Procedimento de Controle Administrativo – Renúncia de delegação – Dever de rescisão dos contratos de trabalho – Marco da responsabilidade na transição dos administradores das serventias – Transmissão final do acervo – 1. O acesso irrestrito do processo administrativo à parte cujo objeto atinge diretamente é medida que se impõe frente ao imperativo do princípio da publicidade, do devido processo legal e do acesso à informação – 2. De acordo com o art. 20 da Lei nº 8.935/94, o empregador é o tabelião titular, porquanto aufere renda decorrente do serviço explorado e assume pessoalmente os riscos, como ações cíveis e criminais – 3. Considerando o estabelecimento do vínculo com o titular do serviço notarial e não com o próprio fundo notarial, não há equívoco na determinação dirigida à requerente de rescisão dos contratos de trabalho mantidos com os empregados da serventia delegada – 4. À luz do princípio da continuidade administrativa e do serviço público e considerando as obrigações originalmente assumidas pelo delegatário renunciante com o poder delegante, a renúncia feita por este não opera efeito de imediato. Para além da necessária homologação da renúncia pelo Tribunal respectivo, a fim de garantir a regularidade dos serviços notariais e de registro durante o período de transição do responsável pela serventia, remanesce a responsabilidade do titular renunciante da serventia extrajudicial até que se efetive a transmissão do acervo. Entendimento diverso acarretaria transferência injusta de ônus por ato não praticado – 5. Procedimento de Controle Administrativo procedente em parte.


  
 

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RENÚNCIA DE DELEGAÇÃO. DEVER DE RESCISÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO. MARCO DA RESPONSABILIDADE NA TRANSIÇÃO DOS ADMINISTRADORES DAS SERVENTIAS. TRANSMISSÃO FINAL DO ACERVO.

1. O acesso irrestrito do processo administrativo à parte cujo objeto atinge diretamente é medida que se impõe frente ao imperativo do princípio da publicidade, do devido processo legal e do acesso à informação.

2. De acordo com o art. 20 da Lei nº 8.935/94, o empregador é o tabelião titular, porquanto aufere renda decorrente do serviço explorado e assume pessoalmente os riscos, como ações cíveis e criminais.

3. Considerando o estabelecimento do vínculo com o titular do serviço notarial e não com o próprio fundo notarial, não há equívoco na determinação dirigida à requerente de rescisão dos contratos de trabalho mantidos com os empregados da serventia delegada.

4. À luz do princípio da continuidade administrativa e do serviço público e considerando as obrigações originalmente assumidas pelo delegatário renunciante com o poder delegante, a renúncia feita por este não opera efeito de imediato.  Para além da necessária homologação da renúncia pelo Tribunal respectivo, a fim de garantir a regularidade dos serviços notariais e de registro durante o período de transição do responsável pela serventia, remanesce a responsabilidade do titular renunciante da serventia extrajudicial até que se efetive a transmissão do acervo. Entendimento diverso acarretaria transferência injusta de ônus por ato não praticado.

5. Procedimento de Controle Administrativo procedente em parte.

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido apenas para determinar que a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina conceda livre acesso à requerente ao processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 5 de março de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

RELATÓRIO

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por LÚCIA REGINA ARRUDA NEVES, ex-Tabeliã do 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Lages/SC, no qual pretende ver suprida a omissão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (TJSC) ao ser questionado sobre a ocorrência de sucessão trabalhista nos contratos de trabalho dos empregados da serventia no momento do término da delegação.

Refere que foi titular do 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Lages/SC e que, por motivos pessoais, comunicou, em 08/11/2019, sua renúncia à delegação. Relata a extinção da delegação e declaração de cargo vago pelo Ato GP 2182 no dia 21/11/2020, com efeito retroativo a 08/11/2019. Aponta que, no dia 11/12/2019, foi nomeada a interina Sra. Daniela Fernandes Cevei, pela Portaria 43 da Corregedoria-Geral da Justiça, a qual foi publicada em 09/01/2020. Relata que nos dias 22 e 23 de janeiro ocorreu a correição especial para transmissão do acervo.

Esclarece que a serventia retornou ao Poder Público em seguida à renúncia por ela realizada, mas continuou em funcionamento ininterrupto. Após, assumiu, em interinidade, a Sra. Daniela que mantém o mesmo serviço em funcionamento – sem solução de continuidade (dos serviços e dos empregados). Defende que, por economia de recursos e pela lógica da continuidade do serviço, a interpretação adequada do Código de Normas da CGJ/SC seria a aplicação do caput do art. 466-H, sem necessária rescisão de contrato de trabalho:

Art. 466-H. Os interventores e os interinos deverão transferir para seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas todas as obrigações e contratações vigentes no prazo de até 30 (trinta) dias depois da designação a que se refere o art. 466-I deste código, sob pena de glosa das despesas.

Acresce que o §2º do art. 466-H tem a norma que, por interpretação (pois trata do interventor), poderia se adotar ao caso em tela:

Art. 466-H (…) (…) § 2º A transferência dos contratos de trabalho para o novo responsável da serventia deverá ser realizada quando ocorrer transmissão de acervo de: I – delegatário afastado para interventor; II – interventor para delegatário afastado; III – interventor para interventor; ou IV – interino para interino.

Refere que até o momento não há resposta ao requerimento apresentado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, do dia 21/02/2020, e que nem sequer foi franqueado acesso aos autos eletrônicos no sistema SEI (autos 0081835– 10.2019.8.24.0710), configurando omissão do órgão, com violação ao princípio da publicidade e da eficiência.

Aponta que o efeito, para este caso, é o reconhecimento da sucessão trabalhista, entendendo pela desnecessidade de se resolver ou rescindir os contratos de trabalho dos empregados no momento da renúncia à delegação ou no momento da transmissão do acervo, em homenagem ao princípio da economicidade e da continuidade do serviço público.

Ao final, requer:

a)     a requisição de cópias dos autos SEI 0081835– 10.2019.8.24.0710 à Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, diante da ausência de resposta concessiva àqueles autos.

b)    se declare a possibilidade da sucessão trabalhista, interpretando-se as disposições do Código de Normas do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e concluindo-se pela aplicação do Art. 466-H, § 2º do Código de Normas (“A transferência dos contratos de trabalho para o novo responsável da serventia deverá ser realizada quando ocorrer transmissão de acervo de (…)”) ao caso em análise.

c)  subsidiariamente, que se entenda responsável o Estado de Santa Catarina (responsabilidade objetiva), conforme julgamento do Tema 777 do STF.

Instada a se manifestar, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina encaminha as informações prestadas pela Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial de Santa Catarina acerca das alegações formuladas pela requerente, colacionando cópia integral do processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710.

No parecer proferido pelo Juiz-Corregedor Rafael Maas dos Anjos nos autos do processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710, a que se fez alusão a ora requerida, foi referido, à luz da Lei 8.935/94 e do Código de Normas da CGJ, que a relação jurídica existente entre o notário e/ou registrador e seus prepostos é fundada na personalidade dos contratantes e que o atual responsável realizará contratações com a utilização do seu número de inscrição no CPF; o antigo responsável, por sua vez, adotará todas as providências para o encerramento das relações jurídicas constituídas durante período em que estava à frente da unidade.

Foi defendido no parecer referido que a responsabilidade pela serventia não se encerra com o pedido de renúncia formulado pelo delegatário, sendo necessária a validação do requerimento pelo órgão regulador competente e do exaurimento dos atos de transmissão da responsabilidade. Apoutou-se que o término de uma gestão e o início de outra se opera com o encerramento da correição especial de transmissão de acervo, que delimita a entrada em exercício do novo responsável. A conclusão do parecer foi no sentido de que:

a.1) não sejam acolhidas as insurgências apresentadas pela ex delegatária do 1º Tabelionato de Notas e Protesto sediado no município de Lages;

a.2) seja corrigido o relatório de transmissão de acervo n. 3151364, apontando-se que o marco definidor da cessação da responsabilidade administrativa e contratual do antigo delegatário seja a data do encerramento da transmissão do acervo;

a.3) seja formalizada orientação, à luz da Resolução TJ n. 2/2019, a respeito dos termos iniciais dos efeitos do ato de declaração de vacância e identificado o momento correto da desvinculação do antigo responsável, com a recomendação de que o entendimento seja repercutido no citado normativo e, se for caso, resulte na edição e atualização desta resolução do Gabinete da Presidência;

a.4) a Corregedoria Nacional de Justiça seja consultada em relação à solução aplicada ao caso em tela, solicitando-se esclarecimentos sobre a data de vacância correta nos processos de renúncia, caso procedente, bem como pela subsequente emissão de circular aos delegatários, para que tomem ciência das nuances e posicionamento desta Corregedoria-Geral de Justiça em relação ao fato gerador da extinção da delegação causado pela renúncia;

b) pela elaboração de estudo, em autos próprios, relacionado ao aprimoramento dos procedimentos que deverão ser observados em razão da extinção da delegação de serventia notarial ou registral, notadamente as questões atinentes aos pedidos de renúncia, sem prejuízo das demais hipóteses, com a possibilidade de envio de proposta aos órgãos reguladores competentes, ou mesmo com a apresentação de minuta de provimento para inserção de diretrizes técnicas do Código de Normas desta Corregedoria-Geral.

A requerente colaciona manifestações complementares ao ID 41477784.

É o relatório.

VOTO

DO INTERESSE COLETIVO

De início, cumpre salientar que a matéria debatida nos presentes autos é provida de interesse geral, uma vez que ultrapassa os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.

Além do fato de que o debate irá repercutir nos vínculos laborativos mantidos no 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Lages/SC, constata-se a extensão conferida pela Corregedoria-Geral de Justiça em seu parecer à solução aplicada ao caso em tela.

Portanto, entendo que a questão se insere na competência deste Conselho Nacional de Justiça, merecendo análise.

DO ACESSO AOS AUTOS

À inicial, apresentada em 06/10/2020, a requerente alega omissão na análise do requerimento apresentado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina no dia 21/02/2020 e não concessão de franqueado acesso aos autos eletrônicos no sistema SEI (autos 0081835– 10.2019.8.24.0710), configurando omissão do órgão, com violação ao princípio da publicidade e da eficiência.

Observo dos autos do processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710, trazidos aos Ids 4157040 e 4157041, que a requerente peticionou naquele feito em 21/02/2020, expondo, em síntese, as questões trazidas no presente PCA.

Ainda, verifico que no dia 21/09/2020 a requerente encaminhou correspondência eletrônica direcionada ao Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial, postulando o acesso eletrônico ao processo SEI em destaque. Foi-lhe, então, deferido o acesso externo ao processo pelo prazo de 180 dias. Em 23/10/2020, foi acostado parecer proferido pelo Juiz-Corregedor Rafael Maas dos Anjos nos autos do processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710.

Pois bem.

O acesso irrestrito do processo administrativo à parte cujo objeto atinge diretamente é medida que se impõe frente ao imperativo do princípio da publicidade, do devido processo legal e do acesso à informação.

Este Conselho em inúmeras ocasiões enalteceu a aplicação destes preceitos basilares:

PROCESSO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE. FORMAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE. QUÓRUM DE VOTAÇÃO. MAIORIA ABSOLUTA. CÔMPUTO DAS VAGAS DECORRENTES DE VACÂNCIA E DOS DESEMBARGADORES AFASTADOS. RECOMENDAÇÃO Nº 13 DO CNJ. NECESSIDADE DE SESSÃO PÚBLICA. VOTAÇÃO FUNDAMENTADA. PEDIDO PROCEDENTE.

1) No Estado Democrático, o direito de acesso à informação é instrumento indispensável para a transparência da gestão pública ou privada de interesses alheios, possibilitando, assim, que haja controle e fiscalização dos atos por órgãos competentes e pelos próprios cidadãos. A entrada em vigor da Emenda no 45, de 8 de dezembro de 2004, afastou qualquer dúvida quanto a necessidade de transparência em qualquer ato do Poder Judiciário em suas decisões administrativas.

2) O fato de a Ordem dos Advogados do Brasil, ao formar as listas sêxtuplas, não precisar apresentar justificativas, não implica na liberação dos Tribunais do dever constitucional de fundamentar todas as suas decisões, nos termos do art. 93, IX, da CF/88.

3) Quando o texto constitucional quis a escolha de membros do Poder Judiciário por voto secreto, o fez expressamente, a exemplo da escolha dos Ministros do Tribunal Superior Eleitoral e dos Juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais. Na ausência de previsão expressa em contrário, vigora a regra geral da publicidade dos atos administrativos do Poder Judiciário.

4) O cômputo do quórum de maioria absoluta deve observar o art. 93, IX, da CF/88, bem como o próprio Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em seu artigo 61, que determina expressamente um quórum qualificado para a escolha da lista tríplice.

5) Pedido julgado procedente. (PCA 0000692-72.2013.2.00.0000, JEFFERSON LUIS KRAVCHYCHYN, 169ª Sessão Ordinária, j. 14.05.2013)

Cabe referir que a regra é a publicidade dos atos administrativos, à luz do texto Constitucional, sendo que a limitação do preceito deve ser devidamente justificada e fundamentada.

Portanto, por não afigurar hipótese de vedação ao dever de publicidade na hipótese, determino que a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina conceda livre acesso à requerente ao processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710.

DA OMISSÃO NA ANÁLISE DO REQUERIMENTO

Quanto à alegada omissão na análise do requerimento apresentado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina no dia 21/02/2020, cumpre tecer as seguintes considerações.

O alcance do mandamento constitucional de celeridade na tramitação dos processos (art. 5º, LXXVIII) é máximo, atingindo, igualmente, o âmbito administrativo.

É certo que a análise de requerimento administrativo deve ser realizada em prazo razoável, de modo que a atuação contrária a este preceito acarreta o reconhecimento de atuação ilegal quanto ao dever de decidir os requerimentos administrativos.

Nesse sentido, recente julgado deste Conselho, de relatoria do E. Conselheiro Rubens de Mendonça Canuto Neto:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHAO. REQUERIMENTO DE PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE JUDICIÁRIA (GAJ) A OFICIAIS DE JUSTIÇA E COMISSÁRIOS DE JUSTIÇA. DEVER DE DECIDIR EM PRAZO RAZOÁVEL. AUSÊNCIA DE DECISÃO. OMISSÃO ILEGAL.

1. O pagamento da Gratificação de Atividade Judiciária – GAJ, prevista na Resolução n. 59/2010, do TJMA, da forma como instituída e regulamentada, não constitui direito subjetivo dos servidores indistintamente, na medida em que depende de solicitação da chefia do servidor e está atrelada ao interesse público concernente à necessidade de ampliação da jornada de trabalho em duas horas diárias, podendo também ser cancelada a pedido do magistrado ou chefe imediato a que se vincula o servidor, bem como por ele próprio.

2. No exercício da atividade de controle de legalidade dos atos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário, previsto na Constituição Federal, não é legítimo ao CNJ substituir a administração dos Tribunais para analisar o mérito de pedidos de pagamentos de gratificações individuais formulados por seus servidores, nem fazer as vezes de instância jurisdicional para reparar eventuais violações a direitos subjetivos deles, decorrentes de decisões denegatórias por parta da Administração dos Tribunais.

3. Como decorrência do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, “a”) e do princípio da razoável duração do processo administrativo (art. 5º, inciso LXXVIII, ambos da Constituição Federal) a administração possui o dever de analisar e proferir decisão, em prazo razoável, nos requerimentos e procedimentos administrativos formulados pelos interessados.

4. A ausência de decisão, por parte da administração do TJMA, nos processos administrativos nos quais se veiculam pedidos de pagamento de GAJ, por prazo irrazoável e maior que o necessário à análise dos pedidos, implica o reconhecimento de omissão ilegal quanto ao dever de decidir os requerimentos administrativos.

5. Pedido julgado procedente.

(Relator: Conselheiro Rubens de Mendonça Canuto Neto. Julgado em 20/11/2020. PCA nº 0001053-45.2020.2.00.0000)

Na hipótese, é possível extrair dos autos do processo SEI em análise que a questão trazida pela requerente daqueles autos em 21/02/2020 somente veio a ser apreciada em 23/10/2020, com a apresentação de parecer e posterior decisão em 26/10/2020.

Assim, embora afastada da celeridade necessária, a análise da pretensão apresentada pela requerente no processo SEI em destaque afasta a necessária atuação deste Conselho no ponto.

DA SUCESSÃO TRABALHISTA E DESDOBRAMENTOS

Cumpre pontuar que a matéria em discussão não está relacionada a direitos trabalhistas, cuja análise extrapola a competência constitucional deste Conselho. Contudo, faz-se pertinente as elucidações que circundam o tema sucessório à boa resolução da questão administrativa presente.

O art. 236 da Constituição Federal determina que a exploração do serviço notarial e de registro seja efetuado e explorado em “caráter privado”, excluindo o Estado como empregador. Logo, o empregador será a pessoa física que o explorar. De acordo com o art. 20 da Lei nº 8.935/94, o empregador é o tabelião titular, porquanto aufere renda decorrente do serviço explorado e assume pessoalmente os riscos, como ações cíveis e criminais.

Os trabalhadores em cartórios extrajudiciais são regidos pela CLT e, quando presentes os requisitos da relação de emprego, serão considerados empregados, porém, submetidos às normas da Organização Judiciária e subordinados também à Corregedoria.

A Lei nº 8.935/94 regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, extraindo-se do seu artigo 21 que, apesar de se tratar de serviço delegado pelo Poder Público, a responsabilidade decorrente está a cargo do titular do notário, cabendo ao Poder Público a fiscalização pela prestação do serviço.

Com a alteração da titularidade do serviço notarial, ocorre a transferência de todos os elementos da unidade econômica que integram o cartório. Assim, conclui-se que a alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômica-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, pode caracterizar a sucessão de empregadores com consequente responsabilidade do tabelião sucessor pelos créditos trabalhista, na forma dos artigos 10 e 448 da CLT.

Não obstante, cumpre tecer os seguintes esclarecimentos apontados pelo e. Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho (15ª edição – 2016 – Editora: LTr – Páginas 471 e 472):

“e) A Peculiaridade dos Cartórios Extrajudiciais – Os cartórios extrajudiciais foram regulados pelo art. 236 da Constituição e pela Lei n. 8.935, de 1994. Em vista das peculiaridades dessa figura jurídica, estruturada em torno da figura pessoal do titular da serventia (art. 5º, Lei n. 8.935/94), que ostenta delegação pública pessoal (art. 236, caput, CF/88; arts. 3º, 5º, 14 e 39, Lei dos Cartórios), e da circunstância de que as novas titularidades das serventias supõem a prévia aprovação em concurso público de títulos e provas (art. 236, § 3º, CF/88; art. 14, I, Lei n. 8.935/94), é que se considera empregador a pessoa natural do titular, ao invés de suposto fundo notarial ou estabelecimento cartorário (ou o próprio cartório). Nesta linha dispõe expressamente a Lei n. 8.935 (arts. 20, caput, e 48, caput).

Tais peculiaridades restringem a incidência da sucessão de empregadores regulada pela CLT somente àquelas situações fático-jurídicas em que estejam presentes, concomitantemente, os dois elementos integrantes da sucessão trabalhista, ou seja, a transferência da titularidade da serventia e a continuidade da prestação de serviços. Se não estiverem reunidos esses dois elementos (ou seja, se o antigo empregado não continuar laborando no cartório a partir da posse do novo titular), a relação de emprego anteriormente existente não se transfere para o novo titular da serventia, mantendo-se vinculada, para todos os efeitos jurídicos, ao real antigo empregador, ou seja, o precedente titular do cartório. Não se aplica aqui, portanto, a interpretação extensiva do instituto sucessório, que autoriza a incidência dos efeitos dos arts. 10 e 448 da CLT mesmo que verificada a presença apenas do primeiro elemento integrante da figura jurídica, sem a continuidade da prestação de serviços.” (grifos acrescidos).

Com efeito, considerando o estabelecimento do vínculo com o titular do serviço notarial e não com o próprio fundo notarial, não há equívoco na determinação dirigida à requerente de rescisão dos contratos de trabalho mantidos com os empregados daquela serventia.

No mesmo sentido já se manifestou este Órgão Censor, em decisão monocrática de 28.02.2018, proferida pela e. Conselheira Iracema do Vale no PCA nº 0008099-90.2017.2.00.0000:

“Igualmente, não há desacerto na parte da decisão que determinou que o titular afastado do Cartório fizesse a rescisão do contrato de trabalho e o acervo trabalhista e rescisório com seus funcionários. Conforme se observa, a relação jurídica existente entre o empregador (oficial afastado ou interino responsável) e o empregado (prepostos contratados) é fundada na pessoalidade dos contratantes, por isso que a sucessão de empregadores deve ser entendida como medida excepcional de manutenção do vínculo laboral. A imposição da manutenção desse vínculo subtrairia do interino o direito de livremente dirigir o gerenciamento administrativo e financeiro da serventia extrajudicial, ainda que provisoriamente, até mesmo porque é o responsável pelo acervo da serventia até a assunção do novo delegatário ou o retorno do antigo titular, ora afastado. (…)”

De pontuar que, à luz do princípio da continuidade administrativa e do serviço público e considerando as obrigações originalmente assumidas pelo delegatário renunciante com o poder delegante, a renúncia feita por este não opera efeito de imediato.  Para além da necessária homologação da renúncia pelo Tribunal respectivo, a fim de garantir a regularidade dos serviços notariais e de registro durante o período de transição do responsável pela serventia, remanesce a responsabilidade do titular renunciante da serventia extrajudicial até que se efetive a transmissão do acervo. Entendimento diverso acarretaria transferência injusta de ônus por ato não praticado.

Assim, escorreita a redação conferida ao artigo 466-H, §3º, do Código de Normas do Foro Extrajudicial do Tribunal requerido, que determina a realização da rescisão dos contratos de trabalho quando ocorrer a transmissão de acervo de delegatário para interino. In verbis:

“Art. 466-H. Os interventores e os interinos deverão transferir para seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas todas as obrigações e contratações vigentes no prazo de até 30 (trinta) dias depois da designação a que se refere o art. 466-I deste código, sob pena de glosa das despesas.

(…)

§ 3º A rescisão dos contratos de trabalho deverá ser realizada quando ocorrer transmissão de acervo de:

(…)

II – delegatário para interino; ou (…)”

Por fim, incabível a análise meritória relativa à responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliões e oficiais de registro no exercício de suas funções (Tema 777 do STF) porquanto envolve discussão de cunho eminentemente jurisdicional, estranha à competência deste Conselho.

Pelo todo que se expõe, julgo PROCEDENTE EM PARTE o procedimento de controle administrativo apenas para determinar que a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina conceda livre acesso à requerente ao processo SEI 0081835-10.2019.8.24.0710.

Brasília, data registrada no sistema.

Tânia Regina Silva Reckziegel

Conselheira Relatora – – /

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0008264-35.2020.2.00.0000 – Santa Catarina – Rel. Cons. Tânia Regina Silva Reckziegel – DJ 09.03.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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