Artigo: A sucessão do companheiro e a importância do testamento – Por José Flávio Bueno Fischer

*José Flávio Bueno Fischer

A sucessão do companheiro, estipulada no artigo 1790 do Código Civil, é assunto que ainda causa muita polêmica, a despeito do referido diploma legal já contar com mais de uma década de vigência.
Cada inciso do artigo 1790, do I ao IV, carrega uma controvérsia própria, com posições doutrinárias e jurisprudenciais divergentes entre si. Por exemplo, há em tramitação no Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário 878.694, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que irá decidir se é constitucional a regra do inciso III, que dispõe que, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro faz jus, a título de herança, unicamente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. No caso do RE 878.694, a constitucionalidade do dispositivo legal é questionada pois prevê regimes sucessórios diferentes para o cônjuge e o companheiro, já que no casamento, na ausência de ascendentes e descendentes, o cônjuge herda a totalidade da herança.[1]
Os incisos I e II também não são menos polêmicos, uma vez que geram distinção na cota parte da herança cabível ao companheiro quando este concorre com filhos comuns e quando concorre com filhos só do autor da herança, além de causarem verdadeira confusão quando o companheiro concorre, ao mesmo tempo, com filhos comuns e com filhos só do autor da herança, obrigando o operador do direito a cálculos mirabolantes para chegar a real legítima do companheiro.
Entretanto, apesar da precariedade e da forma confusa da redação dos incisos I ao IV do artigo 1790, o fato que não se pode negar é que eles conferem ao companheiro o direito sucessório sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união. Pois é aqui, neste ponto, que queremos debater.
A maioria das discussões sobre a sucessão do companheiro envolve a busca pelo seu direito na herança do falecido. Mas, pouco se fala sobre os casos em que o casal de companheiros não deseja que o outro tenha direito a sua sucessão.
Assim como no casamento, quando o casal, na união estável, deseja a não comunicação dos bens presentes e futuros, pactua o regime da separação de bens. Só que, tanto no casamento, como na união estável, a pactuação desse regime garante a separação dos bens em vida, mas não exclui o direito sucessório do cônjuge ou do companheiro.[2]
Maria Berenice Dias ensina que “o direito de herança do companheiro da união estável independe do regime de bens eleito via contrato de convivência. Mesmo no regime da separação convencional ou obrigatória, não perde a condição de herdeiro se não existirem parentes sucessíveis.”[3]
Além disso, complementa a autora, “no momento em que foi assegurado também ao companheiro o direito de concorrência, ele acabou por ser elevado à condição de herdeiro necessário (…)”.[4] Desta forma, não há como ser afastado o direito de concorrência no contrato de convivência, pois isso configuraria renúncia a herança de pessoa viva, o chamado pacto sucessório, que é vedado pelo ordenamento civil brasileiro.
Diante disso, surge o questionamento central de nosso artigo: o que fazer quando a pessoa deseja que seus bens, adquiridos onerosamente na constância da união, não sejam herdados pelo companheiro sobrevivente em caso de sua morte?
Nós partilhamos do entendimento dos juristas que compreendem ser o companheiro herdeiro necessário, motivo pelo qual entendemos não ser possível ser excluída a vocação do companheiro por testamento. A solução para a pergunta acima, passa, portanto, não pela exclusão do companheiro, mas pela redução de sua cota parte na herança. Explicamos.
Tendo em vista que não há como excluir a sucessão do companheiro relativamente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, mesmo que o regime pactuado na união estável seja o da separação de bens, a solução é o testador legar a parte disponível do seu patrimônio para quem ele deseja que receba sua herança. Desta maneira, a cota parte que seria cabível ao companheiro será reduzida.
Vejamos a seguinte situação para ilustrar o que aqui queremos dizer. Em 19.04.2012, João e Maria compareceram a um Tabelionato de Notas e fizeram declaração de união estável, pactuando o regime da separação de bens. Em 12.04.2016, João faleceu, deixando como herdeiros sua companheira e um único filho, comum do casal. Durante a constância da união, o único bem adquirido onerosamente por João foi um apartamento no valor de R$100.000,00.
De acordo com o disposto no inciso I do artigo 1790, se concorrer com filho comum, a companheira tem direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho, relativamente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união. Desta forma, considerando que não há meação, frente ao regime da separação de bens, Maria teria direito à fração do apartamento equivalente a R$50.000,00 e o filho teria direito à fração do apartamento equivalente a R$50.000,00.
Caso João tivesse deixado um testamento legando a parte disponível no apartamento ao seu filho (50% = R$50.000,00), a fração de Maria no apartamento seria reduzida ao equivalente a R$25.000,00 (legítima) e ao filho corresponderia a fração equivalente a R$75.000,00 (legado + legítima).
O que aqui queremos retratar é que, apesar de não ser possível a exclusão do companheiro da sucessão quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, respeitadas posições em sentido contrário, é plenamente viável a redução de sua parte na herança através de disposições testamentárias.
É claro que o contrário também é possível. Aumentar a cota parte do companheiro na herança ou mesmo erigi-lo a único beneficiário, no caso da falta de outros herdeiros necessários (descendentes e ascendentes). Nesta última situação, falta de herdeiros necessários, que é o caso do RE 878.694, trazido no início deste artigo, se o “de cujus” tivesse deixado um testamento elegendo a companheira como sua única herdeira, toda aquela discussão de divisão do patrimônio com os colaterais estaria sendo evitada.
Justamente por isso a assessoria do tabelião é tão crucial para nossa Sociedade. A orientação imparcial e técnica do tabelião em questões sucessórias, tal qual a aqui apresentada, se traduz em segurança jurídica para as partes e uma importante ferramenta no combate a litígios familiares, que abarrotam nosso Judiciário.
Desta forma, assim como já mencionamos em artigos anteriores, insistimos que a propaganda institucional do Notariado, no sentido de informar a população, é essencial para que nosso trabalho seja ainda melhor e beneficie ainda mais cidadãos.
O testamento é um tabu para muitas pessoas. É preciso desmistificá-lo através da informação, através da comprovação de que a sua existência se traduz em tranquilidade, pois assegura a vontade do testador, evitando brigas e desavenças entre seus familiares.
Aqui neste artigo, trouxemos apenas o benefício do testamento para relações de união estável. Mas, sabemos que ele abrange muito mais. Notários do Brasil, informar é preciso! Vamos mostrar para os cidadãos brasileiros o valor e a importância do nosso trabalho! Unidos podemos mais!


[1] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Constitucionalidade de direitos sucessórios diferenciados para companheiro e cônjuge será discutida pelo STF. Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289807. Acesso em 25.06.2016.

[2] Quanto ao cônjuge casado pelo regime da separação de bens, já existem decisões, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, excluindo-o da sucessão. Mas, a despeito destas decisões, o entendimento ainda não é pacífico na doutrina e na jurisprudência.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 77

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 184

___________________

* José Flávio Bueno Fischer – 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF eMembro do Conselho de Direção da UINL.

Fonte: Notariado | 29/06/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Questão esclarece dúvida acerca da anuência do credor preexistente para o registro de Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária em segundo grau

Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária – 2º grau. Credor preexistente – anuência

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da anuência do credor preexistente para o registro de Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária em segundo grau. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: No caso de constar na matrícula o registro de uma Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária de primeiro grau em favor do Credor A e posteriormente ser apresentada para registro outra cédula da mesma espécie de segundo grau em favor do Credor B, deve ser exigida a anuência do Credor A, no título do Credor B, para o registro desta segunda cédula?

Resposta: A anuência do credor preexistente é necessária. Assim, entendemos que a credora A deverá anuir no título da credora B.

Neste sentido, v. Apelação Cível nº 825-6/7, da Comarca de Santa Adélia, julgada em 18/03/2008, assim ementada:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Registro de hipoteca de segundo grau – Anterior hipoteca constituída por cédula rural hipotecária – Necessidade de anuência do credor preexistente – Inteligência do artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 e do artigo 1.420 do Código Civil – Recurso não provido.”

Desta decisão, extrai-se o seguinte trecho, aplicável ao caso:

“Dessas normas decorre que o bem gravado por hipoteca vinculada a cédula de crédito rural não pode ser alienado sem anuência do credor e, como conseqüência lógica, não pode ser dado em segunda hipoteca sem o atendimento de igual requisito.”

Além da decisão supramencionada, v. também a Apelação Cível nº 57.123-0/3, da Comarca de Guaíra, julgada em 08/07/1999, assim ementada:

“EMENTA: Registro de Imóveis – Dúvida – Hipoteca em segundo grau de bem já gravado com hipoteca cedular – Necessidade de prévia aquiescência do credor primitivo – Interpretação dos artigos 59 do Decreto-Lei 167/67 e 756 do Código Civil brasileiro – Recurso desprovido – Decisão mantida.”

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 30/06/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: Compra e venda. Imóvel em terreno de marinha – CAT – necessidade. Indisponibilidade de bens. Penhora

1. O registro de escritura de compra e venda de imóvel em terreno de marinha depende da apresentação de certidão expedida pela SPU. 2. A existência de indisponibilidade averbada na matrícula impede a alienação do imóvel. 3. A existência de penhora não impede a alienação do bem

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação nº 3005706-69.2013.8.26.0223, onde se decidiu que: 1. O registro de escritura de compra e venda de imóvel em terreno de marinha depende da apresentação de certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU); 2. A existência de indisponibilidade averbada na matrícula impede a alienação do imóvel e; 3. A existência de penhora não impede a alienação do bem. O acórdão teve como Relator o Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

O caso trata de recurso de apelação interposto em face da r. sentença que manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda, cujo ingresso foi obstado por três motivos: a) o patrimônio de um dos vendedores foi atingido por indisponibilidade de bens; b) o apartamento alienado foi penhorado e; c) um dos imóveis está localizado em terreno de marinha, o que exige a apresentação de Certidão Autorizativa de Transferência (CAT). Em suas razões, o apelante sustentou, em síntese, que não foi intimado da sentença prolatada, sendo nulo os atos que a sucederam; que a escritura pública de compra e venda foi lavrada anteriormente à decretação da indisponibilidade do patrimônio do vendedor e que o registro não foi feito anteriormente por conta da demora na expedição da certidão de laudêmio.

Ao julgar o recurso, o Relator observou que duas das três exigências devem ser mantidas, quais sejam, a existência de indisponibilidade de bens sobre o imóvel e a necessidade de apresentação da CAT. No caso da indisponibilidade de bens, entendeu que sua decretação averbada na matrícula do imóvel impede o registro do título, pouco importando que a escritura pública tenha sido lavrada antes da decretação da indisponibilidade de bens do proprietário. Quanto à existência da penhora, o Relator entendeu que esta não impede a alienação do bem, uma vez que, trata-se de função acautelatória que visa resguardar o bem para a satisfação de um crédito, não tornando o bem inalienável. Por fim, o Relator observou que, em relação à apresentação da CAT, esta deve ser mantida, pois o imóvel localiza-se em área de marinha. Neste caso, de acordo com o art. 20, VII, da Constituição Federal e art. 49, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os terrenos de marinha são de propriedade da União e sua exploração se dá por meio de enfiteuse. Assim, de acordo com o art. 3º, § 2º, I do Decreto-Lei nº 2.398/87, o registro da escritura pública de compra e venda depende da apresentação da CAT, expedida pela SPU, que deverá constar, entre outras informações, a prova do recolhimento do laudêmio.

Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão

Fonte: IRIB | 30/06/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.