CSM/SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Fração ideal – Improvimento.


Apelação Cível nº 1006788-16.2024.8.26.0408

Espécie: APELAÇAO
Número: 1006788-16.2024.8.26.0408
Comarca: OURINHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006788-16.2024.8.26.0408

Registro: 2025.0001090151

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006788-16.2024.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que é apelante SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICA, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE OURINHOS E REGIÃO, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OURINHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v u”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de outubro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006788-16.2024.8.26.0408

Apelante: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgica, Mecânicas e de Material Elétrico de Ourinhos e Região

Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ourinhos

VOTO Nº 43.927

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Fração ideal – Improvimento.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa da escritura de venda e compra de parte ideal de imóvel rural. O apelo busca a reforma da sentença, alegando que registros similares foram aceitos e que não há prejuízo à ordem urbanística.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a escritura de venda e compra de parte ideal de imóvel rural pode ser registrada, considerando a alegação de parcelamento irregular do solo.

III. Razões de Decidir

3. O título já havia sido objeto de qualificação negativa por se tratar de venda de parte ideal inferior à fração mínima de parcelamento, sem vínculo de parentesco com os vendedores, o que caracteriza parcelamento irregular do solo.

4. A jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura é pacífica no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos erros, inexistindo direito adquirido ao engano.

IV. Dispositivo e Tese

5. Apelação desprovida.

Tese de julgamento: 1. A venda de frações ideais de imóvel rural, sem observância das normas de parcelamento do solo, caracteriza parcelamento irregular. 2. Erros pretéritos de registro não justificam a repetição de atos irregulares.

Legislação Citada:

NSCGJ, Cap. XX, item 166.

Jurisprudência Citada:

Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 28.280-0/1, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga.

Trata-se de apelação interposta pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE OURINHOS E REGIÃO em face da r.sentença de fls. 315/316, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Ourinhos, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à escritura de venda e compra lavrada em 12/08/2011, tendo por objeto a aquisição da parte ideal de 10.1364% do imóvel rural matriculado sob o nº 38.372.

O apelo busca a reforma da sentença, sustentando que após a nota devolutiva houve o registro de títulos similares, em que se reconheceu que compras e vendas idênticas não importaram fracionamento do bem imóvel descrito na matrícula 38.372, nem mascaram segregação, destaque ou qualquer alteração substancial no imóvel, ocorrendo apenas o deslocamento patrimonial subjetivo da parte ideal do bem pertencente aos alienantes. Acrescenta que não há prejuízo à ordem urbanística, não há alteração da destinação do imóvel e há concordância do Ministério Público de 1º grau pelo registro (fls. 324/335).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 359/362).

É o relatório.

A apelação não merece provimento.

O Sindicato apelante apresentou para registro a escritura pública de venda e compra lavrada em 12/08/2011 (livro 412, folhas 143/146 pelo 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Ourinhos, por meio da qual adquiriu uma parte ideal de 10,1364% do imóvel rural matriculado na serventia sob o nº 38.732 (fls. 69/72).

O título foi protocolado sob nº 151.829 e expedida nota devolutiva com o seguinte teor (fls. 67/68):

“Na Apelação Cível nº 0015048-56.2011.8.26.0408, que tinha por objeto o registro da presente escritura, o Conselho Superior da Magistratura deste Estado negou o registro do título por entender, nesse caso específico, que se tratava de parcelamento irregular do solo.

Dessa forma, diante da decisão impeditiva do registro, fica impossibilitado o registro da presente escritura”

De fato, o título já havia sido objeto de prévia qualificação negativa e devolução, no sentido de que o registro não seria possível tendo em vista a venda de parte ideal de imóvel rural, inferior à fração mínima de parcelamento, para pessoa jurídica, sem vínculo de parentesco com os vendedores, acrescentando mais um condômino ao imóvel que já conta com inúmeros outros proprietários de pequenas frações ideais, buscando evitar a continuidade do parcelamento irregular do solo.

À época, houve suscitação de dúvida (processo nº 0015048-56.2011.8.8.26.0408), sendo a dúvida julgada procedente, sentença mantida pelo Conselho Superior da Magistratura. No acórdão, ressaltou-se que “a hipótese dos autos revela sem sombra de dúvida, que o registro pretendido se apresenta com aparência de condomínio natural, previsto na legislação civil, com a alienação de partes ideais objetivando o parcelamento de pequenas áreas sucessivamente alienadas como verdadeiras unidades autônomas. Essa situação evidencia uma forma de burlar as normas de ordem pública, que disciplinam o uso e o parcelamento do solo. De se salientar que, tratando- se de imóvel rural, o fracionamento em unidades imobiliárias contraria a regra do parcelamento mínimo quanto ao módulo rural respetivo.” (fls.90/92).

O apelante não trouxe fatos novos que pudessem modificar o que já foi decidido por este Conselho.

É certo que, como destacado nas razões de apelação e pelo próprio Oficial, houve o ingresso e registro de outros títulos tendo por objeto frações ideais, assim como outro procedimento de dúvida, sobre a mesma matrícula, referente à venda da parte ideal a outro proprietário (processo nº 0015049-41.2011.8.26.0408, fls. 93/95), julgada improcedente em grau recursal pelo Conselho Superior da Magistratura, de tal modo que, atualmente, quase 65% da área total do imóvel já foi objeto de alienação por meio de frações ideais (leitura da certidão da matrícula nº 38.732 às fls. 218/222).

Essa situação pretérita não altera a conclusão de que há indícios de parcelamento irregular. As transmissões registradas, com sucessivas alienações de frações ideais da parte ideal identificada na referida matrícula são indicativas de parcelamento ilegal do solo, prestigiado pela ausência inquestionada de vínculos entre os condôminos, a impedir a inscrição perseguida.

A desqualificação registrária revelou-se acertada; encontra amparo na regra do item 166 do Cap. XX das NSCGJ, de acordo com o qual é vedado proceder ao registro de venda de frações ideais, com localização, numeração e metragem certa, ou de qualquer outra forma de instituição de condomínio ordinário que desatenda aos princípios da legislação civil, caracterizadores, de modo oblíquo e irregular, de loteamentos ou desmembramentos.

Não socorre o apelante o fato de ter ocorrido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano, como expresso no v. acórdão que decidiu a apelação cível nº 28.280-0/1, da Comarca de São Carlos, em que foi relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga: “Tranqüila a orientação do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (apelações n.ºs 14.094-0/5, 15.372-0/1, 13.616-0/1, 3.201-0, 5.146-0 e 6.838-0, entre outras)”.

Nestes termos, não há amparo na pretensão recursal.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJEN/SP 15.10.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Impugnação da proprietária tabular, massa falida – Conflito quanto ao tempo de posse – Juízo universal da falência – Impugnação fundada – Recurso não provido.


Apelação Cível nº 1048575-68.2023.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1048575-68.2023.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1048575-68.2023.8.26.0114

Registro: 2025.0001090153

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1048575-68.2023.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante CERÂMICA GIANFRANCISCO LTDA, é apelado MASSA FALIDA DE BHM EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES S/A.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de outubro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1048575-68.2023.8.26.0114

Apelante: Cerâmica Gianfrancisco Ltda

Apelado: Massa Falida de BHM Empreendimentos e Construções S/A

VOTO Nº 43.925

Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Impugnação da proprietária tabular, massa falida – Conflito quanto ao tempo de posse – Juízo universal da falência – Impugnação fundada – Recurso não provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que acolheu impugnação da proprietária tabular, massa falida, em procedimento extrajudicial de usucapião sob o fundamento de evidente conflito entre as partes relacionado ao tempo de posse. 2. A apelante sustenta preenchimento dos requisitos legais para acolhimento do pedido de usucapião extrajudicial, notadamente posse justa, mansa e pacífica pelo período legal.

II. Questão em discussão

3. A questão em discussão consiste em determinar se a impugnação apresentada pela proprietária tabular é fundamentada, o que impediria o prosseguimento do expediente administrativo.

III. Razões de decidir

4. Proprietária tabular que controverte sobre o tempo de posse da apelante em razão da decretação de sua falência. Bens de massa falida não são passíveis de usucapião segundo entendimento consolidado do STJ. 5. Impugnação fundamentada, que impede o prosseguimento da usucapião pela via extrajudicial.

IV. Dispositivo e Tese

6. Apelação não provida.

Tese de julgamento: “1. Impugnação fundamentada, como aquela de proprietária tabular em estado falimentar que controverte sobre o tempo de posse, impede o prosseguimento da usucapião pela via extrajudicial. 2. Existência de litígio torna necessária solução pela via judicial, com garantia de contraditório e ampla defesa.

3. Extinto o procedimento extrajudicial por impugnação fundamentada, cabe aos interessados buscarem a solução do litígio pelas vias ordinárias, observada a competência do juízo universal da falência”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Lei n. 6.015/1973, art. 216-A, § 1º e § 10.

– STJ: CC n. 114.842/GO; AgInt no AREsp n. 2.515.972/SP; AgInt no REsp n. 2.004.910/CE; AgInt no REsp n. 1.541.564/DF.

– CSM: Apelação n. 1032941-74.2023.8.26.0100; Apelação n. 1002238-39.2018.8.26.0100; Apelação n. 1001285-66.2020.8.26.0048; Apelação n. 1002283-96.2023.8.26.0543.

Trata-se de apelação interposta por Cerâmica Gianfrancisco Ltda. contra a r. sentença de fls. 765/769, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que, no âmbito de procedimento extrajudicial de usucapião iniciado pela apelante (prenotação n. 404.689 fls. 06/07), acolheu a impugnação ofertada pela Massa Falida de BHM Empreendimentos e Construções S/A, proprietária tabular do imóvel usucapiendo (matrícula n. 149.080 fls. 569/570).

A apelante sustenta que a impugnação é infundada em razão de discutir matéria examinada e refutada em casos semelhantes; que a proprietária-apelada vendeu o imóvel e recebeu o preço muito antes de sua falência, de modo que não haveria suspensão da prescrição aquisitiva; que o aludido bem não consta nos bens declarados nos autos da falência (processo n. 1034356-31.2015.8.26.0114); que a apelada causou sérios transtornos, já que, em embargos de terceiro opostos a ação trabalhista (autos n. 0010728-51.2016.5.15.0114, apensos aos autos n. 145900-92.1997.5.15.0093), não informou o juízo sobre a celebração do negócio de promessa de compra e venda em data anterior à da decretação da falência (fls. 779/789).

O Oficial manifestou-se pela inviabilidade do prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião em razão do litígio, que somente pode ser resolvido nas vias ordinárias (fls. 795/797).

A proprietária-apelada sustenta a existência de conflito na transmissão do imóvel usucapiendo (box de garagem n. 27), o qual não foi contemplado em ação de adjudicação compulsória (processo de autos n. 1034356-31.2015.8.26.0114 – fls. 803/813).

De acordo com a r. sentença proferida no processo em questão, somente o apartamento objeto da matrícula n. 53.074 poderia ser adjudicado compulsoriamente. Quanto ao imóvel usucapiendo (garagem), entendeu-se pela inexistência de “segurança jurídica suficiente para adjudicar a propriedade da mesma à autora, havendo riscos de afetar direito alheio, remetendo-se a parte a buscar a satisfação de seu direito pela via da prescrição aquisitiva (usucapião)” (fls. 584/586).

Além de mencionar o conflito pendente envolvendo o imóvel usucapiendo, a apelada argumentou que: (i) o curso da prescrição aquisitiva do imóvel usucapiendo foi interrompido com a decretação de sua falência; (ii) não se configurou posse mansa e pacífica pelo prazo necessário à consumação da prescrição aquisitiva; (iii) a existência de litígio impõe cessação da instância administrativa (fls. 803/813).

Por força da decisão de fl. 819, o feito foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 830/831).

É o relatório.

Trata-se de requerimento de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula n. 149.080 do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas (box de garagem n. 27), o qual foi formulado pela parte apelante, Cerâmica Gianfrancisco Ltda. (fls. 08/15).

Notificada por ser a proprietária tabular do imóvel usucapiendo, a ora apelada apresentou impugnação (fls. 572/578).

Restando infrutífera tentativa de conciliação (fls. 641/643), os autos do procedimento extrajudicial foram encaminhados ao Juízo Corregedor Permanente nos termos do subitem 420.4, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ, o qual reconheceu a pertinência da impugnação ofertada pela proprietária tabular com determinação de extinção do expediente, de cancelamento da prenotação e de remessa dos interessados às vias ordinárias (fls. 765/769), com o que não concorda a parte apelante.

A princípio, não há impedimento ao conhecimento do recurso, uma vez que o requerimento inicial, apresentado no dia 05 de setembro de 2022, recebeu o protocolo de n. 404.689 (fls. 6/7), o qual permanece válido.

De fato, no expediente administrativo de reconhecimento de usucapião extrajudicial, o prazo da prenotação se prorroga até o acolhimento ou a rejeição do pedido (artigo 216-A, § 1º, da Lei n. 6.015/1973).

A apelação, por sua vez, foi interposta tempestivamente, em 12 de fevereiro de 2025, sendo que a sentença foi publicada em 22 de janeiro de 2025 (fl. 771).

No mérito, contudo, o recurso não merece provimento.

Vejamos os motivos.

Um dos requisitos da usucapião extrajudicial é a inexistência de lide, de modo que, obstado o procedimento via impugnação por qualquer dos notificados necessários ou interessados, torna-se obrigatória a remessa das partes à via judicial, cabendo à parte interessada emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do § 10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.

As Normas de Serviço da Corregedoria flexibilizaram relativamente tal regra em seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação na via administrativa, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória (destaques nossos):

“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.

420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeita-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Cabe destacar que o exame a ser realizado pelo Oficial, bem como nestes autos não se refere ao cumprimento dos pressupostos da usucapião extraordinária pela apelante, mas se restringe unicamente à análise da pertinência da impugnação:

Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente (…): nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Corregedor Permanente  podem dirimir ou solucionar litígios, uma vez que nenhum deles está no exercício de jurisdição contenciosa. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência da lide (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da oposição do impugnante, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso)“. (CSM, Apelação n. 1032941-74.2023.8.26.0100; Relator Fernando Torres Garcia; j. em 05.12.2023)

A análise recai unicamente, portanto, na consistência jurídica da impugnação para impedir questionamento protelatório ou discussão já resolvida em casos análogos pelo juízo competente[1].

Caso haja qualquer indício de que a impugnação é fundamentada, a via extrajudicial se torna prejudicada (porque aqui litígios não podem ser resolvidos), devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (subitem 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

Trata-se da hipótese sub judice.

A ora apelante, por meio de contrato particular de compromisso de venda e compra pactuado em 26 de novembro de 1986, alega ter assumido a posse direta do box de garagem n. 27 (imóvel usucapiendo – matrícula n. 149.080).

O aludido box de garagem foi um dos imóveis envolvidos em ação de adjudicação compulsória (processo de autos n. 1034356-31.2015.8.26.0114), cujo resultado não foi exitoso na medida em que não constaram do contrato a localização e a numeração do box de garagem.

De acordo com a sentença proferida no feito em questão, não havia segurança jurídica para adjudicação da propriedade da garagem, principalmente em razão do risco de prejudicar terceiros alheios à relação jurídica entre a apelante e a apelada.

E a situação se repete na via administrativa já que a proprietária tabular resiste ao pedido, sustentando controvérsia quanto à efetiva transmissão da propriedade do imóvel em questão.

Também há questionamento da proprietária apelada quanto à posse e ao tempo de posse alegados, os quais são requisitos essenciais da usucapião.

De fato, a proprietária tabular, que teve sua quebra decretada em 11 de setembro de 1998, se opõe ao requerimento com apoio na tese de que houve interrupção da prescrição aquisitiva em benefício da apelante justamente em razão de sua falência.

De acordo com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, “o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica[2]”.

No mesmo sentido, orientação consolidada da Segunda Seção do E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do CC 114.842/GO[3]: eventual acolhimento do pedido de usucapião acarreta perda patrimonial imediata, ou seja, extinção da propriedade do imóvel, com enorme prejuízo para os credores da massa falida, pelo que deve ser observada a competência do juízo universal da falência para apreciar demandas dessa natureza[4].

Imperativa, portanto, a remessa das partes à via jurisdicional para resolução do conflito possessório (juízo universal da falência), com garantia de contraditório, ampla defesa e possibilidade de dilação probatória.

A propósito, o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):

“REGISTRO DE IMÓVEIS FALÊNCIA DA VENDEDORA EM DATA POSTERIOR AO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PRENOTAÇÃO DO TÍTULO EM DATA POSTERIOR À QUEBRA. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO JUÍZO DA FALÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE DECADÊNCIA OU AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO NESTE PROCESSO ADMINISTRATIVO SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DEVIDO PROCESSO LEGAL EM RAZÃO DO DIREITO DE TERCEIROS RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação n. 1002238-39.2018.8.26.0100; Relator Des. Pinheiro Franco; Conselho Superior da Magistratura; j. 26.02.2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO NA VIA EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA – APELAÇÃO – IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA DO CONFRONTANTE – IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA OS FINS DAS NSCGJ, II, XX, 420.4. “Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente: nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Juiz Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência do litígio (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da contradição do interessado, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso, uma vez que o Oficial de Registro de Imóveis não é Juiz)” (CSM, Apelação n. 1001285-66.2020.8.26.0048, Relator Des. Fernando Torres Garcia, j. 06/11/2023).

Registro de imóveis Dúvida Usucapião extrajudicial Impugnação fundamentada oposta pela titular do domínio Conflito em relação ao imóvel Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa Incidência dos itens 420.4, 420.5 e 420.8, do Capítulo XX, das NSCGJ Apelação a que se nega provimento” (CSM; Apelação n. 1002283- 96.2023.8.26.0543; de minha relatoria; j. 10/10/2024).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação e remessa dos interessados às vias ordinárias para solução do conflito, nos termos do item 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ, observada a competência do juízo universal da falência.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Outra hipótese a ser verificada: se a impugnação contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada conforme exposto no item 402.2, Cap. XX, das NSCGJ.

[2] AgInt no AREsp n. 2.515.972/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 18.11.2024.

[3] CC n. 114.842/GO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. em 25/2/2015.

[4] Nesse sentido: AgInt no REsp n. 2.004.910/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 28/11/2022 e AgInt no REsp n. 1.541.564/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. em 28/3/2017.

Fonte: DJEN/SP 15.10.2025.

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