Irresignação Parcial – Concordância com apenas parte das exigências formuladas pelo Sr. Oficial basta para prejudicar a dúvida – Apelação não conhecida – Análise, porém, das exigências, como forma de pautar futura prenotação – Registro de imóveis – Loteamento – A mera existência de demanda criminal, ainda que sem condenação, por crime contra o patrimônio, ou contra a administração pública, basta para obstar o registro – Prescindibilidade de condenação, quanto menos de trânsito em julgado – Crime contra a ordem tributária que se insere dentre aqueles contra a Administração Pública, para os fins do art. 18, § 2º, da Lei 6.766/79 – Registro Obstado.


  
 

Apelação nº 0011232-88.2016.8.26.0344

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0011232-88.2016.8.26.0344
Comarca: MARÍLIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0011232-88.2016.8.26.0344

Registro: 2017.0000659701

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0011232-88.2016.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado JOÃO RONALDO TANGANELLI HERNANDES.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicadas a dúvida e a apelação, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0011232-88.2016.8.26.0344

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: João Ronaldo Tanganelli Hernandes

VOTO N.º 29.804

Irresignação Parcial – Concordância com apenas parte das exigências formuladas pelo Sr. Oficial basta para prejudicar a dúvida – Apelação não conhecida – Análise, porém, das exigências, como forma de pautar futura prenotação – Registro de imóveis – Loteamento – A mera existência de demanda criminal, ainda que sem condenação, por crime contra o patrimônio, ou contra a administração pública, basta para obstar o registro – Prescindibilidade de condenação, quanto menos de trânsito em julgado – Crime contra a ordem tributária que se insere dentre aqueles contra a Administração Pública, para os fins do art. 18, § 2º, da Lei 6.766/79 – Registro Obstado.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília, que julgou improcedente dúvida suscitada, para o fim de permitir registro de desmembramento imobiliário, mesmo havendo demanda criminal por crime contra a ordem tributária, desde que cumpridas as demais exigências formuladas na nota devolutiva.

Apelou o Ministério Público, sustentando ser inviável a prolação de sentença condicional. Defendeu a inviabilidade do registro, pendendo, em face de um dos ex-proprietários do imóvel, processo que apura prática de crime contra a ordem tributária. Requereu provimento do apelo, para que se obste o registro.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

De início, cumpre frisar que dúvidas comportam procedência, ou improcedência. Ou bem o título há de ser registrado, e a dúvida é improcedente, ou o registro é descabido, e a dúvida é procedente. Inviável o julgamento de improcedência, determinando-se registro do título, porém sob condição de cumprimento de exigências outras formuladas na nota de devolução. Tecnicamente, na hipótese em voga, o provimento judicial acolheu a dúvida, obstando o registro, ao menos tal como postos os fatos ao tempo do sentenciamento, em que as exigências da nota devolutiva não estavam integralmente satisfeitas.

Indo além, a nota devolutiva em comento está centrada em quatro motivos de recusa ao registro. E o interessado explicitamente afirma não haver impugnado dois deles (fls. 256). Em casos tais, nos moldes da jurisprudência absolutamente sedimentada desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, prejudicada a dúvida, à míngua de ataque à totalidade dos óbices levantados pelo Sr. Oficial. É que a concordância tácita do apresentante com qualquer das objeções cartorárias é suficiente para impedir que se lavre o ato pretendido, ainda que parte das restrições seja revista judicialmente.

Resta a análise da exigência impugnada, como forma de pautar futuras prenotações.

À luz do art. 18, §2º, da Lei 6.766/79:

“§ 2º – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.”

Havendo ação penal referente a crime contra o patrimônio ou contra a administração pública, vedado o registro do loteamento. Protestos, ações pessoais e penais distintas daquelas aludidas não impedem o registro, desde que o requerente comprove ter patrimônio bastante para, cumprindo as obrigações que lhe são demandadas, satisfazer eventuais direitos dos adquirentes dos lotes.

Neste passo, como se vê de fls. 242, Nelson Fancelli, antigo proprietário do imóvel cujo desmembramento se quer registrar, foi denunciado por suposta prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90. A denúncia foi recebida em 18/2/16, de modo que, ao tempo da nota devolutiva, pendia ação penal em face do aludido ex-proprietário do bem.

Pese embora se trate de crime previsto em Lei Especial, flagrante a afronta à administração pública, em decorrência do tipo legal em comento, consistente em “omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias”. As autoridades fazendárias ludibriadas estão, por óbvio, inseridas no âmbito da administração pública, prejudicada, pois, com a ilicitude.

De todo despiciendo, portanto, expressa menção a “crimes contra a ordem tributária”. A alusão, no art. 18, §2º, da Lei 6.766/79, aos crimes contra a administração pública já encampa os delitos contra a ordem tributária. Nem se olvide que a Lei 8.137/90 é posterior à 6.676/79, que, então, sequer poderia fazer alusão àquela (ressalvando-se reforma legislativa), ainda que fosse o caso.

Do art. 18, IV, b, e §1º, da Lei 6.766/79, extrai-se que o óbice ao registro incide mesmo quando o réu do processo criminal não seja o atual titular do imóvel a ser loteado, mas proprietário anterior, cuja propriedade date de menos de dez anos. Pertinente a sedimentada orientação deste E. CSM sobre o tema:

Equivoca-se o apelante quando procura limitar a restrição ao loteador. O art. 18, par. 1º., da Lei 6.766/79, estabelece que as certidões devem “ser extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel”. No acórdão proferido no processo 856-6/8, de 11 de novembro de 2008, Rel. Des. Ruy Camilo, foi decidido que a ação penal por crime contra patrimônio contra quem foi proprietário do imóvel dentro do decênio anterior constitui impedimento ao registro (fls. 07 e ss.). No mesmo sentido, a apelação cível 1.114/-6/0, de 16 de junho de 2009, Rel. Ruy Camilo.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0078848-38.2009.8.26.0114, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. 20/10/11)

Tampouco há qualquer violação ao princípio da presunção de inocência, pelo só fato de bastar pendência de demanda criminal em face do loteador, ou de qualquer dos proprietários do imóvel, pelo decênio anterior, ainda que sem sentença condenatória definitiva, para obstar o registro do loteamento. Novamente de rigor rememorar a jurisprudência deste E. CSM:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – LOTEAMENTO URBANO – NEGATIVA DE REGISTRO – ARTIGO 18, III, “A” E “C”, E §§ 1º E 2°, DA LEI Nº 6.766/1979 – EXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL EM CURSO CONTRA UM DOS SÓCIOS DA LOTEADORA QUE, POR SI SÓ, OBSTA O REGISTRO – PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO CULPABILIDADE QUE É INSUFICIENTE PARA AFASTAR O ÓBICE – DESQUALIFICAÇÃO MANTIDA – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO NÃO PROVIDO.

É indiferente que a ação penal esteja suspensa em razão do parcelamento do débito que a originou, uma vez que o § 2°, do art. 18, da Lei n° 6.766/1979, é claro ao dispor que a simples existência de processo criminal versando sobre crime contra o patrimônio e contra a administração, contra um dos loteadores ou, como no caso dos autos em que o loteamento está sob a responsabilidade de pessoa jurídica, contra um de seus representantes legais impede o registro do projeto de loteamento.

(…) A lei não leva em conta a culpa dos acusados, mas procura apenas assegurar o sucesso do empreendimento e proteger os futuros adquirentes das unidades imobiliárias.” (Apelação n 3000556-37.2013.8.26.0408, Rel. Des. Elliot Akel, j. 28/4/15)

“A tese de que a exigência legal viola os princípios constitucionais da presunção da inocência e da individualização da pena não pode ser apreciada nesta esfera administrativa, porque a ultratividade da decisão constituiria verdadeiro controle concentrado de constitucionalidade, que só pode ser exercido pela via própria, conforme entendimento já assentado neste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n 97.021-0/0, 3.346-0, 4.936-0 e 20.932-0/0)” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0078848-38.2009.8.26.0114, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. 20/10/11)

Desta feita, por meu voto, havendo impugnação apenas parcial das exigências da nota devolutiva, dou por prejudicadas a dúvida e a apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0011232-88.2016.8.26.0344 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 49.244 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou apósafirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regrastécnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, nãocompete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniammeu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 22.02.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 22/02/2018.

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