Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100
Número: 1015122-56.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100
Registro: 2025.0000988361
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LOCA – IMÓVEIS INDUSTRIAIS EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de setembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1015122-56.2025.8.26.0100
Apelante: Loca – Imóveis Industriais Empreendimentos e Participações Ltda.
Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.892
Direito registral – Hipoteca judiciária baseada em sentença ilíquida – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.
I. Caso em exame. 1. A recorrente, irresignada com o julgamento procedente da dúvida, questionando o obstáculo oposto ao registro da hipoteca judiciária, a desqualificação registral lastreada na iliquidez da sentença condenatória, interpôs apelação.
II. Questão em discussão. 2. A controvérsia versa a respeito da registrabilidade de hipoteca judiciária decorrente de condenação genérica.
III. Razões de decidir. 3. A hipoteca judiciária, subespécie de hipoteca legal, é efeito anexo de decisão judicial condenatória (ou que somente reconheça a exigibilidade de uma obrigação). 4. Com vistas à constituição da hipoteca judiciária, é suficiente a apresentação de cópia da decisão judicial ao Oficial do Registro de Imóveis, título constitutivo da garantia hipotecária, ainda que ilíquida a obrigação garantida e impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. 5. Uma vez ilíquida a decisão, será necessária uma estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, em atenção à especialização da hipoteca. 6. O valor da dívida deve constar do título judicial, quando não da cópia da decisão condenatória, de outra complementar, estimando-o, para fins de constituição da garantia hipotecária. 7. Dúvida procedente, juízo negativo de qualificação registral confirmado.
IV. Dispositivo. 8. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: O registro de hipoteca judiciária lastreada em condenação genérica exige estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, em atenção à indispensável especialização da hipoteca.
Legislação citada: CPC/1973, art. 466, par. único, I; Lei n.º 6.015/1973, art. 176, § 1.º, III, 5); CC/2002, art. 1.497, caput; CPC/2015, arts. 495, caput, § 1.º, I e III, e §§ 2.º e 3.º, e 515, I.
A interessada, ora recorrente, LOCA – IMÓVEIS INDUSTRIAIS EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., busca o registro de hipoteca judiciária na matrícula n.º 36.807 do 10.º RI desta Capital, lastreada em sentença condenatória proferida em desfavor da coproprietária do bem imóvel, MARINA AGUIAR, decisão judicial que, pendente de liquidação, não autoriza, segundo o Oficial, a inscrição.
Irresignada, suscitou dúvida inversa, afirmando, em sua manifestação de fls. 1-4, que a condenação genérica não é obstáculo ao registro, escorando-se, aí, na regra do art. 495, § 1.º, I, do CPC.
O Oficial, ao apresentar suas razões, ratificando a nota devolutiva de fls. 29-30 e justificando, na petição de fls. 35-38, a recusa impugnada, argumentou que, para fins de especialização da hipoteca, o título judicial deve fazer menção ao valor líquido da obrigação garantida, exigência em conformidade com o art. 1.497 do CC.
Ao menos, genérica a condenação, a estimativa judicial do montante devido seria, alegou, imprescindível.
A dúvida foi julgada procedente. Inconformada com a r. sentença de fls. 99-106, que prestigiou a desqualificação registral, a interessada apelou, sem nada substancialmente inovar em suas razões de fls. 112-122.
Seja como for, ponderou que o valor a ser considerado, para fins de inscrição, é encontrado no relatório da sentença; equivale ao valor histórico de R$ 82.456,20 (valor atribuído à causa), a ser acrescido de encargos moratórios, a partir de 7 de dezembro de 2020.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 187-190, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
1. O dissenso versa a respeito do registro de hipoteca judiciária na matrícula n.º 36.807 do 10.º RI desta Capital, bem imóvel do qual Marina Aguiar, em desfavor de quem então proferida a sentença condenatória ilíquida (genérica), era coproprietária (fls. 6-15).
O bem imóvel, após a suscitação da dúvida inversa e a prenotação do título, foi objeto de divisão, desdobrado em dois novos lotes, o que causou o encerramento da matrícula n.º 36.807 e originou as matrículas n.º 177.733 e n.º 177.734. In casu, o imóvel correspondente à primeira coube a Marina Aguiar (fls. 77-80); o outro, à interessada, ora recorrente (fls. 81-84).
Quer dizer, a hipoteca judiciária que se busca hoje teria por objeto o bem imóvel descrito na matrícula n.º 177.733.
In concreto, a interessada não se conforma com o óbice levantado pelo Oficial, que, fundado na especialização exigida pelo art. 1.497 do CC, apontou não constar do título o valor da dívida, tampouco uma estimativa judicial do montante devido (fls. 29-30 e 35-38). Invocou, a favor do registro, o art. 495, § 1.º, I, do CPC.
A r. decisão de fls. 71-72, proferida pelo MM Juízo da 35.ª Vara Cível do Foro Central desta Capital, por ocasião do exame de embargos de declaração, não é, realmente, líquida; nos seus expressos termos, “faz-se necessário a liquidação da condenação em procedimento específico”.
De qualquer maneira, não vislumbra aí, o recorrente, empeço ao registro intencionado.
2. Em conformidade com o art. 495, caput, do CPC, “a decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.”
A hipoteca judiciária, direito real de garantia, in casu, subespécie de hipoteca legal, é efeito anexo (acessório, secundário) de decisão judicial condenatória; na lição de João Francisco N. da Fonseca, “de qualquer decisão que reconheça a exigibilidade de obrigação, e não apenas da condenatória, na medida em que também aquela é título executivo judicial (CPC, art. 515, I).”[1]
Não se exige, exatamente, uma sentença tipicamente condenatória; dela não depende a hipoteca judiciária, que também pode ser constituída “com base em sentenças declaratórias ou constitutivas, sempre que nelas se der o acertamento da existência de obrigação cuja prestação seja o pagamento de soma de dinheiro ou de decisões que tenham convertido em dinheiro prestações originariamente relacionadas a outros bens.”[2]
A hipoteca judiciária independe, nos termos do § 2.º do art. 495 do CPC, de expressa ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de prova de urgência; também não está condicionada a pedido da parte a ser submetido ao juiz da causa; trata-se de efeito próprio de decisão judicial condenatória (ou que apenas reconheça a exigibilidade de uma obrigação).
O contraditório é diferido (art. 495, § 3.º, do CPC).
Suficiente, logo, com vistas à constituição da hipoteca judiciária, a mera apresentação de cópia da decisão judicial ao Oficial do Registro de Imóveis, que assim serve como título constitutivo da garantia hipotecária, ainda que ilíquida a obrigação garantida, e impugnada (a decisão) por recurso dotado de efeito suspensivo (art. 495, § 1.º, I e III).
Não é necessário mandado judicial, tampouco a prévia manifestação da outra parte; além disso, a hipoteca judiciária não está subordinada à coisa julgada, pouco importando, ademais, sua liquidez (ou iliquidez). A propósito, o inc I do § 1.º do art. 495 do CPC é expresso, ao realçar que, nada obstante genérica a condenação, a decisão produz a hipoteca judiciária.
3. Agora, genérica a condenação, ilíquida a obrigação, será indispensável, e aí em atenção à especialização da hipoteca, uma estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, “a instauração de um incidente para estimar a repercussão financeira da decisão”[3], do qual dependerá a constrição intencionada, a recair assim sobre o patrimônio do devedor.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “toda hipoteca tem de ser especializada, para que se determine o bem separado do patrimônio, e o débito que se destina a garantir“; “não se conhecendo o quantitativo do débito, far-se-á uma estimativa“.[4] (sublinhei)
No autorizado escólio de Araken de Assis, “apesar da irrelevância da condenação genérica, a especialização reclama prévia liquidação do montante da condenação”[5], ainda que não uma liquidação propriamente dita, por meio de incidente típico, uma estimativa judicial, do juiz da causa.
É indispensável, diante de uma decisão ilíquida, e na falta de liquidação, pedir ao juiz da causa a definição do valor da dívida para fins de constituição da garantia, uma estimativa provisória, prévia à liquidação, a ser depois, eventualmente, confirmada no incidente próprio. Não se exige a definição exata, definitiva, do valor da dívida, porém uma estimativa.
4. Convém conciliar a previsão do inc I do § 1.º do art. 495 do CPC, que, aliás, nada inovou em relação à legislação revogada (cf. art. 466, par. único, I, do CPC/1973), com as exigências do art. 176, § 1.º, III, 5), da Lei n.º 6.015/1973, e do art. 1.497, caput, do CC, relativas à especialização.
De acordo com o primeiro deles, norma extraída da Lei de Registros Públicos, o valor da dívida é requisito do registro no Livro 2 (Registro Geral).
O princípio da especialidade, que é consubstancial ao registro, abrange, acentua Afrânio de Carvalho, “a individualização obrigatória de: …; b) toda dívida que seja garantida por um direito real, pois a quantia não pode ser indefinida, mas certa, expressa em moeda nacional.”[6]
Adiante, em passagem que respalda o entendimento aqui defendido, pontua:
… Se a dívida tem um valor fixo, bastará a menção desse valor extraído do título; se não o tem, é preciso apenas que esse valor seja estimado no título para daí ser levado à inscrição. Em suma, quando falta a fixação, é ela suprida pela estimação. …[7] (sublinhei)
Já o art. 1.497 do CC, relacionado especificamente às hipotecas, estabelece, em reforço da norma registral, que as hipotecas de qualquer natureza devem ser especializadas.
5. Ao tempo do CPC de 1973, Egas Moniz de Aragão, ao comentar o art. 466, par. único, I, abordar a admissibilidade da hipoteca judiciária, quando genérica a condenação, seguiu nessa linha, in verbis:
… No caso de condenação genérica será necessário proceder a uma estimativa da responsabilidade, para delimitar a parcela de bens a ser afetada, o que pode gerar desencontro de opiniões e exigir a intervenção do juiz para equacionar e solucionar o problema …[8]
Pontes de Miranda também considerava necessária a prévia liquidação, para fins de inscrição de hipoteca judiciária baseada em condenação a dívida certa, admitindo, tal como in casu se entende, a apuração provisória do valor da responsabilidade do devedor.[9]
É a posição de José Miguel Garcia Medina, e é a que deve prevalecer, porque em harmonia com o sistema registral, com os seus princípios, em especial, então, com os da segurança jurídica e da especialidade:
… Em se tratando de decisão condenatória genérica (art. 495, § 1.º, I, do CPC/2015) será necessário requerer ao juiz que ele defina um valor, apenas para fins de constituição da hipoteca judiciária. Assim, no caso, para o registro da hipoteca será necessário apresentar cópia da sentença condenatória genérica e da decisão do juiz que definir o valor para fins de constituição de tal garantia.[10]
Sob essa ótica, por conseguinte, o valor da dívida deve constar do título judicial, quando não da cópia da decisão condenatória, de outra complementar, estimando-o. E respeitada opinião divergente, em especial, a de Moacyr Amaral dos Santos[11], o valor da causa, porque atribuído anteriormente à decisão ilíquida, por não ter se baseado no título constitutivo da hipoteca, não pode servir (logicamente) de baliza, salvo se, provocado, assim decidir o juiz da causa.
Em síntese, a dúvida é procedente; o juízo negativo de qualificação registral é de ser confirmado, tal como, consequentemente, a r. sentença impugnada.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Comentários ao Código de Processo Civil: da sentença e da coisa julgada: arts. 485 a 508. José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli, João Francisco N. da Fonseca (coords.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87. v. IX.
[2] Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 56.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.081. v. I.
[3] João Francisco N. da Fonseca, op. cit., p. 88.
[4] Instituições de Direito Civil: Direitos Reais. 20.ª ed. Atualizada por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 324-325. v. IV.
[5] Processo civil brasileiro: parte especial: procedimento comum (da demanda à coisa julgada). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.313. v. III.
[6] Registro de imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 219.
[7] Op. cit., p. 244.
[8] Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil (arts. 444 a 475). Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 184.
[9] Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 444 a 475). 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 91 e 94.
[10] Sentença, coisa julgada e ação rescisória: decisão judicial e formas de estabilização: inexistência, invalidade, revisão, rescisão. 1.ª ed., 2.ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 90.
[11] Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 332 a 475. 7.ª ed. Atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 421. v. IV.
Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.
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