tem valor econômico” (Moreira Alves, obra citada, p. 178)”. (Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso, Ed. Manole, 2017, p. 1348)
Inquestionável, assim, a existência de transmissão de co-titularidade do direito real de aquisição de propriedade entre cônjuges, que só se constituirá em favor de R.., no caso, com o registro da carta de sentença que definiu a partilha.
Por terceiro, para além disso, a Lei n. 9.514/97, ao tratar da transmissão dos direitos que recaem sobre o imóvel alienado fiduciariamente, estabelece a obrigatoriedade de intervenção do credor fiduciário, assim como o item 232, Cap. XX, das NSCGJ:
“Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.
“232. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante”.
Desta feita, a cessão de direitos do devedor fiduciante deve necessariamente ser levada ao registro imobiliário, com caráter constitutivo, para converter a relação meramente obrigacional em direito real de aquisição.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça determinam, ainda, que o título que instrumentaliza essa cessão de direitos e obrigações no âmbito da alienação fiduciária, com a expressa anuência do credor fiduciário, deve ingressar na matrícula por ato de averbação:
233. O título de transferência de direitos e obrigações será averbado na matrícula do imóvel, cabendo ao Oficial observar a regularidade do recolhimento do imposto de transmissão.
Em vista disso, esclareço que o recebimento do presente feito como dúvida não se funda no óbice exposto na nota devolutiva que adiou o assentamento do “instrumento aditivo”, o qual, se praticado, demandaria ato de averbação apto a justificar pedido de providências.
A suscitação de dúvida mostra-se a via adequada porque, havendo notícia de divórcio, de partilha de patrimônio conjugal e de cessão de direitos aquisitivos sobre o imóvel adquirido durante o casamento, a nota devolutiva deveria ter exigido a apresentação da carta de sentença para registro (em sentido estrito) na matrícula do imóvel.
Na qualificação registral do título, deveria ter sido identificada a imprescindibilidade do registro da carta de sentença, o que não ocorreu, à vista da certidão atualizada da matrícula do imóvel e das notas devolutivas emitidas.
É dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado. Havendo exigências de qualquer ordem, deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, de forma clara e objetiva, para que o interessado possa satisfazê-las ou requerer a suscitação de dúvida ou procedimento administrativo (item 38, Cap. XX, das NSCGJ).
Pese embora a constatação da falha na qualificação registral, não há possibilidade de qualquer investigação de responsabilidade funcional, em razão da recente extinção da delegação afeta ao (…)º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.
Superada a questão da imprescindibilidade do registro da carta de sentença de divórcio e partilha, cumpre analisar a hipótese de incidência do imposto de transmissão devido.
Na ação de divórcio, os divorciandos, ao acordarem em atribuir a integralidade do direito real de aquisição de propriedade de imóvel para um dos cônjuges, propiciaram desproporção entre as meações, o que caracterizou excesso, que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa.
A transmissão onerosa de bens imóveis, como é sabido, constitui fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal. E a transmissão gratuita de bens e direitos é fato gerador do Imposto de Transmissão Causa Mortis e de Doação (ITCMD), de competência estadual.
Em outras palavras, tratando-se de transmissão “inter vivos”, a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel, incide ITBI, de competência do Município; cuidando-se de transmissão gratuita de bens ou direitos, decorrente de sucessão “causa mortis” ou de doação, incide ITCMD, de competência dos Estados.
No caso dos autos, diante do excesso de meação sem correspondente compensação financeira com outros bens e direitos do acervo do casal, configurando a transmissão gratuita de direito real de aquisição de propriedade de imóvel, mostra-se justificada a exigência do Oficial pela apresentação do comprovante do pagamento do ITCMD.
Nesse sentido:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título. (TJSP; Apelação Cível 1112232-31.2020.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 16/06/2021; Data de Registro: 21/06/2021, g.n.)
Nesta senda, uma vez constatada a cessão gratuita de direito real de aquisição de propriedade de imóvel pertencente a um dos ex-cônjuges em favor do outro, mostrasse devida a incidência de ITCMD na operação translativa, nos termos do artigo 2º da Lei Estadual n. 10.705/00:
Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:
I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;
II – por doação.
(…)
§ 5º. Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.
A prova do recolhimento do ITCMD ou de sua isenção tem amparo na Lei Estadual n. 10.705/00 (artigo 2º, inciso I, e artigo 8º, inciso I), no Decreto Estadual n. 46.655/02 (artigos 21 e seguintes), bem como na Portaria CAT n. 89/20 (artigo 12).
Assim, para ingresso do título no fólio real, impõe-se prévia homologação da declaração feita à Secretaria da Fazenda Estadual, a quem incumbe a fiscalização do recolhimento do ITCMD (base de cálculo utilizada), com comprovação do recolhimento eventualmente devido (artigos 2º, II, § 5º, e 11, § 2º, da Lei Estadual n. 10.705/00).
Como se sabe, para os registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).
Correta, portanto, a fiscalização realizada no caso (exigência de recolhimento do imposto de transmissão cabível).
Por quarto, no tocante à base de calculo do ITCMD, cumpre mencionar que o valor atribuído aos bens negociados pelas partes não é relevante para fins tributários.
Embora, subjetivamente, o valor intrínseco dos bens possa variar bastante, para efeitos tributários, a expressão econômica dos bens negociados é essencial para a fixação de uma base de cálculo objetiva, que não pode variar conforme a conveniência dos contratantes.
Note-se que tanto o fato gerador dos tributos como sua base de cálculo são fixados por lei e, ao atribuir aleatoriamente um valor fiscal à operação, os contratantes afetariam o valor devido.
Conforme disposto no artigo 9º da Lei Estadual n. 10.705/00, “a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido (…)”, considerando-se o valor de mercado na data da abertura da sucessão ou da realização do contrato de doação.
Nesse contexto, para aferição da base de cálculo do ITCMD incidente, deve-se levar em consideração o valor resultante da diferença entre o valor venal do imóvel e o valor restante para quitação das obrigações garantidas pela alienação fiduciária, conforme entendimento firmado pelo Fisco Estadual na Consulta Tributária n. 23414/2021, de 16 de junho de 2021, cuja ementa transcrevo a seguir (destaques nossos):
ITCMD – Partilha de bens em divórcio consensual com imóveis alienados fiduciariamente – Excesso de meação – Base de Cálculo – Limite de isenção.
I. O excesso de meação ocorrido de forma gratuita no divórcio consensual configura doação em favor do cônjuge que o recebe e se sujeita à incidência do imposto.
II. Na transmissão de direitos decorrentes de contrato de alienação fiduciária, as parcelas vincendas, na data do fato gerador, não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido.
III. O valor venal do direito transmitido é o valor positivo obtido da subtração entre o valor venal do próprio bem e o valor total que seria necessário para dar quitação às obrigações do contrato.
IV. Caso o valor a ser doado seja inferior a 2.500 UFESP e não tenha havido outras doações entre os mesmos doador e donatária no mesmo ano civil, a transmissão por doação fica isenta do imposto.
Segundo os fundamentos expostos pelo Fisco Estadual na referida consulta tributária:
“8. Feita essa consideração inicial, frise-se que na hipótese de doação de bem imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária não quitado, o que se transmite ao donatário são os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária e não a propriedade do bem. Dessa forma, como ao fiduciante cabe a posse direta do bem e o direito à propriedade superveniente, após adimplidas todas as obrigações contratuais, são esses os direitos transferidos ao donatário, que também assume as obrigações não cumpridas do contrato.
9. Nesse contexto, consigne-se que as parcelas não vencidas até a realização do ato ou contrato de doação, data do fato gerador, não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido nesta hipótese (que é o direito decorrente do contrato), na forma prevista pelo artigo 14 do Decreto 46.655/ 2002 (RITCMD), uma vez que, como já assinalado, não houve, nesse caso, a transmissão do próprio bem ao donatário.”
(…)
12. Nesse ponto, observe-se que, caso seja considerado, como valor do direito transmitido, a simples somatória das parcelas pagas pelo transmitente até a data do fato gerador, corre-se o risco de quantificar esse direito desproporcionalmente ao valor venal do próprio bem na mesma data.
13. Dessa forma, para fins do ITCMD, para se determinar o valor venal desse direito, que já traz para aquele que o recebeu a obrigação de pagar as parcelas não vencidas do contrato, devese, em relação à data do fato gerador:
13.1. levantar o valor venal do próprio bem, cujo direito está sendo transmitido (A);
13.2. calcular o valor total que seria necessário para quitar as obrigações do contrato (valor presente à data da doação) (B);
13.3. obtidos tais valores (A e B), o valor venal do direito transmitido será o resultado positivo da subtração entre esses dois valores, ou seja:
Valor do direito= A – B; desde que positivo (A>B)
13.4. caso o valor do direito seja negativo, não haverá direito a ser transferido.”
(…)
15. É importante destacar que, para se saber o valor da meação, não são os bens, individualmente falando, que deverão ser divididos igualmente, mas sim o valor total do patrimônio.
15.1. Nesse caso, para saber o montante do excesso de meação e, consequentemente, a base de cálculo do ITCMD, deverão ser considerados os valores de mercado dos bens e direitos (incluindo os valores dos direitos sobre os bens imóveis objeto de alienação fiduciária, calculados na forma descrita no item 13 desta resposta) que couberam a cada um dos consortes em relação ao valor total do patrimônio partilhado e à meação originariamente devida, independentemente da forma que os bens foram divididos.
16. Caso o valor a ser doado, calculado nos termos indicados nessa resposta, seja inferior a 2.500 UFESP e não tenha havido outras doações entre os mesmos doador e donatária no mesmo ano civil, a transmissão por doação fica isenta do imposto, nos termos do artigo 6º, inciso II, alínea “a” da Lei nº 10.705/2000.”
Como se vê, a autoridade tributária entende que, nos específicos casos que envolvam partilha de bens em divórcio consensual com imóveis alienados fiduciariamente e excesso de meação, com cessão a título gratuito, para a apuração da base de cálculo do ITCMD, o valor venal do direito transmitido é o valor positivo obtido da subtração entre o valor venal do próprio bem e o valor total que seria necessário para dar quitação às obrigações do contrato.
Neste ponto, fica mantida a exigência formulada na nota devolutiva.
Finalmente, advirto o Interino que responde atualmente pelo serviço vago que adote as providências necessárias para a correta e exaustiva qualificação registral de todos os títulos apresentados a registro, com rigorosa observância da lei e das normas de serviço, a fim de evitar qualquer falha.
Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter apenas o óbice quanto à base de cálculo do imposto de transmissão devido, determinando, ainda, a requalificação do título ante a necessidade de registro da carta de sentença, o que não foi analisado nas notas devolutivas emitidas.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de maio de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 21.05.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP
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