RIO – Nos labirintos da enorme burocracia do poder público, passaram a tramitar, nos últimos anos, documentos que poderão fazer uma diferença sem precedentes na vida de milhares de cariocas. Nada menos de 103 mil imóveis localizados em favelas estão hoje em processo de regularização fundiária. Parece pouco quando comparado ao volume de domicílios de toda a cidade (2,1 milhão), mas o número representa 23% do total de residências em comunidades. Significa também a possibilidade de mais de 300 mil moradores terem, num futuro próximo, a segurança legal das residências que construíram ao longo do processo de ocupação do Rio. Essas mudanças podem também incentivar a valorização dos imóveis, que passarão a ter um proprietário reconhecido pela Justiça.
“Há resistência no governo”, diz especialista
No caso do Complexo do Alemão, onde há cerca de 21 mil casas, 85% entrarão em processo de regularização nos próximos anos. Mais de 1,5 mil moradores já receberam do governo do estado o título de posse, etapa que antecede a concessão do documento definitivo do imóvel. De tão complexo o processo de regularização — é preciso levantar certidões, documentos pessoais dos moradores, descobrir quem são os donos dos terrenos, pagar indenizações —, ainda são poucos aqueles que já conseguiram o título definitivo. Moradora do Cantagalo, em Ipanema, Célia Regina Amaro, de 56 anos, está entre os 108 moradores da comunidade contemplados recentemente.
— O título dá segurança para a gente. Sabemos que o imóvel agora é nosso e que ninguém poderá nos tomar — diz Célia, que pretende doar a casa de cinco cômodos ao filho e se mudar para Manguinhos.
Do total de imóveis em processo de regularização, 68 mil estão sob a responsabilidade da Secretaria municipal de Habitação, que espera concluir a entrega dos títulos de legitimação de posse até 2016. Cerca de 34,3 mil processos são gerenciados pela Secretaria estadual de Habitação. Em alguns casos, os terrenos pertencem à União; em outros, ao estado e ao município; ou são propriedades privadas. Por isso, moradores estão recebendo diferentes tipos de documentos. Podem ser títulos de concessão de uso, com validade de 99 anos, prorrogáveis por igual período, até que o estado conclua o pagamento das áreas adquiridas dos antigos proprietários, ou títulos de legitimação de posse. Ambos antecedem as etapas para a expedição da certidão definitiva do imóvel. No caso do título de legitimação, o morador recebe o documento definitivo após cinco anos.
Os processos sob a responsabilidade da secretaria municipal referem-se a imóveis no Bairro Barcellos (Rocinha), Morro da Coroa, Chapéu Mangueira e Babilônia, São Carlos, Alemão, Manguinhos, Morro da Providência e Chapadão. O processo foi iniciado após as obras de urbanização que a prefeitura vem fazendo nas comunidades.
— Temos uma meta bastante ambiciosa, que é entregar até 2016 os 68 mil títulos de legitimação de posse. Esse documento será dado após a urbanização das comunidades dentro do Programa Morar Carioca. Ou seja, depois das obras, passamos a fazer o trabalho de regularização dos imóveis. Após a legitimação de posse, os moradores poderão receber o título definitivo — explica o secretário municipal de Habitação, Pierre Batista.
Número de processos se acelerou após 2009
Segundo Mayumi Sone, presidente do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio (Iterj), órgão que cuida da regularização dos imóveis para o governo do estado, o volume de processos se acelerou após 2009, quando foram aprovadas leis estaduais que permitiram a doação de bens públicos a particulares em caso de titulação social. A legislação do Minha Casa, Minha Vida também contribuiu para a abertura de novos processos. Em todo o estado, o Iterj é responsável hoje pela regularização de 43 mil imóveis em favelas, áreas urbanas e de quilombolas. Para 2014, a expectativa é chegar a 66 mil.
— Cerca de 80% dos processos que temos hoje são relativos a imóveis em favelas. É um volume considerável e que vem aumentando após a nova legislação estadual. A legislação do Minha Casa, Minha Vida também ajudou a agilizar o processo. Antes nós abríamos até 1,5 mil processos de regularização por ano, hoje chegamos a dez mil por ano. Todo o processo de regularização é demorado, porque exige uma série de etapas que o poder público deve cumprir, assim como documentos que os moradores devem apresentar. Os cartórios também têm papel fundamental nisso — explica Mayumi.
Na Rocinha, há nove mil imóveis em processo de regularização coordenado pela Secretaria estadual de Habitação. Desse total, 2.091 referem-se a título de reconhecimento de posse, processo que é mais rápido porque as casas estão localizados em áreas públicas. Na Favela do Vidigal, o governo deve conceder a até cinco mil famílias títulos de propriedade por meio de escritura pública de doação ou termo de concessão de uso, já que são residências que estão em área adquirida pelo estado, mas que ainda dependem do pagamento ao antigo proprietário. Apesar disso, mil moradores já receberam o documento. Moisés Antônio Teixeira Alves, de 50 anos, foi um dos beneficiados em 2011:
— Minha mãe morreu há mais de 15 anos e nunca teve esse documento que mostra que o imóvel tem dono. O nosso sonho sempre foi ter esse documento, porque é uma garantia até recebermos o título definitivo nos próximos anos. Com ele, o imóvel é nosso de fato.
IAB alerta para risco de especulação
Na avaliação do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Pedro da Luz Moreira, a regularização fundiária é uma importante etapa de autonomia dos moradores das comunidades, porque dá segurança jurídica aos proprietários e atende ao direito de moradia do cidadão. O título de posse dos imóveis permite ainda a eles ter um endereço reconhecido pela Justiça e obter crédito em bancos, além de ter um bem reconhecido e valorizado no mercado. Moreira, contudo, chama a atenção para a necessidade de o poder público criar mecanismos para proteger os moradores da especulação imobiliária.
— De fato, a regularização fundiária é um tema importantíssimo. Representa muito para os moradores, porque tem a ver com a sua autonomia. Representa ainda um ganho patrimonial para a família. Mas é preciso ficar atento porque o mercado é cruel. A especulação imobiliária pode acabar provocando a saída desses moradores. No Vidigal, antes do início do processo de regularização, já havia uma valorização forte dos imóveis. Essa tendência poderá ser mais forte a partir de agora.
Fonte: Site O Globo I 28/12/13
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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