Não existe passagem na história dos 20 anos de fundação da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) que não passe pelo nome de Antônio Guedes Netto. Desde a ata de fundação, passando pela compra da sede da entidade, pela instituição do Fundo do Registro Civil, pela criação da tabela de emolumentos e até mesmo por ter vislumbrado, há sete anos atrás a necessidade de criação de uma Central própria para o Registro Civil.
Após 20 anos de dedicação a Arpen-SP e outros 40 voltados inteiramente ao Registro Civil das Pessoas Naturais, o ex-presidente da entidade nos períodos de janeiro de 1998 a dezembro de 1999, janeiro de 2001 a junho de 2001 e janeiro de 2006 a dezembro de 2007, vive agora um pouco mais recluso, deixando de lado a atividade institucional e integrando-se à rotina do 26º Subdistrito da Capital, no bairro da Vila Prudente.
Durante toda uma tarde de entrevista à Arpen-SP, Guedes relembrou os principais momentos da história da entidade e não deixou de abordar assuntos delicados, como concurso público, fundo do registro civil e envolvimento institucional.
Arpen-SP – Como surgiu a iniciativa de fundar a Arpen-SP?
Antônio Guedes Netto – Surgiu em uma reunião na antiga Associação dos Serventuários, hoje Anoreg-SP, que era a entidade que representava a todos nós na época. Sentíamos necessidade de ter um foro adequado para poder debater melhorias para os registradores, afinal, sempre fomos os primos pobres da categoria, e nossa atividade tinha e ainda tem necessidades e peculiaridades que outras não tem. Aquele grupo tinha o ideal de conseguir fazer o Registro Civil avançar e por isso se tornou forte, pois não tinha interesses particulares envolvidos, negócios próprios. Era um grupo que visava trabalhar institucionalmente pela classe e foi isso que fizemos. Fundamos uma entidade para termos representatividade e trabalharmos pelo Registro Civil.
Arpen-SP – Quais foram as principais dificuldades no início da Arpen-SP?
Antônio Guedes Netto – Enfrentamos as dificuldades estruturais de uma associação que estava começando. Não tinha capital, não tinha sede, não tinha recursos humanos, mas tinha pessoas com vontade de trabalhar e isso foi essencial para ter dado certo. Cada um doou um pouco do seu tempo em uma determinada ação, para que assim todos pudéssemos crescer. A Marlene (Marchiori) cedeu o cartório, o Lázaro se dedicou a parte de informatização, o Oscar trabalhou comigo na parte legislativa, outros colaboraram financeiramente, a Geny cuidou de fazer um jornal, a Bia nos ajudou junto ao Judiciário, o Mateus, o Flávio, o Odélio, o Mário Migotto, a Ilzete, enfim, foram tantos que se doaram um pouco que devo estar esquecendo de vários. Espero que me perdoem. E tem o pessoal do interior, que comprou a ideia da Arpen-SP e veio junto colaborar com o Registro Civil. Dinheiro do próprio bolso e disponibilidade para trabalhar em nome de todos. Só pessoas comprometidas entraram neste barco
Arpen-SP – Como foi conduzir a categoria em São Paulo quando institui-se a gratuidade do Registro Civil?
Antônio Guedes Netto – Este é um momento que eu gostaria de não ter vivido. Queria apagar isso da minha vida. Não pela questão da lei, mas pelo sofrimento que causou em pessoas que eram muito próximas a mim. Um registrador de Campinas teve um infarto e morreu. As pessoas me ligavam chorando de manhã, de tarde e de noite, nos finais de semana. E eu só prometia que iria correr atrás, brigar, e ficava chorando junto com meus colegas. Noites e noites chorando, pensando e elaborando alguma saída para uma situação que parecia o fundo do poço. Parecia não, para nós era o fundo do poço.
Arpen-SP – E como foi possível superar esta situação?
Antônio Guedes Netto – Foi difícil. Primeiro precisávamos fortalecer o Registro Civil em âmbito nacional. Peguei um avião e fui para o Nordeste do Brasil encontrar o Válber (de Azevedo Miranda Cavalcanti, registrador civil em João Pessoa-PB). Juntos, eu e o Válber percorremos todas as capitais do Nordeste fundando as Arpens. Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe, uma a uma. O pessoal já era organizado no Rio Grande do Sul, com o Nino (Canani) e o Calixto (Wenzel), no Paraná estava surgindo e em Santa Catarina tínhamos alguns colegas. O Paulo Risso já era muito atuante em Minas Gerais, tinha o Jefferson, no Espírito Santo, o Jaime Araripe, um batalhador da classe no Ceará, e esse pessoal, junto com os registradores de São Paulo, foram essenciais para dar base para podermos ir a Brasília falar com os deputados e brigar por uma lei.
Arpen-SP – Como se deu a aprovação do Fundo do Registro Civil em Brasília?
Antônio Guedes Netto – Então, precisávamos fazer um trabalho em Brasília, e para isso é preciso muita força política. Foi aí que surgiu o maior parceiro, amigo, um batalhador, que foi o Cláudio Marçal Freire. Sei que alguns o criticam por isso ou por aquilo. Mas para mim é fato: não fosse ele, não teria mais cartório de Registro Civil privado, não teria concurso para estes cartórios e muitos que hoje estão nos cartórios não estariam empregados em suas serventias. Simples assim. O Cláudio Marçal, junto com o Oscar, comigo, e outros mais bolou toda a estratégia jurídica e legislativa para que conseguíssemos primeiro a inclusão da possibilidade de ressarcimento da gratuidade na lei federal, e depois uma lei estadual criando o fundo, que foi aprovada, vetada pelo Governador e depois teve o veto derrubado. Isso só se consegue com muita capacidade, conhecimento e articulação política e o Cláudio conduziu tudo isso brilhantemente. E ainda obtivemos consenso em outros pontos e resolvemos uma situação crítica que havia em São Paulo.
Arpen-SP – Que situação foi esta?
Antônio Guedes Netto – Havia um grande problema no Estado de São Paulo que era a falta de uma lei de emolumentos. Cada um fazia como queria, em cada Comarca as pessoas se reuniam e definiam como fazer. Havia também a inflação e problemas de sustentabilidade. Daí foi que entramos com a proposta de uma tabela de emolumentos reajustada anualmente com base no índice do Estado e conseguimos que interesses diversos, de órgãos distintos, como o Judiciário, o Executivo e o Judiciário convergissem e ficassem ao nosso lado. A partir da tabela de emolumentos, foi possível a conquista do Fundo e a consequente sustentabilidade do Registro Civil.
Arpen-SP – E como vê os pedidos para aumento dos repasses do fundo de custeio aos cartórios deficitários?
Antônio Guedes Netto – Eu vejo isso com muito perigo. Por que o Fundo foi criado por lei, e só através de lei ele pode ser modificado. Para alterar uma lei na Assembleia é preciso muito, mas muito conhecimento para não dar um tiro no pé e colocar tudo a perder. Acontece que nunca será suficiente por que a mentalidade mudou, as pessoas mudaram por causa do concurso público que, embora selecione pessoas muito qualificadas, acaba por inviabilizar o funcionamento dos cartórios pequenos.
Arpen-SP – Por que inviabiliza?
Antônio Guedes Netto – Por que estas pessoas não ficam nos cartórios pequenos e não vão ficar. Lógico que não são todos, mas sabemos que a maioria continua na Capital ou nos grandes centros estudando e os pequenos cartórios ficam na mão de estagiários ou funcionários que as vezes nem realizam qualquer serviço. Não tem interesse em fazer atos e só recebem a remuneração do fundo. Fui um dos que assinei no Tribunal, como presidente da Arpen-SP, a proposta do primeiro concurso para cartório no Estado. Era em um modelo diferente do que é hoje, mas as pessoas eram comprometidas com a população. O concurso é importante, trouxe gente muito boa e melhorou o nível da classe, mas este modelo tem falhas. Hoje a pessoa entra num cartório já pensando em sair, enquanto outros, ainda menores, não são e nunca serão escolhidos. Quem vai querer um cartório em uma cidade de 1 mil habitantes é só quem é de lá. Ninguém sairá da Universidade de São Paulo para ir lá. Só que o concurso só seleciona estas pessoas. Não há vínculo com a cidade, com o cartório. É óbvio que é preciso alterar este formato.
Arpen-SP – O senhor inovou também ao criar no fim dos anos 90 a Intranet que hoje virou um grande Portal de Serviços aos cartórios. Como surgiu a ideia desta criação?
Antônio Guedes Netto – Tive a sorte e a felicidade de conseguir enxergar lá na frente algumas coisas. A modernização dos cartórios era e continua sendo vital para os cartórios. Já sentia, isso em 1998, que precisávamos estar interligados, falando um com o outro. Não só para diminuir custos, mas também para melhorar e conseguir novos serviços para o Registro Civil. Criamos um modelo de que hoje já é antiquado, mas que permitia a interligação de alguns cartórios. Primeiro em um projeto piloto com 20 cartórios da Capital, depois somente na Capital e depois interligando o Estado inteiro. Investimentos em equipamentos de baixo custo para os cartórios, financiamos a informatização de muitas serventias. E, embora tentássemos convencer a todos sobre a importância desta inovação para a redução de custos e para a melhoria de serviço, tivemos que batalhar normas da segunda Vara e depois da Corregedoria para que todos entrassem na Intranet.
Arpen-SP – E como o senhor avalia o atual Portal de Serviços Compartilhados que surgiu através da Intranet e hoje interliga São Paulo aos demais Estados?
Antônio Guedes Netto – Acho que finalmente se encontrou o caminho. E foi duro. Precisou de 10 anos para que alguém percebesse o quanto este sistema poderia ser útil para o Registro Civil e o diferencial que ele oferece por ter todos os cartórios em rede. Tentei aproveitar isso na minha última gestão na Arpen-SP, mas houve dificuldades com colegas que não enxergavam a importância de uma Central de dados. Perdemos muito tempo com isso, mas hoje parece que se encontrou o caminho, agregando novos serviços e novas ferramentas. E ficou melhor ainda, por que outros Estados conseguiram enxergar isso e aderiram ao sistema. Sonhar com um País interligado pelo Registro Civil ainda é um alvo distante, mas acho que o trabalho finalmente começou a ser bem feito e se encontrou o caminho certo para o futuro da atividade.
Arpen-SP – Ao fazer uma retrospectiva destes 20 anos em que se dedicou à Arpen-SP, que balanço faz?
Antônio Guedes Netto – Acho que trabalhei muito pela classe, contribui bastante e me dediquei muito a Arpen-SP. Ver o Registro Civil forte foi o sonho da minha vida e foi por isso que trabalhei todos estes anos na Arpen-SP. O cartório foi minha vida e me doei completamente pela classe. No fundo valeu a pena, mas há algumas coisas que seriam muito mais fáceis se todos colaborassem, tivessem uma visão única e caminhassem juntos. Nosso problema é que cada um se acha o dono da verdade, independente nas suas ações e individualista nos seus objetivos. São poucos os que pensam coletivamente. A maioria age sozinho e quando dá errado vem pedir a ajuda de uma entidade, quando o certo seria que todos agissem juntos, unidos, de forma coletiva, pois teriam muito mais força e capacidade de realização. No fundo é esta a realidade que é preciso mudar. Se agiu conforme meu interesse em um assunto, estou dentro. Se agiu diferente do que penso, estou fora e parto para ações individuais. Não há o senso coletivo. Pensar coletivamente e agir com objetivos comuns, não individualmente, que é como muitos ainda fazem. Só mudam quando vem a Corregedoria e obriga. Daí tudo muda.
Arpen-SP – A Arpen-SP, criada em 1994, atingiu os seus objetivos?
Antônio Guedes Netto – Acho que sim. É uma entidade forte, reconhecida no Estado e no Brasil e que faz um trabalho sério. A entidade busca defender seus associados e sua categoria, claro, mas tem também ações voltadas para o bem do cidadão e da sociedade como um todo, trabalha em conjunto com o Governo e com o Poder Judiciário. Por isso é importante sempre reconhecer quem trabalhou para que isso acontecesse. E não digo só dos presidentes e colegas de classe. Eles merecem sim muito reconhecimento, muito agradecimento e respeito. Só que a a Arpen-SP também é o que é por que teve e tem gente muito séria lá dentro, que trabalhou muito, e algumas vezes até conduziu sozinha a entidade. Falo do pessoal da imprensa, da assessoria jurídica, da tecnologia, de parceiros que sempre tivemos na Gráfica, em bancos para implantar o ressarcimento pelo Fundo e dos funcionários que lá estão ou estiveram. São pessoas com histórias de trabalho reconhecidas e que foram essenciais para a Arpen-SP ser o que é hoje. É preciso que se saiba disso e se valorize estes profissionais que foram importantíssimos.
Fonte: Arpen/SP | 07/05/2014.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.