Ação anulatória – ITCMD – Separação judicial – Partilha de bens que excedeu a meação – Transmissão sem onerosidade – Doação configurada – Incidência do ITCMD e não do ITBI – Precedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1006887-93.2015.8.26.0248, da Comarca de Indaiatuba, em que é apelante MARIA ENI FRASSETO PEZZINI, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente) e VERA ANGRISANI.

São Paulo, 5 de junho de 2018.

Alves Braga Junior

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto 09964

Apelação 1006887-93.2015.8.26.0248 RMF (digital)

Origem 1ª Vara Cível do Foro de Indaiatuba

Apelante Maria Eni Frasseto Pezzini

Apelado Estado de São Paulo

Juíza de Primeiro Grau Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira

Decisão/Sentença 11/8/2017

AÇÃO ANULATÓRIA. ITCMD. Separação judicial. Partilha de bens que excedeu a meação. Transmissão sem onerosidade. Doação configurada. Incidência do ITCMD e não do ITBI. Precedentes. RECURSO NÃO PROVIDO.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MARIA ENI FRASSETO PEZZINI contra a sentença de fls. 319/322 que, em ação de rito ordinário, ajuizada em face do ESTADO DE SÃO PAULO, julgou improcedente o pedido de anulação do AIIM 4.051.014-1, relativo a débito de ITCMD.

Requer a apelante a inversão do julgado (fls. 328/344).

Contrarrazões a fls. 348/351.

FUNDAMENTAÇÃO

O recurso não comporta provimento.

A autora foi autuada nos seguintes termos (AIIM 4.051.014-1, fls. 39/41):

“Deixou de pagar o ITCMD no montante de R$ 5.245,88 (cinco mil, duzentos e quarenta e cinco reais e oitenta e oito centavos), por omissão, devido pelo recebimento de transferência patrimonial (doação/sucessão) Declarada em sua Declaração de Imposto de Renda – Pessoa Física, ano base de 2009, na Linha 10 – Transferências Patrimoniais (doações, heranças, meações e dissoluções da sociedade conjugal ou unidade familiar), do Quadro de Rendimentos isentos e não tributáveis, enviada à Receita Federal do Demonstrativo de Débito; 31/12/2009 – Valor Declarado: R$ 131.146,90 – ITCMD devido calculado sob alíquota de 4%: R$ 5.245,88.

Infringência: Art. 31, inc. II, alínea “d”, do RITCMD (aprovado pelo Decreto 46.655/2002).

Capitulação da multa: Art. 38, inc. II, alínea “a”, do RITCMD (aprovado pelo Decreto 46.655/2002)”.

A incidência de ITBI ou de ITCMD é caracterizada pela natureza onerosa ou gratuita da transferência dos bens entre os cônjuges.

No caso de transferência onerosa, cabe o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), de competência dos Municípios (artigo 156, inciso II, da Magna Carta).

Sendo gratuita a transferência, cabe o ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos), de competência dos Estados e do Distrito Federal (artigo 155, inciso I, da Constituição Federal).

A Lei 10.705/00, que instituiu o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, previsto no art. 155, I, da CF, estabelece:

Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

(…)

§ 5º – Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.

Os valores recebidos pela apelante em virtude de separação foram declarados em campo próprio (Transferências patrimoniais doações, heranças, meações e dissolução da sociedade conjugal ou unidade familiar), fls. 84.

Houve plano de partilha em separação consensual (fls. 5/12 e 183/190). Para a autora ficaram os seguintes bens imóveis:

A) Um lote de terreno sob nº 15, da quadra 03, do loteamento denominado “Jardim Estância Suíça”, matrícula nº 11.393 do Cartório do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra, com valor venal de R$ 10.510,43.

B) Um lote de terreno sob nº 16, da quadra 03, do loteamento denominado “Jardim Estância Suíça”, matrícula nº 11.392 do Cartório do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra, com valor venal de R$ 141.095,46.

C) Uma gleba de terras, designada “Gleba D”, situada no Bairro dos Macacos, matrícula nº 14.205 do Cartório do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra, com valor venal de R$ 269.213,93.

D) Uma área de terras, formada pelos lotes 07, 08, 09 e 10 da quadra “A”, do loteamento Jardim Lucíola, situados no Bairro das Três Barras, matrícula nº 14.719 do Cartório do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra, com valor venal de R$ 12.847,81.

F) Um lote de terreno sob nº 53, do Loteamento denominado de “Recreio Fazenda Chave Preta”, situado no Bairro das Palmeiras, matrícula nº 16.093 do Cartório do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra, com valor venal de R$ 29.304,64.

H) Uma gleba de terras, remanescente do imóvel denominado “Sítio Santo Antonio”, no Bairro Carlos Gomes, matrícula nº 6.125, do Primeiro Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas/SP, com valor venal de R$ 7.269,69.

Para o ex-marido, ficaram com os bens imóveis descritos nos itens E e G (fls. 5/12 e 183/190):

E) Uma área de terreno com a superfície de 53.715,00 metros quadrados, situada no loteamento denominado “Fazenda Chave Preta”, Bairro das Palmeiras, matrícula nº 18.886 do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra/SP, com valor venal de R$ 13.923,02.

G) Uma gleba de terras, com superfície de 20.000,00 metros quadrados, situada no loteamento denominado “Chave Preta”, no Bairro das Palmeiras, matrícula nº 16.353 do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra/SP, com valor venal de R$ 8.675,78.

Com relação aos bens móveis, couberam à autora os itens I, J, L:

I) Um automóvel Renault Clio, placas DGE 3867-SP, no valor de R$ 16.266,00.

J) Um automóvel Peugeot 206, placas DQD 7854-SP, no valor de R$ 23.762,00.

L) Cotas da Sociedade Limitada “PEZZINI e FRASSETTO LTDA.”, com sede na Avenida Ariovaldo Vianna, nº 99, Serra Negra, correspondentes a R$ 2.000,00 do capital social da empresa, mediante a integralização de 2.000 cotas, no valor nominal de R$ 1,00 cada.

E, finalmente, o bem móvel descrito no item K, ficou para o ex-marido: Um caminhão Ford carreta aberta, Placa CQI 1234, no valor de R$ 20.000,00.

Portanto, pelos valores indicados no plano de partilha, a autora ficou com R$ 512.269,97 enquanto que seu ex-marido ficou com R$ 42.0598,80.

De acordo com os documentos que constam nos autos, houve excesso de meação em favor da autora, sem a correspondente contraprestação, o que caracteriza doação e a incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos).

Ademais, embora a apelante alegue ter havido compensação dos créditos excedentes, não se desincumbiu do ônus probatório. Ausente demonstração nos autos da existência de onerosidade proveniente da partilha de bens do casal.

Nesse sentido:

Apelação nº 1002807-55.2016.8.26.0053

Relator(a): Bandeira Lins

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público

Data do julgamento: 14/03/2018

Ementa: Apelação. ITCMD. SEPARAÇÃO CONSENSUAL. EXCESSO DE MEAÇÃO. Ação anulatória de lançamento fiscal c.c. declaratória de inexistência de dívida fiscal. Alegado excesso de exação por abranger bens não pertencentes ao casal, bem como avaliação superior aos valores dos bens. Inocorrência. Partilha desigual de bens adquiridos na constância do casamento. Excesso apurado sujeito à tributação, como doação de um dos cônjuges ao outro. Tributação de imóvel corretamente efetuada por seu valor venal. Apelo do autor desprovido. Apelo da Fazenda provido.

Apelação nº 1002123-07.2016.8.26.0288

Relator(a): Henri Harris Júnior

Comarca: Ituverava

Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Público

Data do julgamento: 27/8/2013

Ementa: APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO – ITBI – Divórcio consensual – Excesso de meação na partilha – Bens distribuídos de forma desigual e a título gratuito – A ausência de onerosidade afasta a incidência do ITBI – Imposto indevido – Negócio jurídico que caracteriza doação, hipótese de incidência do ITCMD – Precedentes – Sentença mantida – Recurso voluntário e reexame necessário. NÃO PROVIDOS.

Apelação nº 0001149-09.2014.8.26.0077

Relator(a): Vera Angrisani

Comarca: Birigui

Órgão julgador: 5ª Câmara Extraordinária de Direito Público

Data do julgamento: 15/9/2016

Ementa: REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ITBI. Separação judicial consensual. Doação caracterizada. Fato gerador do ITCMD e não ITBI. Precedentes. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido.

A matéria infraconstitucional e constitucional fica prequestionada. Desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais. Basta que a questão tenha sido decidida. Os embargos declaratórios só são admissíveis se a decisão embargada estiver eivada de algum dos vícios que ensejariam sua oposição (STJ, EDRMS 18.205/SP, Rel. Min. Félix Fisher).

DISPOSITIVO

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Para fins do disposto no art. 85, § 11º, do CPC, majora-se a verba honorária para 12% sobre o valor da causa (válido para as duas instâncias).

Alves Braga Junior

Relator

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1006887-93.2015.8.26.0248 – Indaiatuba – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Alves Braga Junior – DJ 08.06.2018

Fonte: INR Publicações.

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Registro de Imóveis – Cadastro Ambiental Rural (CAR) – Averbação – Inclusão de menção quanto à reserva legal de compensação – Possibilidade – Ausência de vedação legal – Rol de atos passíveis de averbação que não é exaustivo – Desejável ampliação da publicidade dos registros públicos – Artigo 29, caput e §1º, III, da Lei 12.651/12 e item 125.2.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Recurso desprovido.

Número do processo: 1001574-37.2017.8.26.0037

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 263

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1001574-37.2017.8.26.0037

(263/2017-E)

Registro de Imóveis – Cadastro Ambiental Rural (CAR) – Averbação – Inclusão de menção quanto à reserva legal de compensação – Possibilidade – Ausência de vedação legal – Rol de atos passíveis de averbação que não é exaustivo – Desejável ampliação da publicidade dos registros públicos – Artigo 29, caput e §1º, III, da Lei 12.651/12 e item 125.2.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto contra a sentença de fls. 90/92, que manteve o texto constante de averbação em matrícula de imóvel, rejeitando pedido de correção.

A recorrente afirma que o registrador fez constar no texto de averbação o número de inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR e, também, alusão à proposta de reserva legal. Sustenta que o acréscimo seria ilegal e que a averbação deve ser corrigida para que apenas o número do CAR seja mantido.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 122/125).

É o relatório.

Opino.

Reclama a recorrente do teor da Av. 15 da matrícula n° 414 do 2° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araraquara (fls. 41/51), na qual constou não só o número de inscrição no CAR, mas também a seguinte informação: “havendo em campo próprio proposta de reserva legal de 23,19 hectares, equivalente a 5,55% do imóvel, não havendo notícia de reserva legal de compensação”.

Pretende a recorrente, com fundamento nos itens 11, letra “b”38 e 12.5 do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ, que da averbação conste somente o número de inscrição no CAR, sem qualquer alusão a reservas legais.

A finalidade do Cadastro Ambiental Rural é viabilizar o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, por meio de integração das informações ambientais das propriedades e posses rurais. Nesse sentido é o teor do artigo 29 da Lei 12.651/12:

“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.

O art. 29, §1°, inciso III, prevê que a inscrição do imóvel rural no CAR, obrigatória, demanda, dentre outras informações, identificação do bem por meio de planta e memorial descritivo, e, caso existente, a localização da Reserva Legal:

“§ 1º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural:

I – identificação do proprietário ou possuidor rural;

II – comprovação da propriedade ou posse;

III – identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal”.

A especialização da Reserva Legal é de suma importância para o sistema registral, tanto que sua omissão é suficiente para impedir que se realizem retificações de registro, desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, nos moldes do item 125.2.1 do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:

“125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP”.

Por esses motivos, cabe ao registrador manter o efetivo controle sobre a especialização da reserva legal. E, assim é que a menção à proposta de reserva legal de compensação, aproveitando a averbação de inscrição do CAR, mostra-se adequada, como forma de reduzir o risco de descumprimento das regras e, principalmente, alcançar o escopo último da norma legal, isto é, a preservação ambiental.

Frise-se que os atos passíveis de averbação estão arrolados de modo exemplificativo. Se não há obrigação legal de averbar a existência de reserva legal, tampouco há vedação de que se o faça. Aliás, trata-se de medida tendente à desejável ampliação da publicidade de informações constantes do fólio real, sem que traga a reboque qualquer notícia falsa ou depreciativa do titular do imóvel.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 07 de julho de 2017.

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 11 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: NARCISO ORLANDI NETO, OAB/SP 191.338, HELIO LOBO JUNIOR, OAB/SP 25.120 e BRUNO DRUMOND GRUPPI, OAB/SP 272.404.

Diário da Justiça Eletrônico de 15.09.2017

Decisão reproduzida na página 243 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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Artigo: CNJ ADOTA LOUVÁVEL DECISÃO DE REVOGAR ARTIGO DE RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTA APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DA APOSTILA NO BRASIL – Por Pércio Brasil Alvares

*Pércio Brasil Alvares

Em meados do mês de maio próximo passado, a presidência do Conselho Nacional de Justiça, nos termos da Resolução CNJ n. 247, de 15.5.2018, adotou a louvável decisão de revogar o art. 20 da Resolução CNJ n. 228, de 22.6.2016.

A Resolução CNJ n. 228/2016é a norma que regulamentou, no âmbito do Poder Judiciário, a aplicação da Convenção de Haia, de 5.10.1961 (Convenção da Apostila), para a eliminação da legalização de documentos públicos estrangeiros por meio de visto ou chancela consular ou diplomática, passando a adotar o método do apostilamento instituído por aquela convenção internacional.

O artigo objeto da revogação havia estabelecido uma limitação de que seriam aceitos somente até 14 de fevereiro de 2017 os documentos estrangeiros legalizados anteriormente a 14 de agosto de 2016 por Embaixadas e Repartições Consulares brasileiras em países partes da Convenção da Apostila, o que equivalia a decretar a revogação, depois de fluído o prazo assinalado, de todos os atos de legalização documental estrangeira realizados anteriormente, por meio de chancela consular ou diplomática conferida por autoridades brasileiras.

O dispositivo recebeu críticas desde a edição da Resolução n. 228/2016 porque invalidava documentos perfeitamente válidos, legalizados segundo o método tradicional de chancela diplomática ou consular até então praticado pelo Brasil, ao mesmo tempo em que estabelecia, para a hipótese de necessidade de sua utilização no país, que deveriam ser revalidados por meio do método apostilar instituído pela Convenção de Haia a que o Brasil aderiu e teve promulgada a referida convenção internacional por força do Decreto n. 8.660, de 29.1.2016, editado pelo Poder Executivo Federal.

Essa disposição mostrava-se incoerente, no aspecto jurídico, tendo em vista que não é o fato de o país ter adotado um novo método de legalização de documentos estrangeiros para sua validação no território nacional, que determinaria a invalidação de documentos legalizados na forma tradicional, pela aposição de chancela ou visto consular ou diplomático, anteriormente à vigência daquele novo método apostilar instituído pela convenção. Bem pelo contrário, porque os atos de legalização são regulados pela lei e pelas práticas vigentes ao tempo em que realizados, sendo perfeitamente válidos para a produção de seus efeitos a qualquer tempo. É a vigência do tradicional princípio lex tempus regit actum.

Dessa forma, a inclusão da norma de efeito revogador só teve a virtude de causar problemas já que muitas pessoas que estavam de posse de documentos há muito legalizados por visto ou chancela consular ou diplomática e que muitas vezes fora obtido enfrentado um verdadeiro calvário para que se realizasse a bom termo a legalização, viram-se, com a decretação da invalidade dos atos de legalização de seus documentos estrangeiros, envolvidos em uma operação talvez tão complexa quanto a sua primeira legalização consular ou diplomática, tendo de fazer com que o documento voltasse ao país de origem (supondo que este seja signatário da convenção) para que lá fosse apostilado nos termos da Convenção de Haia e reenviado ao Brasil.

Ou seja, esse art. 20 da Resolução CNJ n. 228 era uma regra jurídica que submetia muitas pessoas, desnecessariamente, a operações burocráticas para obter a revalidação, no exterior, de um documento que já era perfeitamente válido no Brasil, sem mencionar que, além de tudo, com certeza, redundava novas despesas ao interessado.

De parabéns, portanto, a presidência do Conselho Nacional de Justiça que, nesse caso, deixou de privilegiar a burocracia e favoreceu a cidadania.

*Pós-graduado em Gestão de Serviços Notariais e Registrais pela ENORE-FGV-RS. Gestor Registral no Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre-RS. E-mail: percio@lamanapaiva.com.br. Artigo finalizado em 11.6.2018.

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