1ªVRP/SP: Ação declaratória de nulidade “querela nullitatis insabilis”. Ausência de citação. Possibilidade.


  
 

Processo 1107782-84.2016.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1107782-84.2016.8.26.0100

Processo 1107782-84.2016.8.26.0100 – Procedimento Comum – Propriedade – Beatriz Jacobson Rodas Guimarães – Marcos Antonio Souza Guimarães CPF: 064.026.288-08 e outro – Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido, de modo a declarar nula a r. Sentença proferida nos autos da ação n. 000786- 89.2010.8.26.0100 (reproduzida às fls. 447/448 destes autos), por nulidade absoluta, decorrente da ausência de citação de possuidor do imóvel. Os réus arcarão com custas e honorários advocatícios sucumbenciais, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, sendo-lhes concedidos os benefícios da Gratuidade da Justiça neste ato. Anote-se. Com o trânsito em julgado, traslade-se cópia desta sentença aos autos originários, comunicando-se ainda o i. Cartório de Registro de Imóveis, para que se cancele, se o caso, registro decorrente da sentença da ação originária, que reconheceu o domínio em favor do ora réu da integralidade do imóvel. P.I.C. – ADV: PRISCILA DE CARVALHO SANTOS (OAB 254120/SP), DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO (OAB 999999/DP), ROGERIO DE ALMEIDA SILVA (OAB 99836/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1107782-84.2016.8.26.0100

Classe – Assunto Procedimento Comum – Propriedade

Requerente: Beatriz Jacobson Rodas Guimarães

Requerido: Marcos Antonio Souza Guimarães CPF: 064.026.288-08 e outro

Justiça Gratuita

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Aline Aparecida de Miranda

Vistos.

Trata-se de ação declaratória de nulidade “querela nullitatis insabilis” promovida por BEATRIZ JACOBSON RODAS GUIMARÃES em face de MARCOS ANTONIO SOUZA GUIMARÃES e IVANILDA SILVA ALVES GUIMARÃES. Busca a autora a nulidade da sentença proferida nos autos do processo n. 000786-89.2010.8.26.0100, que reconheceu em favor dos réus o domínio do imóvel localizado à Rua Pelopidas Passamani, n. 35, Casa 01, Parque Maria Alice. Isso porque alega exercer a posse da Casa 02, integrante do imóvel usucapiendo, desde 1995. Contudo, não foi citada na ação de usucapião referida, descobrindo a existência da ação apenas quando da notificação para desocupação. Sustenta a nulidade absoluta da sentença, pretendendo sua nulidade (fls. 01/15). Juntou documentos (fls. 16/400 e 406/413).

Foram deferidos ao autor os benefícios da Gratuidade da Justiça (fls. 401).

Citados, os réus contestaram. Alegaram a validade da citação da autora, por ter sido citada por edital por ocasião da publicação para terceiros interessados e sustentaram o descabimento da ação proposta (fls. 423/437). Juntaram documentos (fls. 438/493).

A autora se manifestou em réplica (fls. 496/504).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Fundamento e decido.

O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo desnecessária a produção de outras provas, além daquelas que já constam dos autos.

A via eleita consiste em querela nullitatis insanabilis, a qual, embora sem previsão legal, é admitida excepcionalmente pela doutrina e pela jurisprudência pátria. Tem caráter subsidiário e só é reconhecida quando tiver por objeto defeito ou nulidade insanável de procedimento na ação questionada, consistente em pressupostos de existência da relação processual ou de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

A citação é garantia primeira e maior do princípio do contraditório, daí a acentuação incomum do seu rigor formal. A falta do ato citatório assume significativa relevância, porquanto a sentença que venha a ser proferida em detrimento dele consistiu verdadeira violência ao seu direito.

Com efeito, não há que se falar em coisa julgada de sentença proferida em processo em que a citação não ocorreu, porque, de fato, não se formou a relação jurídica processual. Assim sendo, está-se diante de uma sentença juridicamente inexistente que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Nesse diapasão, impõe-se afastar o argumento de que seria adequada a propositura de ação rescisória.

Ora, a ausência de citação leva a inexistência da sentença, que, por inexistir, nunca será acobertada pelo manto da coisa julgada, logo, afastada está, por completo, a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, que tem por pressuposto necessário a existência de sentença de mérito transitada em julgado. Em outras palavras, o que não existe não pode ser objeto de rescisão.

Esse é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. REJEIÇÃO. CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. AUSÊNCIA. HIPÓTESE DE QUERELLA NULITATIS. ARGÜIÇÃO POR SIMPLES PETIÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. As hipóteses excepcionais de desconstituição de acórdão transitado em julgado por meio da ação rescisória estão arroladas de forma taxativa no art. 485 do Código de Processo civil. Pelo caput do referido dispositivo legal, evidencia-se que esta ação possui natureza constitutiva negativa, que produz sentença desconstitutiva, quando julgada procedente. Tal ação tem como pressupostos (i)

A existência de decisão de mérito com trânsito em julgado; (ii) enquadramento nas hipóteses taxativamente previstas; e (iii) o exercício antes do decurso do prazo decadencial de dois anos (CPC, art. 495). 2. O art. 485 em comento não cogita, expressamente, da admissão da ação rescisória para declaração de nulidade por ausência de citação, pois não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. É que nessa hipótese estamos diante de uma sentença juridicamente inexistente, que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Falta-lhe, portanto, elemento essencial ao cabimento da rescisória, qual seja, a decisão de mérito acobertada pelo manto da coisa julgada. Dessa forma, as sentenças tidas como nulas de pleno direito e ainda as consideradas inexistentes, a exemplo do que ocorre quando proferidas sem assinatura ou sem dispositivo, ou ainda quando prolatadas em processo em que ausente citação válida ou quando o litisconsorte necessário não integrou o polo passivo, não se enquadram nas hipóteses de admissão da ação rescisória, face a inexistência jurídica da própria sentença porque inquinada de vício insanável. 3. Apreciando questão análoga, atinente ao cabimento ou não de ação rescisória por violação literal a dispositivo de lei no caso de ausência de citação válida, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que o vício apontado como ensejador da rescisória é, em verdade, autorizador da querela nullitatis insanabilis. Precedentes: do STF – RE 96.374/GO, rel. Ministro Moreira Alves, DJ de 30.8.83; do STJ – REsp n. 62.853/GO, Quarta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 01.08.2005; AR .771/PA, Segunda Seção, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 26/02/2007. 4. No caso específico dos autos, em que a ação tramitou sem que houvesse citação válida do litisconsórcio passivo necessário, não se formou a relação processual em ângulo. Há, assim, vício que atinge a eficácia do processo em relação ao réu e a validade dos atos processuais subsequentes, por afrontar o princípio do contraditório. Em virtude disto, aquela decisão que transitou em julgado não atinge aquele réu que não integrou o polo passivo da ação. Por tal razão, a nulidade por falta de citação poderá ser suscitada por meio de ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nullitatis , ou, ainda, por simples petição nos autos, como no caso dos autos. 5. Recurso especial provido”. (Recurso Especial nº 1.105.944 – SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 14/12/2010).

E do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO NA AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. Sentença de procedência. Inconformismo.

Descabimento. NULIDADE DE CITAÇÃO POSTAL. A ré afirma que a signatária do avisto de recebimento não é funcionária da empresa. Teoria da aparência. Citação realizada no endereço declinado na contestação e constante do contrato social como sendo a sede da pessoa jurídica.

Subscritora que recebeu a correspondência da ré, não sendo crível supor que não tinha autorização para tanto. Ademais, a ré sequer trouxe aos autos relação dos empregados há época da citação para demonstrar suas alegações. NULIDADE DA SENTENÇA DA AÇÃO DE RETIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. CABIMENTO DE QUERELA NULLITATIS INSANABILIS E NÃO AÇÃO RESCISÓRIA. A citação é pressuposto do processo e se ausente resulta na inexistência jurídica da sentença, que, bem por isso, não transita materialmente em julgado. Cenário que não desafia o ajuizamento de ação rescisória. Hipótese de “querella nulitatis”. Precedente do STJ.

Negado provimento ao recurso (TJSP; Apelação 0039111-54.2011.8.26.0309; Relator (a): Fábio Podestá; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí – 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 04/02/2015; Data de Registro: 10/02/2015).

No mérito, com razão a autora.

Isso porque é incontroverso que ela exercia, já à época da propositura da ação, a posse do imóvel. Além dos numerosos documentos juntados seu nome (fls. 23 e seguintes), endereçados ao imóvel, com datas diversas, os réus não impugaram a permanência da autora no imóvel, tampouco o exercício de posse da moradia em casa inferior.

Embora os réus sustentem tratar-se de comodato, a natureza da posse exercida não afasta a obrigatoriedade da citação daquele que no imóvel usucapiendo se encontre.

Nesse sentido é clara a orientação do C. Supremo Tribunal Federal, na Súmula n. 263: o possuidor deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião.

Não é possível, portanto, considerar-se suprida a citação tão somente em virtude da publicação de edital para conhecimento de terceiros interessados, sobretudo quando não identificada qualquer excepcionalidade que a justificasse.

Nesse sentido também é o entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

Usucapião extraordinária. Glebas de terra em que o perito identificou haver possuidores, porém não pessoalmente citados. Súmula 263 do STF. Citação que se deve providenciar. Sentença anulada, de ofício.

Recursos de apelação prejudicados (TJSP; Apelação 0002924-36.2003.8.26.0177; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Embu-Guaçu – Vara Única; Data do Julgamento: 25/11/2014; Data de Registro: 26/11/2014) Identificado o vício insanável, imperioso, portanto, o reconhecimento da nulidade da r. Sentença.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido, de modo a declarar nula a r. Sentença proferida nos autos da ação n. 000786-89.2010.8.26.0100 (reproduzida às fls. 447/448 destes autos), por nulidade absoluta, decorrente da ausência de citação de possuidor do imóvel.

Os réus arcarão com custas e honorários advocatícios sucumbenciais, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, sendo-lhes concedidos os benefícios da Gratuidade da Justiça neste ato. Anote-se.

Com o trânsito em julgado, traslade-se cópia desta sentença aos autos originários, comunicando-se ainda o i. Cartório de Registro de Imóveis, para que se cancele, se o caso, registro decorrente da sentença da ação originária, que reconheceu o domínio em favor do ora réu da integralidade do imóvel.

P.I.C.

São Paulo, 20 de julho de 2018.

Aline Aparecida de Miranda

Juíza de Direito (DJe de 24.07.2018 – SP)

Fonte: DJE/SP | 24/07/2018.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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