Tabelionato e ofício de contratos marítimos – Por Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kümpel

Se há um tema obscuro, com escasso material doutrinário e de raríssima reflexão, é o que diz respeito aos tabelionatos e ofícios de registros marítimos. Aliás, só foi possível perceber o grau de implicações e dificuldades ao debruçar-se sobre a matéria para compor um capítulo da obra sobre notas e registro.

De início, já se constatou a enorme dificuldade para analisar a legislação que disciplina o assunto em questão. A única precisão legislativa está no artigo 10 da lei 8.935/94, que estabelece atribuição funcional aos tabelionatos na lavratura de contratos, atos e instrumentos relativos a transações de embarcação, bem como ao reconhecimento de firmas em documentos destinados aos fins de Direito Marítimo. Os ofícios de registro de contratos marítimos, por sua vez, assentam os documentos de mesma natureza além de expedir as referidas certidões.

Por força do dispositivo acima mencionado, os ofícios de registro e tabelionato de contratos marítimos praticam atos estatuídos na parte II "Do Comércio Marítimo", ainda vigente na lei 556 de 25 de junho de 1850, conhecido como Código Comercial do império. Para simplificar: as Serventias ora sob análise escrituram e assentam contratos previstos há 164 anos pelo Código de D. Pedro II.

Não bastasse a referida dificuldade, muito embora os manuais e os decretos mencionem apenas a existência de três ofícios de registro no Brasil, foi possível constatar a existência de quatro Serventias, a saber: Rio de Janeiro (Estado do Rio), Belém (Estado do Pará), Manaus (Estado do Amazonas) e em uma cidade, não capital do estado, Caucaia (Estado do Ceará). Aliás, difícil de entender a não existência da referida Serventia em Santos (Estado de São Paulo), a não ser conjecturando que na época em que a referida legislação iniciou sua vigência, o Estado de São Paulo era bem provincial em relação a alguns dos já mencionados. Outra questão a ser respondida é a da criação de apenas quatro Serventias, lembrando que a costa brasileira tem 9.198 km de litoral.

Voltando à dificuldade de se encontrar legislação incidente sobre a matéria em pauta, foi possível constatar que o primeiro Decreto, a tratar do assunto foi o 15.778 de 8 de novembro de 1922, acabou sendo revogado pelo Decreto 11 de 1991, que mesmo disciplinando assunto totalmente estranho, revogou expressamente o decreto imperial mencionado. O outro decreto fundamental sobre o tema é o 15.809, também datado de 8 de novembro de 1922, que disciplina os Ofícios de Registro de Contratos Marítimos, sua competência, estrutura e livros, e que da mesma forma foi revogado pelo decreto 11/91.

Outros decretos se seguiram, entre os quais o 5.372 B de 1927 e o 18.399 de setembro de 1928, ainda em vigor.

Por incrível que possa parecer o decreto 22.826 de 1933 incorporou seu texto ao decreto 18.399 e ao decreto 5.372 B, de forma que mesmo revogados expressamente continuam a incidir em outro diploma, mostrando a colossal confusão que existe nessa seara.

Por fim, cabe mencionar a li 9.764 de 1988 que não alterou os ofícios de registro mencionados, porém autorizou qualquer tabelionato de notas do país, nas localidades em que não haja o tabelionato privativo, a lavrar a escritura dos contratos marítimos.

Afora as dificuldades já mencionadas, para que o leitor possa ter uma ideia do tamanho do problema, além do ofício de registro de contratos marítimos existem como órgãos de controle o Tribunal Marítimo e a Capitania dos Portos. O primeiro, com jurisdição em todo território nacional, é um órgão autônomo, vinculado ao comando da Marinha que, além da atribuição adjudicante, tem por atribuição registrar a propriedade marítima de embarcações, entre tantas outras definidas por Lei. Já a Capitania dos Portos é um órgão de autoridade restrita a cada um dos portos, sendo responsável pela segurança da navegação e por cumprir leis e regulamentos portuários.

Portanto nesse primeiro artigo sobre o assunto foi possível verificar que os tabelionatos e ofícios de registro marítimos compõem, em última análise, o direito marítimo, ou seja, o conjunto de normas e regulamentos que disciplina todos os aspectos da navegação e exploração do mar e das águas interiores. Num próximo encontro abordaremos a operabilidade das referidas serventias.

* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 14/10/2014.

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Café com jurisprudência discute aspectos da escritura pública de transação em questões trabalhistas

A tabeliã Priscila Agapito explicou que a transação é um contrato e, portanto, pode ser feita pelo tabelião.

“Escritura pública de transação e outras formas extrajudiciais para a solução de conflitos trabalhistas e a atuação dos notários e registradores” foi tema de debate do Café com Jurisprudência da última sexta-feira, 4 de outubro. A 29ª tabeliã de notas da Capital, Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes Agapito, foi convidada para debater o assunto, na Escola Paulista da Magistratura, durante evento que reuniu notários e registradores.

Priscila Agapito iniciou o debate expondo conceitos e especificidades da transação segundo o Código Civil. Conforme ressaltou a tabeliã, o artigo 840 diz que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões recíprocas. Ela afirmou, ainda, que os direitos patrimoniais de caráter privado são os que podem ser transacionados, sendo indisponíveis os não patrimoniais e os de natureza pública.

A tabeliã explicou que a transação é um contrato e, portanto, pode ser feita pelo tabelião. Segundo ela, esse procedimento pressupõe lide ou conflito de interesses e tem a finalidade precípua de extinguir obrigações. Nele, cada parte abre mão de uma parcela de seus direitos. A tabeliã ponderou, porém, que nem todo acordo em juízo é uma transação.

Conforme Priscila Agapito, a natureza jurídica da transação pressupõe contrato e as características de ser bilateral, indivisível, não solene, de interpretação restritiva, consensual, oneroso e de caráter constitutivo. A tabeliã ainda destacou que a transação tem duas modalidades: a judicial e a extrajudicial, esta última realizada por escritura pública, quando a lei exigir e se recair sobre direitos contestados em juízo, ou por termos nos autos.

Priscila Agapito ainda comentou as regras para a escritura pública, salientando que requer plena capacidade, tendo em vista que transigir é alienar. Na ocasião, foi discutida a polêmica em torno da legitimação, por exemplo, do tutor em relação aos bens do tutelado e do curador em relação aos bens do pupilo, bem como da necessidade de alvará para escritura pública, quando envolve menor. Durante a discussão, foi ponderado que ainda não é possível mitigar a hipossuficiência. Por outro lado, Priscila Agapito destacou a importância de se desenvolver meios alternativos para o direito social. “O nosso papel como operador do direito é ir para a vanguarda. Começar o que é possível e fazer até que se torne algo natural”, declarou.

A tabeliã Priscila Agapito ainda abordou as diferenças de tratamento nos conflitos coletivos e individuais de trabalho. Ela explicou que o acordo coletivo de trabalho é o pacto de caráter normativo pelo qual uma ou mais empresas negociam com sindicatos representativos das categorias profissionais estipulando condições de trabalho, enquanto as convenções coletivas de trabalho estão relacionadas ao pacto de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos estipulam condições de trabalho. Já os dissídios individuais e coletivos de trabalho envolvem lides e litígios trabalhistas tratados junto ao Judiciário. Conforme a tabeliã, o nível coletivo afasta a hipossuficiência. “Não há dúvida de que nós podemos fazer transação nas convenções coletivas”, salientou. Só os dissídios individuais encontram problemas para serem resolvidos extrajudicialmente.

Priscila Agapito tratou, ainda, de outras formas extrajudiciais de solução de conflitos trabalhistas, que envolvem autotutela, autocomposição e heterocomposição (através da mediação). Ela também comentou o Provimento CG nº 17/2013, que autoriza mediação e conciliação no extrajudicial em caso de direitos patrimoniais disponíveis. A tabeliã ressaltou que são diretos indisponíveis: penal, família, administrativo e trabalhista.

A tabeliã Priscila Agapito ainda enumerou os pontos positivos de lavratura de escritura pública de transação nos cartórios, dentre os quais ela citou a lavratura perante um oficial público, a imparcialidade por natureza legal (Lei 8935/1994), possibilidade de escolha do cartório, mais conforto, custos baixos e atribuição legal de título executivo extrajudicial.

Fonte: CNB/SP I 04/10/2013.

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