1VRP/SP- EMENTA NÃO OFICAL: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Apresentação de carta de sentença extraída de inventário judicial cumulativo de bens deixados por cônjuges falecidos em datas distintas – Partilha realizada de forma única, com atribuição direta de frações ideais a herdeiros-netos, sem menção à ordem cronológica das transmissões hereditárias – Ausência de individualização das sucessões de Bernardo e Katrina Ciulada – Infringência ao princípio da continuidade registral (art. 195 da LRP), da disponibilidade (art. 237 da LRP) e da legalidade – Necessidade de retificação do título para constar o desdobramento das transmissões patrimoniais em etapas sucessivas, com individualização de quinhões e recolhimento do ITCMD em cada hipótese de incidência – Alegação de coisa julgada afastada – Títulos judiciais também se submetem à qualificação registral – Precedentes do CSM/SP – Dúvida procedente.


Processo 1104583-39.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Eliana Ciulada Cattani – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FELIPE CIULADA CATTANI (OAB 5420/SE)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1104583-39.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Eliana Ciulada Cattani
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Eliana Ciulada Cattani, diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentada para registro, sob prenotação n. 888.818, carta de sentença expedida pelo 7º Tabelião de Notas desta Capital, em 24.07.2014, dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada, aberta em 11.05.1986, e de sua mulher Katrina Ciulada, aberta em 09.08.1993, que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 da serventia; que o título havia sido devolvido pela serventia em 11.06.2025 e foi reapresentado em 31.07.2025, com pedido de reconsideração ou suscitação de dúvida; que entende ser possível reconsiderar a exigência de apresentação de certidão de casamento dos falecidos, visto que as informações podem ser obtidas por outros documentos apresentados, e de que deveria constar o Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Katrina Ciulada, sendo possível nesse caso o direito de representação do herdeiro pré-morto; que, de todo modo, a exigência a respeito da presença do Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Bernardo Ciulada deve ser mantida, assim como a exigência de que não haja partilha “per saltum”; que o principal argumento da suscitada se restringe à impossibilidade de retificação de partilha já apreciada judicialmente e transitada em julgado; que os títulos judiciais também se sujeitam à qualificação registrária, cabendo ao Oficial analisar o escorreito cumprimento da legislação pertinente, não caracterizando desobediência ou descumprimento; que não se discute a possibilidade de cumulação de inventários em um mesmo processo judicial, mas sim o fato de que a partilha não pode ser realizada sem observar cada uma das transmissões por sucessão (ou seja, uma partilha para a sucessão de Bernardo Ciulada e outra para a sucessão de Katrina Ciulada); que o que impede o registro é a falta de haver duas partilhas com o recolhimento dos correspondentes ITCMDs; que, em que pese o pagamento único de duas sucessões, houve equívoco no pagamento, pois considerou-se apenas a sucessão total de Katrina Ciulada em detrimento do herdeiro-filho Antônio Ciulada em relação à primeira sucessão, o que configura sucessão “per saltum”; que, em respeito ao princípio da continuidade (artigo 195, LRP), deve ser observada a razão da ordem dos falecimentos: (a) Bernardo Ciulada – falecido em 11.05.1986, em cujo inventário os herdeiros são: Aldônia e Antônio, e (b) Katrina Ciulada – falecida em 09.08.1993, cujos herdeiros são: Aldônia e os herdeiros-netos Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e a suscitada Eliana Ciulada Cattani (estes últimos por representação de Antônio Ciulada, falecido em 24.01.1991); e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/179.
Em impugnação, a suscitada aduz que a qualificação registral do título judicial deve se limitar à verificação de sua aptidão para ingressar no fólio real, no que concerne aos seus aspectos extrínsecos e formais, sem adentrar na justiça ou correção da divisão patrimonial já chancelada pelo Poder Judiciário; que, se houvesse alguma inconsistência na forma da partilha, esta deveria ter sido arguida e debatida no curso do processo de inventário e partilha; que, uma vez transitada em julgado a sentença homologatória, a questão está definitivamente resolvida, e o Oficial não tem competência para atuar como uma instância revisora de decisões judiciais, sob pena de subverter a ordem jurídica e desrespeitar o princípio da separação dos Poderes; que o princípio da continuidade registral não pode ser invocado de forma absoluta a ponto de esvaziar a eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado; que a decisão judicial levou em conta todas as especificidades do caso, como o falecimento de Antônio Ciulada antes de Katrina Ciulada, o que gerou o direito de representação dos herdeiros-netos na segunda sucessão; que a discussão sobre o pagamento do ITCMD é uma questão tributária que, embora correlata à partilha, não pode ser obstáculo ao registro se a partilha foi judicialmente validada; que a exigência representa um entrave burocrático excessivo que desconsidera os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, gerando insegurança e prejuízos injustificados; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 186/193).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 183/185).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
Nesse sentido, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Conclui-se, portanto, que a origem do título judicial não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
No mérito, a dúvida é procedente.
A suscitada pretende o registro de carta de sentença extraída dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 07/130).
No caso concreto, houve inventário conjunto para partilha dos bens integrantes dos espólios de Bernardo Ciulada, falecido em 11 de maio de 1986 (fls. 19), e de Katrina Ciulada, falecida em 9 de agosto de 1993, nos autos do processo n. 0717446-84.1991.8.26.0100.
Da leitura dos autos, extrai-se que o casal Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada deixou dois filhos: (a) Antônio Ciulada, que veio a falecer em 24 de outubro de 1991 (fls. 139/140), e (b) Aldônia Helena Ciulada (fls. 25/26).
Com relação à partilha, constou que (a) pelo falecimento de Bernardo Ciulada, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: metade à viúva-meeira e outra metade aos dois filhos, Antônio Ciulada e Aldônia Helena Ciulada; e (b) pelo falecimento de Katrina Ciulada, que deixou testamento, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: toda a parte disponível e metade da legítima à filha Aldônia Helena Ciulada, e outra metade da legítima aos filhos de Antônio Ciulada, por representação – Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e Eliana Ciulada Cattani (fls. 65).
Quanto ao pagamento dos quinhões, notadamente com relação ao imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º RI, restou consignado que (a) para Aldônia Helena Ciulada, seria atribuída fração ideal de 62,50% (5/8) do imóvel, e (b) para cada um dos três herdeiros de Antônio Ciulada, seria atribuída fração ideal de 4,16%, totalizando 12,48% (1/8), do imóvel (fls. 67/73).
Embora a legislação processual permita a cumulação de inventários para partilha de heranças de pessoas diversas (artigo 672 do CPC), as sucessões devem ser feitas corretamente e de modo individualizado, com a declaração e o pagamento dos tributos devidos para cada hipótese de incidência prevista em lei.
Em termos diversos, a sucessão de cada um dos titulares do domínio constitui um fato independente, que deve ser levado para o fólio real nos termos do artigo 231 da Lei de Registros Públicos, que determina que, no preenchimento dos livros, sejam lançados “por ordem cronológica e em forma narrativa, os registros e averbações dos atos pertinentes ao imóvel matriculado”. Garante-se, assim, concretude ao princípio da continuidade registral.
Somente deste modo será possível preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e dos princípios da continuidade e disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ). Eventual concordância de outros herdeiros envolvidos não supre a falta.
Neste sentido, a jurisprudência:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO CONJUNTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE BENS QUE DEVEM SER PAULATINAMENTE PARTILHADOS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR DOIS PLANOS DE PARTILHA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1023686-87.2021.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Ausência de Irresignação parcial. Manutenção dos óbices. Necessidade de partilhas sucessivas. Ofensa ao princípio da continuidade. Recurso a que se nega provimento” (TJSP; Apelação Cível 1022725-25.2021.8.26.0100; Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 20/10/2021)
E, ainda, nos termos do V. Acórdão proferido na Apelação Cível n. 1013445-56.2019.8.26.0114, de relatoria do então D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Pinheiro Franco:
“Pelo princípio da continuidade, ou do trato sucessivo compete a transmissão da propriedade ao espólio herdeiro, e assim sucessivamente, não sendo possível a transmissão da propriedade diretamente aos herdeiros filhos, pelo fato daquele que faleceu posteriormente ainda estar vivo quando aberta a sucessão anterior. A cumulação de inventários visa privilegiar a economia processual, mas não é apta a afastar a previsão de partilhas distintas, sucessivas e sequenciais, aplicáveis no caso em tela”.
Na espécie, verifica-se que, quando do pagamento único dos quinhões, o imóvel da matrícula n. 146.134 do 8º RI foi atribuído, de forma direta, a Aldônia Helena Ciulada e aos filhos de Antônio Ciulada (fls. 67/73).
Conforme bem apontado pelo Oficial, o pagamento deveria retratar as duas sucessões distintas processadas nos autos, de forma subsequente, de modo a evidenciar (a) a primeira transmissão de bens do espólio de Bernardo Ciulada para Katrina Ciulada, Aldônia Helena Ciulada e Antônio Ciulada, e (b) a segunda transmissão dos bens do espólio de Katrina Ciulada para Aldônia Helena Ciulada e os herdeiros de Antônio Ciulada.
Portanto, para se permitir o acesso do formal de partilha ao fólio real, é necessário aditamento para preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e do princípio da continuidade.
Ademais, outro problema que imediatamente decorre dessa irregularidade é a impossibilidade de verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões e da transmissão onerosa por ato “inter vivos”, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD e ITBI, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos.
A respeito de tais pontos, transcrevo trecho elucidativo do voto do D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Eduardo Francisco Loureiro, nos autos da Apelação Cível n. 1005840-69.2022.8.26.0400 (destaques nossos):
“Contudo, verifica-se que a partilha homologada não especifica os bens que constituíram cada espólio nem a forma de pagamento individualizada de cada sucessão (fls. 34/37).
(…)
O título violaria, em consequência, também o princípio da disponibilidade.
Assim, sem que se possa aferir exatamente a fração ideal do imóvel que caberia aos herdeiros, diante das omissões das transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João, bem como da posterior alienação de parte do imóvel, de rigor a manutenção do primeiro óbice questionado: necessidade de emenda do formal de partilha para que dele constem os planos de partilha, um para cada inventariado, à luz do artigo 237 da Lei n. 6.015/73.
Por consequência, como a partilha deverá ser retificada, nova declaração precisará ser feita à Fazenda Estadual para aferição do recolhimento do ITCMD. As declarações feitas com base na partilha per saltum , ainda que tenham sido homologadas pelo fisco, não suprem nova avaliação à vista da confirmação de que necessária correção no título, o que deverá ser providenciado junto ao juízo do inventário.
Note-se que erro ou omissão em partilha homologada por sentença transitada em julgado pode ser corrigido.
Essa hipótese já vinha expressa no Código de Processo Civil de 1973, artigo 1.028, e foi mantida em termos idênticos no atual Código de Processo Civil, que assim dispõe: ‘Art. 656. A partilha, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, pode ser emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes, quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens, podendo o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a qualquer tempo, corrigir-lhe as inexatidões materiais’.
(…)
Sendo assim, o título deverá ser retificado com especificação dos bens do espólio e da forma de pagamento individualizada de cada sucessão. Isso permitirá a verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos. É importante ressaltar que não se está fiscalizando a regularidade dos valores devidos a título de ITCMD, o que compete ao fisco estadual.
O que se discute nestes autos, e que deve ser observado pelo Oficial por ocasião da qualificação registrária, é a existência do recolhimento do imposto devido sobre cada hipótese de incidência tributária, o que não pôde ser cumprido no caso em virtude das omissões nas transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João. (…)
A conclusão se reforça pelo fato de que cabe aos registradores o controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73 e artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional), o que vem corroborado pelos itens 117 e 117.1 do Capítulo XX das NSCGJ.” (CSMSP – Apelação Cível: 1005840-69.2022.8.26.0400 Localidade: Olímpia Data de Julgamento: 31/10/2024 Data DJ: 08/11/2024 Relator: Francisco Loureiro)
Destarte, o óbice deve ser mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 11 de setembro de 2025.
Renata Lima Zanetta
Juíza de Direito.

Fonte: DJE/SP 12.09.25.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.


Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇAO
Número: 1062962-62.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0000988356

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes WILSON DOS SANTOS CANHAS, MOACIR DOS SANTOS CANHAS e TANIA REGINA POCCI CANHAS, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Apelantes: Wilson dos Santos Canhas, Moacir dos Santos Canhas e Tania Regina Pocci Canhas

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.895

Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

1.Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença arbitral, que declarou o domínio dos apelantes sobre imóvel pela usucapião.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a carta de sentença arbitral que declara o domínio de imóvel pela usucapião pode ingressar no fólio real.

III. Razões de Decidir

3. As cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

4. A justiça arbitral é uma via alternativa à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao tribunal arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996), e, no caso concreto, tal consenso não se fez presente porque nem mesmo os titulares do domínio participaram do procedimento arbitral. Não bastasse, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara. Na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973. Isso impede a appsição de cláusula compromissória para tribunal arbitral decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestam vontade nesse sentido. A convenção de arbitragem ou cláusula compromissória teria o potencial de violar direitos de terceiros interessados.

5. As regras sobre usucapião são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023). Além disso, há risco concreto de prática de fraudes mediante processos simulados, com atuação de grileiros e instabilidade fundiária, tudo a justificar a falta de competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: A justiça arbitral não tem competência para decidir sobre a usucapião porque inviável a manifestação de vontade de todos os possíveis interessados para que tal via seja escolhida e porque além da usucapião judicial, só existe a usucapião extrajudicial que decorre dos artigos 1.071 do CPC e do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos.

A sentença arbitral não pode ser registrada como título que declara o domínio pela usucapião.

Legislação Citada: CF/1988, art. 5º, XXXV; Lei nº 9.307/1996, artigos 1º e 31; Lei nº 6.015/1973, art. 216-A e 221, IV; CPC, arts. 259, I; 1.071; Provimento nº 65/2017 e Código de Normas, ambos do CNJ (Provimento nº 149/2023).

Jurisprudência Citada:

CNJ, Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, Rel. Cons. Marcello Terto, j. 18/06/2025;

Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, j. 01/03/2024;

Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000;

CNJ, Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000, Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, 26/08/2019.

Cuida-se de apelação interposta por WILSON DOS SANTOS CANHAS, TANIA REGINA POCCI CANHAS e MOACIR DOS SANTOS CANHAS em face da r. sentença de fls. 227/231, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital que, em dúvida suscitada pela 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a pedido dos ora recorrentes, manteve a recusa de registro à carta de sentença arbitral.

A referida carta de sentença arbitral é advinda de procedimento efetuado pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano, em que foi acolhido o pedido de usucapião, declarando-se o domínio dos ora recorrentes sobre o imóvel localizado na Rua José Ataliba Ortiz, n. 467, casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito, Pirituba, nesta Capital.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que: (i) embora não exista previsão legal para o reconhecimento da usucapião por meio de sentença arbitral, tampouco há qualquer previsão que a proíba; (ii) a arbitragem não tem jurisdição e, por essa razão, não há regras legais que imponham o foro para conhecimento de questões relacionadas a direito patrimonial disponível; (iii) a competência territorial na arbitragem é determinada pela convenção de arbitragem, seja ela uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral, nos termos da Lei nº 9.307/96 – Lei da Arbitragem; (iv) o procedimento de usucapião, perante a Câmara de Arbitragem, encontra respaldo no artigo 1º da Lei 9.307/96 e, atendendo, ainda, aos requisitos do Provimento CNJ n. 65/2017, é de ser considerado legal; (v) a sentença arbitral é equiparada em todos os efeitos à sentença proferida por um juiz togado; (vi) o art. 515, inciso VII, do Código de Processo Civil estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial e assim ser executada; (vii) quanto à alegação de ausência de litígio, não há outra forma de regularização do imóvel, citando precedente do C.N.J. que entendeu pela existência de litígio entre o proprietário registral e o requerente da aquisição da propriedade; (viii) o título preenche todos os requisitos legais para acesso ao fólio real, atendendo a todos os princípios previstos na Lei nº 6.015/1973, em especial o artigo 216-A da L.R. e Provimentos 149/2023 e 65/2017 do CNJ.

A Procuradoria de Justiça opinou pela rejeição do apelo (fls. 272/275).

É o relatório.

Conforme se extrai dos autos, o procedimento arbitral objetivando a declaração de domínio por usucapião teve início a partir de requerimento dos ora recorrentes, Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O imóvel não ostenta matrícula própria e está inserido em área maior de 140.415m2, denominada sítio Mangalot, descrita na transcrição nº 34.674, aberta em 19/04/1927 no 2º RI da Capital (fls. 90/98), que indica como proprietária a Sociedade Civil de Terrenos Mangalot.

Consta, ainda, da referida certidão, que em 07/03/1931, conforme transcrição nº 3.845, a supracitada proprietária adquiriu vinte e um alqueires no lugar denominado sítio Mangalot – Gleba A.

A área, ao que indica, foi loteada e diversos lotes foram compromissados a diferentes promissários compradores. Uma gleba maior, com área de 9.600m2, foi inteiramente compromissada à venda a Francisco Antonio Pedrão, conforme av. 27 de 30/11/1949 (fls. 90/96).

Os apelantes apresentaram a registro a carta de sentença arbitral de fls. 09/165, emitida pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano/SP.

A sentença arbitral (fls. 153/158) declarou o domínio do imóvel pela usucapião em favor dos requerentes Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O título foi protocolado e prenotado sob nº 680.620, em 10 de abril de 2025 e, qualificado negativamente, gerou a nota de devolução de fls. 05/06, em 14/04/2025, nos seguintes termos:

“O presente título é devolvido nesta data pelos motivos abaixo expostos e/ou para atendimento das seguintes exigências:

O procedimento de usucapião extrajudicial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Provimento nº 65/2017 do CNJ, o qual estabeleceu diretrizes a serem observadas pelos serviços notariais e registrais, conforme disposto no art. 1.071 do CPC e no art. 216-A da Lei nº 6.015/73.

Entretanto, tais diretrizes não se aplicam ao procedimento arbitral, uma vez que não há previsão legal que autorize o reconhecimento extrajudicial da usucapião com fundamento em sentença arbitral. Dessa forma, o reconhecimento extrajudicial da usucapião deve observar estritamente as normas estabelecidas no referido provimento, atualmente revogado e substituído pelo Provimento nº 149/2023 do CNJ.

Nesse contexto, é nula a sentença arbitral que declara a aquisição da propriedade por usucapião, conforme entendimento consolidado na Apelação Cível nº 1000201-52.2024.8.26.0642 e no Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000.

Esclarece-se, ainda, que, nos termos do art. 156 da Lei nº 6.015/73 e do item 117, Capítulo XX das NSCGJ, compete ao oficial registrador rejeitar o registro de qualquer título que não observe as formalidades legais.

Por fim, cumpre destacar que, nos termos do art. 47 do CPC, as ações fundadas em direito real sobre imóveis devem ser propostas no foro da situação da coisa, neste caso, a Comarca da Capital”.

Posteriormente, por ocasião da suscitação da dúvida, o Oficial acrescentou que não houve litígio real porque os próprios requerentes declararam a inexistência de controvérsia quanto à posse ou à propriedade do imóvel, além de ter mencionado a não participação do titular do domínio do imóvel no procedimento arbitral, de forma a comprometer a validade e a higidez do título apresentado.

Bem analisados os autos, tem-se que a recusa do Oficial de Registro de Imóveis quanto ao ingresso do título no fólio real deve prevalecer.

De início, é preciso constar que as cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Em julgamento recente deste C. CSM, nos autos da Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, foi decidido que: “…Não se questiona que a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário (artigo 31 da Lei n. 9.307/96, e artigo 221, inciso IV, da LRP). Ocorre que mesmo a carta arbitral, que se equipara aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação” (data do julgamento: 01/03/2024).

No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo então Excelentíssimo Senhor Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, em 26/08/2019, nos autos da Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000: “Assim, a sentença arbitral, possui os mesmos efeitos da sentença judicial como título executivo, há uma equiparação eficaz, e nesta conformidade, assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário. Portanto, a expressão ‘carta de sentença’ contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial”.

Vale dizer, a carta de sentença arbitral é título hábil para inscrição no fólio real, independentemente de manifestação do Poder Judiciário, mas, a exemplo dos títulos judiciais, também não está isenta de qualificação pelo Registrador, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Assentada a registrabilidade, em sentido amplo, da carta de sentença arbitral, resta aferir se a carta de sentença arbitral declaratória de domínio pela usucapião pode obter ingresso no fólio real.

Isso porque, enquanto ao Poder Judiciário é conferida competência para apreciar toda lesão ou ameaça a direito, como decorre do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, à justiça arbitral é imputada competência limitada ao disposto no artigo 1º da Lei nº 9.307/1996: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Trata-se de uma das vias alternativas à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao juízo arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996).

“A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4º da Lei 9.307/1996) e “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (artigo 9º da Lei 9.307/1996).

Indispensável, portanto, que as partes, por consenso,, elejam a justiça arbitral para a solução do litígio em que envolvidas, sem o que a justiça arbitral não pode atuar.

Na hipótese vertente, os titulares do domínio não manifestaram vontade de solucionar a questão posta por meio da justiça arbitral.

Como bem observou o Registrador, não houve a participação dos titulares do domínio no procedimento arbitral, os quais, inclusive, não foram intimados a respeito da pretensão dos ora recorrentes.

Disso decorre que diante da mais completa ausência de cláusula compromissória ou convenção arbitral entre as partes, inviável o julgamento da usucapião por tribunal arbitral.

Isso é, por si só, suficiente para desqualificar o título, já que o procedimento arbitral só se instaura pela vontade das partes para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei nº 9.307/1996).

Irrelevante que o Oficial de Registro de Imóveis só tenha levantado esse específico óbice por ocasião da suscitação da dúvida porque a Corregedoria, Permanente e Geral, pode analisar a questão posta em toda sua extensão. Em outras palavras, faz-se nova qualificação do título por inteiro, podendo apontar novos obstáculos não apontados pelo oficial.

Além disso, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara, tanto que, na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973.

Isso impede que seja avençado o juízo arbitral para decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestaram vontade nesse sentido, o que macula a convenção de arbitragem, seja a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral.

Nesse sentido, foi o parecer técnico da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça, exarado nos autos Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, acolhido como razão de decidir pelo Conselheiro Marcelo Terto, em 18/06/2025, do qual se destaca o seguinte trecho:

“Logo, considerando que na ação de usucapião há necessidade de intimação dos confinantes, das Fazendas Públicas e ainda de quaisquer outros ‘eventuais interessados’ que possam se opor à prescrição aquisitiva do bem, torna-se inviável a utilização do juízo arbitral por força da evidente nulidade de cláusula compromissória e/ou compromisso arbitral nesse sentido, pois os possíveis interessados não foram chamados a acatar com a submissão do tema à arbitragem, maculando a convenção de arbitragem.

É por isso que o processo de usucapião, seja judicial, seja extrajudicial, não pode submeter-se ao juízo arbitral, pois há um ‘rol indeterminado’ de possíveis interessados que precisam ser intimados por via editalícia, consoante previsões do art. 259, inciso I do CPC e art. 216-A §§3º e 4º da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).

(…)

Neste cenário jurídico, não há como se admitir o ingresso da sentença arbitral declaratória de domínio por usucapião no registro público de imóveis, devendo ser respondida positivamente a presente Consulta: Sim, o Oficio de Registro de Imóveis deverá negar o registro de sentença arbitral declaratória de propriedade pela usucapião diante de sua evidente nulidade”.

Ao decidir a Consulta em pauta, também foi destacado que a atividade registral está submetida ao principio da legalidade, “à medida que o art. 236, § 1º, da Constituição Federal determina que as atividades delegadas pelo Poder Público aos notários e oficiais de registro será regulada por lei, o que remete à Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) e à Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)”, e que a única previsão de procedimento extrajudicial de usucapião é a que decorre da inovação trazida pelo Código de Processo Civil, artigo 1.071, que acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos, prevendo-se requisitos e tramitação do pedido de usucapião no cartório de registro de imóveis competente.

No julgamento da referida Consulta, o C. Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, pela negativa do ingresso no fólio real da sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, fixando a seguinte tese:

“O ofício de registro de imóveis deve negar o registro de sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, diante da incompatibilidade da arbitragem com os parâmetros legais que regem a usucapião extrajudicial e a atividade registral” (Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000; Relator: Conselheiro Marcello Terto, j. em 18/06/2025).

Então, como a sentença que julga a ação de usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, e gera os mesmos efeitos absolutos da propriedade que declara, além do fato de que as regras que cuidam da matéria são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023), sem falar no risco de prática de fraudes mediante processos simulados, atuação de grileiros e instabilidade fundiária, é que deve ser recusada a competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

Não vem ao caso, portanto, discutir a competência da Câmara Arbitral que julgou a questão posta, já que à justiça arbitral não se pode conferir competência para decidir sobre a usucapião.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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