CSM/SP: Tese de julgamento: 1. Ausente a comprovação de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46 e diante da celebração do aforamento mediante pagamento de laudêmio e de foro anual, deve ser comprovado o recolhimento do ITBI.

Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005383-31.2 25.8.26.0562
Comarca: SANTOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562

Registro: 2025.0001294417

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005383-31.2 25.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante JULIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005383-31.2025.8.26.0562

Apelante: Julio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 43.990

Apelação – Dúvida Registrária.

I. Caso em Exame

1. Sentença que manteve a negativa do registro do contrato de constituição de aforamento, sob assertiva de que se trata de contrato oneroso, a ensejar a cobrança de ITBI, decidindo diferentemente da exigência formulada, que impunha o recolhimento do ITCMD. A Apelante alega constituição de contrato de aforamento gratuito, pelo que refuta a exigência. Requer a reforma da sentença.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em aferir se há ou não onerosidade no contrato de aforamento celebrado entre a apelante e a União, de forma a se justificar a exigência de pagamento de tributo.

III. Razões de Decidir

3. A enfiteuse administrativa gera direito real suscetível de registro, e a exigência de cobrança do ITBI é de rigor, conforme previsão de pagamento de foro e laudêmio no contrato, notadamente quando não demonstrado o deferimento do pedido de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46.

IV. Dispositivo e Tese

4. Apelação não provida.

Tese de julgamento: 1. Ausente a comprovação de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46 e diante da celebração do aforamento mediante pagamento de laudêmio e de foro anual, deve ser comprovado o recolhimento do ITBI.

Legislação Citada:

Código Tributário Nacional, art. 35; Constituição Federal, art. 156, inciso II; Decreto-Lei nº 9.760/1946; Lei nº 9.636/1998; Código Civil de 2002, art. 2.038, §2º.

Trata-se de apelação (fls. 164/173) interposta por JÚLIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA. Contra a r. sentença (fls. 139/149), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que manteve a negativa de registro do contrato de constituição de aforamento do imóvel objeto da matrícula de nº 51.063 daquela serventia.

A apelante insiste no pedido, sustentando, em síntese, que o contrato de aforamento firmado é gratuito, não podendo ser considerado oneroso porque não houve pagamento de preço. Aduz que o contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, o que afasta o pagamento de ITBI. Defende, ainda, a não incidência de ITCMD, já que não se trata de doação, daí porque reputa a exigência registral do pagamento deste tributo como indevida. Pede, então, a reforma da sentença (fls. 164/173).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recuso (fls. 196/199).

É o relatório.

O registro do Contrato de Constituição de Aforamento firmado em 26 de novembro de 2024, em que a União Federal figurou como outorgante e Júlio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda. figurou como outorgada (fls. 33/37), foi negado pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que expediu a nota de devolução de nº 414.226 (fls. 103) contendo exigências.

O título foi reapresentado, mas novamente o ingresso foi obstado, conforme nota devolutiva de nº 415.955 (fls. 71/72), com o seguinte teor:

“Trata-se de Contrato de Constituição de Aforamento apresentado por meio eletrônico objetivando a prática de ato na matrícula nº 51.063 deste ORI.

Exigências:

Reitera-se devolução anterior (prenotação nº 414.226), ou seja:

Considerando tratar-se de concessão gratuita, em atenção ao artigo 289 da Lei 6.015/73, será necessário apresentar a declaração de ITCMD (recolhida ou constando sua respectiva isenção).

Em tempo: Cabe esclarecer ainda que, o entendimento desta serventia é de que o aforamento é ato de registro e não de averbação, conforme disposto no artigo 167, I, 10 da Lei 6.015/73.

Salienta-se que não concordando com os termos da presente nota devolutiva, poderá o interessado suscitar dúvida nos termos do artigo 198, VI da Lei 6.015/73”.

Diante da exigência, a ora apelante requereu a suscitação de dúvida (fls. 18/24), que manteve a negativa do acesso do título ao fólio real, mas por fundamento diverso daquele constante da nota devolutiva, entendendo o Juiz Corregedor Permanente que a constituição de enfiteuse implica onerosidade, razão pela qual incide ITBI, e não ITCMD.

Apesar das razões expostas no recurso de apelação, a manutenção da sentença é de rigor.

Inicialmente, vê-se que o Registrador de Imóveis se baseou na premissa de que o contrato de aforamento em pauta seria gratuito e, em razão disso, exigiu o recolhimento do ITCMD.

A apelante também alega (fls. 165) que “O contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, nos termos do artigo 74 do Decreto- Lei 9.760/46, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, conforme se infere do processo administrativo e parecer quanto ao aforamento gratuito (fls. 38/40)”.

Todavia, não é o que se vê dos documentos anexados aos autos.

Foi solicitada a concessão de gratuidade no aforamento em questão, conforme cópia do documento exarado pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40). Mas, diversamente do que informou a apelante, não há notícias da efetiva concessão.

Na Nota Técnica SEI nº 34092/2024/MGI, do Ministério da Economia, fls. 38/40, foi solicitada a constituição do aforamento gratuito, com encaminhamento ao GE-DESUP para apreciação, mas não consta que tenha havido decisão nesse sentido.

A Nota Técnica apresenta a seguinte conclusão e recomendação do Sr. Eric Nitsch Mazzo, Chefe de Serviço do Núcleo de Destinação Patrimonial:

CONCLUSÃO

Considerando-se que, nos termos do disposto no artigo 40 da IN 03/2016, a decisão da SPU-SP quanto ao pedido formulado com fundamento nos artigos 105 e 215 do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946 constitui ato vinculado e somente poderá ser desfavorável caso haja algum impedimento dentre aqueles previstos em lei e verificando-se a ausência de quaisquer impedimentos ao deferimento do pedido, opina-se pela concessão do aforamento gratuito ao imóvel objeto da Matrícula 51.063 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos.

RECOMENDAÇÃO

É recomendado o envio do processo à MGI-SPU-DEDES-ESPU a fim de encaminhamento do assunto à deliberação do GE-DESUP, conforme disposto na Portaria MGI nº 771, de 17 de março de 2023 e, após, à Consultoria-Jurídica da União em São Paulo, nos termos do artigo 60 da IN 03/2016”.

À vista disso, o Superintendente do Patrimônio da União em São Paulo Substituto exarou a seguinte manifestação: “Diante do exposto acima, solicitamos apreciação do GE-DESUP para constituição do aforamento gratuito com base no quanto contido no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46. Encaminha-se à MGI-SPU- DEDES-ESPU para apreciação”.

Apesar disso, não houve comprovação de que a recomendação feita por tais autoridades tenha sido apreciada e chegado a bom termo com o deferimento de constituição do aforamento gratuito.

De outra parte, está equivocada a informação da apelante no sentido de que o mandado de segurança impetrado teria deferido a gratuidade requerida, haja vista que a liminar parcialmente concedida limitou-se a suprir a mora da administração e determinar à autoridade impetrada a análise conclusiva do processo administrativo nº 04977.005774/2016-16, que diz respeito ao pedido de constituição do aforamento gratuito (fls. 43/44).

A liminar em apreço foi proferida em 21/06/2024, e, depois disso, é que houve o encaminhamento do pleito, mais especificamente em 20/08/2024, com a manifestação do Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40), como já abordado.

Mas, repita-se, não há notícia da solução dada ao pleito nos autos.

Observa-se, ademais, que não se trata de mera ocupação, pois o imóvel, que se encontra em faixa da marinha, foi objeto de aforamento, estando, assim, sob o regime de enfiteuse, gerando, desta forma, direito real, suscetível de registro.

Sobre a enfiteuse, também denominada aforamento ou emprazamento, trata-se de negócio jurídico no qual o proprietário transfere ao adquirente, em caráter perpétuo, o domínio útil, a posse direita, o uso, o gozo e o direito de disposição sobre bem imóvel, mediante o pagamento de renda anual (foro) (grifei).

No caso em análise, está-se diante da chamada enfiteuse administrativa (ou especial), já que constituída sobre imóvel dominial da União, com regramento disciplinado pela lei especial (Decreto-Lei nº 9.760/1946 e Lei nº 9.636/1998), como preceitua o § 2º, art. 2.038, do Código Civil de 2002.

Assim, diante da indiscutível aquisição do domínio útil, por força do contrato de enfiteuse, a exigência da cobrança do ITBI era mesmo de rigor.

Aliás, como bem observado pelo Juiz Corregedor Permanente, há previsão de pagamento do foro e laudêmio, conforme cláusula primeira do contrato (fls. 33/37), que contém a seguinte redação: “CLÁUSULA PRIMEIRA – FORO E LAUDÊMIO: Que o outorgado assume a condição de foreiro, ficando sujeito ao pagamento do foro anual em importância equivalente a 0,6 % (seis décimos por cento) do valor do domínio pleno do terreno objeto do presente contrato, estipulado pela Secretaria do Patrimônio da União, neste ato, em R$ 2.096,18 (0,6% x 4.721.139,00 x 0,074 x 1,0 = R$ 2.096,18); com base na planta de Valores Genéricos para a localidade do imóvel, e anualmente atualizado na forma do art. 101, do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro 1946, a ser cobrado na forma e condições previstas em portaria do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e do laudêmio em valor equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, na transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil do terreno ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas, bem assim sobre a cessão de direitos a eles relativos (Art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760, 5 de setembro 1946, Art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, e do Decreto nº 95.760, de 1º de março de 1988)” (grifei).

Desta forma, não tendo sido demonstrada a constituição do aforamento gratuito e diante do que a cláusula supra destacada contém, incide Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no presente caso, haja vista a constituição onerosa da enfiteuse.

Com efeito, o art. 35 do Código Tributário Nacional e o art. 156, inciso II, da Constituição Federal estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, competindo aos Municípios legislar a respeito de sua instituição.

Desta forma, ausente comprovação da concessão da gratuidade ao contrato de aforamento, de rigor o pagamento do ITBI.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Teses de julgamento: O formal de partilha judicial decorrente de divórcio consensual que reparte, de maneira igualitária, direitos e obrigações relativos a bem imóvel objeto de alienação fiduciária pode ser registrado independentemente da concordância do credor fiduciário, então por constituir ato meramente declaratório, sendo aí inaplicável o art. 29 da Lei n.º 9.514/1997.

Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001773-25.2024.8.26.0648
Comarca: URUPÊS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648

Registro: 2025.0001294395

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001773-25.2024.8.26.0648, da Comarca de Urupês, em que é apelante ELTON RODRIGO GAVASSI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE URUPÊS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001773-25.2024.8.26.0648

Apelante: Elton Rodrigo Gavassi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Urupês

VOTO N.º 43.975

Direito registral – Processo de dúvida – Formal de partilha decorrente de divórcio consensual – Partilha de direitos aquisitivos sobre bem imóvel objeto de alienação fiduciária – Exigências afastadas – Apelação provida.

I. Caso em exame. 1. O recorrente busca o registro de formal de partilha expedido nos autos do divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, negado pelo Oficial, ao entender que os divorciandos não eram proprietários do bem imóvel partilhado, mas apenas titulares de direitos aquisitivos, e que o título não indicava o valor desses direitos nem continha a anuência do credor fiduciário. 2. A dúvida foi julgada procedente pelo MM Juízo Corregedor Permanente, razão pela qual o suscitado, inconformado, apelou, sustentando que a partilha teve por objeto apenas os direitos e obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária, não se justificando o ajuste de seu valor e prescindindo seu registro de anuência do credor fiduciário.

II. Questões em Discussão. 3. Definir o objeto da partilha levada a registro, a amplitude do controle de legalidade do Oficial de Registro e se o formal de partilha oriundo de divórcio consensual, que versa sobre direitos aquisitivos de bem imóvel objeto de alienação fiduciária, pode ser levado a registro sem a anuência do credor fiduciário.

IIIRazões de Decidir4. A partilha homologada nos autos do processo de divórcio consensual não envolveu a propriedade do imóvel nem a cessão de direitos reais, mas apenas a repartição igualitária de direitos aquisitivos e obrigações assumidos pelos cônjuges fiduciantes no âmbito do negócio jurídico de alienação fiduciária. 5. A partilha limitou-se a dividir o patrimônio coletivo, então o acervo comum do casal, atribuindo a cada divorciando a metade ideal dos direitos e obrigações sobre o bem imóvel. 6. A partilha, in casu, e como é característico de sua natureza, foi meramente declarativa de direitos; não atribuiu direitos, prestando- se somente a definir os direitos de meação, logo, prescindível, in concreto, a anuência do credor fiduciário, exigível apenas nas hipóteses de cessão de direitos, situação diversa da mera conversão da comunhão em condomínio. 7. A exigência de ajuste do valor dos direitos partilhados também não subsiste: tratando-se de título judicial, o controle de legalidade do Oficial é limitado, sendo-lhe vedado reexaminar o conteúdo econômico da partilha homologada, protegido pela coisa julgada e, ademais, sem reflexo tributário, já que a partilha foi igualitária.

IV. Dispositivo8. Apelação provida; registro do formal de partilha determinado.

Teses de julgamento: O formal de partilha judicial decorrente de divórcio consensual que reparte, de maneira igualitária, direitos e obrigações relativos a bem imóvel objeto de alienação fiduciária pode ser registrado independentemente da concordância do credor fiduciário, então por constituir ato meramente declaratório, sendo aí inaplicável o art. 29 da Lei n.º 9.514/1997.

Legislação citada: Lei n.º 9.514/1997, art. 29.

O interessado ELTON RODRIGO GAVASSI pretende o registro do formal de partilha expedido nos autos do processo de divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, recusado pelo Oficial, a ser realizado na matrícula n.º 12.648 do RI de Urupês/SP.

O Oficial, ao suscitar a dúvida de fls. 1-3, argumentou que os divorciandos não são proprietários do imóvel partilhado, mas somente titulares de direitos aquisitivos, e que, do título, não consta o valor dos direitos partilhados nem a necessária anuência do credor fiduciário.

Na impugnação de fls. 31-34, o suscitado sustentou que o formal de partilha teve por objeto os direitos sobre o bem imóvel alienado fiduciariamente, não a propriedade, e que houve acordo entre as partes quanto ao valor desses direitos, sendo dispensável a anuência do credor fiduciário, por não se tratar de cessão de direitos reais de aquisição.

O MM Juízo Corregedor Permanente, na r. sentença de fls. 47-52, complementada pela r. decisão de fls. 60-61, que apreciou os embargos de declaração, julgou a dúvida procedente. Inconformado, o suscitado interpôs apelação, reiterando, na peça de fls. 64-71, as suas manifestações anteriores.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 98-104, opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

1. A partilha convencionada nos autos do processo de divórcio n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, que tramitou pela Vara Única de Urupês/SP, teve por objeto os direitos aquisitivos dos divorciandos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, atribuindo-se a cada um deles a metade ideal.

É dizer, a partilha não envolveu a propriedade imobiliária, não tocou à propriedade fiduciária, direito real com escopo de garantia. Em suma, não abrangeu o direito de propriedade, mas versou, isso sim, sobre os direitos e as obrigações dos divorciandos fiduciantes, repartidos entre eles na mesma proporção, metade para cada um.

Lembre-se que os devedores fiduciantes têm a seu favor a titularidade de direito real de aquisição, a teor do Art. 1.368-B do Código Civil: “A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.

Disso decorre que referido direito real de aquisição tem conteúdo econômico e pode ser levado à partilha em divórcio do casal devedor fiduciante.

Nos exatos termos da transação de fls. 8-13, do divórcio consensual homologado por meio da sentença de fls. 17, transitada em julgado (cf. fls. 18), “todos os direitos e as obrigações decorrentes” do contrato de alienação fiduciária ficaram “pertencendo 50% (cinquenta por cento) para cada parte.” (cf. fls. 10).

Assim sendo, sob esse prisma, não se justifica a exigida retificação da partilha, que está em conformidade com os direitos reais de aquisição do suscitado, o divorciando ELTON RODRIGO GAVASSI, e da divorcianda JULIANA DE OLIVEIRA, com a posição jurídica de ambos expressa na matrícula n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês (fls. 23-26).

2. O valor atribuído aos direitos e às obrigações referentes à alienação fiduciária, relacionados ao bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, não constitui óbice ao registro; não está sujeito ao controle de legalidade confiado ao Oficial, que, tendo por objeto título judicial, é mais limitado.

Tal atribuição, ainda que hipoteticamente equivocada, por estar baseada no valor venal do bem imóvel, e, por isso, não espelhar à perfeição os direitos e as obrigações partilhados, não autoriza o juízo de desqualificação registral, que é subalterno à coisa julgada. Ora, não cabe ao Oficial sobrepor-se à autoridade judicial.

A falha apontada sequer tem reflexo no controle tributário, na atividade de fiscalização do pagamento de impostos devidos por força de atos registrais a serem praticados, função atribuída aos responsáveis pelas serventias prediais. In concreto, não houve cessão de direitos nem, consequentemente, incidência de tributo; a partilha foi igualitária.

3. O consentimento do credor fiduciário, também exigido pelo Oficial, não subordina o registro do formal de partilha. Como acima afirmado, não houve cessão de direitos, transmissão de direito real de aquisição, mas apenas divisão de acervo matrimonial comum, repartição do patrimônio coletivo do casal.

Os direitos sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária foram incorporados ao patrimônio dos divorciandos enquanto casados sob o regime da comunhão parcial de bens. Passaram, assim, a integrar patrimônio especial comum, patrimônio de afetação específica.

Do modo como adquiridos, então em proveito do casal, tais direitos entraram na comunhão de bens, sujeitando-se, por ocasião da dissolução do matrimônio (da sociedade ou do vínculo conjugal), à repartição do acervo comum.

A partilha aí, e como é característico de sua natureza, não é transferência, não é atributiva; é simplesmente declarativa de direitos, prestando-se a definir os direitos de meação.

Nessa linha, a regra do art. 29 da Lei n.º 9.514/1997, de acordo com a qual a transmissão do direito real de aquisição do devedor fiduciante depende de expressa anuência do credor fiduciário, não se aplica à situação discutida.

A mera conversão da comunhão em condomínio é estranha à hipótese de incidência do dispositivo legal em apreço, que condiciona a legitimidade e, particularmente, a eficácia da cessão de direitos à textual concordância do credor fiduciário, restrição à autonomia privada, limitação à disponibilidade de direitos dos devedores fiduciantes, regra incompatível com a interpretação ampliativa.

Seja como for, a partilha ocorrida não afeta a integridade da garantia nem altera a relação jurídica com o credor fiduciário, perante quem os divorciandos, devedores fiduciantes, seguem solidariamente responsáveis pela satisfação da dívida, pelo cumprimento das obrigações relacionadas ao financiamento, ao negócio jurídico de alienação fiduciária. Isso, a propósito, foi deixado claro na r. sentença de fls. 17.

4. Em síntese, as exigências de retificação do título e de apresentação de anuência do credor fiduciário são indevidas.

A partilha está em conformidade com a situação tabular e não implica transmissão de propriedade nem cessão de direito real de aquisição, mas apenas definição declarativa de meações.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Indeferimento do pedido que merece revisão: encerramento precoce do procedimento administrativo – Apelação provida

Apelação n° 1000912-93.2025.8.26.0554

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000912-93.2025.8.26.0554
Comarca: SANTO ANDRÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000912-93.2025.8.26.0554

Registro: 2025.0001294398

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000912-93.2025.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que é apelante DARC EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000912-93.2025.8.26.0554

Apelante: Darc Empreendimentos Imobiliários Ltda

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André

VOTO Nº 43.988

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Indeferimento do pedido que merece revisão: encerramento precoce do procedimento administrativo – Apelação provida.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa do pedido de usucapião extrajudicial sob o fundamento de ausência de documentos aptos a comprovar o tempo de posse.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em averiguar se houve encerramento precoce do procedimento de usucapião extrajudicial, ou seja, anteriormente às etapas de diligências e notificação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes.

III. Razões de decidir

3. O procedimento extrajudicial de usucapião foi encerrado prematuramente, já que, apresentados início documental da posse alegada e ata notarial, sequer foram promovidas as devidas notificações e eventuais diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. 5. O procedimento encerrado precocemente deve ser retomado para que se promova nova qualificação registral definitiva a partir das diligências, dos documentos pertinentes e do resultado das notificações, momento em que será analisado o mérito do pedido.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso provido para se determinar a retomada do andamento do procedimento extrajudicial de usucapião.

Tese de julgamento: “1. A qualificação registral definitiva deve ocorrer após o esgotamento do procedimento extrajudicial de usucapião, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada. 2. O envio das notificações e a realização das diligências complementares são essenciais para a análise do pedido de usucapião extrajudicial”.

Legislação e jurisprudência citadas:

– Código Civil, art. 1.238 e 1.243; LRP, art. 216- A; Provimento n. 149/2023 do CNJ; itens 421 e 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

– CSM, Apelação n. 1004044-52.2020.8.26.0161; Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100; Apelação n. 1006567-12.2019.8.26.0019.

Trata-se de apelação interposta por Darc Empreendimentos Imobiliários Ltda. – EPP contra a r. sentença de fls.342/349, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santo André, que julgou procedente a dúvida suscitada para manter a recusa ao procedimento de usucapião extrajudicial (prenotação n.534.424 – fl.12).

A parte apelante alega, em síntese, que é proprietária do empreendimento denominado “Shoppinho”, edificado sobre a área de seus próprios terrenos e de um outro de terceiro, este último objeto da demanda de usucapião extrajudicial; que o terreno usucapiendo destina- se à área de manutenção do empreendimento, abrigando sistemas de segurança (hidrantes), de conforto (tubulação de ar-condicionado) e de esgotamento sanitário, além de funcionar como recuo do edifício principal, essencial para aeração e iluminação; que parte da área usucapienda foi adquirida de antigos comerciantes por instrumento de cessão de posse; que o Registrador exigiu provas documentais específicas, exemplificadas no Provimento CNJ n. 149/2023, para a comprovação do lapso temporal da posse, desconsiderando a possibilidade de outros meios probatórios; que apresentou outros documentos para atestar a posse mansa e pacífica, os quais foram julgados insuficientes; que, mesmo após a realização de audiência de justificação, a documentação foi novamente considerada inadequada, o que resultou no indeferimento do pleito; que a decisão do Registrador carece de fundamentação adequada, tendo caráter genérico; que, a despeito das informações obtidas na audiência de justificação, o Oficial manifestou incerteza quanto à identidade entre a requerente e o empreendimento “Shoppinho”, dúvida que poderia ter sido dirimida mediante a emissão de uma nova nota devolutiva com indicação específica desta questão; que há imagens do empreendimento registradas por Tabelião de Notas que lavrou a ata notarial apresentada ao Registrador; que a área usucapienda foi, em determinado período, desmembrada e instituída como servidão de passagem para viabilizar o desdobro dos lotes situados aos fundos, os quais são de sua propriedade; que a licença expedida pelo Corpo de Bombeiros há quase 30 anos atesta que a área é utilizada por instalação de equipamentos de segurança; que o animus domini é evidenciado pela instalação de equipamentos e pela restrição de acesso à área apenas a seus funcionários; que o proprietário tabular, que não foi notificado durante o procedimento, nunca se opôs ao uso da área por quase trinta anos; que indicou como diligência essencial a sanar quaisquer dúvidas a vistoria no local; que o conceito de animus domini não se restringe ao pagamento de contas de consumo e tributos, sendo suficiente, para sua caracterização, cercamento e limpeza do lote vago conforme entendimento jurisprudencial deste Tribunal de Justiça; que o procedimento foi encerrado prematuramente; que há necessidade de que o expediente retorne ao Oficial para que sejam promovidas as devidas notificações e diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX das NSCGJ (fls.355/374).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls.392/394).

É o relatório.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Provimento n. 149/2023 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJ.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Neste sentido, decidiu este Conselho Superior da Magistratura (destaque nosso):

Usucapião Extrajudicial – direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos – possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo – recusa indevida quanto ao processamento do pedido – dúvida improcedente – Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião extrajudicial” (CSM; Apelação n. 1004044-52.2020.8.26.0161; Rel. Ricardo Anafe; j. em 06.04.2021).

No mérito, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

Trata-se de requerimento visando ao reconhecimento extrajudicial de usucapião extraordinária de terreno localizado na Rua Coronel de Oliveira Lima, Centro, Santo André/SP, com área correspondente a 158,866m² e descrição na matrícula n.34.279 do 1º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santo André.

De acordo com a nota devolutiva de fls.299, a rejeição do pedido se deu pelo seguinte motivo:

Apesar das declarações testemunhais colhidas por este Oficial e dos demais documentos apresentados quando da realização da audiência de justificação administrativa da posse prevista no Art. 414, §1º do Provimento nº. 149/2023 do CNJ, a documentação apresentada e as circunstâncias narradas são insuficientes para comprovação da posse da requerente e de seus antecessores pelo prazo prescricional de 15 anos necessário a modalidade extraordinária, nos termos do Art. 1.238 do Código Cível, razão pela qual fica INDEFERIDO o pedido de usucapião extrajudicial”.

Em outras palavras, o Oficial entendeu que não restou comprovada, de forma satisfatória, a posse ad usucapionem pelo período mínimo exigido de 15 (quinze) anos para usucapião extraordinária, conforme previsto no artigo 1.238 do Código Civil.

Esse entendimento foi corroborado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que julgou procedente a dúvida (fls. 342/349):

Assim, diante do conjunto probatório colacionado, os elementos apresentados pela interessada são insuficientes para usucapião, ainda que houvesse anuência de confrontantes ou titulares, conforme alegado.

E a usucapião extraordinária do artigo 1.238 do Código Civil, exige a comprovação da posse, com animus domini, pelo prazo de 15 anos ininterruptos, independente de título e boa-fé”.

Ao suscitar a dúvida, o Oficial também acrescentou que “Shoppinho e Darc não são ou não demonstraram ser a mesma pessoa jurídica, mas o inverso” (fl.09).

Quanto ao pedido, há que se ter em vista que, em toda forma de usucapião, dois elementos são fundamentais: a posse e o tempo.

A posse deve ser ad usucapionem, isto é, dotada de continuidade, pacificidade e animus domini.

Além do caráter ad usucapionem, a posse deve se estender por determinado período, após o qual o domínio do imóvel é considerado imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.

No caso da usucapião extraordinária, o artigo 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por 15 (quinze) anos.

O possuidor pode acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, desde que contínuas e pacíficas (art. 1.243 do Código Civil).

Nesse sentido, lição de Benedito Silvério Ribeiro:

A soma, adição (adictio), ou a denominada junção de posses significa que ao possuidor é permitido, para perfazer-se o tempo necessário à usucapião, juntar à sua posse o tempo de posse do seu antecessor. Se a coisa, para completar o tempo necessário à prescrição aquisitiva, tiver sido possuída por duas ou mais pessoas, bem como se o atual possuidor quiser valer- se do tempo de permanência na posse do que lhe antecedeu, ocorrerá aquilo que chama acessão da posse (accessio possessionis)[1].

Cabe à parte usucapiente, portanto, comprovar a posse, por si e/ou por seus antecessores, pelo prazo de 15 (quinze) anos, de forma contínua e sem oposição.

Foi com esse intuito que a apelante trouxe os instrumentos particulares de cessão de posse firmados com Aldagiza Maria dos Santos Tiago (fls.75/76) e Irene Balint Salles (fls.79/80), as quais exerceram atividade comercial por cerca de 30 (trinta) anos na área objeto do requerimento de usucapião sem qualquer oposição.

Verifica-se, ainda, que, em declaração feita perante o 3º Tabelião de Notas (escritura de declaração – fls. 77-78), Aldagiza afirmou que “erigiu paredes e telhados, além de uma porta frontal”, bem como locou parte da construção a terceiro, o que sinaliza atos característicos de animus domini pela antiga possuidora.

A despeito da pertinência da averiguação preliminar dos elementos necessários para configuração da usucapião extraordinária, não há que se falar, desde logo, em indeferimento ou deferimento do pedido.

O Oficial deve atuar com cautela e razoabilidade.

Há diversos benefícios em se optar pela qualificação registral definitiva ao final do procedimento de usucapião extrajudicial.

Isso porque essa opção evita a acumulação de suscitações de dúvidas reiteradas e repetidas interrupções do processo extrajudicial para cada nova exigência formulada. A via extrajudicial da justiça profilática, de natureza célere, tornar-se-ia morosa em razão dessas diversas interrupções.

A ultrapassagem de todas as etapas intercorrentes do processo extrajudicial, além do julgamento uno e conjunto de todos os documentos apresentados e eventuais impugnações, possibilita, ainda, eventual aproveitamento judicial das notificações emitidas, caso seja necessária a conversão do procedimento para a via judicial (artigo 216-A, § 9º, da LRP).

Pode-se concluir, assim, que, no caso concreto, houve encerramento prematuro do procedimento extrajudicial já que sequer foram enviadas as notificações aos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes, notadamente porque apresentada ata notarial, ao lado de início razoável de prova documental sobre a posse alegada.

A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é uníssona no sentido de que o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial deve ocorrer após percorrido todo o rito procedimental, principalmente quando houver a possibilidade de solução das exigências ao final do procedimento:

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…) Com efeito, apenas depois de notificados os titulares de domínio e, se falecidos, seus espólios ou respectivos herdeiros é que, ofertadas eventuais impugnações ou, então, manifestada por todos a expressa anuência ao pedido ou, ainda, se decorrido o prazo legal sem que haja impugnação, é que, então, o pedido deverá ser apreciado à luz da alegada alteração da natureza da posse exercida pelos antecessores dos apelantes, decorrente de ato negocial, e consequente possibilidade da pretendida ‘accessio possessionis’ caso corroborada a alegada homogeneidade das posses” (Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100; de minha relatoria; j. em 23.5.2024).

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PREJUDICADA COM FUNDAMENTO NA EXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL – PECULIARIDADE DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL QUE, NESTE CASO CONCRETO, AFASTA O RECONHECIMENTO DA ANUÊNCIA PARCIAL COM AS EXIGÊNCIAS FORMULADAS – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE TENHA PROSSEGUIMENTO EM SUAS FASES SUBSEQUENTES, VISANDO A POSTERIOR E OPORTUNA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…) Em que pese a aceitação quanto a uma das exigências formuladas, houve encerramento precoce do procedimento extrajudicial porque essa exigência pode ser atendida na fase de notificação dos titulares do domínio e dos confrontantes tabulares, prevista no art. 216-A, § 2º, do Código de Processo Civil, no art. 10 do Provimento nº 65/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça e no item 427 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça” (Apelação n.1006567-12.2019.8.26.0019; Relator Pinheiro Franco; j.em 10.12.2019).

Note-se que o fato de o procedimento extrajudicial ter se encerrado precocemente coibiu a parte requerente de apresentar explicação ou contraprova ao final, inclusive em relação a ser a mesma pessoa jurídica que “Shoppinho Santo André”, concomitantemente ao resultado das notificações expedidas e eventuais diligências. Ainda não se tem como saber se haverá impugnação ao tempo de posse alegado.

A qualificação registral definitiva, portanto, somente deve ocorrer após o esgotamento do procedimento administrativo, momento em que será analisado o mérito do pedido com todos os documentos aptos a produzirem prova.

Em complementação à necessidade de retomada do procedimento na via extrajudicial, o item 421 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, determina que em:

Caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”.

Adicionalmente, o subitem 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, prevê que incumbe ao Oficial de Registro, de ofício ou a requerimento, durante o procedimento administrativo de usucapião, providenciar diligências para o suprimento de lacunas em torno do requerimento:

Para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado“.

Em que pese tenha sido realizada audiência de justificação administrativa (fls.276/278 e 289/298), nota-se que a parte apelante apresentou justificativa para a impossibilidade de apresentação de quitação de contas de consumo e recolhimento de impostos já em suas primeiras manifestações e sugeriu a vistoria do local para sanar quaisquer dúvidas a respeito da posse do imóvel usucapiendo (fls.155/157 e 168/173).

Além disso, solicitou que fosse informada a respeito de possível visita para que pudesse providenciar acesso ao local (fl.256):

3.- Quanto a justificação administrativa da posse, marcada data para visita ao local e constatação do exercício dessa, solicita seja comunicado o requerente, pelo e-mail (…), para que seja possível abrir o acesso, posto que esse se dá, na atualidade, apenas por um dos portões de manutenção do empreendimento denominado Shopinho, que com a área divisa”.

Nessa linha de argumentos, a r. sentença recorrida deve ser reformada para que o procedimento de usucapião extrajudicial seja retomado para que o Oficial de Registro promova as devidas notificações e eventuais diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com futura requalificação do pedido ao final.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Tratado de usucapião, v.1, São Paulo: editora Saraiva, 1988, 2ª edição, p. 706. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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