1VRP/SP: Usucapião exttajuducial. É possível a soma das posses desde que sejam contínuas e pacíficas. Art. 1.243, do Código Civil.

Usucapião exttajuducial. É possível a soma das posses desde que sejam contínuas e pacíficas. Art. 1.243, do Código Civil.

Processo 1016769-62.2020.8.26.0100

Dúvida – Notas – Rita de Cassia Felicio Goria – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Rita de Cássia Felício Goria, após indeferimento de pedido de usucapião extrajudicial de imóvel matriculado sob o nº 65.502 da citada serventia. O indeferimento se deu pois entendeu o Oficial não estarem presentes os requisitos temporais para configuração da usucapião extraordinária. Isso porque, quando da prenotação do título, a requerente não havia preenchido os anos necessários para a prescrição aquisitiva, sendo inviável ainda a accessio possessionis, já que a posse dos antigos possuidores tinha origem em direitos hereditários, enquanto a posse da requerente tem origem em cessão de direitos. Além disso, entende inviável a prescrição intercorrente. Documentos às fls. 09/587. A requerente manifestou-se às fls. 598/602, aduzindo não ser o caso de cessão de direitos hereditários, mas cessão de direitos sucessórios, além de dizer preencher o requisito temporal para reconhecimento da prescrição aquisitiva. O Ministério Público opinou às fls. 609/610 pela procedência da dúvida. É o relatório. Decido. De início, entendo comprovado o requisito do Parágrafo Único do Art. 1.238 do CPC, já que a requerente demonstrou a utilização produtiva do imóvel e realizado obras no local. Como consta do item 4.1.3 da ata notarial apresentada (fls. 28/39), foram apresentados documentos comprovando a compra de materiais de construção para uso no imóvel. Tais documentos também foram juntados às fls. 282/292. Para além disso, o imóvel é alugado para terceiros, demonstrando haver uso produtivo da propriedade. Por tais razões, entendo que a posse ncessária para reconhecimento do pedido é de 10 anos. Ocorre que, como bem apontado pelo Oficial, a requerente obteve a posse a partir de contrato particular datado de 10/08/2009, de modo que os 10 anos seriam preenchidos em 10/08/2019. Tendo em vista que o requerimento de usucapião foi realizado em setembro de 2018, não estavam preenchidos os 10 anos necessários. Ainda que haja grande discussão judicial quando a possibilidade de prescrição intercorrente nos pedidos de usucapião, entendo que tal instituto não pode ser aplicado extrajudicialmente, fundamentalmente porque o protocolo do pedido extrajudicial de usucapião gera prioridade do registro prorrogável enquanto durar o procedimento, impedindo o ingresso de novos títulos com a consequente constituição de direitos reais por terceiros que poderiam interromper o prazo prescricional aquisitivo, de modo que, caso permitida a prescrição intercorrente, estaria qualquer interessado possibilitado de ingressar com o pedido extrajudicial a qualquer tempo, enquanto prorroga a autuação da usucapião até que tenha preenchido o requisito temporal. Além disso, outro requisito essencial do pedido extrajudicial é a ata notarial, que somente descreve os requisitos fáticos existentes à época de sua lavratura, de modo que considerar a posse de tempo posterior, ocorrida durante o trâmite do pedido extrajudicial, sem que tal posse esteja descrita em ata notarial tornaria a exigência legal de sua apresentação inócua para os fins de legitimidade e segurança jurídica que se pretendeu trazer ao procedimento de usucapião com sua lavratura. E ainda que se considere a possibilidade de apresentação de ata notarial complementar, a prescrição intercorrente ainda esbarraria no fundamento apresentado acima, relativo a prorrogação da prenotação. Portanto, se considerada a posse somente entre a data do contrato e o pedido extrajudicial, não estaria preenchido o requisito temporal. Solução para tal questão seria a aplicação do instituto da accessio possessionis, conforme previsão do Art. 1.243 do Código Civil. Entendeu o Oficial pela impossibilidade de aplicação do instituto, devido a divergência entre a natureza da origem da posse dos cedentes e dos cessionários. Ocorre que as particularidades do caso concreto permitem a soma das posses. Como relatado, a titular do domínio Adalgiza Félix não era proprietária tabular até outubro de 2015, quando foi registrada usucapião ajuizada em 1994, sendo que a Adalgiza faleceu em 2001 sem que tenha havido sucessão processual pelos herdeiros. Destaco, portanto, a peculiaridade da cessão de direitos ter se dado após ajuizamento da usucapião por Adalgiza e após sua morte, mas antes da sentença de usucapião ser registrada e sem que houvesse sucessão processual pelos herdeiros, o que permite uma leitura própria do caso. Portanto, quando da cessão dos direitos possessórios, em 2009, nem os herdeiros nem a de cujus eram titulares de domínio, de modo que a posse exercida sobre o bem não era na condição de proprietário tabular, mas verdadeira posse com animus domini passível de reconhecimento para fins de usucapião. Tal natureza da posse foi inclusive assim reconhecida quando do deferimento do pedido judicial de usucapião. Sendo assim, a cessão da posse pelos herdeiros foi faticamente a cessão da posse adquirida em 2001, com a morte de Adalgiza, apesar do contrato mencionar o tempo anterior relativo a posse direta exercida pela falecida. Em outras palavras, tão logo houve o falecimento, pelo instituto da saisine, a posse passou aos herdeiros, que a exerceram entre 2001 e 2009 em nome próprio e com animus domini, sendo que a cessão a requerente se dá nos mesmos termos e permite a accessio possessionis. A peculiaridade é que, entre 2001 e 2009, a posse, apesar da origem hereditária, não foi exercida pela mãe, mas pelos próprios herdeiros. Mesmo que não tenha havido a partilha, considera-se que a posse foi exercida por eles pela saisine, razão pela qual a cessão de direitos juntada é da posse própria, e não do de cujus, o que permite, com relação a tal período, a utilização para contagem do prazo prescricional em favor da ora requerente, novamente destacando que tal posse tinha animus domini já que tal qualidade da posse foi transferida com a sucessão de Adalgiza. Finalmente, a saisine englobou tão somente os direitos possessórios do imóvel, já que os herdeiros não poderiam receber a propriedade plena, que ainda não havia sido declarada em favor de Adalgiza. Neste sentido, cito a Apelação nº 1004010-32.2016.8.26.0189, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Alexandre Coelho, j. 23/10/19: APELAÇÃO – USUCAPIÃO – POSSE DE ANTECESSOR – ADMISSIBILIDADE DA SOMA À POSSE DO ATUAL OCUPANTE, DESDE QUE AMBAS AS POSSES TENHAM NATUREZA DE POSSE AD USUCAPIONEM – Sentença que admite somar-se à posse do atual ocupante a posse de seus antecessores – Para a de soma de posses para fins de usucapião, importa verificar, apenas, se as posses consideradas têm natureza ad usucapionem – Vedação à soma que ocorre nos casos em que o possuidor (jus possessionis) pretende somar a posse do proprietário (jus possidendi), a qual não tem natureza de posse ad usucapionem – Caso em que o antigo possuidor (jus possessionis) veio a falecer e seus dois herdeiros assumiram a posse do imóvel, a qual foi negociada a seguir com o atual ocupante – Somatória de posses que atende ao requisito temporal da usucapião – Validade do negócio jurídico em que os herdeiros transmitiram a posse – Sentença ratificada nos termos do art. 282, do RITJSP – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO [A] norma do artigo 1.243, do Código Civil, admite expressamente a medida, exigindo apenas que todas as posses somadas sejam contínuas e pacíficas. A esse respeito, BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO observa que “continuando o sucessor a título universal a posse do morto, transmitida tal qual mantida anteriormente, sem possibilidade de ser seccionada, incorporados os vícios e as qualidades que lhe são peculiares, tanto que, se era hábil para usucapião, continuará sendo; mas se não era, não permitirá ao herdeiro invocar a prescrição, mesmo que ignore o seu caráter anterior. […] Em suma, sendo as duas posses aptas à prescrição aquisitiva, dar-se-á a soma de modo tranquilo.” (TRATADO DE USUCAPIÃO, 2012, p. 817) A restrição que em jurisprudência se faz diz respeito à soma da posse do antigo proprietário – jus possidendi – com a do atual possuidor – jus possessionis -, porquanto aquela é exercida em decorrência do direito de propriedade e não ad usucapionem. Entende-se que a posse exercida na condição de proprietário não tem natureza de posse ad usucapionem exatamente porque esta pressupõe a ausência de propriedade. Significa dizer que, quando se exige posse da mesma natureza que a anterior como requisito para ambas poderem ser somadas, está-se exigindo que ambas as posses tenham natureza ad usucapionem, apenas isso. Nesse sentido: Usucapião. Acessio possessionis (art. 1243, do CC). Os autores são cessionários e adquiriram a posse de um dos herdeiros daquele que figura como dono. O inventário foi concluído e a parte de terras da qual destacada a área usucapienda coube ao cedente, revelando os documentos a impossibilidade do registro do formal por diversidades de dados. Nas circunstâncias verificadas não parece adequado considerar que a posse do cedente seja posse decorrente da propriedade, mas, sim, de exercício de posse em área pro diviso, sendo hábil para conceder a usucapião. Ora, se a posse do antecessor proporciona usucapião, é igual a posse exercida pelo cessionário, sendo adequado a somatória. 27 anos de posse ininterrupta e pacífica. Provimento para reconhecer e declarar a usucapião. (TJSP; Apelação Cível 0000391-46.2012.8.26.0450; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracaia – 1ª Vara; Data do Julgamento: 14/02/2019; Data de Registro: 21/02/2019) CIVIL USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA PARA O CASO CONCRETO, A ‘ACESSIO TEMPORIS’ PODE SER SOMADA COM A POSSE DO PROPRIETÁRIO ANTERIOR ‘A única exigência do Código Civil para a soma das posses, para fins de usucapião, é que ambas sejam ‘contínuas e pacíficas’. Não se pode desmerecer a posse titulada (‘jus possidendi’), como se tivesse menos valor do que o jus possessionis’. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SENTENÇA DE EXTINÇÃO ANULADA PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO ATÉ SEUS ULTERIORES TERMOS RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação nº 576.953-4/0; 5ª Câmara de Direito Privado; Rel. Oscarlino Moeller; Data de Julgamento: 27/08/08) Veja-se, portanto, que a soma das posses só poderia ser negada caso, quando da cessão de direitos hereditários, a propriedade já estivesse em nome de Adalgiza, hipótese na qual os herdeiros estariam cedendo a posse titulada (‘jus possidendi’), cuja natureza distinta não permitiria a acessão com a posse ad usucapionem da requerente, advinda do jus possessionis. Não tendo havido o prévio registro em nome de Adalgiza, possível considerar que a cessão se deu com relação a posse jus possessionis exercida pelos herdeiros, já que entre 2001 e 2009 não havia qualquer titulação. E se essa era a natureza da posse, possível somar com aquela exercida pela requerente, de igual característica. Por todas estas razões, entendo que a posse a ser considerada é aquela da requerente somada com a posse dos cedentes exercidas desde o falecimento de Adalgiza em 2001, o que torna preenchido o prazo de 10 anos, e até mesmo o de 15 anos caso não considerado o preenchimento dos requisitos do Parágrafo Único do Art. 1.238. Estando os demais requisitos preenchidos e o procedimento tendo corrido em conformidade com as normas de regência, é o caso de deferimento do pedido extrajudicial. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Rita de Cássia Felício Goria, determinando o registro da usucapião extrajudicial de prenotação nº 218.192, relativa ao imóvel matriculado sob o nº 65.502. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: CARLOS BONFIM DA SILVA (OAB 132773/SP) (DJe de 14.04.2020 – SP)

Fonte: DJe/SP

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Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de alteração contratual somente para mudança da sede da empresa – Dever do registrador de proceder a completa qualificação do título – Recusa correta – Recurso não provido.

Número do processo: 1074451-77.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 490

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1074451-77.2017.8.26.0100

(490/2018-E)

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de alteração contratual somente para mudança da sede da empresa – Dever do registrador de proceder a completa qualificação do título – Recusa correta – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de apelação interposto por RSM BRASIL BPO S/S contra a r. Sentença (fls. 83/86) que julgou improcedente o pedido de providências formulado contra o Oficial do 4º Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Capital/SP, em virtude da negativa de averbação da 46ª alteração contratual, que versa sobre a mudança de endereço da sede da empresa. Sustenta a recorrente, em síntese, que a recusa apresentada pelo registrador, fundada na existência de cláusula contratual que trata de exclusão extrajudicial de sócio por justa causa, não pode subsistir, pois referida disposição foi incluída há mais de cinco anos e jamais havia sido questionada por outros registradores. Aduz que, na sociedade simples pura, a exclusão de sócio pela via judicial é uma possibilidade e não, uma obrigação, certo que não há óbice legal à exclusão extrajudicial do sócio minoritário por justa causa, devendo ser observado, para tanto, o procedimento previsto no art. 1.085 do Código Civil (fls. 93/103).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 115/117).

É o relatório.

Opino.

A controvérsia diz respeito à negativa formulada pelo Oficial do 4º Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Capital/SP que, em relação à 46ª Alteração de Contrato Social objeto da prenotação nº 356.842 e, posteriormente, da prenotação nº 358.786, expediu nota devolutiva afirmando não ser possível sua averbação, pois “tem prevalecido tanto na jurisprudência como entre os juristas do ramo do Direito Societário o entendimento de que, no âmbito das sociedades simples puras, a exclusão de sócio minoritário depende de ação judicial, conforme disposto no art. 1.030 do Código Civil, não sendo possível a exclusão extrajudicial por iniciativa dos sócios majoritários” (fls. 71/72).

Como é sabido, incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos. Dentre tais princípios, merece destaque o princípio da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei. A propósito, ensina Afrânio de Carvalho que o Oficial tem o dever de realizar o exame da legalidade do título, apreciando suas formalidades extrínsecas e a conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (“Registro de Imóveis”; Ed. Forense, 4ª edição).

Ademais, ao registrador compete proceder a qualificação completa do título, que deve estar integralmente apto ao registro, sob pena de indeferimento.

No caso em exame, a cláusula 10ª da 46ª Alteração de Contrato Social da apelante prevê a possibilidade de exclusão de sócio por justa causa, nos termos do art. 1.085 do Código Civil. Ocorre que referido artigo de lei diz respeito às sociedades simples que venham a adotar o regime jurídico das sociedades limitadas e não, às sociedades simples puras.

Sobre o tema, há precedente desta E. Corregedoria Geral de Justiça:

Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Sociedade simples – Averbação de alteração contratual que contém cláusula de exclusão extrajudicial de sócio – Impossibilidade – Art. 1.030 do Código Civil – Regra específica que afasta a incidência do art. 44, § 2º, Código Civil – Recurso não provido[1].

E nem se alegue, tal como pretende a apelante, que o registro anteriormente realizado justificaria a averbação pretendida. Com efeito, há reiterada jurisprudência administrativa no sentido de que erros pretéritos não autorizam nem legitimam outros, não se prestando, pois, a respaldar o ato registral pretendido[2].

Diante do exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 22 de novembro de 2018.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 03 de dezembro de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: VIVIANE FERNANDES PEREIRA PESSÔA, OAB/RJ 168.760.

Diário da Justiça Eletrônico de 17.12.2018

Decisão reproduzida na página 261 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

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Registro civil – Casamento religioso – Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos com o objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana – Prova suficiente da celebração do casamento na esfera religiosa antes da entrada em vigor do Decreto 181 de 1890 e da Constituição da República de 1891 – Época em que o registro dos casamentos era realizado pela Igreja Católica – Admissibilidade da retificação pretendida – Sentença mantida – Recurso improvido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1049455-44.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados TATIANA MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA, NATASHA MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA, MARINÉIA MECCHI MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA e CLEIDE MECCHI MORALES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente) e JOSÉ EDUARDO MARCONDES MACHADO.

São Paulo, 25 de março de 2020.

AUGUSTO REZENDE

Relator

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1049455-44.2019.8.26.0100

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apeladas: Tatiana Morales de Albuquerque Pereira e outras

Juiz de primeiro grau: Leticia Antunes Tavares

Comarca: São Paulo

Voto nº 9.814

Registro civil. Casamento religioso. Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos com o objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana. Prova suficiente da celebração do casamento na esfera religiosa antes da entrada em vigor do Decreto 181 de 1890 e da Constituição da República de 1891. Época em que o registro dos casamentos era realizado pela Igreja Católica. Admissibilidade da retificação pretendida. Sentença mantida. Recurso improvido.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r. sentença de fls. 270/274 que julgou procedente pedido de registro tardio de casamento de ascendentes falecidos das autoras.

Sustenta-se, em síntese, a impossibilidade jurídica do pedido, ante a ausência de previsão legal para lavratura de assento de casamento tardio; que o registro tardio depende de ação judicial, excluída a via administrativa; a falta de interesse jurídico a embasar o pedido, uma vez que o matrimonio realizado já é considerado válido, por ter sido celebrado conforme os ditames legais da época em que ocorreu.

Recurso tempestivo, contrarrazoado e dispensado de preparo.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento (fls. 341/344).

É o relatório.

ARGUMENTAÇÃO E DISPOSITIVO

As autoras buscam, dentre outros pedidos, registro tardio de casamento de seus ancestrais Pietro Mecchi e Maria Schebbli, pretendendo com isso obter cidadania italiana.

O artigo 109 da Lei de Registros Públicos prevê a possibilidade de restauração, suprimento ou retificação de assentamento no Registro Civil, cabendo ao interessado fazer a prova do que pretende restaurar, suprir ou retificar.

No caso dos autos, efetuadas as pesquisas pertinentes, verifica-se que realmente não foi lavrado o registro civil de casamento (fls. 45/46).

De outro lado, o documento de fls. 44 comprova que Pietro e Maria casaram-se na Paróquia de São João Batista, na cidade de Rio Claro SP, em 26/11/1887. E se nascido filho legítimo do casal (fls. 47 e 49/50), eì de se presumir, especialmente considerando os costumes mais rigorosos da época, que de fato houve casamento regular perante as autoridades eclesiásticas ao menos algum tempo antes.

A celebração religiosa do casamento ocorreu, ao que tudo indica, em data anterior aÌ entrada em vigor do Decreto n. 181 de 24 de janeiro de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil; bem como em data anterior aÌ da Constituição da República de 1891.

Como já assentado:

Naquele tempo, ainda não se havia estabelecido o casamento civil, conforme lembra Rolf Madaleno: ‘no Brasil, o casamento religioso prevaleceu ao tempo do Império, preconizando a Igreja a sua competência exclusiva para celebrar os matrimônios dos cristãos, existindo, então, apenas o casamento eclesiástico para a união legítima dos cônjuges. O casamento civil foi proclamado com a Constituição da República de 1891, que passou a reconhece^-lo como a única modalidade de matrimônio válido, (…).’ (Curso de direito de família, 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 114). (…)

Também não se considera que o Decreto 9.886 de 07 de marco de 1888 tenha estabelecido a obrigatoriedade do registro do casamento civil, afastando os efeitos jurídicos dos casamentos celebrados apenas no âmbito religioso. A análise de seus dispositivos permite concluir que seu intuito foi tão somente o de estabelecer e regulamentar um sistema de registro civil, para dar execução ao art. 2º da Lei 1.829/1870, que impôs ao governo o dever de organizar ‘o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos’.

Tem-se, assim, a mera criação de uma estrutura administrativa capaz de promover o recenseamento da população, em um momento de ruptura política, sem comprometer a validade ou a eficácia dos casamentos celebrados exclusivamente na esfera religiosa. A obrigatoriedade do casamento civil foi introduzida apenas com o Decreto 181/1890, em seu art. 1º, segundo o qual: ‘As pessoas, que pretenderem casar-se, devem habilitar-se perante o official do registro civil (…)’; tendência consolidada pela Constituicao da República de 1891, em seu art. 72, § 4o, segundo o qual: ‘A Republica sóì reconhece o casamento civil, cuja celebração seráì gratuita’.” (Apelação Cível nº 1084867-70.2018.8.26.0100, Rel. Claudio Godoy, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 22/10/2019).

Nesse contexto, era mesmo o caso de se reconhecer a existência de vínculo matrimonial entre Pietro e Maria a permitir o registro civil tardio.

Em hipóteses análogas, já decidiu esta Corte:

REGISTRO CIVIL. CASAMENTO RELIGIOSO. PRETENSÃO AO REGISTRO TARDIO DE CASAMENTO DE ASCENDENTES FALECIDOS, COM O ÚNICO OBJETIVO DE INSTRUIR PEDIDO DE OBTENÇÃO DE CIDADANIA ITALIANA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO. ACOLHIMENTO. FACULTASE AOS DESCENDENTES REQUERER O REGISTRO TARDIO DE ANTEPASSADO, EM FACE DA INEXISTÊNCIA DE REGISTRO PÚBLICO À ÉPOCA. COMPROVAÇÃO DO CASAMENTO RELIGIOSO CELEBRADO, COM A FORMAÇÃO DE PROLE. ÉPOCA DE TRANSIÇÃO ENTRE OS REGISTROS PAROQUIAIS E A EXIGÊNCIA DE REGISTRO CIVIL PERANTE O CARTÓRIO. PRETENSÃO QUE NÃO VIOLA DIREITO PÚBLICO, NEM CAUSARÁ PREJUÍZOS A TERCEIROS OU LESÃO A INTERESSE ALHEIO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível nº 1005467-67.2018.8.26.0565, Rel. Coelho Mendes, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 08/10/2019);

Registro Civil. Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos, com o único objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana. Sentença de improcedência. Inconformismo. Acolhimento. Faculta-se aos descendentes requerer o registro tardio de antepassado, em face da inexistência de registro público à época. Comprovação do casamento religioso celebrado em 1899, com a formação de prole. Época de transição entre os registros paroquiais e a exigência de registro civil perante o cartório. Pretensão que não viola direito público, nem causará prejuízos a terceiros ou lesão a interesse alheio. Sentença reformada. Recurso provido. (Apelação Cível nº 1073406-04.2018.8.26.0100; Rel. Rômolo Russo, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 22/02/2019);

Registro Civil – Pedido de registro de casamento de ascendentes para instruir requerimento de cidadania italiana – Prova suficiente da realização do casamento em outubro de 1886 – Época em que o registro dos casamentos era realizada pela Igreja Católica – Admissibilidade do registro. Recurso provido. (Apelação Cível nº 1127476-68.2018.8.26.0100, Rel. Luis Mario Galbetti, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 01/06/2019).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É o meu voto.

Augusto Rezende

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1049455-44.2019.8.26.0100 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Augusto Rezende – DJ 02.04.2020

Fonte: INR Publicações

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