TJ/SP: APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. SOBREPARTILHA. Irresignação contra sentença que concedeu em parte a segurança, determinando a manutenção do desconto relativo à declaração original de ITCMD e a redução do imposto em 5% em relação aos bens sobrepartilhados, com fundamento no artigo 17, § 2º, da Lei Estadual nº 10.705/00. Cabimento. Desconto de ITCMD que só é devido nos casos em que o recolhimento integral é realizado dentro do prazo de 90 dias contados da abertura da sucessão, nos termos do art. 17, § 2º, da Lei estadual nº 10.705/00. Ausência de direito líquido e certo à manutenção do benefício legal. Sentença reformada. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1024679-19.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado RENATA VASCONCELOS DE ALMEIDA BESSA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARIA LAURA TAVARES (Presidente) E MARCELO BERTHE.

São Paulo, 17 de abril de 2023.

NOGUEIRA DIEFENTHALER

Relator(a)

Voto nº 41551

Processo nº 1024679-19.2022.8.26.0053

Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo

Apelada: Renata Vasconcelos de Almeida Bessa

Comarca de São Paulo

Juiz prolator: Liliane Keyko Hioki

5ª Câmara de Direito Público

APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. SOBREPARTILHA. Irresignação contra sentença que concedeu em parte a segurança, determinando a manutenção do desconto relativo à declaração original de ITCMD e a redução do imposto em 5% em relação aos bens sobrepartilhados, com fundamento no artigo 17, § 2º, da Lei Estadual nº 10.705/00. Cabimento. Desconto de ITCMD que só é devido nos casos em que o recolhimento integral é realizado dentro do prazo de 90 dias contados da abertura da sucessão, nos termos do art. 17, § 2º, da Lei estadual nº 10.705/00. Ausência de direito líquido e certo à manutenção do benefício legal. Sentença reformada. Recurso provido.

Vistos.

Trata-se de apelação interposta pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO nos autos do mandado de segurança impetrado por RENATA VASCONCELOS DE ALMEIDA BESSA contra ato praticado pelo DELEGADO REGIONAL TRIBUTÁRIO DRTC III, em face da r. sentença de fls. 122/125, cujo relatório integro ao presente voto, por meio da qual a DD. Magistrada a quo concedeu em parte a segurança, para afastar a incidência da multa e dos encargos de mora previstos no artigo 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00, em razão do inventário extrajudicial indicado na petição inicial, determinando a manutenção do desconto relativo à declaração original de ITCMD, bem como a redução do imposto em 5%, nos termos do artigo 17, § 2º, da Lei Estadual nº 10.705/00 e do artigo 31, § 1º do Decreto Estadual nº 46.655/02.

Preliminarmente, alega inadequação da via eleita, vez que inadmissível a utilização da ação mandamental para questionamento de lei em tese. No mérito, sustenta que o desconto de ITCMD só é devido nos casos em que o recolhimento é realizado dentro do prazo de 90 dias contados da abertura da sucessão, nos termos do art. 17, § 2º, da Lei estadual nº 10.705/00. Assim, a impetrante não faz jus à manutenção do desconto, tendo em vista a ocorrência de sobrepartilha após o transcurso do referido prazo.

A fls. 141 foi certificado o decurso de prazo para apresentação de contrarrazões.

É o relatório. Passo ao voto.

Inicialmente, não merece guarida a questão preliminar referente à inadequação da via mandamental para o caso presente. A alegação da parte apelante no sentido da impossibilidade de impetração de mandado de segurança contra lei em tese, nos termos da Súmula 266 do STF, soçobra porquanto a insurgência da impetrante é voltada contra ato administrativo concreto que reverteu o desconto de 5% concedido no recolhimento de ITCMD e aplicou juros e multa sobre o valor original declarado. Assim, repilo a tese preliminar aventada.

No mérito, contudo, o recurso admite provimento.

De fato, assiste razão à apelante no tocante à ausência de direito do impetrante à manutenção do desconto no recolhimento do ITCMD, em razão do não recolhimento integral do imposto nos prazos previstos no art. 17, da Lei estadual nº 10.705/00, e art. 31, § 1º, item 2, do Decreto estadual nº 46.665/02, que assim dispõem:

Artigo 17 – Na transmissão “causa mortis”, o imposto será pago até o prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento, observado o disposto no artigo 15 desta lei.

Parágrafo único § 1º – O prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial.

§ 2º – Sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da abertura da sucessão, o Poder Executivo poderá conceder desconto, a ser fixado por decreto.

Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, art. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):

I – na transmissão “causa mortis”, no prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento;

(…)

§ 1.º – Na hipótese prevista no inciso I:

1 – o prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito aos juros e à multa previstos no artigo seguinte, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial;

2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de abertura da sucessão(destacamos)

No caso em exame, verifica-se que a impetrante recebeu bens a título de herança e realizou o recolhimento do imposto correspondente com desconto de 5%, uma vez observado o prazo de 90 dias contados da abertura da sucessão, nos termos do artigo 17, § 2º, da Lei Estadual 10.705/2000.

Contudo, após o recolhimento do ITCMD com o desconto referente ao pagamento no prazo legal, a impetrante declarou a existência de outros bens (saldo de poupança e ações) no valor R$ 13.791,79.

Assim, em razão da sobrepartilha, houve valor residual do imposto a ser pago após referido prazo de 90 dias, o que afasta a pretensão da impetrante de manutenção do benefício legal, já que o desconto somente é concedido se o imposto for integralmente recolhido dentro daquele prazo, o que, como vimos, não ocorreu.

Nesse contexto, vê-se que a autoridade tributária apenas realizou adequada aplicação dos comandos legais na apreciação da declaração retificadora de ITCMD, levando em conta que não houve o inventário de todos os bens do de cujus na época apropriada, assim como não houve recolhimento integral do imposto dentro do prazo estabelecido para justificar a concessão do benefício legal.

Enfim, não tendo a impetrante recolhido integralmente o imposto no prazo de 90 dias previsto no art. 17, da Lei estadual nº 10.705/00, e art. 31, § 1º, item 2, do Decreto estadual nº 46.665/02, não há que se falar em direito líquido e certo à manutenção do desconto no recolhimento do ITCMD.

Posto isso, dá-se meu voto no sentido doprovimentodo recurso.

NOGUEIRA DIEFENTHÄLER

RELATOR

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1024679-19.2022.8.26.0053 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Nogueira Diefenthaler – DJ 20.04.2023

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Alienação fiduciária em garantia (propriedade superveniente) – Alteração da Lei nº 9.514/1997 pela Lei nº 14.711/2þ,023 – Admissão do registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente (artigo 22, §3º) – Negócio jurídico celebrado antes da alteração legislativa – Irrelevância, por duas razões – Primeiro, pela inexistência de título contraditório indicativo da violação de direito de terceiro entre a data da celebração do negócio e a vigência da lei nova – Segundo, porque não havia vedação expressa à alienação fiduciária em garantia superveniente no regime original da Lei 9514/97 – Regime geral das garantias compatível com a constituição de direito real de garantia sobre propriedade superveniente. óbice afastado – Recurso a que se dá provimento.

Apelação Cível nº 1000125-58.2023.8.26.0126

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000125-58.2023.8.26.0126
Comarca: CARAGUATATUBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000125-58.2023.8.26.0126

Registro: 2024.0000118341

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000125-58.2023.8.26.0126, da Comarca de Caraguatatuba, em que é apelante FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL SOCIEDADE UNIPESSOAL LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CARAGUATATUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento e julgaram a dúvida improcedente, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000125-58.2023.8.26.0126

APELANTE: Finanza Prime Fomento Mercantil Ltda

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Caraguatatuba

VOTO Nº 42.986 

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Alienação fiduciária em garantia (propriedade superveniente) – Alteração da Lei nº 9.514/1997 pela Lei nº 14.711/2023 – Admissão do registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente (artigo 22, §3º) – Negócio jurídico celebrado antes da alteração legislativa – Irrelevância, por duas razões – Primeiro, pela inexistência de título contraditório indicativo da violação de direito de terceiro entre a data da celebração do negócio e a vigência da lei nova – Segundo, porque não havia vedação expressa à alienação fiduciária em garantia superveniente no regime original da Lei 9514/97 – Regime geral das garantias compatível com a constituição de direito real de garantia sobre propriedade superveniente. óbice afastado – Recurso a que se dá provimento. 

Cuida-se de apelação interposta por FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL SOCIEDADE UNIPESSOAL LTDA., atual denominação de FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL LTDA. em face da r. sentença, de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Caraguatatuba, que manteve o óbice ao registro de Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo, e de Escritura Pública de Rerratificação, firmadas, respectivamente, em 26/05/2021 e 17/05/2022, com referência ao imóvel de matrícula n.º 51.846 daquela Serventia (fls. 90/92).

Da nota devolutiva prenotada sob o nº 220.581, que, vencida, foi substituída pela de nº 223.474 no ensejo da suscitação da dúvida inversa, constou o seguinte:

“1) Primeiramente, informamos que o registro de alienação fiduciária em garantia (imóvel superviniente ‘sic’) não é título passível de registro nos termos do art. 167, I, da Lei 6.015/1973.

2) O princípio da continuidade, insculpido no art. 195 da Lei Federal nº 6.015/73, determina que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito ou ônus se o outorgante ou devedor dele aparecer como seu titular. No caso ora analisado, verificamos que o imóvel matricula nº 51.846, não é de propriedade de Nezio Antonio Barreiros e sua esposa Leovegilda Maria Ferreira Barreiros e Ironman San Nartin ‘sic’ Garrido e sua mulher Liana Claudia Barreiros Garrido, uma vez que o imóvel encontra-se alienado à Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados CNPJ nº 39.863.075/0001-31, que, atualmente, detém a propriedade resolúvel do imóvel, razão pela qual não há como proceder ao registro sem ferir o princípio acima aludido, e o princípio da disponibilidade, o qual se depreende do art. 1228 do Código Civil Brasileiro vigente (e de seu análogo art. 524 do Código Civil de 1916). Assim, o registro do título apresentado depende do cancelamento da alienação que onera o imóvel (termo de quitação, cuja firma deverá estar notarialmente autenticada, e seus poderes devidamente comprovados), conforme foi decido nos autos do processo nº 1111191-68.2016.8.26.0100 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo: […]”.

Sustenta a apelante, em suma, que é plenamente cabível o registro da alienação fiduciária em garantia em caráter superveniente por não afetar o direito do credor fiduciário anterior, além do que a eficácia da nova garantia fica subordinada ao adimplemento da condição estabelecida pelo devedor fiduciante na primeira dívida. Aduz, ainda, que há expressa previsão nos artigos 1.361, §3º e 1.420, §1°, do Código Civil, para a averbação da propriedade superveniente. Pede, portanto, o provimento do recurso, liberando-se as escrituras para registro.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 160/161).

Em atendimento à determinação de fls. 163/164, o Oficial informou que submeteu o título à nova prenotação, tendo em vista que a de nº 220.581 estava vencida (fls. 167).

É o relatório.

A apelante postula o registro da Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo (fls. 28/43), assim como da Escritura Pública de Rerratificação a fls. 44/53, em que Finanza Prime Fomento Mercantil Ltda figura como credora fiduciária e Nézio Antonio Barreiros e sua mulher Leovegilda Maria Ferreira Barreiros, Ironman San Martin Garrido e sua mulher Liana Claudia Barreiros Garrido figuram como garantidores fiduciantes com relação ao imóvel de matrícula n.º 51.846 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Caraguatatuba.

Da certidão de matrícula, vê-se que os proprietários Ironman San Martin Garrido e sua mulher Liana Cláudia Barreiros Garrido, e Nézio Antônio Barreiros e sua mulher Leovegilda Maria Ferreira Barreiros transferiram, por alienação fiduciária, a propriedade do imóvel à Desenvolve SP Agência de Fomento do Estado de São Paulo S.A., para a garantia de dívida originada por financiamento concedido a PHC Indústria e Comercio de Produtos de Higiene Pessoal Ltda, nos termos do Registro nº 04, datado de 07/01/2015, a qual, por sua vez, cedeu os direitos e obrigações creditórios a Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados, conforme a Averbação de nº 05, realizada em 05/07/2021.

Estando, portanto, o imóvel alienado a Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados é que o Registrador negou o ingresso, no fólio real, do registro da Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo, e da subsequente escritura pública rerratificativa.

Todavia, a alienação fiduciária da propriedade superveniente passou a ser suscetível de inscrição no registro de imóveis a partir da Lei nº 14.711/2023, que alterou a Lei nº 9.514/1997, com destaque para o disposto no artigo 22, parágrafo 3º:

” Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

[…]

§ 3º A. alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no registro de imóveis desde a data de sua celebração, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída”.

Nesse novo cenário, não subsiste o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis, admitindo-se o registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente que, contudo, só se tornará eficaz quando do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída.

Vale dizer, com a alteração legislativa em apreço, passou a ser permitido o ingresso do título de alienação fiduciária da propriedade superveniente no fólio real, afastando-se o óbice comumente apontado no sentido de que, já existindo alienação fiduciária em garantia do imóvel registrada na matrícula em favor do credor fiduciário e a quem se outorgara a propriedade resolúvel do bem, haveria ofensa ao princípio da continuidade registral por não mais pertencer o bem aos devedores ou garantidores fiduciantes.

Evidente que se pode argumentar que o exame da legalidade se faz à luz da lei vigente ao tempo do negócio jurídico, ou, ao menos, ao tempo do dia da prenotação.

Duas circunstancias porém, autorizam o ingresso do título no registro imobiliário.

A primeira é a inexistência de qualquer prenotação ou registro antinômico entre a data do negócio – ou a data do ingresso do título – e a data do presente julgamento. Dizendo de modo diverso, o exame do título à luz da legislação superveniente, em aparente desafio ao aforismo tempus regit actum, consagrado na jurisprudência registral, se faz sem prejuízo a direitos de terceiros. Não há o risco de em razão da admissão do registro – que retroagirá à data da prenotação – interesses de terceiros serem atingidos.

Não faria sentido manter a desqualificação do título e submeter as partes à celebração de novo negócio jurídico, ou, nem isso, a simplesmente reapresentar o título perante o Oficial, inaugurando nova prenotação e ciclo do procedimento registrário, diante da inexistência de qualquer direito contraditório ingressado nesse meio tempo, ou de prejuízo a terceiros.

Ainda que assim não fosse, merece o título ter acesso ao registro imobiliário por uma segunda razão.

Persiste fundado entendimento doutrinário no sentido da possibilidade do acesso ao registro imobiliário da propriedade fiduciária superveniente antes mesmo da vigência da Lei nº 14.711/23, que alterou o artigo 22 da Lei nº 9.514/97.

Parte expressiva da doutrina já admitia a figura da propriedade fiduciária superveniente, com esteio nos artigos 1.361, §3º e 1.420, §1º, do Código Civil.

No dizer autorizado de Melhim Namem Chalhub, anterior à alteração introduzida pela Lei nº 14.711/23, “a constituição dessa espécie de garantia não tem por objeto o direito aquisitivo que se encontra no patrimônio do devedor-fiduciante, mas, sim, o direito futuro de propriedade do qual o fiduciante se tornará titular quando implementada a condição suspensiva (pagamento); disso resulta, obviamente, que a eficácia da garantia (nova) fica subordinada ao implemento dessa condição. Não se confunda a alienação fiduciária da propriedade superveniente com alienação fiduciária em segundo grau, que é inadmissível” (Alienação Fiduciária, 8ª, Edição atualizada Forense, 2.023, p. 116).

A questão da propriedade fiduciária superveniente não se encontra no plano da validade do negócio, mas sim no plano da eficácia. A garantia é valida, apenas sua eficácia se encontra subordinada ao implemento de condição suspensiva, qual seja, a extinção da primeira propriedade fiduciária resolúvel.

No dizer de Pontes de Miranda, trata da “pós-eficalização” da garantia real constituída a non domino (Tratado de direito privado. São Paulo, RT, 1983, t. XX, p. 27). Essa a razão pela qual, ainda antes da reforma da Lei nº 14.711/23, os artigos 1.420, § 2º e 1.361, §3º já admitiam a figura da alienação fiduciária de propriedade superveniente. Impecável a redação dos preceitos no CC/2002. A garantia outorgada por quem não é dono, ao contrário do dito no CC/1916, não se revalida, simplesmente por não ser inválida, mas apenas ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário.

Não há, aqui, promessa de outorga de garantia, nem de garantia sobre coisa alheia, mas mera garantia ineficaz, que ganha, de modo automático e independentemente de qualquer outra emissão de vontade das partes, plenos efeitos se a coisa for adquirida pelo outorgante.

A alteração legislativa autorizando o ingresso do título no fólio real apenas positivou de modo explícito situação que já se encontrava no regime geral de garantias do Código Civil.

Não subsiste razão para a procedência da dúvida, pelas inúmeras razões acima explicitadas.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo e julgo a dúvida improcedente.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Anterior regularização promovida pelo Município e registrada – Pretensão de registro de nova regularização para corrigir a configuração de lotes e identificar os beneficiários do registro da propriedade – Correção do erro a ser feita mediante retificação do registro da regularização fundiária – Apelação não provida, com observação.

Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1008016-13.2023.8.26.0068
Comarca: BARUERI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068

Registro: 2024.0000118350

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008016-13.2023.8.26.0068

APELANTE: Município de Santana de Parnaíba

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 43.009

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Anterior regularização promovida pelo Município e registrada – Pretensão de registro de nova regularização para corrigir a configuração de lotes e identificar os beneficiários do registro da propriedade – Correção do erro a ser feita mediante retificação do registro da regularização fundiária – Apelação não provida, com observação.

Trata-se de apelação interposta pelo Município de Santana de Parnaíba contra r. sentença que manteve a recusa do registro da regularização fundiária relativa ao lote 07 da quadra C do Loteamento Jardim Ceará, que é objeto da matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri, por se tratar de imóvel com situação já regularizada, em que não existe núcleo urbano, e porque os proprietários do imóvel, que são os beneficiários da anterior regularização, podem extinguir o condomínio voluntário mediante divisão do bem, com recolhimento dos emolumentos devidos pelo ato (fl. 84/85).

A apelante alegou, em suma, que pretende o registro do Projeto de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social – Reurb S para que seja promovida a especialização da fração ideal atribuída a cada condômino do imóvel. Assevera que, na forma do art. 213 da Lei nº 6.015/1973, é possível a retificação do registro da regularização fundiária anterior, a requerimento dos interessados ou de ofício pelo registrador, para corrigir o erro existente. Ademais, os arts. 11, VI, e 25 da Lei nº 13.465/2017 preveem a legitimação de posse como ato do poder público destinado a conferir título para os ocupantes do imóvel, visando que possam, oportunamente, adquirir o direito real de propriedade. Esclareceu que depois do registro da regularização fundiária elaborou o cadastro físico e social dos ocupantes da área, constatando que a Reurb estava em desacordo com a situação da ocupação que se encontra consolidada, sendo o desdobro do lote 07 da quadra C anterior à titulação dos ocupantes, à emissão de títulos de legitimação de posse ocorrida em 2016 e ao registro promovido.

Informou que a área é ocupada por pessoas de baixa renda, que não têm recursos para custear as despesas com o desdobro do imóvel e extinção do condomínio. Além disso, não se trata de nova titulação de interesse social, mas especialização de fração ideal aos ocupantes que receberam títulos de legitimação. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro do Projeto de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social – Reurb S, do lote 07 da quadra C do Jardim Ceará (fl. 93/100).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não não provimento do recurso (fl. 121/123).

É o relatório.

A apelante apresentou, para registro, Certificado de Regularização Fundiária de Interesse Social relativa aos Lotes 07-A e 07- B da Quadra C do Jardim Ceará, situados na rua Aracati, 61/67, Município de Santana de Parnaíba, objeto da matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri, de que figuram como proprietários Davi Claro Cavalcanti e sua mulher Daniele Lima Cavalcanti, e Roberto Toledo Piza e sua mulher Noemi Assis da Silva, o que fez para que o lote 07-A seja atribuído para Davi e Daniela, e o lote 07-B para Roberto e Noemi (fl. 31/59).

Conforme a matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis da Comarca de Barueri, a regularização do loteamento, promovida pelo Município de Santana de Parnaíba, foi registrada em 29 de setembro de 2014.

Por sua vez, a legitimação de posse do lote 07 da quadra C do Jardim Ceará foi registrada em 28 de agosto de 2017, ao passo que o posterior título de legitimação fundiária, em favor de Davi Claro Cavalcanti e sua mulher Daniele Lima Cavalcanti, e de Roberto Toledo Piza e sua mulher Noemi Assis da Silva, foi registrado em 28 de agosto de 2017 (fl. 65/66).

Segundo a apelante, a regularização fundiária e as outorgas dos títulos de legitimação contêm erro porque os ocupantes do lote 07 da quadra C exerciam posse sobre áreas certas e determinadas, situação que não foi considerada apesar de anteceder o registro da regularização.

Não há, em princípio, vedação para o registro de nova regularização fundiária promovida em imóvel que foi anteriormente regularizado, em que realizada nova ocupação mediante constituição de núcleo urbano informal, ou para que a regularização seja promovida sobre parte do imóvel (art. 36, § 2º, da Lei nº 13.465/2017).

Porém, embora o ato rogado tenha consistido em registro de nova regularização fundiária, a apelante pretende a correção do registro da regularização anterior promovida, para que a área que corresponderia ao lote 07 da quadra C seja desdobrada em duas partes, com atribuição do título de legitimação, para cada casal, dos imóveis de que efetivamente exerciam a posse.

Essa pretensão decorre, de forma clara, das razões de recurso, em que a apelante afirmou:

No entanto, incumbe destacar que, de acordo com o artigo 213, da Lei nº 6.015/1973, o Oficial retificará o registro ou a averbação de ofício ou a requerimento nos casos de omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título, assim como inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes” (fl. 97/98).

Contudo, a apelante não foi orientada, pela nota devolutiva, sobre a possibilidade de averbação da retificação do registro da regularização fundiária, destinada à correção do erro existente, pois a exigência formulada consistiu na apresentação de título de extinção do condomínio voluntário e divisão do imóvel (fl. 142).

O registro, entretanto, deve conter a correta descrição da coisa a que se refere e do direito que sobre ela incide, comportando o erro, quando existente, correção mediante retificação.

A regularização fundiária promovida pelo Município não observou a correta forma de ocupação do lote 07 da quadra C, devendo o erro ser corrigido em proveito dos ocupantes do imóvel que foram os destinatários da legitimação de posse e da posterior outorga do título de propriedade.

O título apresentado pela requerente contém todas as informações necessárias para a correção do erro, sendo desnecessária a indicação da proporção que os beneficiários receberão nos imóveis porque, conforme decorre de forma lógica do título apresentado, cada casal permanecerá com o domínio de um lote determinado, sendo os seus respectivos casamentos realizados pelo regime da comunhão parcial de bens, o que, aliás, consta na matrícula nº 175.167 (fl. 66).

E é necessário que a regularização fundiária de interesse social alcance a sua finalidade, não podendo os beneficiários dos títulos de outorga de domínio ser prejudicados por erros contidos no projeto de regularização, no Certificação de Regularização Fundiária, na outorga dos títulos de propriedade, ou de título de constituição de direito de natureza diversa (CRF).

Assim porque, segundo Paola de Castro Ribeiro Macedo:

Dessa forma, pode-se afirmar que ‘a irregularidade fundiária não é poder-dever, mas dever-poder do Estado uma vez que envolve a concretização de direito fundamental social que, portanto, se vincula a eminentemente interesses públicos e não se liga apenas a interesses privados já que envolve o bem-estar de parte da população que reside em locais caracterizados pela precariedade como favelas, comunidades, palafitas e afins” (Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes, São Paulo: Thonson Reuters Brasil, in Coleção Direito Imobiliário, Coord. Alberto Gentil de Almeida Pedroso, vol. V, 2020, p. 60).

Desse modo, mantida a recusa do novo registro, fica observado que, neste caso concreto, não há impedimento para que o mesmo título já apresentado pela requerente seja recebido como destinado à retificação do registro, a ser feita por ato de averbação.

Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso, com observação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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