Artigo – O Companheiro Passou a Ser Herdeiro Necessário? Breves considerações acerca do seu regime sucessório – Anderson Nogueira Guedes


Com a Declaração de Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, no julgamento dos Recursos Extraordinários 878.694/MG e 646.721/RS, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou a seguinte tese:

“É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.

Tal entendimento, a nosso ver, acabou com uma situação de injustiça e desigualdade que perdurava por anos em nosso país, passando a equiparar o companheiro ao cônjuge para fins sucessórios.

É inconstitucional, portanto, qualquer tipo de distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos (casamento e união estável) o regime do artigo 1.829 do Código Civil, que assim preconiza:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.”

Como consequência, no citado artigo 1.829, onde se lê “cônjuge”, dever-se-á ler e compreender “cônjuge ou companheiro”.

Essa foi a leitura feita pelo STF do citado dispositivo legal à luz da Constituição Federal, equiparando-se o companheiro ao cônjuge na ordem de vocação hereditária.

Superada essa questão, resta-nos ainda saber:

O companheiro é herdeiro necessário?

Poderá ser excluído da sucessão legítima através de testamento?

As respostas a tais questionamentos são de crucial importância ao Direito, sobretudo aos ramos do Direito de Família e Sucessões e do Direito Notarial e Registral, tendo inúmeras consequências jurídicas.

Os herdeiros necessários são aqueles arrolados no artigo 1.845 do Código Civil:  – os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Pertence a essa classe especial de herdeiros, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima (CC, art. 1.846). Portanto, não poderá ser objeto de disposição em testamento. Tampouco poderão ser afastados da sucessão legítima, por testamento, referidos herdeiros necessários, salvo nos casos de deserdação previstos na lei civil.

Acontece que, em tais julgamentos, o Pretório Excelso não enfrentou a questão de ser ou não o companheiro herdeiro necessário, não se manifestando com relação ao rol previsto no artigo 1.845 do Código Civil.

Entretanto, entendemos que ao se interpretar referido artigo em consonância com a Constituição da República e com os Princípios Constitucionais norteadores do Direito de Família contemporâneo, intimamente ligados ao caso em apreço, outro não pode ser o entendimento: deverá o companheiro ser reconhecido como herdeiro necessário.

Com relação ao tema, assevera Flávio Tartuce (2018, p. 1688):

“Findo o julgamento pelo STF, para esta edição 2018 da obra, traremos as observações que podem ser feitas sobre o acórdão, sem prejuízo de aspectos que restaram em aberto, pois não enfrentados pelo decisum.

O primeiro deles, reafirme-se, diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do relator, a conclusão parece ser positiva, sendo essa a posição deste autor, conforme destacado em outros trechos deste livro.”

Por conseguinte, levando-se em consideração o que vem sendo decidido hodiernamente pela Suprema Corte Brasileira, no sentido de igualar a união estável ao casamento para fins de proteção do Estado e de efetiva proteção da família, bem como os princípios norteadores do Direito de Família contemporâneo, especialmente os Princípios Constitucionais da Igualdade, da Liberdade, da Especial Proteção à Família e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, entendemos que deverá o companheiro ser reconhecido como herdeiro necessário, não podendo, portanto, ser afastado da sucessão legítima, por meio de testamento, concorrendo ou não com filhos do companheiro falecido.

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 abril 2019.

STF. RE 646.721/RS Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13579050>. Acesso em: 10 abril 2019.

STF. RE 878.694/MG. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=306841295&ext=.pdf>. Acesso em: 10 abril 2019.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil Volume único. 8ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Forense, 2018.

O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Notário e Registrador Público Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral de Campo Novo do Parecis – MT, com mais de 15 anos de experiência na atividade. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-Graduando em Direito de Família e Sucessões e em Direito Tributário. Secretário Adjunto da ARPEN-MT. Integrante/assessor da Comissão de Estudos e Consultas Técnicas relacionados à Especialidade de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da ANOREG/MT. Palestrante. Autor de artigos jurídicos publicados em sites especializados em Direito Notarial e Registral. Aprovado em vários concursos públicos para ingresso na Atividade Notarial e Registral.

Fonte: Blog do DG

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A herança pode ser virtual, mas o valor é real


O que acontecerá com sua empresa virtual e seu acervo pessoal?

Quem participa de redes sociais sabe que em suas páginas – denominadas mural ou perfil – os internautas expõem seus gostos, ideias e sentimentos. E álbuns repletos de fotos da família e dos amigos. É verdade que há um contingente de pessoas que não gosta da exposição gratuita promovida pelas redes sociais, mas certamente faz uso de sites, e-mails e, por meio deles, resolve não só questões profissionais e financeiras, mas pessoais também.

Acima de tudo, se consomem ideias e produtos. É só trafegar um pouco por esse mundo digital para detectar oportunidades e sonhos, e achar sites de empresas de todos os segmentos de mercado. São comunidades inteiras plugadas e unidas por ideias comuns.

Ocorre que se tornou tão simples e trivial guardar informações na nuvem, como também é chamado o mundo virtual, que mal nos damos conta da quantidade e da qualidade de informações que disponibilizamos e que permanecem lá, na nuvem. E mais: o acesso é totalmente individual, por meio de senhas.

Não é difícil concluir que, ao morrer, se não deixarmos em testamento um nome designado para cuidar desse material, os herdeiros terão trabalho dobrado se quiserem obter essa herança virtual. A legislação brasileira ainda não se ocupou diretamente com esse tipo de legado. Como sabemos, há disposições sobre como gerir bens deixados como herança, em testamento ou não, porém não há nada específico que determine o que fazer com o que ficou “flutuando” na rede.

Os provedores de acesso à internet, assim como os provedores que viabilizam as redes sociais têm regras de uso bem definidas e a política de privacidade em relação às senhas é tão rigorosa quanto no sistema financeiro. Pessoas mais práticas já resolveram de forma simples essa questão. Compartilham suas senhas com alguém de confiança. Com o falecimento, a pessoa que detém as senhas pode excluir ou editar o perfil, selecionar e-mails, guardar o que achar necessário, jogar fora o que não convém, como se faz quando se arruma o quarto e os pertences de quem já se foi. Amigos e parentes de falecidos editam blogs, perfis de Facebook e Orkut, ou os vídeos no Youtube, transformando-os em homenagens. Mantêm a página com fotos dos amigos, ideias e pensatas do falecido, e as fotos familiares mais significativas.

No caso de pessoas famosas, principalmente artistas – poetas, escritores, compositores e músicos, artistas plásticos, ou mesmo historiadores e intelectuais – essas páginas podem se transformar em memoriais. As correspondências virtuais, que na atualidade substituíram totalmente as cartas, podem tornar-se verdadeiras relíquias a depender do seu conteúdo. Por isso, a “praticidade” citada acima deve ser usada com cautela. Há personalidades que jamais tiveram expressividade e, após a morte, ganham notoriedade. Exemplo antigo, mas emblemático, é de Van Gogh, que em vida amargou a loucura e a pobreza e, na atualidade, cada quadro equivale a um tesouro. Em fevereiro desse ano, por exemplo, o quadro Vue de l’asile ET de La chapelle de Saint-Remy foi arrematado por 15,9 milhões de dólares.

Se as senhas não estão disponíveis, os herdeiros deverão pleiteá-las aos provedores por meio de alvará judicial. Os provedores têm responsabilidade civil, elaboram seus termos de uso e para disponibilizar a senha precisam se acercar juridicamente. Afinal, a depender de quem é o falecido, as informações podem ser muito valiosas. De segredos de Estado a fofocas de gente famosa, há um mundo de informações confidenciais trafegando pela internet. Embora não haja legislação específica – como já dissemos -, de modo geral, os juízes entendem que os herdeiros têm legitimidade para pleitear esse acesso.

Para além de confidências, escritos, fotos e coleções de posts há também os bens virtuais propriamente, frutos de um novo mercado ascendente. Já há uma lista desses produtos e ela deve crescer. Esses bens virtuais são produtos não físicos, comprados para serem utilizados na própria rede social, como um aplicativo para jogo online ou um avatar – imagem com a qual a pessoa se identifica na rede ou no ambiente do jogo online – especial e original. Estes itens devem ser tratados como bens de verdade, pois podem até não ter um valor monetário grande, mas foram adquiridos e passam a pertencer aos herdeiros. Essa avaliação subjetiva também é relativa, uma vez que, em 2010, uma estação espacial virtual, pertencente ao cenário do jogo denominado Entropia Universe, foi vendida por 330 mil dólares. Ou seja, mais um motivo para que senhas de blogs e de redes sociais sejam consideradas como itens pertencentes ao espólio deixado pelo falecido.

Tão promissor quanto o mercado de bens virtuais é o de produtos e serviços oferecidos pelas empresas virtuais. São jóias e bijuterias, utensílios domésticos, roupas para bebê, camisetas, livros, bebidas, enfim, uma infinidade de produtos. Empresas bem situadas na nuvem são as que conquistaram a confiança do consumidor ao oferecer produtos de qualidade e, ao mesmo tempo, manejam com sucesso a tecnologia e o marketing específico dessa mídia, ou seja, exigem competência específica do administrador. Juridicamente, essas empresas são tão bem constituídas quanto as empresas do mundo real, por isso prescindem do mesmo tratamento que é dado àquelas em testamentos.

Parece lógico, então, que daqui para frente as pessoas devam se preocupar com aquilo que têm de seu a trafegar pela internet e que, ao pensar em testamento, deleguem suas senhas com o mesmo zelo que delegam seus pertences no mundo real. É importante lembrar que as redes e seus conteúdos formam também o enorme acervo que a humanidade deixará para as próximas gerações. Na esfera jurídica, novas regulamentações surgirão para dar conta desse mundo tão virtual quanto ilimitado.

Fonte: Estadão

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