CSM|SP: Registro de Imóveis – Doação – Cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – Reserva de Usufruto – Não configuração de encargos, nem a reserva de usufruto a torna modal – Recurso provido.

APELAÇÃO CÍVEL: 005452-0/86
Vencidos em pretensão de registro de escritura de doação de unidade autônoma condominial com reserva de usufruto e imposição de cláusulas e impenhorabilidade e incomunicabilidade, Josué de Maia e sua mulher, D. Nivia Afonso de Maia, recorrem da r. sentença do MM. Juízo da Comarca de Santos que não lhes atendeu o pedido veiculado em procedimento de dúvida inversa.
Os interessados exibiram ao 2º Cartório do Registro Predial de Santos traslado de escritura pública de doação de apartamento em favor de seus filhos, um dos quais menor impúbere dilatando-se a aceitação da transferência, em relação ao último, para até seis meses após sua maioridade (fl. 8). Ademais, houve imposição de cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, gravando o imóvel, e reserva de usufruto vitalício em favor dos doadores. Entendeu a Serventia Imobiliária que a doação se perfazia com encargos, de sorte que reclamada a intervenção de curador especial para a representação do menor impúbere.
A r. sentença manteve a denegação do registro, afastando a incidência da regra do art. 1.166, Cód. Civ., com o argumento de que a norma pressupõe justamente a capacidade faltante ao donatário impúbere. Ademais, as cláusulas impostas e a reserva de usufruto demonstram, consoante a decisão de que se apela, restrição ainda mais grave do que o encargo, a ensejar exigência de intervenção de curador especial. Por fim, o MM Juízo a quo esposou o entendimento da Curadoria de Registros Públicos local, no sentido de que aplicável à espécie o disposto no art. 857, n.º III, Cód. Civ., diferindo-se o registro para época posterior à maioridade do destinatário que ainda não aceitou a transferência (fls. 19/21).
Apelaram tempestivamente os interessados (fls. 25/31), insistentes nas razões iniciais.
Os pareceres do Ministério Público, em ambas as Instâncias, são pelo desprovimento do apelo (fls. 38/39 e 43/47).
É o relatório do necessário.
1. Não configuram propriamente encargos da doação as imposições que não beneficiarem o doador, terceiro ou a coletividade, aproveitando apenas ao donatário (arg. do art. 1.180, Cód. Civ.).
A lei civil não obriga o donatário ao cumprimento de imposição que lhe favoreça e que, por isso mesmo, não constitua verdadeiro encargo, reduzindo-se a mero conselho, recomendação ou exortação (Clóvis Beviláqua, “Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, observação n.º 1 ao art. 128; Carvalho Santos, “Código Civil Brasileiro Interpretado”, comentário ao art. 128, n.º 1; Agostinho Alvim, “Da Doação”, comentário ao art. 1.180, n.º 14).
Esse encargo impróprio, beneficiando o donatário, não corresponde a direito de exigir seu cumprimento, não se contrapondo a qualquer dever jurídico do favorecido (L. Enneccerus, “Tratado de Derecho Civil – Derecho de Obligaciones”, § 125, n.º III; C. A. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1976, pág. 466; Guillermo Borda, “Manual de Obligaciones”, Buenos Aires, 1975, pág. 287). Por isso, as imposições que prestam proveito ao próprio donatário não tornam modais as doações em que emerjam (Clóvis Beviláqua, o.c., comentário ao art. 1.180).
Em particular, as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas em contrato de doação, nisso que beneficiam o donatário, não transformam em modal a doação pura (Vicente Ráo, “Ato Jurídico”, São Paulo, 1979, pág. 450; Agostinho Alvim, o.c., comentário ao art. 1.180, n.º 18).
Tampouco é doação sub modo a que se perfaz com reserva de usufruto, não se revelando prestação a cumprir pelo donatário em favor do doador, de terceiro ou da coletividade. Esse é o entendimento de Washington de Barros Monteiro, apoiado em jurisprudência que menciona (“Curso de Direito Civil”, vol. 5, 6ª edição, São Paulo, 1969, pág. 132), perfilhado também pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura paulista, no julgamento da Apelação Cível n.º 608-0, Capital, em 28.12.81 (apud Narciso Orlandi Neto, “Registro de Imóveis”, edição de 1984, págs. 81-84).
2. Inaplicável à espécie a regra do art. 1.166, Cód. Civ., que supõe exatamente a plena capacidade de fato do donatário, invoca-se o preceito do art. 1.170 do mesmo Código, para considerar implícita a aceitação de doação pura pelo incapaz, nada obstante a assinação de prazo para o placet, cláusula que deve reputar-se inócua.
Essa orientação, que não é isenta de dissídio doutrinal, foi esposada pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo no julgamento da Apelação Cível n.º 608-0, citada, e já se prenunciara em precedente acórdão para o Agravo de Petição n.º 251.603, 21.6.76 (apud Francisco de Paula Sena Rebouças, “Registros Públicos”, São Paulo, 1978, págs. 92-94).
Incumbindo aos pais a representação dos filhos absolutamente incapazes (arts. 384, n.º V, e 5º, n.º I, Cód. Civ.), demasiado não é, como quer que seja, considerar suplementada a aceitação do representado pelo simples fato da instância do ato registral, grifada, na espécie, até mesmo pela circunstância de os doadores requererem suscitação de dúvida para superar os óbices levantados pelo registrador. Aliás, justamente o exame da rogação do procedimento registrário presta-se a remover o obstáculo que se entreviu no inciso III, art. 857, Cód. Civ.
3. Merece, assim, provimento o recurso, reproduzindo-se a observação lançada no venerando acórdão para a Apelação Cível n.º 608-0, Relator Desembargador Affonso de André: “… não se pode determinar, a um só tempo, o registro – considerando-se aceita a doação, ou produzindo efeitos – e a averbação da circunstância de aceitação, pela donatária, no momento fixado”.
DO EXPOSTO, o parecer é pelo provimento da apelação, registrando-se o título exibido, admitida já aceita a doação pelo incapaz, observando-se que do registro não deverá constar, por incompatível com a aceitação atual, a dilação de prazo para o consentimento do menor impúbere.
São Paulo, 4 de abril de 1986
RICARDO HENRY MARQUES DIP
Juiz de Direito Corregedor
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 5.452-0, da Comarca de SANTOS, em que é apelante JOSUÉ DE MAIA e s/mulher NIVIA AFONSO DE MAIA e apelado o OFICIAL DO 2º CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS,
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação. Custas na forma da lei.
Assim decidem de conformidade com o parecer do M. Juiz Corregedor, que adotam como razão de decidir.
O caso não é de doação com encargos, que exigisse nomeação de curador especial para o menor impúbere, pois a impenhorabilidade, a inalienabilidade e a reserva de usufruto são restrições que a doutrina, como bem demonstra o parecer, não classifica como encargos impostos ao doador. Nesse sentido definiu também a jurisprudência deste e do Supremo Tribunal Federal, bem como deste Conselho (v. Jurispr. STF, Lex, 17/12, RJTJ 36/330, Agr. instr. 39.925, 2ª Câmara Cível deste Tribunal, além de diversos outros acórdãos invocados por este último julgado).
Tratando-se de doação pura, que nenhum encargo impõe ao donatário, a aceitação pelo menor impúbere considera-se implícita, nos termos do art. 1.170 do Código Civil, independentemente portanto da manifestação posterior à maioridade, prevista na escritura. De qualquer modo, como observa o parecer, o certo é que no caso a aceitação está inequivocamente manifestada pelo menor, através de seu representante legal, com o pedido de registro da escritura e a aprovação da dúvida e o recurso ora manifestado contra a decisão judicial contrária.
São Paulo, 5 de Maio de 1986.
NELSON PINHEIRO FRANCO
Presidente do Tribunal de Justiça
SYLVIO DO AMARAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
J. P. PRESTES BARRA
Vice-Presidente do Tribunal de Justiça

Fonte: Blog do 26.

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Usufruto. Penhora – nua-propriedade – possibilidade

É possível a penhora da nua-propriedade de imóvel gravado com usufruto, desde que conste nos atos, bem como no Registro Imobiliário, a referência a tal ônus.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), por meio de sua Décima Sétima Câmara Cível, julgou a Apelação Cível nº 70056224983, onde se entendeu ser possível a penhora da nua-propriedade de imóvel gravado com usufruto, desde que conste nos atos, bem como no Registro Imobiliário, a referência a tal ônus. O acórdão teve como Relatora a Desembargadora Elaine Harzheim Macedo e foi, à unanimidade, improvido.

No caso em tela, a apelante postulou a reforma da sentença proferida pelo juízo a quo, argumentando que realizou doação à terceiro com reserva de usufruto, merecendo ser respeitado seu direito de revogação da doação por ingratidão do donatário. Ademais, entendeu que não pode ser admitida a alienação por hasta pública do bem doado, sob pena do Poder Judiciário eximir o donatário de possível obrigação junto à apelante, causando-lhe eventual prejuízo frente ao imóvel penhorado, uma vez que jamais poderá ter o bem de volta, caso exercite seu direito de revogação por ingratidão do donatário.

Ao julgar o caso, a Relatora concluiu ser possível a penhora de bem imóvel gravado com usufruto, desde que conste dos respectivos atos, bem como do Registro de Imóveis a referência de tal ônus. Para a Relatora, a penhora da nua-propriedade não se confunde com a penhora do usufruto, eis que, no primeiro caso, o nu-proprietário pode dispor da coisa, respeitado o usufruto; no segundo caso, o usufrutuário detém direito real sobre coisa alheia, não podendo se falar em constrição do usufruto.

Posto isto, a Relatora votou pelo improvimento da apelação.

Clique aqui e confira a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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Questão esclarece acerca da vigência das cláusulas restritivas quando do falecimento do usufrutuário doador

Doação. Usufrutuário – falecimento. Cláusulas restritivas – vigência.

Para esta edição do Boletim Eletrônico a Consultoria do IRIB selecionou questão acerca da vigência das cláusulas restritivas quando do falecimento do usufrutuário doador. Veja como a Consultoria do IRIB se posicionou acerca do assunto, valendo-se dos ensinamentos de Ademar Fioranelli:

Pergunta
As cláusulas restritivas impostas em doação com reserva de usufruto ainda permanecem vigentes quando do falecimento do usufrutuário doador?

Resposta
Excertos da obra de Ademar Fioranelli, intitulada “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial”, 1ª edição – 2ª tiragem, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 73 e 75-77) respondem seu questionamento. Vejamos:

“Cláusulas e usufruto

Outra questão que tem gerado ardente debate entre os doutos e julgador: com o falecimento do usufrutuário doador, se opera, também, a extinção das cláusulas limitadoras do direito de propriedade?

O tema é conflitante e há apoio doutrinário e jurisprudencial nas direções afirmativa e negativa. O entendimento que tem prevalecido é o de que, estabelecidas em doação com reserva de usufruto, as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade sobre o imóvel doado prevalecem em vida do donatário (RT, 496/64).

(…)

Como registrador, filiar-me a qualquer das correntes enunciadas seria ir contra respeitáveis luminares do direito. Quando elaborei modesta monografia sobre o usufruto (Direito Registral Imobiliário, p. 433-434), não me furtei a posicionar-me ao lado do entendimento majoritário, que defende a imposição das cláusulas restritivas ao direito de propriedade em conjunto com o usufruto, porquanto estamos diante de dois direitos distintos: um, do usufrutuário, com direito ao uso e gozo do bem; e outro, do nu-proprietário, com seu direito limitado pela impossibilidade da alienação, com possibilidade, desde que, devidamente legitimado, de fazer uso do processo de sub-rogação de vínculos.

Há que prevalecer, sempre, e desde que não conflite com a lei, a vontade do doador. Se este clausulou o imóvel, essa era a sua vontade e, certamente, seu ato foi motivado contando com a aquiescência do donatário, pois, se assim não fora, bastaria a doação pura e simples. Também não vislumbramos nenhum óbice legal a impedir a constituição do usufruto no mesmo ato, por tratar-se de situação totalmente distinta da primeira, como já dito. Nesta última, encontramos o donatário recebendo uma propriedade com restrições totalmente diferenciadas da primeira, nunca sendo demais repetir, limitações essas permitidas pelo ordenamento jurídico. Morto o usufrutuário, é certo que a propriedade se consolida na pessoa do nu-proprietário e cessará uma das limitações que a gravara, o usufruto. Daí para frente vive-se uma situação nova e totalmente diversa da anterior, sendo vedado, agora, ao proprietário, a alienação da propriedade.

Dizer-se que o proprietário continua na mesma situação, ocorrendo um usufruto sucessivo ‘data maxima venia’, parece-nos irreal.

O proprietário, agora, tem a possibilidade do uso e gozo da propriedade; pode adaptá-la; melhorá-la; fazer reformas e mudanças; exercitar a posse direta; enfim, praticar atos que anteriormente não lhe eram permitidos por força do usufruto. Obviamente, terá de curvar-se e respeitar a restrição à disponibilidade, feita pelo doador, que, com certeza, agiu de forma motivada, no resguardo dos interesses do próprio donatário (um pródigo, por exemplo).

E, como último argumento, embora haja outros, nessa nova situação o proprietário pode livrar-se do gravame por meio da sub-rogação, coisa que não lhe era possível na vigência do usufruto.

Para finalizar este tópico (usufruto e cláusula), a 4ª Câmara do TJSP, na Ap. 268.534, deixou patente:

‘Certo que a melhor doutrina, apoiada em inúmeras decisões deste Tribunal, afirma, em princípio, a subsistência das cláusulas restritivas, após a extinção do usufruto conjuntamente instituído (cf., p. ex., RJTJSP, 20/65; RT, 363/162; 361/327; 345/142; 349/150; 381/107; 389/159; 384/140; 386/178 e 390/140). E assim é porque inclusive se deve supor, de regra, que na vontade do doador está não só o propósito de garantir o usufruto reservado, mas também a intenção de defender os interesses dos donatários.’

O mesmo entendimento foi dado pelo Juiz Marcelo Martins Berthe, titular da E. 1ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo, ao indeferir pedido de cancelamento de cláusulas, tendo em vista a extinção do usufruto por morte dos usufrutuários. A instituição de cláusulas restritivas, concomitantemente com a instituição do direito real de usufruto, segundo o nobre magistrado, não vincularia aquelas a este último. Vale dizer que a extinção do direito real de usufruto não significa que já não prevalecem as cláusulas restritivas. A imposição das cláusulas pelos doadores não poderia ser interpretada como vontade subseqüente da instituição do usufruto e pela inexistência de previsão legal para o cancelamento almejado, muito menos poderia se inferir que essa era a vontade dos instituintes do gravame (Decisão de 23-8-2007 – Proc. 583.00.2007.175660-1).”

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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