CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha – Imóvel Rural com Área superior a 100 hectares – Exigência de Georreferenciamento – Princípio da especialidade objetiva – Óbice mantido – Apelação a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1000075-91.2020.8.26.0302

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000075-91.2020.8.26.0302

Comarca: JAÚ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000075-91.2020.8.26.0302

Registro: 2020.0000996891

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000075-91.2020.8.26.0302, da Comarca de Jaú, em que é apelante FERNANDO SÉRGIO DE OLIVEIRA ROMÃO FILHO, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAÚ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 20 de novembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000075-91.2020.8.26.0302

Apelante: Fernando Sérgio de Oliveira Romão Filho

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú

VOTO Nº 31.431

Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha – Imóvel Rural com Área superior a 100 hectares – Exigência de Georreferenciamento – Princípio da especialidade objetiva – Óbice mantido – Apelação a que se nega provimento.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por FERNANDO SÉRGIO DE OLIVEIRA ROMÃO FILHO em face da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídicas de Jaú, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de escritura pública de inventário e partilha por não conter os elementos indispensáveis à caracterização do imóvel por georreferenciamento certificado pelo INCRA.

Consoante nota devolultiva n.º 1.372 o registro pretendido foi negado em razão dos seguintes óbices: i) necessidade de promover o georreferenciamento do imóvel objeto da matrícula n.º 22.715, do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídicas de Jaú; ii) caso o georreferenciamento implique em alterações de medidas perimetrais, o procedimento deverá ser cumulado com retificação de área; e iii) havendo retificação de área ou qualquer modificação geodésica do imóvel, o Cadastro Ambiental Rural CAR deverá especializar a reserva legal (fl. 12/13).

Sustenta, em síntese, o apelante a não incidência do §4° do art. 176 da Lei de Registros Públicos porque a transmissão causa mortis não caracteriza transmissão voluntária da propriedade; que o § 2° do art. 10 do Decreto Regulamentar somente se aplica às hipóteses de desmembramento, parcelamento, remembramento, transferência e as resultantes de outros atos judiciais que versem sobre imóveis rurais; que o registro do inventário é ato de mera publicidade do princípio de Saisine já que a transmissão neste caso não está condicionada ao registro.

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo desprovimento do recurso a fl. 100/103.

É o relatório.

2. O recorrente Fernando Sérgio de Oliveira Romão Filho requereu o registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Fernando Sérgio de Oliveira Romão, lavrada em 30/09/2019, perante o 1º Tabelião de Notas de Jaú, São Paulo, Livro 1.190, fl. 227/236.

Dentre os bens que compuseram o acervo patrimonial do de cujus, restou pendente de registro uma parte ideal correspondente a 77,70% de um imóvel rural, denominado Fazenda Santa Cruz, situado no Municipio de Jaú, com área total de 216,055877 ha, matriculado sob o n.º 22.715.

O registro pretendido foi condicionado, entretanto, a necessidade de se promover o georreferenciamento do imóvel objeto da matrícula n.º 22.715, do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídicas de Jaú.

Nada obstante todo o esforço argumentativo do recorrente deve ser negado provimento à apelação interposta.

Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro [1]

E, nos dizeres de Jomar Juarez Amorim:

“Trata-se de requisito essencial da matrícula. A especialidade é princípio positivado em regra e como axioma do sistema, além de propiciar coerência normativa, é imprescindível à confiabilidade do registro, pois uma identificação incompleta da propriedade imobiliária pode ser fonte de conflitos variados. Compreende-se a importância de uma descrição tabular escorreita, não só como expressão de eficiência do serviço público, mas sobretudo para segurança jurídica”.[2]

O georreferenciamento pelo sistema geodésico brasileiro consiste em método descritivo introduzido pela Lei n.º 10.267/2001 (regulamentada pelo Decreto nº 4.449/2002, depois alterado pelos Decretos nº 5.570/2005 e n.º 7.620/2011), com fulcro a individualizar os bens imóveis rurais de modo a separá-los de qualquer outro, aperfeiçoando, assim, o princípio da especialidade objetiva.

Pois bem.

Consoante dispõe o Art. 176, §§ 3º e 4º, da Lei n° 6.015/73:

“§ 3° – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1° será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

“§ 4 – A identificação de que trata o § 3º tornar-seá obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.”

Na mesma linha segue o art. 10, do Decreto nº 4.449/2002:

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3o e 4o do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazos:

V – quinze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares;”

A matéria está também disciplinada pelo item 10.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“10.1 – O acesso ao fólio real de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA, observados os prazos regulamentares”.

A partir de referidas disposições legais e normativas infere-se, pois, a necessidade de georreferenciamento dos imóveis rurais em qualquer situação de transferência, inclusive na hipótese telada de transmissão causa mortis.

Objetiva-se, como já dito, a individualização do bem imóvel rural de modo a destacá-lo de qualquer outro, evitando-se, assim, a sobreposição, não havendo qualquer ressalva acerca da transmissão em razão da morte.

Ao revés, a necessidade de identificação do imóvel rural apresenta-se, sem distinção, em qualquer situação de transmissão, seja voluntária ou não, até mesmo em casos de decisões judiciais e nas hipóteses de forma originária de transmissão da propriedade.

É, nestes moldes, o §3º do Art. 225 da Lei n.º 6.015/73, que prevê a necessidade de georreferenciamento, ultrapassado o prazo legal, para as decisões judiciais:

§ 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

Nesta ordem de ideias, uma vez necessário o georreferenciamento de imóveis rurais nas hipóteses de inventário judicial, não se vislumbra razão para qualquer distinção e dispensa da identificação por georreferenciamento nos inventários extrajudiciais.

Neste sentido é a lição de Jomar Juarez Amorim ao tratar da retificação do registro imobiliário, aplicável também à hipótese telada:

“Outrossim, o georreferenciamento é obrigatório em “autos judiciais que versem sobre imóveis rurais”.[3]Vale dizer que no procedimento judicial de retificação[4], aplica-se necessariamente a técnica descritiva oficial aos imóveis rurais. Aliás, antes da edição do Decreto nº 5570/05 a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo assentou que os prazos não se estendem à identificação de imóvel rural em processo judicial[5]. Tal raciocínio, não obstante a disposição em contrário do art. 2º, inciso II (ações já ajuizadas), encontrou respaldo em acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo[6].

Logo, não se afigura coerente que o georreferenciamento seja obrigatório na retificação feita perante o juiz, mas facultativo na retificação extrajudicial.”[7]

Não se olvida, ainda, que, consoante o Princípio da Saisine, a transmissão ocorre no momento da morte, conforme preceitua o Art. 1.784 do Código Civil:

“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”

Vale ressaltar, no ponto, a brilhante conclusão de Caio Mario da Silva Pereira:

“A abertura da sucessão dá-se com a morte, e no mesmo instante os herdeiros a adquirem. Em nenhum momento, o patrimônio permanece acéfalo. Até o instante fatal, sujeito das relações jurídica era o ‘de cuius’. Ocorrida a morte, no mesmo instante são os herdeiros. Se houver testamento, os testamentários; em caso contrário, os legítimos. Verifica-se, portanto, imediata mutação subjetiva. Os direitos não se alteram substancialmente. Há substituição do sujeito. Sub-rogação pessoal ‘pleno iure’. É o sistema, aliás, predominante nos países de espírito latino”. (Instituições de Direito Civil, vol. 6, Forense, RJ, 2005, p. 193).

A transmissão da propriedade dá-se, pois, no momento da abertura da sucessão e a partilha tem o efeito de encerrar o estado de indivisão, atribuindo a cada herdeiro a parte que lhe tocar.

Contudo, o registro da escritura pública de inventário e partilha no Oficial de Registro de Imóveis é requisito para o ingresso de títulos de disposição da propriedade pelos herdeiros, em observância ao princípio da continuidade registral, sujeitando-se ao cumprimento das exigências legais e normativas, o que, contudo, não ocorreu no presente caso.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: Comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1977, p. 219.

[2] AMORIM, Jomar Juarez. Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 1133.

[3] Lei nº 6.015/73, art. 225, § 3º

[4] Lei nº 6.015/73, art. 212, in fine

[5] Processo nº CG 24066/2005

[6] Agravo de Instrumento nº 485.187-4/5-00, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, j. 9.5.07; Agravo de Instrumento nº 423.621-4/3-00, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 14.2.07.

[7] AMORIM, Jomar Juarez. Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pág. (Acervo INR – DJe de 08.03.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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