Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562
Número: 1005383-31.2 25.8.26.0562
Comarca: SANTOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562
Registro: 2025.0001294417
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005383-31.2 25.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante JULIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1005383-31.2025.8.26.0562
Apelante: Julio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO Nº 43.990
Apelação – Dúvida Registrária.
I. Caso em Exame
1. Sentença que manteve a negativa do registro do contrato de constituição de aforamento, sob assertiva de que se trata de contrato oneroso, a ensejar a cobrança de ITBI, decidindo diferentemente da exigência formulada, que impunha o recolhimento do ITCMD. A Apelante alega constituição de contrato de aforamento gratuito, pelo que refuta a exigência. Requer a reforma da sentença.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em aferir se há ou não onerosidade no contrato de aforamento celebrado entre a apelante e a União, de forma a se justificar a exigência de pagamento de tributo.
III. Razões de Decidir
3. A enfiteuse administrativa gera direito real suscetível de registro, e a exigência de cobrança do ITBI é de rigor, conforme previsão de pagamento de foro e laudêmio no contrato, notadamente quando não demonstrado o deferimento do pedido de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46.
IV. Dispositivo e Tese
4. Apelação não provida.
Tese de julgamento: 1. Ausente a comprovação de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46 e diante da celebração do aforamento mediante pagamento de laudêmio e de foro anual, deve ser comprovado o recolhimento do ITBI.
Legislação Citada:
Código Tributário Nacional, art. 35; Constituição Federal, art. 156, inciso II; Decreto-Lei nº 9.760/1946; Lei nº 9.636/1998; Código Civil de 2002, art. 2.038, §2º.
Trata-se de apelação (fls. 164/173) interposta por JÚLIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA. Contra a r. sentença (fls. 139/149), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que manteve a negativa de registro do contrato de constituição de aforamento do imóvel objeto da matrícula de nº 51.063 daquela serventia.
A apelante insiste no pedido, sustentando, em síntese, que o contrato de aforamento firmado é gratuito, não podendo ser considerado oneroso porque não houve pagamento de preço. Aduz que o contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, o que afasta o pagamento de ITBI. Defende, ainda, a não incidência de ITCMD, já que não se trata de doação, daí porque reputa a exigência registral do pagamento deste tributo como indevida. Pede, então, a reforma da sentença (fls. 164/173).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recuso (fls. 196/199).
É o relatório.
O registro do Contrato de Constituição de Aforamento firmado em 26 de novembro de 2024, em que a União Federal figurou como outorgante e Júlio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda. figurou como outorgada (fls. 33/37), foi negado pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que expediu a nota de devolução de nº 414.226 (fls. 103) contendo exigências.
O título foi reapresentado, mas novamente o ingresso foi obstado, conforme nota devolutiva de nº 415.955 (fls. 71/72), com o seguinte teor:
“Trata-se de Contrato de Constituição de Aforamento apresentado por meio eletrônico objetivando a prática de ato na matrícula nº 51.063 deste ORI.
Exigências:
Reitera-se devolução anterior (prenotação nº 414.226), ou seja:
Considerando tratar-se de concessão gratuita, em atenção ao artigo 289 da Lei 6.015/73, será necessário apresentar a declaração de ITCMD (recolhida ou constando sua respectiva isenção).
Em tempo: Cabe esclarecer ainda que, o entendimento desta serventia é de que o aforamento é ato de registro e não de averbação, conforme disposto no artigo 167, I, 10 da Lei 6.015/73.
Salienta-se que não concordando com os termos da presente nota devolutiva, poderá o interessado suscitar dúvida nos termos do artigo 198, VI da Lei 6.015/73”.
Diante da exigência, a ora apelante requereu a suscitação de dúvida (fls. 18/24), que manteve a negativa do acesso do título ao fólio real, mas por fundamento diverso daquele constante da nota devolutiva, entendendo o Juiz Corregedor Permanente que a constituição de enfiteuse implica onerosidade, razão pela qual incide ITBI, e não ITCMD.
Apesar das razões expostas no recurso de apelação, a manutenção da sentença é de rigor.
Inicialmente, vê-se que o Registrador de Imóveis se baseou na premissa de que o contrato de aforamento em pauta seria gratuito e, em razão disso, exigiu o recolhimento do ITCMD.
A apelante também alega (fls. 165) que “O contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, nos termos do artigo 74 do Decreto- Lei 9.760/46, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, conforme se infere do processo administrativo e parecer quanto ao aforamento gratuito (fls. 38/40)”.
Todavia, não é o que se vê dos documentos anexados aos autos.
Foi solicitada a concessão de gratuidade no aforamento em questão, conforme cópia do documento exarado pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40). Mas, diversamente do que informou a apelante, não há notícias da efetiva concessão.
Na Nota Técnica SEI nº 34092/2024/MGI, do Ministério da Economia, fls. 38/40, foi solicitada a constituição do aforamento gratuito, com encaminhamento ao GE-DESUP para apreciação, mas não consta que tenha havido decisão nesse sentido.
A Nota Técnica apresenta a seguinte conclusão e recomendação do Sr. Eric Nitsch Mazzo, Chefe de Serviço do Núcleo de Destinação Patrimonial:
“CONCLUSÃO
Considerando-se que, nos termos do disposto no artigo 40 da IN 03/2016, a decisão da SPU-SP quanto ao pedido formulado com fundamento nos artigos 105 e 215 do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946 constitui ato vinculado e somente poderá ser desfavorável caso haja algum impedimento dentre aqueles previstos em lei e verificando-se a ausência de quaisquer impedimentos ao deferimento do pedido, opina-se pela concessão do aforamento gratuito ao imóvel objeto da Matrícula 51.063 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos.
RECOMENDAÇÃO
É recomendado o envio do processo à MGI-SPU-DEDES-ESPU a fim de encaminhamento do assunto à deliberação do GE-DESUP, conforme disposto na Portaria MGI nº 771, de 17 de março de 2023 e, após, à Consultoria-Jurídica da União em São Paulo, nos termos do artigo 60 da IN 03/2016”.
À vista disso, o Superintendente do Patrimônio da União em São Paulo Substituto exarou a seguinte manifestação: “Diante do exposto acima, solicitamos apreciação do GE-DESUP para constituição do aforamento gratuito com base no quanto contido no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46. Encaminha-se à MGI-SPU- DEDES-ESPU para apreciação”.
Apesar disso, não houve comprovação de que a recomendação feita por tais autoridades tenha sido apreciada e chegado a bom termo com o deferimento de constituição do aforamento gratuito.
De outra parte, está equivocada a informação da apelante no sentido de que o mandado de segurança impetrado teria deferido a gratuidade requerida, haja vista que a liminar parcialmente concedida limitou-se a suprir a mora da administração e determinar à autoridade impetrada a análise conclusiva do processo administrativo nº 04977.005774/2016-16, que diz respeito ao pedido de constituição do aforamento gratuito (fls. 43/44).
A liminar em apreço foi proferida em 21/06/2024, e, depois disso, é que houve o encaminhamento do pleito, mais especificamente em 20/08/2024, com a manifestação do Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40), como já abordado.
Mas, repita-se, não há notícia da solução dada ao pleito nos autos.
Observa-se, ademais, que não se trata de mera ocupação, pois o imóvel, que se encontra em faixa da marinha, foi objeto de aforamento, estando, assim, sob o regime de enfiteuse, gerando, desta forma, direito real, suscetível de registro.
Sobre a enfiteuse, também denominada aforamento ou emprazamento, trata-se de negócio jurídico no qual o proprietário transfere ao adquirente, em caráter perpétuo, o domínio útil, a posse direita, o uso, o gozo e o direito de disposição sobre bem imóvel, mediante o pagamento de renda anual (foro) (grifei).
No caso em análise, está-se diante da chamada enfiteuse administrativa (ou especial), já que constituída sobre imóvel dominial da União, com regramento disciplinado pela lei especial (Decreto-Lei nº 9.760/1946 e Lei nº 9.636/1998), como preceitua o § 2º, art. 2.038, do Código Civil de 2002.
Assim, diante da indiscutível aquisição do domínio útil, por força do contrato de enfiteuse, a exigência da cobrança do ITBI era mesmo de rigor.
Aliás, como bem observado pelo Juiz Corregedor Permanente, há previsão de pagamento do foro e laudêmio, conforme cláusula primeira do contrato (fls. 33/37), que contém a seguinte redação: “CLÁUSULA PRIMEIRA – FORO E LAUDÊMIO: Que o outorgado assume a condição de foreiro, ficando sujeito ao pagamento do foro anual em importância equivalente a 0,6 % (seis décimos por cento) do valor do domínio pleno do terreno objeto do presente contrato, estipulado pela Secretaria do Patrimônio da União, neste ato, em R$ 2.096,18 (0,6% x 4.721.139,00 x 0,074 x 1,0 = R$ 2.096,18); com base na planta de Valores Genéricos para a localidade do imóvel, e anualmente atualizado na forma do art. 101, do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro 1946, a ser cobrado na forma e condições previstas em portaria do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e do laudêmio em valor equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, na transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil do terreno ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas, bem assim sobre a cessão de direitos a eles relativos (Art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760, 5 de setembro 1946, Art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, e do Decreto nº 95.760, de 1º de março de 1988)” (grifei).
Desta forma, não tendo sido demonstrada a constituição do aforamento gratuito e diante do que a cláusula supra destacada contém, incide Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no presente caso, haja vista a constituição onerosa da enfiteuse.
Com efeito, o art. 35 do Código Tributário Nacional e o art. 156, inciso II, da Constituição Federal estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, competindo aos Municípios legislar a respeito de sua instituição.
Desta forma, ausente comprovação da concessão da gratuidade ao contrato de aforamento, de rigor o pagamento do ITBI.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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