Ex-cônjuge citado em testamento feito durante casamento tem direito à herança? Especialistas respondem

O divórcio quebra a base objetiva do testamento feito no momento do casamento? A pergunta, ainda sem resposta homogênea ou consolidada pelos tribunais, encontra explicações e estudos extensos na doutrina. Segundo especialistas, é possível prevenir futuras divergências nesse âmbito no momento em que se faz o planejamento sucessório.

Diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a tabeliã Priscila Agapito entende que, nos casos em que o ex-cônjuge está citado no testamento, pode haver a caducidade da cláusula. “Se o testador faz uma deixa beneficiando o seu cônjuge e vem a ocorrer o divórcio, não subsiste mais a base objetiva do contrato de testamento.”

Ela pondera que deve-se sempre observar a intenção e vontade do testador. “Muitas vezes, as deixas são feitas à pessoa tal, que por acaso é o cônjuge, e esta condição não é a relevante. Muitos casais nutrem especial afeto e, ainda que haja o divórcio, a vontade era de beneficiar aquela pessoa mesmo assim.”

“Noutras não, tanto que vários testadores nos pedem que frisemos a questão de que a deixa se dará apenas se continuarem casados. Outra situação é se, apesar de haver o divórcio, o casal seguir em união estável? Aqui, haveria a quebra da base? Cada caso é um caso”, pontua Priscila.

A tabeliã fala de sua experiência profissional nessas situações. “Já cheguei a lavrar testamentos em que o testador beneficiava a sua ex-esposa, mãe de seus filhos. Não é nada excepcional. Mas não há que se falar em anulação do documento, apenas ineficácia ou caducidade em relação àquela cláusula específica”, defende.

Redação substancial e exaustiva

Segundo Priscila Agapito, é possível prevenir este tipo de situação fazendo uma redação substancial e exaustiva do testamento. “Deixar claro se o testador deseja beneficiar o seu cônjuge, companheiro, desde que essa situação perdure à época da morte, ou se deseja beneficiar a pessoa em si, independentemente da condição que ostente na abertura da sucessão.”

Segundo a especialista, também é possível e indicado se prever o substituto testamentário, pois, no momento da morte, o herdeiro instituído pode já ter morrido, renunciar a seu quinhão ou por qualquer outro motivo não receber a herança. “Para que não pairem quaisquer dúvidas, o ideal é que, se houver o divórcio, o testador lavre novo testamento, ou, como sugerido anteriormente, se preveja uma cláusula expressa para o caso”, aconselha.

Anulação do testamento

A advogada e professora Karin Regina Rick Rosa, vice-presidente da Comissão de Notários e Registradores, destaca que não existe previsão de anulação e tampouco de ineficácia do testamento no caso de o beneficiário ser ex-cônjuge do testador ao tempo da abertura da sucessão. “Portanto, a separação, judicial ou de fato, ou o divórcio, por si só, não constituem causa de anulação do testamento”, explica.

No entanto, o artigo 1.897 do Código Civil (Lei 10.406/2002) possibilita que o testador nomeie herdeiro ou legatário sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo. Desta forma, é possível uma disposição testamentária ter por motivo o fato de o beneficiário ser cônjuge do testador.

“Neste caso, a mudança na condição poderá caracterizar a quebra da base objetiva. E dizemos que poderá pois não é certo que isso aconteça. A análise do caso concreto é que dirá efetivamente se mudaram as condições fáticas do momento da manifestação da vontade para o momento da abertura da sucessão”, acrescenta Karin.

Para a especialista, a disposição testamentária que beneficia pessoa certa, sem vinculá-la à qualidade de cônjuge, já é suficiente para afastar uma interpretação de que a nomeação seja condicionada ou por motivo. A advogada frisa, ainda, que o testador é livre para revogar, total ou parcialmente, o testamento ou disposições testamentárias a qualquer tempo, conforme o artigo 1.858 do Código Civil.

“Considerando que o testador tem a liberdade de dispor e de mudar as disposições testamentárias a qualquer tempo, uma maneira de tornar inequívoco seu desejo de manter o ex-cônjuge como herdeiro testamentário, e trazer mais garantia ao cumprimento da vontade, é reafirmá-la, o que poderá ser feito em novo testamento. Outra, é que no próprio momento da disposição, o testador deixe expresso que o rompimento por separação ou divórcio não afasta o direito hereditário do cônjuge beneficiário.”

Entendimento dos tribunais

As duas especialistas comentam que, pela complexidade e necessidade de análise casuística, não existe um entendimento consolidado nos tribunais sobre o tema. Por outro lado, a matéria vem sendo amplamente discutida no âmbito doutrinário por nomes como José Fernando Simão e Luiz Paulo Vieira de Carvalho.

Em seu artigo “O divórcio como quebra da base objetiva do testamento“, Simão analisa a questão e aponta para a complexidade e a necessidade de análise caso a caso. “Se a comunhão de vida prossegue, se após o divórcio mantém-se, a convivência more uxorio, cabe ao sobrevivente provar tal fato afastando a presunção relativa de caducidade do testamento”, defende ele.

Para Carvalho, não há perda da eficácia do testamento ou da disposição testamentária que beneficia cônjuge quando ao tempo da morte o testador encontrava-se divorciado, separado de fato ou judicialmente, ou até mesmo com casamento declarado nulo, sob o argumento de que não necessariamente houve rompimento dos laços de carinho, consideração e afeto entre os ex-cônjuges.

Fonte: IBDFAM

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CSM/SP: PROVIMENTO CSM Nº 2583/2020

O Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em 01/12/2020, determinou a republicação do Provimento CSM Nº 2583/2020.

PROVIMENTO CSM Nº 2583/2020

Dispõe sobre o horário de expediente judiciário e a força de trabalho presencial na vigência do Sistema Escalonado de Retorno ao Trabalho Presencial (Provimento CSM nº 2564/2020) e dá outras providências.

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de suas atribuições,

CONSIDERANDO a edição da Resolução CNJ nº 322/2020, de 1º de junho de 2020;

CONSIDERANDO o julgamento pelo Conselho Nacional de Justiça, do Ato Normativo n.º 0004117-63.2020.2.00.0000, Relator Ministro Dias Toffoli, no dia 10 de julho de 2020, na 35ª Sessão Virtual Extraordinária;

CONSIDERANDO que a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) e declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) persiste;

CONSIDERANDO a regressão parcial da pandemia da Covid-19 no Estado de São Paulo e a flexibilização das regras de isolamento e distanciamento social pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo;

CONSIDERANDO que, a despeito das sérias ações do Poder Executivo estadual, o panorama da Covid-19 no Estado de São Paulo ainda exige atenção;

CONSIDERANDO a necessidade de manutenção das medidas aptas a preservar a integridade física e a saúde de magistrados, servidores, terceirizados, membros do Ministério Público, advogados, defensores públicos, colaboradores e jurisdicionados;

CONSIDERANDO que as medidas reguladoras até o momento implementadas se mostraram eficientes, no âmbito do Tribunal de Justiça, tanto na preservação da saúde, como na prestação dos serviços que lhe são afetos;

CONSIDERANDO que a ênfase ao enfrentamento da questão sanitária não tem trazido prejuízo à prestação jurisdicional, como revela a destacada produtividade do Tribunal de Justiça durante o período da pandemia, contabilizando-se, até 25 de outubro de 2020, a prática de mais de 18 milhões de atos, sendo 2 milhões de sentenças e 616 mil acórdãos;

CONSIDERANDO o disposto nos artigos 1º, caput, 4º, caput, e 11, § 3º, 15, 28 e 32, todos do Provimento CSM nº 2564/2020, de 06 de julho de 2020;

CONSIDERANDO, por fim, que, de acordo com o 14º balanço do Plano São Paulo, de 09 de outubro de 2020, houve evolução de várias regiões do estado para a fase 4 (verde) e estabilização de outras tantas na fase 3 (amarela);

RESOLVE:

Art. 1º. Estende-se o prazo de vigência do Provimento CSM nº 2564/2020 para o dia 17 de janeiro de 2021, prorrogável, se necessário, por ato da Presidência do Tribunal de Justiça, enquanto subsistir a necessidade de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus.

2º. A partir de 03 de novembro de 2020, enquanto permanecer o Sistema Escalonado de Retorno ao Trabalho Presencial, o horário de expediente judiciário presencial especial e em caráter excepcional será único, de 6 horas, das 13h às 19h, mantida a jornada de 08 horas, entre 9h e 19h, para as equipes em teletrabalho.

Parágrafo único. Nos dias em que escalado para expediente presencial, o servidor estará dispensado do teletrabalho, bem como de compensação futura de horas.

Art. 3º. A partir de 03 de novembro de 2020, o limite diário de comparecimento de magistrados por prédio destinado às atividades do primeiro grau previsto no caput do artigo 11 do Provimento CSM nº 2564/2020, mantidas as demais regras vigentes, passará a ser o seguinte:

I. Comarcas nas Fases 2 (laranja) e 3 (amarela): 30% (trinta por cento) de magistrados por prédio.

II. Comarcas nas Fases 4 (verde) e 5 (azul): 40% (quarenta por cento) de magistrados por prédio.

Art. 4. As Presidências das Seções de Direito Criminal, Privado e Público deliberarão sobre o horário de ingresso de Magistrados nos prédios a elas vinculados.

Art. 5º. A partir de 03 de novembro de 2020, as unidades integrantes das regiões classificadas nas fases 4 (verde) e 5 (azul) deverão formar as equipes presenciais segundo os seguintes parâmetros:

I. Cartórios:

a. 1 coordenador(a) ou chefe

b. 1 a 2 servidores(as) para atendimento ao público

c. 3 a 4 servidores(as) para o trabalho interno

d. 2 a 4 funcionários(as) cedidos pela Prefeitura

II. Distribuidores, Protocolos e unidades do Colégio Recursal:

a. 2 a 3 servidores(as), um(a) dos(as) quais ocupante de cargo de chefia, se houver

b. 4 a 6 servidores(as), um(a) dos(as) quais ocupante de cargo de chefia, se houver, nos casos de Distribuidores e Protocolos dos Fóruns Centrais da Comarca da Capital

III. Cartórios das UPJs, DIPO, DECRIM, DEPRE e DEIJ:

a. 1 coordenador(a) ou chefe

b. 5 servidores(as) para atendimento ao público

c. 6 servidores(as) para o trabalho interno

IV. Setores Técnicos:

a. 2 a 4 psicólogos(as) judiciários(as)

b. 2 a 4 assistentes sociais judiciários(as)

§ 1º. Além do reescalonamento consignado no caput deste dispositivo, os gestores realizarão novos ajustes, para mais ou para menos, segundo a fase de enquadramento da região no Plano São Paulo, a partir do primeiro dia útil subsequente à divulgação do novo balanço pelo Governo do Estado de São Paulo. Nesse redimensionamento, observar-se-ão os parâmetros acima, em relação às fases 4 (verde) e 5 (azul), e os critérios do artigo 15 do Provimento CSM 2564/2020, no que diz respeito às fases 2 (laranja) e 3 (amarela).

§ 2º. Excepcionalmente, autoriza-se a composição das equipes com número inferior aos mínimos estabelecidos para as diferentes fases do Plano São Paulo caso a unidade não possua servidores suficientes para o devido atendimento, inclusive por força da incidência das situações do artigo 5º do Provimento CSM nº 2564/2020 ou em razão de afastamentos decorrentes de contágio pela Covid-19.

§ 3º. Mantêm-se as autorizações pontuais já concedidas pelo Tribunal em relação ao redimensionamento e à composição das equipes presenciais.

Art. 6º. Os aumentos das equipes previstos neste provimento não afastam a necessidade de observância das regras de segurança à saúde estabelecidas nos protocolos de retorno ao trabalho presencial da SGP/Diretoria de Saúde e da SAAB.

Art. 7º. Aplica-se o disposto nos artigos 28 (alterado pelo artigo 5º do Provimento CSM nº 2567/2020) e 32, ambos do Provimento CSM nº 2564/2020, aos Plantões Extraordinário e Judiciário Especial (recesso de final de ano).

Art. 8º. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

São Paulo, 26 de outubro de 2020.

(aa) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Presidente do Tribunal de Justiça; LUIS SOARES DE MELLO NETO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; RICARDO MAIR ANAFE, Corregedor Geral da Justiça; JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO, Decano; GUILHERME GONÇALVES STRENGER, Presidente da Seção de Direito Criminal; PAULO MAGALHÃES DA COSTA COELHO, Presidente da Seção de Direito Público, e DIMAS RUBENS FONSECA, Presidente da Seção de Direito Privado (DJe de 02.12.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.

Número do processo: 1019834-60.2018.8.26.0577

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 231

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1019834-60.2018.8.26.0577

(231/2020-E)

Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto como apelação pelo Condomínio Edifício Turim, visando a reforma da sentença de primeiro grau que, em pedido de providências, julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficiala do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos, mantendo a exigência da aprovação unânime pelos condôminos em assembleia das alterações da convenção que limitam a fruição das unidades individuais, e afastando a exigência de autorização dos credores com garantia fiduciária estabelecida sobre algumas das unidades (fl. 276/277).

O recurso sustenta, em resumo, impossibilidade do reconhecimento pelo registrador da inconstitucionalidade da deliberação e a alteração pretendida exige aprovação de 2/3 dos condôminos. Afirma que a sentença não pode declarar a inconstitucionalidade da restrição ao direito de propriedade, e, alternativamente, requer a instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. No mérito, afirma que a alteração caracteriza simples restrição ao direito de propriedade, não exigindo unanimidade para aprovação, e que a alteração não visa discriminar estudantes, mas sim resguardar os atuais moradores do comportamento antissocial que gere incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Sustenta a eficácia da convenção perante os condôminos, nos termos da Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça, com pedido subsidiário de averbação da convenção riscando-se a “alínea do artigo que trata da instituição de pensionato ou república” (fl. 287/292).

O recurso foi inicialmente remetido ao Conselho Superior da Magistratura (fl. 317).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pela incompetência do Conselho Superior da Magistratura, por se tratar de ato de averbação e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fl. 323/327).

Por decisão monocrática, reconheceu-se a incompetência do Conselho Superior da Magistratura, e o encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça (fl. 332/333).

É o relatório.

Passo a opinar.

2. Trata-se de apelação, recebida como recurso administrativo nos termos do art. 246 do Código Judiciário, pelo qual o condomínio recorrente busca reverter sentença que acolheu parcialmente a dúvida suscitada pelo oficial de registros, entendendo pela necessidade de aprovação unânime da alteração da convenção que proíbe a locação das unidades autônomas para mais de três estudantes, na forma de república ou pensionato.

A nota de devolução da Oficiala de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos indicou, como motivos da recusa de averbação da alteração da convenção de condomínio e de seu regulamento geral, os seguintes:

“Pretende-se a inclusão das seguintes disposições:

Artigo 11 – Além das restrições legais e daquelas acima estipuladas, é terminantemente vedado aos condôminos ou pessoas que ocupem as unidades:

(…)

b) Instituir pensionato ou república, neste conceito incluído especialmente, mas não exclusivamente, a locação de unidade para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas.

Artigo 37 – O pensionato ou república existente na data da aprovação desta Convenção poderá ser mantida pelo prazo máximo de 30 meses, salvo se, na hipótese de locação residencial, o contrato dispuser de prazo menor.

Em análise ao texto dos artigos acima, entendeu-se que a inclusão destas proibições requer a aprovação da unanimidade dos condôminos, uma vez que gera limitação ao direito de propriedade do condômino e altera a destinação inicial ‘livre’ dada aos apartamentos.

O artigo 37º ao permitir o pensionato ou república existente na data da aprovação da convenção pelo prazo máximo de 30 meses, tal dispositivo além de estar conflitante com o artigo 11º, alínea ‘b’ da convenção apresentada que veda tal instituição, o mesmo afronta as disposições do artigo 1.351 do Código Civil que dispõe: ‘…a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação da unanimidade dos condôminos.

A vedação aos condôminos ou pessoa que ocupem as unidades de instituir pensionato ou república a pessoas de unidades para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas, são cláusulas abusivas e discriminatórias, afrontando o direito de propriedade constitucionalmente garantido aos condôminos, pois não cabe ao condomínio e sim ao proprietário da unidade decidir quanto a quem deve alugar sua propriedade, podendo gerar futuros prejuízos ao condomínio e aos condôminos das unidades autônomas, principais envolvidos na vida do condomínio, uma vez que os proprietários que se sentirem limitados poderão pleitear em juízo, com base no art. 187 do Código Civil, o reconhecimento do abuso e a anulação da convenção.” (fl. 75/76)

Indica a insuficiência da aprovação da alteração por 2/3 dos condôminos, sendo necessária a unanimidade (fl. 79).

3. Em primeiro plano, afasta-se a pretensão recursal de instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, I, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

O pedido de providências caracteriza procedimento de natureza administrativa, limitando-se a competência do C. Órgão Especial para os incidentes de inconstitucionalidade em matéria jurisdicional. Bem por isto, tal competência é prevista no inciso I do art. 13 do Regimento Interno, que prevê a competência judicial do Órgão Especial, enquanto a competência administrativa tem suas matérias listadas no inciso II do mesmo dispositivo, não se observando ali a previsão do conhecimento de incidente de inconstitucionalidade em procedimento administrativo.

Além disto, a instauração do incidente de inconstitucionalidade dirige-se à apreciação de ato normativo do Poder Público em afronta ao texto constitucional, não se dirigindo a deliberações assembleares privadas. Não há, assim, que se falar em declaração de inconstitucionalidade em controle judicial concentrado de decisão tomada por órgão deliberativo de natureza privadas, mas apenas o reconhecimento de sua nulidade, ainda que por fundamento da ofensa ao texto constitucional.

O fato da decisão de primeiro grau afirmar ofensa à Constituição Federal como fundamento não se equipara à declaração de inconstitucionalidade de ato normativo emanado do Poder Público, afastando-se do procedimento desta última quanto à reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal).

Não conhecida, por tais fundamentos, a arguição de instauração do incidente de inconstitucionalidade.

4. Aprecio o mérito do recurso administrativo.

Por primeiro, observe-se que o objeto de apreciação neste procedimento não diz respeito à constitucionalidade ou não da alteração da convenção pretendida pelo condomínio recorrente. Limita-se tão somente à aferição da possibilidade da alteração da convenção do condomínio pretendida na forma que realizada, respeitando-se o princípio da legalidade. Não se ingressa, assim, no mérito quanto ao conteúdo da modificação buscada, mas apenas avalia-se sua legalidade quanto ao cumprimento do princípio da legalidade em relação aos quóruns necessários para a aprovação da modificação.

Então, a questão a se decidir, limitada a cognição administrativa decorrente do pedido de providências, é se a alteração da convenção de condomínio que impõe a restrição à locação de apartamentos do condomínio para mais de três estudantes que dividam despesas, na forma de pensionato ou república, caracteriza alteração sujeita ao quórum especial do art. 1.351 do Código Civil, que dispõe:

“Art. 1.351. Depende de aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos.”

A constituição de condomínio edilício traduz, aos proprietários, direitos comuns e particulares exercidos em relação ao imóvel, ora considerado em sua estrutura coletiva, composta de partes comuns no verdadeiro condomínio, ora considerado em seu direito particular e individual de propriedade sobre as unidades autônomas que o compõe (art. 1.331, § 1º do Código Civil).

Da aquisição de unidade autônoma em condomínio decorre, em relação ao proprietário, não só limitações no exercício de seu direito individual em respeito à propriedade comum e às regras de convivência social, mas também garantias de mantença das características essenciais da unidade individual, seja em seu aspecto físico, considerando a construção em si, seja em seu aspecto jurídico-econômico, considerando o exercício do direito de fruição, de gozo e de disposição previstos no art. 1.228 do Código Civil.

O adquirente de imóvel em condomínio edilício tem prévio conhecimento da convenção de condomínio, na qual se estabelecem as características do imóvel e seu uso, envolvendo não só as particularidades físicas, aí considerados os legítimos interesses econômicos que possam ter embasado a decisão de aquisição. Ou seja, aquilo que se pode fazer e aquilo que não se pode fazer da unidade autônoma devem estar previa e claramente previstas na convenção, pois interferem no exercício futuro das prerrogativas legais atribuídas ao proprietário pelo citado art. 1.228 do Código Civil.

Daí que alterações que venham a limitar ou proibir o livre uso ou a livre exploração econômica da unidade imobiliária, respeitadas normas cogentes e as limitações previamente fixadas na convenção de condomínio exigem, por expressa disposição da parte final do art. 1.351 do Código Civil, a concordância unânime dos condôminos. Não por se tratar de uma alteração simples da destinação do prédio ou da unidade, mas por significar alteração do direito de fruir de forma lícita da propriedade.

A limitação da exploração econômica da unidade, fixando-se para que categoria de pessoas o proprietário pode ou não locar sua unidade, ou que características ou qualidades tenham tais locatários ou, ainda, quantos são a contratar a locação, traduz uma alteração significativa do elemento econômico que compõe a propriedade como um todo e, por certo, presume-se que fora considerada na formação da vontade do adquirente da propriedade. Afinal, a aquisição de um imóvel em condomínio, por exemplo, em área com grande procura de estudantes, para fins de locação e utilização do bem como forma de investimento, traduz exercício legítimo constitucionalmente assegurado, não podendo as prerrogativas econômicas dos proprietários sobre tal bem ser alteradas por deliberação dos outros condôminos que, também ao adquirir suas unidades, aceitaram as regras fixadas para tal exploração.

Não se trata, assim, de mera regulação do uso da propriedade individual em benefício da coletividade condominial, posto que produz interferência significativa na fruição interna da propriedade exclusiva.

E, por isto, sua alteração exige a concordância unânime dos condôminos, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil.

Concretamente, observar-se que o art. 10, a da atual convenção de condomínio prevê o direito de o condômino utilizar a unidade de acordo com a finalidade do prédio, no caso, residencial (fl. 94). E por uso residencial há de se entender, em favor do proprietário, o direito de locar o imóvel a quem quer que seja, conforme lhe autoriza o art. 1.335, I do Código Civil.

Embora o art. 35 da convenção registrada autorize a modificação da mesma pelo voto de 2/3 dos condôminos, a previsão não pode prevalecer sobre a regra do art. 1.351, do Código Civil, com natureza de norma cogente. Não há, portanto, como se registrar a alteração da convenção que não atenda o requisito legal.

Nem o argumento contido nas razões de recurso, no sentido da mudança se justificar na tentativa de evitar comportamentos antissociais de estudantes locatários, autoriza a alteração sem a unanimidade dos condôminos. Eventual comportamento que caracterize infração às normas legais e convencionais a respeito da civilidade, da segurança, do sossego, dentre outros, resolve-se no âmbito do poder disciplinar do condomínio como coletividade, fundamentado não só na convenção, mas também no regulamento interno e nas disposições específicas do Código Civil (art. 1.336, IV e seu § 2º e art. 1.337, ambos do Código Civil; art. 19 da Lei n. 4.591/1964).

Desta forma, eventual uso abusivo ou ilícito da unidade individual sujeita-se, por normas legais expressas, a sanções genéricas da lei e específicas da convenção e regulamento. Não se justifica a limitação do exercício da propriedade plena como mecanismo para se impedir condutas que a própria lei veda. A lei autoriza que se puna quem utiliza de forma abusiva da unidade imobiliária; não a limitação a usos legítimos deferidos também pela lei ao proprietário, salvo se todos os condôminos concordarem com a restrição posterior à instituição do condomínio.

Por fim, impossível o acolhimento do pedido subsidiário contido no recurso de ingresso do título com exclusão da alínea da convenção questionada pela registradora.

Tratando-se o título de ata de assembleia geral, impossível seu registro com qualquer alteração que não provenha de deliberação válida dos proprietários, em nova assembleia regular, não se admitindo alteração, ainda que por simples supressão, por ato do síndico ou do registrador imobiliário.

Desta forma, sem a alteração do estatuto pela própria assembleia de condôminos, impossível a averbação do título com qualquer modificação.

5. Por tais fundamentos, o parecer que apresentado à elevada consideração de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e, no mérito, pelo não provimento do recurso.

Sub censura,

São Paulo, 12 de junho de 2020

PAULO ROGÉRIO BONINI

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e a ele nego provimento. São Paulo, 17 de junho de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: EVELYN REUSING, OAB/SP 68.955.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.06.2020

Decisão reproduzida na página 065 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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