Registro de Imóveis – Pedido de cancelamento de loteamento regularizado pela municipalidade e devidamente inscrito – Artigo 23 da Lei n° 6.766/79 – Impugnação do município


  
 

Número do processo: 1123048-48.2015.8.26.0100

Ano do processo: 2015

Número do parecer: 226

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1123048-48.2015.8.26.0100

(226/2017-E)

Registro de Imóveis – Pedido de cancelamento de loteamento regularizado pela municipalidade e devidamente inscrito – Artigo 23 da Lei n° 6.766/79 – Impugnação do município – Pedido de cancelamento formulado por quem não é loteador, tampouco era proprietário da área na época em que o loteamento foi regularizado – Requerente que simplesmente adquiriu os lotes, sem qualquer direito às áreas que se tornaram públicas após o registro do loteamento – Parecer pelo provimento do recurso, impedindo-se o cancelamento pleiteado.

Trata-se de apelação interposta pelo Município de São Paulo contra a sentença de fls. 309/313, que determinou o cancelamento de parcelamento do solo inscrito na matrícula n° 100.360 do 11° Registro de Imóveis da Capital.

Sustenta o apelante, em síntese, que Camper Empreendimentos Ltda., por não ser loteadora, mas mera adquirente dos lotes após o parcelamento, não tem legitimidade para requerer o cancelamento; e que as áreas destinadas ao domínio público, desde a regularização do loteamento, pertencem ao município, de modo que não podem retornar ao domínio particular. Pede, por fim, a reforma da decisão de primeiro grau, com o indeferimento do pedido de cancelamento do loteamento (fls. 332/336).

Camper Empreendimentos Ltda. apresentou contrarrazões (fls. 343/352).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 355/357).

É o relatório.

Opino.

Em se tratando de expediente em que o apresentante busca ato de averbação (cancelamento de loteamento – artigo 248 da Lei nº 6.015/73), e não de registro em sentido estrito, a apelação interposta deve ser recebida, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[1], como recurso administrativo.

No mérito, pretende a apelada, Camper Empreendimentos Ltda., o cancelamento do loteamento regularizado pela Municipalidade de São Paulo e inscrito na matrícula n° 100.360 do 11° Registro de Imóveis da Capital (cf. Av.2 – fls. 164/165).

O Oficial de Registro de Imóveis, de início, entendeu que o cancelamento era inviável, forte no argumento de que os logradouros que passaram ao domínio público (praça, passagem particular e faixa sanitária – cf. Av.2 da matrícula n° 100.360 – fls. 165) não poderiam retornar ao patrimônio particular. Posteriormente, ao receber a informação de que nem os lotes nem as áreas públicas haviam sido implantados, o registrador reviu seu posicionamento e opinou favoravelmente ao cancelamento.

A sentença prolatada pela MM. Juíza da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital determinou o cancelamento do loteamento (fls. 309/313).

Agora, a Municipalidade de São Paulo, que desde o início discordou do cancelamento pleiteado, pede a reforma da sentença (fls. 332/336).

Preceitua o artigo 23 da Lei nº 6.766/79:

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:

I – por decisão judicial;

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.

§ 1º – A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.

Pela análise da matrícula n° 100.360, nota-se que referido imóvel, que era de propriedade de Feliciano Freire Mata e de Francisca Alfonso de Freire, foi compromissado, no ano de 1981, a Eugênio Abrass Saad, Maurice Saad, Neide Caram Saad, George Saad, Suely Zattar Saad e Nicolas Saad (cf. R.l – fls. 164). No ano de 1982, a Municipalidade de São Paulo regularizou o loteamento que agora se pretende cancelar, passando a integrar o domínio público, na forma do artigo 22 da Lei nº 6.766/79, uma passagem particular, com 460m² , uma praça, com 144m², e uma faixa sanitária, com 102m² (cf. Av. 2 – fls. 164/165). Em 1982, Eugênio Abrass Saad, Maurice Saad, Neide Caram Saad, George Saad, Suely Zattar Saad e Nicolas Saad compraram o imóvel anteriormente compromissado (cf. R.5 e Av.6 – fls. 165). Em decorrência da regularização do loteamento, noticiou-se na matrícula mãe o desmembramento dos lotes (cf. Av.7 a Av.22 – fls. 165/167) e sobreveio a abertura de matrículas correspondentes (matrículas n° 135.782 a 135.797 – fls. 170/201).

Ainda no ano de 1982, os imóveis matriculados sob n° 135.782 a 135.797, em virtude de permuta, passaram a ser de propriedade de Abib Azem Administração e Participações Ltda. (cf. R.1 das matrículas n° 135.782 a 135.797). Em seguida, no ano de 1983, Camper Empreendimentos Ltda., ora recorrida, adquiriu todos os lotes objetos das matrículas 135.782 a 135.797 (cf. R.2 das matrículas n° 135.782 a 135.797).

Assim, no caso em tela, Camper Empreendimentos Ltda. não é loteadora e tampouco era proprietária da área na época em que o loteamento foi regularizado.

Isso, por si só, já inibe o requerimento de cancelamento do loteamento, uma vez que as hipóteses previstas nos inciso II e III do artigo 23 da Lei n° 6.766/79 – únicas cogitáveis para o caso – dependem de requerimento do loteador.

Desse modo, ainda que o município não tenha comprovado a inconveniência para o desenvolvimento urbano ou a realização de melhoramentos na área loteada, o cancelamento não poderia ser obtido, pois requerido por quem não tem poderes para tanto.

É certo que a recorrida afirma ter adquirido todo o empreendimento imobiliário, de modo que se sub-rogou em todos os direitos da proprietária original do terreno, entre os quais está o de requerer o cancelamento.

No entanto, ao contrário do alegado a fls. 6, a escritura pública por meio da qual os lotes foram alienados à recorrida não faz qualquer referência ao fato de que, a partir daquela data, Camper Empreendimentos Ltda. passara a ter legitimidade para pedir o cancelamento. Pelo contrário. A escritura de fls. 265/274 simplesmente descreve os quinze lotes negociados.

Ou seja, como ponderado no recurso do município, o cancelamento pretendido transferirá três bens de natureza pública (uma passagem particular, uma praça e uma faixa sanitária) à recorrida, empresa que não adquiriu essas áreas e que nunca foi proprietário delas.

Note-se que o §1° do artigo 23 da Lei n° 6.766/79 possibilita a reversão de bem público ao patrimônio do particular, mesmo sem a concordância do município. Essa reversão, todavia, pela letra da lei, beneficia aquele que era proprietário de toda área loteada, incluídos aí os terrenos afetados por ocasião do registro do loteamento (artigo 22 da Lei n° 6766/79[2]).

Aqui a situação é outra.

Com o cancelamento do loteamento, a recorrente, adquirente de todos os lotes – e só dos lotes – receberia, sem qualquer justificativa, área considerável (700m²) que passou a integrar o patrimônio público em 1982.

Nesses termos, proponho a Vossa Excelência:

a) o recebimento da apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual;

b) que seja dado provimento ao recurso do Município de São Paulo, para impedir o cancelamento do loteamento na forma proposta.

Sub censura.

São Paulo, 7 de junho de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento, para impedir o cancelamento do loteamento. Publique-se. São Paulo, 08 de junho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: EDUARDO MIKALAUSKAS, OAB/SP 179.867, MARCO ANTONIO ZIEBARTH, OAB/SP 296.852, DEUANY BERG FONTES, OAB/SP 350.245 e FERNANDO BRANDÃO ESCUDERO, OAB/SP 303.073.

Diário da Justiça Eletrônico de 15.09.2017

Decisão reproduzida na página 243 do Classificador II – 2017

Notas:

[1] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

[2] Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá reguerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, gue passarão dessa forma a integrar o seu domínio.

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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