Mulher que desistiu de adoção durante estágio de convivência terá que pagar danos morais

Por desistir de um processo de adoção, uma mulher foi condenada pela Justiça do Ceará a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais à criança. Já vinculada à menina de 7 anos, em 2010, a mãe adotiva alegou que a filha era desobediente ao “devolvê-la” para um abrigo público. A decisão é da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza e ainda cabe recurso.

A criança devolvida para adoção há 10 anos tem hoje 17 anos e está na iminência de alcançar maioridade e sair do abrigo público. Segundo relatos nos autos, a mulher que quis adotá-la, mas desistiu nunca a visitou. Além do trauma do abandono de quem se propôs a ser mãe, ela encarou a frustração de não ter sido adotada por outra família.

A juíza responsável pelo caso, Alda Maria Holanda Leite, pontuou que a devolução da criança ocorreu no chamado “estágio de convivência”, quando, por lei, o pretendente deve avaliar e certificar-se do seu desejo e da disposição de aceitar aquele ser para toda vida. Os prejuízos à criança, em situações como essa, podem ser irreversíveis.

De acordo com a sentença, não houve esforço por parte da mãe para a relação entre as duas continuasse e fosse plena, harmoniosa e permeada de afeto. Como a criança apresentou danos psicológicos evidenciados em relatórios posteriores à devolução, a magistrada considerou pertinente o pagamento da reparação.

Atenção do Sistema de Justiça

Segundo o defensor público Adriano Leitinho, que atuou no caso, a decisão “chama a atenção do Sistema de Justiça para a importância do preparo dos pretendentes à adoção”, disse, em entrevista à Defensoria Pública-Geral do Ceará – DPG-CE.

“Mostra a relevância que os cursos de formação têm nos processos de habilitação dos pretendentes e prova que não podemos correr a qualquer custo com os processos sob o risco de acontecer o que aconteceu neste, onde a criança já virou adolescente e ainda permanece acolhida”, prosseguiu Leitinho.

Decisões do tipo já ocorreram em outros estados, mas essa é a primeira que se tem notícia no Ceará, de acordo com o defensor público. O dinheiro da indenização ficará guardado em conta bancária até que a adolescente alcance 18 anos. Até lá, o diretor da unidade de acolhimento, guardião da jovem, pode acessar o valor exclusivamente para o proveito da jovem e mediante prestação de contas.

“Experiência terrível”

Em março, o juiz Fernando Moreira Freitas da Silva, vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avaliou um caso semelhante, ocorrido na Paraíba. “Todos os conflitos narrados na decisão podem ocorrer tanto com filhos adotivos quanto com filhos biológicos. Nunca fui procurado por uma família biológica para entregar o seu filho por tais comportamentos, apesar de eles existirem”, opinou.

O juiz ressalta que a criança ou adolescente é submetida a uma experiência terrível ao retornar para adoção. A condenação por dano moral tem sido usada para coibir esses casos. “Penso que falta investirmos melhor no preparo dos pretendentes à adoção. Verificarmos se os pais adotivos realmente estão preparados para a inclusão de um filho na família, independentemente de todos os conflitos que possam surgir. Deve ficar claro que o filho não é um objeto, portanto, não se devolve”, defendeu o magistrado.

Fonte: IBDFAM

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CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação em que figura como parte executada pessoa jurídica incorporada por outra – Averbação na matrícula do imóvel do ato de incorporação empresarial – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Inexistência de lacuna no registro imobiliário que possa configurar ofensa ao princípio de continuidade – Óbice afastado para julgar a dúvida improcedente – Dá-se provimento à apelação.

Apelação Cível n° 1000050-82.2020.8.26.0624

Espécie: APELAÇÃO CÍVEL

Número: 1000050-82.2020.8.26.0624

Comarca: TATUI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n° 1000050-82.2020.8.26.0624

Registro: 2020.0000722656

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000050-82.2020.8.26.0624, da Comarca de Tatuí, em que são apelantes DJALMA JOSÉ MICHELLIM e APARECIDA DE LOURDES NALIN MICHELLIM, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TATUI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, afastando o óbice apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Tatuí/SP, e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000050-82.2020.8.26.0624

Apelantes: DJALMA JOSÉ MICHELLIM e APARECIDA DE LOURDES NALIN MICHELLIM

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tatui

VOTO Nº 31.197

Registro de imóveis – Carta de arrematação em que figura como parte executada pessoa jurídica incorporada por outra – Averbação na matrícula do imóvel do ato de incorporação empresarial – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Inexistência de lacuna no registro imobiliário que possa configurar ofensa ao princípio de continuidade – Óbice afastado para julgar a dúvida improcedente – Dá-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Djalma José Michellim Aparecida de Lourdes Nalin Michellim contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que manteve a recusa ao registro de carta de arrematação tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 15.073 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP, ao argumento de que haveria ofensa ao princípio da continuidade, eis que, no título apresentado, consta como executada pessoa jurídica diversa daquela que figura, no fólio real, como titular de domínio do imóvel arrematado (fl. 55/58).

Em síntese, alegam os apelantes que, nos autos da ação de execução fiscal que a Fazenda Municipal de Tatuí/SP ajuizou contra BANERJ Crédito, Financiamento e Investimentos S/A (Processo nº 948/1995), arremataram o imóvel matriculado sob nº 15.073 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP, em 22.05.2000. Referido imóvel havia sido adquirido pela executada, em 12.07.1982 (R.1), sendo que, em 17.07.2013, foi requerida a averbação de Ata de Assembleia realizada em 04.01.1993, referente à incorporação da pessoa jurídica pelo Banco do Estado do Rio de Janeiro (AV.2). Posteriormente, foram averbadas na matrícula duas alterações da denominação social da titular de domínio (AV.3 e AV.4). Entendem, assim, que não houve modificação da titularidade dominial, o que se daria mediante a prática de ato de registro, mas apenas alteração das denominações sociais da instituição financeira proprietária do imóvel por meio de averbações, não estando configurada, portanto, a alegada ofensa ao princípio da continuidade registral.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 102/104).

É o relatório.

2. Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

117 – Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

Este Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/02/2016; Data de Registro: 13/04/2016).

No caso concreto, a carta de arrematação foi expedida em favor dos apelantes, nos autos da ação de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Municipal de Tatuí contra BANERJ Crédito, Financiamento e Investimentos S/A (Processo nº 948/95), em 12.07.2000 (fl. 04/20).

O título ingressou na serventia imobiliária em 09.12.2019 (Protocolo nº 278.635 fl. 22), tendo o registrador emitido nota de devolução assim redigida: “O presente título não comporta registro, por violação ao princípio da continuidade. Embora a Carta de Arrematação tenha sido expedida em 12 de julho de 2000, quando figurava como proprietária do imóvel a BANERJ Crédito, Financiamento e Investimento S.A., referida empresa foi incorporada pelo Banco do Estado de Rio de Janeiro S.A., conforme AV.2/15.073, que se tornou, por consequência, a nova proprietária, impossibilitando, assim, o registro da carta de arrematação” (fl. 23).

Na matrícula nº 15.073 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí/SP (fl. 24/25) consta como titular de domínio do imóvel o Banco Bradesco BERJ S/A, atual denominação do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A. (AV. 3/15.073 e AV. 4/15.073), que havia incorporado a então proprietária, BANERJ – Crédito, Financiamento e Investimentos S/A. (AV. 2/15.073). A propósito da incorporação, estabelece o art. 1.116 do Código Civil:

Art. 1.116 – Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

Sobre o tema, vale lembrar a lição de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, para quem: “a incorporação implica a transferência do patrimônio líquido da sociedade incorporada para a sociedade incorporadora, à semelhança do que ocorre com a versão de bens para a constituição de nova companhia, ou seja, mediante subscrição do capital da incorporadora, efetuada pelos acionistas da incorporada” (“Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro”, José Bushatsky Editor, 1979, p. 665). É que a reorganização societária, na modalidade da incorporação, importa transmissão do patrimônio da sociedade incorporada à sociedade incorporadora, configurando uma alienação “lato sensu”.

Destarte, havendo irrecusável sucessão, por parte da instituição financeira incorporadora, de todos os direitos e obrigações da instituição financeira incorporada, patente a alteração da propriedade do imóvel decorrente da mutação subjetiva da titularidade dos bens que integram o patrimônio líquido da pessoa jurídica (Rubens Requião, “Curso de Direito Comercial”, 1977, vol. II, p. 215; Fran Martins, “Curso de Direito Comercial”, 1981, p. 434; Nelson Abrão, “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada”, 1980, p. 134/135).

Ressalte-se, a propósito, que nos casos de fusão, cisão e incorporação de sociedades anônimas, o título para o lançamento da alteração do titular de domínio no Registro de Imóveis é a certidão do registro das atas, conforme estabelece o art. 234 da Lei nº 6.404/1976: “A certidão, passada pelo registro do comércio, da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações”.

Nesse cenário, diferentemente do que sustentam os apelantes, não há que se falar, no caso em análise, em mera mudança de nomenclatura da pessoa jurídica, eis que a averbação no registro imobiliário do ato de incorporação (AV. 2/15.073) enseja a transmissão da propriedade para a incorporadora.

A despeito disso, cumpre ressaltar, inexiste ofensa ao princípio da continuidade, previsto no art. 195 da Lei n.º 6.015/73.

E assim é porque, como esclarecido, cuida-se a incorporação de verdadeira técnica de reorganização societária, em que não há transferência de bens específicos, em si considerados, mas de uma universalidade de direitos e obrigações. Não se trata de negócio especificamente concernente à transferência de determinado bem imóvel, certo que o patrimônio da pessoa jurídica incorporada é integralmente transferido à incorporadora, ocasionando a extinção daquela.

Considerando que a pessoa jurídica incorporada sequer existe mais, pois extinta de acordo com o art. 1.118 do Código Civil, passando o seu patrimônio a pertencer integralmente à incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal, não se vislumbra, no caso concreto, nenhuma lacuna no registro do imóvel em questão que possa ferir o princípio de continuidade. Anote-se, a propósito, que o titular de domínio constante do registro incorporou a transmitente indicada no título, o que justifica a transmissão do imóvel aos apelantes sem comprometer o encadeamento subjetivo de direitos reais imobiliários.

Em suma, averbada a incorporação empresarial no fólio real e diante da natureza desse instituto, é possível vislumbrar a correspondência entre o que consta do registro imobiliário e o que consta do título aquisitivo, atendendo-se nesse aspecto, além do referido princípio da continuidade, também o princípio da especialidade objetiva e subjetiva.

Por conseguinte, não subsiste o óbice apresentado ao registro da carta de arrematação expedida em favor dos apelantes.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar improcedente a dúvida, afastando o óbice apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Tatuí/SP, e determinar o registro do título.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 21.09.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Recurso provido – Registro de Imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de compra e venda de lote – Condomínio voluntário simples – Inexistência de elemento registrário a indicar descumprimento de normas urbanísticas e do projeto de loteamento – Inexistência de venda de fração ideal ou formação sucessiva de condomínio voluntário – Aquisição direta ao loteador da integralidade do imóvel por dois compradores – Descumprimento futuro de restrição convencional ou legal deve ser impugnada pelos demais proprietários do loteamento, pelo loteador ou pelo Poder Público – Desdobro não autorizado – Incidência da vedação do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ aos casos em que haja elemento registrário indicando burla às normas urbanísticas – Ato futuro ilegal deve ter seu ingresso no registro impedido – Impossibilidade de presunção da má-fé dos adquirentes – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Apelação Cível n° 1021487-53.2019.8.26.0451

Espécie: APELAÇÃO CÍVEL

Número: 1021487-53.2019.8.26.0451

Comarca: PIRACICABA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n° 1021487-53.2019.8.26.0451

Registro: 2020.0000722653

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1021487-53.2019.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que são apelantes PAULO CESAR DE MATOS e ANDRE ROBERTO CORADINI, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIRACICABA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida suscitada, determinando o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1021487-53.2019.8.26.0451

Apelantes: Paulo Cesar de Matos e Andre Roberto Coradini

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas

VOTO Nº 31.187

Recurso provido – Registro de Imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de compra e venda de lote – Condomínio voluntário simples – Inexistência de elemento registrário a indicar descumprimento de normas urbanísticas e do projeto de loteamento – Inexistência de venda de fração ideal ou formação sucessiva de condomínio voluntário – Aquisição direta ao loteador da integralidade do imóvel por dois compradores – Descumprimento futuro de restrição convencional ou legal deve ser impugnada pelos demais proprietários do loteamento, pelo loteador ou pelo Poder Público – Desdobro não autorizado – Incidência da vedação do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ aos casos em que haja elemento registrário indicando burla às normas urbanísticas – Ato futuro ilegal deve ter seu ingresso no registro impedido – Impossibilidade de presunção da má-fé dos adquirentes – Dúvida improcedente – Recurso provido.

1. Trata-se de apelação interposta por Paulo César de Matos e André Roberto Coradini de Jesus visando a reforma da sentença de fl. 100/102, que julgou procedente dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Piracicaba, mantendo a recusa de ingresso na matrícula de escritura pública de compra e venda de imóvel em condomínio voluntário simples pelos apelantes.

A Nota de Devolução do título apresentou os seguintes fundamentos (fl. 26/27):

“Formação de condomínio ordinário entre pessoas sem vínculo em lote oriundo de loteamento indícios de burla ao plano inicial do loteamento.

A formação de condomínio ordinário entre pessoas que não tem entre si qualquer vínculo, é elemento indiciário da provável alteração do plano inicial do loteamento, mediante futuro desdobro. Tal fato impede a efetivação do registro pretendido. Caso haja vínculo entre os adquirentes, o título (escritura, instrumento particular), deverá ser rerratificado para que dele conste tal informação.

Fundamento normativo: item 171 do Cap. XX do Prov. 58/89 da E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Fundamento jurisprudencial: decidido pelo C. Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, nas Apelações Cíveis 1002675-90.2015.8.26.0066 e 1000352-08.2018.8.26.0584”.

O recurso sustenta, em resumo, ocorrência de cerceamento de defesa, por conta do indeferimento do pedido de manifestação do tabelião que lavrou a escritura de compra e venda, além da renovação de manifestação do registrador, sem possibilidade de tréplica.

No mérito, afirma que a decisão torna ineficaz a previsão legal do condomínio civil simples, não havendo qualquer menção de desdobro na escritura pública apresentada a registro, não cabendo ao registrador inferir a intenção futura das partes para recusar o ingresso. Afirma a possibilidade de possível futuro desdobro, autorizado pela Municipalidade, mesmo que inexistentes vínculos entre os interessados. Da mesma forma, afirma a possibilidade de afastamento futuro das restrições urbanísticas impostas pelo loteador. Alega que a dimensão diminuta do imóvel e a existência de restrição urbanística no registro do loteamento impede o desdobro, afastando-se a desconfiança do registrador. Ainda, que realização de compra e venda, não há necessidade de indicação de vínculo entre compradores, que podem ser simples investidores e que o impedimento de ingresso deve ocorrer por conto de eventual pedido de registro de desdobro. Sugere, por fim, alteração das NSCGJ, alterando-se a redação do item 166 do Capítulo XX (fl. 108/138).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 160/162).

É o relatório.

2. Trata-se de recurso de apelação interposto por Paulo César de Matos e André Roberto Coradini de Jesus, pretendendo afastar o óbice apontado pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Piracicaba, registrando-se a escritura de compra e venda de bem imóvel em favor dos apelantes, estabelecendo-se condomínio civil simples entre os mesmos.

A sentença de primeiro grau reconheceu a existência de risco de ocorrência de fraude à legislação urbanística e ao projeto inicial do loteamento aprovado, por conta da possibilidade de desmembramento irregular, o que se conclui pela aquisição em condomínio civil simples de lote não edificado por pessoas sem comprovação de qualquer vínculo.

Em primeiro plano, afasto a preliminar de cerceamento de defesa.

Procedimento de dúvida não é processo judicial ou administrativo, tratando-se de procedimento tipicamente administrativo, de natureza especial e voltado exclusivamente à apreciação da legalidade da qualificação negativa como ato próprio do registrador. Não há lide ou coisa julgada material, em nada se impedindo a reapresentação do título atendidas as exigências, afastando-se a aplicação ao mesmo de institutos típicos de processos judiciais e administrativos, como as regras constitucionais e legais atinentes ao direito de defesa.

A cognição é limitada e não sujeita à imutabilidade natural às decisões judiciais, estas sim submetidas à aplicação necessária dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Tanto é assim que o registrador, no procedimento de dúvida, não é considerado parte interessada na decisão do procedimento, nem tendo interesse recursal, mas mero remetente da impugnação às razões de recusa apresentadas pelo interessado no ato de registro, com interesse limitado à justificação administrativa de sua decisão de qualificação negativa.

Não há, portanto, que se falar em contraditório ou garantia à ampla defesa, não havendo qualquer mácula no procedimento ou na sentença por conta do indeferimento do pedido de manifestação do tabelião que lavrou a escritura com registro recusado, ou a renovação da manifestação do registrador sem que se ouvisse, por força do contraditório, o interessado na suscitação da dúvida.

Fica, assim, afastada a preliminar suscitada no recurso.

No mérito, o recurso comporta provimento.

Foi prenotado no registro de imóveis escritura pública de compra e venda de lote não edificado, tendo por objeto o imóvel objeto da matrícula nº 108.938 do 2º Registro de Imóveis de Piracicaba.

Do negócio jurídico observa-se a condição de compradores dos recorrentes e suas esposas, com divisão igualitária das despesas e, consequentemente, da propriedade, não se inferindo, de qualquer maneira, divisão certa das partes ideais sobre o bem imóvel. Este, por força da escritura, é alienado em sua totalidade pelo loteador a dois compradores em proporção ideal idêntica, mas sem fixação, de qualquer foram, da parte do imóvel que a cada um caberá. Declaram no negócio, ainda, que têm ciência das restrições convencionais incidentes sobre o bem, determinadas pelo loteador e objeto de registro próprio.

Ou seja, a descrição do negócio indica a formação de um condomínio voluntário simples, sem que haja identificação de área certa a cada um dos adquirentes, com alienação e aquisição da propriedade em seu todo em negócio único pelo próprio loteador. As circunstâncias não se identificam com a formação de condomínio voluntário por alienações sucessivas da metade ideal, seja por parte do loteador, seja por parte de proprietário sucessivo, diferenciando-se aqui a formação originária do condomínio voluntário daquela decorrente de alienação parcial sucessiva.

O Oficial de Registro fundou sua dúvida na incidência da regra do item 166, do Capítulo XX das NSCGJ:

166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com locação, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra.

A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.

A distinção fática do caso impede a incidência da vedação administrativa.

A aplicação da limitação do item 166 das NSCGJ exige que se vislumbre, no negócio jurídico a ser registrado, elementos internos e atuais a indicar que a alienação e formação do condomínio decorre de um parcelamento irregular ou fraudulento, o que se observa em casos da propriedade ser alienada em frações e de forma sucessiva. Isto não ocorre em casos como o presente, nos quais a totalidade da propriedade é adquirida do vendedor, que é o próprio loteador, por duas pessoas distintas, em condomínio voluntário, sem descrição de fração certa no terreno para cada um, mas apenas proporcionalidade no direito adquirido.

A existência de futuro desdobro, se houver, ou divisão de fato do imóvel, não pode, nestes casos, impedir a formação inicial do condomínio voluntário. É que, em havendo desdobro ilegal ou em desacordo com as restrições convencionais aplicadas ao imóvel, caberia ao

Poder Público, aos demais proprietários do loteamento ou mesmo ao loteador, impugnar e impedir sua realização.

E, ainda, caberia ao Oficial de Registro de Imóveis recusar o ingresso de eventual futuro título característico do desdobro ilegal, cumprindo-se ao princípio da legalidade e a estrita observância das restrições convencionais impostas ao bem.

O que não se admite é, de forma antecipada e indicando presunção da má-fé, impedir a aquisição integral da propriedade por dois sujeitos na forma de condomínio voluntário simples, diretamente ao loteador, ante a ausência de elementos registrários aptos à conclusão pela existência de venda fracionada do lote.

E, não havendo venda de frações ideais do lote ou formação sucessiva de condomínio voluntário simples, mas a aquisição originária da totalidade do bem por dois compradores, sem especialização das frações adquiridas, não incide, concretamente, a vedação administrativa do item 166, do Capítulo XX das NSCGJ.

Fica, assim, afastado o óbice ao registro, julgando-se improcedente a dúvida suscitada.

3. Por todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida suscitada, determinando o registro do título.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 21.09.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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