Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405
Número: 1032247-29.2024.8.26.0405
Comarca: OSASCO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405
Registro: 2025.0000988373
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante JOÃO CICERO FERREIRA DE LIMA NETO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE OSASCO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 17 de setembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1032247-29.2024.8.26.0405
Apelante: João Cicero Ferreira de Lima Neto
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco
VOTO Nº 43.914
Registro de imóveis – Apelação – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso do procedimento – Recurso que não pode ser conhecido – Análise para orientação de futura prenotação – Regime da separação obrigatória de bens – Cônjuge sobrevivente que precede os colaterais na ordem de sucessão – Regime de bens que não afeta a qualidade de herdeiro necessário conforme dispositivo expresso de lei e entendimento jurisprudencial.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial por inobservância da ordem da vocação hereditária estabelecida pelo Código Civil. O cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus, o que a parte recorrente, parente colateral de quarta classe, sustenta ser correto em razão do regime de bens adotado (separação obrigatória).
II. Questões em discussão
2. As questões em discussão consistem em determinar se o recurso pode ser conhecido e se o único óbice questionado se mantém: necessidade de inclusão do cônjuge sobrevivente na partilha do bem deixado pelo falecido, ainda que considerado o regime de bens de seu casamento (separação obrigatória).
III. Razões de decidir
3. O recurso de apelação não pode ser conhecido, pois a dúvida está prejudicada pela falta de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de parte das exigências no curso do procedimento. Análise da exigência impugnada para orientação de futura prenotação. 4. No mérito, a dúvida seria procedente, já que, segundo dispositivo expresso da lei e entendimento jurisprudencial, o cônjuge sobrevivente precede os colaterais na ordem sucessória independentemente do regime de bens adotado pelo casamento. 5. Qualificação registrária que não adentra no mérito da decisão judicial (princípio da legalidade).
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso de apelação não conhecido.
Tese de julgamento: “1. A dúvida está prejudicada pela ausência de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de exigências no curso do procedimento. 2. Em orientação de futura prenotação, observa-se que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais na ordem de sucessão independentemente do regime de bens do casamento. 3. Para ingresso de formal de partilha judicial, participação do cônjuge no processo de inventário e decisão expressa sobre a ordem de sucessão são necessários”.
Legislação e jurisprudência relevantes:
– Código Civil, art. 1.829 e 1.838; Lei n. 8.935/1994, art. 28; NSCGJSP, item 117, Cap. XX.
– TJSP, Apelação Cível 1012461-19.2024.8.26.0269.
-STJ, REsp n. 2.187.920/PR; EREsp n. 1.171.820/PR; AgInt no REsp n. 1.294.290/MS; REsp 285.651/MT.
– CSM do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223; Apelação n. 464-6/9.
Trata-se de apelação interposta por João Cicero Ferreira de Lima Neto, advogado de Maria Aparecida Sant’Anna da Silva, contra a r. sentença de fls.245/250, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco, que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial na matrícula n.12.120 daquela serventia (prenotação n.140.745 – fls.09/10).
A parte apelante alega que o cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus A. S. em razão do regime de casamento adotado ser o da separação obrigatória, conforme entendimento consolidado pelo STJ e pelo STF (fls.252/261).
A Procuradoria de Justiça se manifestou pelo não provimento do recurso (fls. 281/282).
É o relatório.
Inicialmente, importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral (CSMSP, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223).
Nesse sentido, também a Apelação n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental“.
De fato, o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das NSCGJ:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.
O recurso de apelação, no entanto, não pode ser conhecido já que a dúvida está prejudicada.
Vejamos os motivos.
A nota devolutiva apresentada no caso formulou as seguintes exigências (fls.09/10, abreviações nossas):
“O presente formal de partilha já foi objeto de análise anterior, tendo sido lançada nota devolutiva aos 11/09/2024, no protocolo 140.100. Reanalizado o título, verifica-se que as exigências não foram cumpridas. Destarte reitero na íntegra a nota devolutiva anterior, abaixo transcrita:
Trata-se de formal de partilha conjunta, dos bens deixados pelos falecimentos (…). Analisado o título, o mesmo foi qualificado negativamente, devendo a parte interessada cumprir as seguintes exigências:
1) Conforme plano de partilha, na 5ª sucessão (óbito de …), o pagamento feito aos herdeiros colaterais. Ocorre que conforme certidão de óbito de fls. 141 e certidão de casamento de fls. 144, o autor da herança faleceu no estado civil de casado com (…) sem deixar descendentes. No que pese o regime do casamento ser o de separação obrigatória de bens, a mesma só não comparece como herdeira, em concorrência com os descendentes do autor da herança. Todavia, na falta de descendentes (previsto no inciso I da lei 1.829 do C.C.), o cônjuge sobrevivente é o 3º na ordem sucessória (art; 1829, III), e vindo antes dos herdeiros colaterais (art. 1.829, IV).
Portanto, em obediência ao item 117 do cap. XX das Normas da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, deverá a RETIFICAR o plano de partilha, para esclarecer referido pagamento e/ou CORRIGIR onde necessário, trazendo aos autos a viúva-herdeira e adjudicando a ela seu quinhão, na forma do art. 1.829 c/c artigos 1.838, uma vez que os herdeiros colaterais somente são chamados à sucessão, na falta de descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente, conforme estabelece o art. 1.839 do Código Civil Brasileiro. (…)
2) Considerando o lapso temporal entre as aberturas das sucessões com o presente formal de partilha, e em atenção ao art. 1.784 do Código Civil (Princípio da Saisine), deverá ser apresentado ainda, a certidão de inteiro teor dos casamentos de i) A., ii) E. e iii) D., para averiguar seus estados civis nas datas das aberturas das sucessões.
3) Apresentar para averbação (item 9, “b” nº 5 do Cap. XX das NSCGJSP), a certidão dos casamentos de (…) com (…)”.
Contudo, ao oferecer sua impugnação (fls.155/158), a parte impugnante se opôs apenas contra a primeira exigência e apresentou certidões de casamento em atendimento às exigências de número dois e três (fls.213/220).
A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo Oficial ou o atendimento no curso da dúvida ou de recurso contra decisão nela proferida prejudica- a:
“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n.º 220.6/6-00).
Nada impede, porém, que se analise a exigência impugnada para orientação de futura prenotação.
No mérito, a dúvida seria procedente.
O título apresentado a registro consiste em formal de partilha extraído da ação de arrolamento de bens que tramitou perante a 1ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de Osasco (autos n. 1021568-38.2022.8.26.0405).
A exigência do Oficial diz respeito à partilha do bem deixado pelo de cujus A. S., que faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, mas era casado com M. de O. S. pelo regime da separação obrigatória em virtude da idade.
A viúva não foi incluída no plano de partilha, o qual atribuiu quinhões apenas à irmã do falecido e a seus sobrinhos (fls.92/100).
O Oficial esclareceu sobre a qualidade de herdeira do cônjuge sobrevivente, pelo que exigiu a retificação do título para sua inclusão na partilha do imóvel que compõe a herança ou esclarecimento acerca do pagamento pelos demais herdeiros de valor referente ao quinhão da viúva.
Isto porque o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais (irmãos e sobrinhos) na ordem de sucessão estabelecida pelo artigo 1.829 e corroborada pelo artigo 1.838, ambos do Código Civil:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
“Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.
Logo, no regime da separação obrigatória de bens e somente se houver descendentes é que o cônjuge sobrevivente não terá direito a herança. Se concorrer com os ascendentes ou se inexistirem descendentes ou ascendentes, sempre será herdeiro.
O entendimento também é confirmado pela jurisprudência:
“PROCESSO CIVIL. INVENTÁRIO. REQUERIMENTO POR HERDEIROS COLATERAIS. FALECIDO QUE DEIXOU CÔNJUGE SUPÉRSTITE. REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE. EXTINÇÃO. 1. A restrição imposta no art. 1.829, I, CC, limita-se à hipótese em que o cônjuge supérstite, casado no regime de separação obrigatória, concorre com os filhos do “de cujus”, não se estendendo aos demais incisos da referida norma, o que é reforçado pelo texto do art. 1.838 do mesmo Diploma Legal, que cuida da situação presente, em que a apelada não concorre com ascendentes ou descendentes. 2. Incontroversa a existência de cônjuge supérstite que, ademais, realizou o inventário extrajudicial do falecido, carece de interesse processual e legitimidade os herdeiros colaterais para a abertura do inventário judicial, sendo o caso de manutenção da r. sentença de extinção. 3. Recurso improvido” (TJSP; Apelação Cível n. 1012461-19.2024.8.26.0269; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapetininga – 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 31/03/2025; Data de Registro: 31/03/2025).
“RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE. CONFIGURAÇÃO. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. 1. Na espécie, não houve violação dos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, visto que agiu corretamente o tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração por inexistir omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão atacado, ficando patente o intuito infringente da irresignação. 2. O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os ascendentes, nos termos do art. 1.829, II, do Código Civil, independentemente do regime de bens. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e não provido” (REsp n. 2.187.920/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/8/2025, DJEN de 18/8/2025.)
Note-se que o controle de legalidade impede que a publicidade registral seja automática com a apresentação do título perante o fólio real.
Neste contexto, a qualificação registral, enquanto função típica do Oficial Registrador (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), é exteriorização do princípio da legalidade, o qual abrange não só todas as prescrições legais e normativas, como também a orientação jurisprudencial relacionada ao tema.
É evidente que, na hipótese de título com origem judicial, a qualificação deve se ater à análise dos elementos extrínsecos, com respeito ao mérito da decisão, revestida pela coisa julgada material.
No entanto, no caso concreto, estamos diante de sentença homologatória que não solucionou questão de mérito nem conflito, mas apenas ratificou plano de partilha apresentado pelo inventariante, com ressalva expressa sobre a possibilidade de erro ou omissão e em processo do qual o cônjuge supérstite não participou (fls.52/109 e 110):
“(…) Nessa conformidade, presentes os requisitos e preenchidas as demais formalidades legais, homologo as partilhas apresentadas às fls. 29/35, 59/65, 89/102, 215/218 e 219/227, atribuindo aos herdeiros contemplados os seus respectivos quinhões, ressalvados erros e omissões para terceiros”.
Segundo o artigo 654 do Código de Processo Civil, a partilha judicial, esboçada pelo partidor ou constante de plano apresentado pelo inventariante, deve ser julgada por sentença.
Na partilha amigável, via de regra, a sentença homologa o que é apresentado, baseando-se na presunção de boa-fé das declarações do inventariante e restringindo-se à análise de questões formais.
Assim, verifica-se que a atuação judicial se limitou à análise da regularidade formal do acordo apresentado, sem adentrar no mérito das questões jurídicas ou patrimoniais.
Por isso mesmo, o Superior Tribunal de Justiça entende que as sentenças meramente homologatórias não fazem coisa julgada material:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. 1. Não faz coisa julgada material a decisão meramente homologatória de acordo, isto é, adstrita aos aspectos formais da transação, não podendo ela ser utilizada como paradigma para se pleitear a rescisão da sentença proferida em sede ação indenizatória posteriormente ajuizada. Precedentes. 2. Agravo interno não provido” (AgInt no REsp n. 1.294.290/MS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 29/6/2018).
“PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO COM O ESTADO. DESCONSTITUIÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA FORMAL. A sentença que homologa transação realizada entre o Estado e o particular, com o objetivo de abreviar liquidação de sentença, não faz coisa julgada material, podendo ser desconstituída por ação diversa da que foi extinta. A pretensão intentada pelo Estado, através de ação civil pública, objetivando a anulação de transação de caráter eminentemente privado, tem a incidência do art. 177, caput, do Código Civil, sobrevindo prescrição vintenária, ao contrário da pretendida prescrição qüinqüenal. Recurso especial improvido” (REsp 285.651/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 03/02/2003, p. 265).
Não há que se falar, portanto, em incursão do Oficial no mérito da sentença ou em desrespeito à coisa julgada.
A exigência se sustenta com base em princípio registrário próprio, o da legalidade.
Ingresso do título dependerá, portanto, de retificação do formal de partilha judicial com demonstração de participação do cônjuge supérstite e/ou decisão expressa sobre sua não qualidade de herdeiro.
Por fim, vale ressaltar que a jurisprudência colecionada pela parte apelante, incluindo a interpretação atual da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal pelo Superior Tribunal de Justiça, diz respeito à meação:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial” (EREsp n. 1.171.820/PR, Relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de 21/9/2015).
Em outras palavras, para meação dos bens quando da dissolução de casamento (ou união estável) em que adotado o regime da separação obrigatória (seja pela nulidade, pelo divórcio ou pelo óbito de um dos cônjuges/companheiros), deve haver prova de aquisição por esforço comum.
Entretanto, no caso sub judice, não há discussão acerca da meação.
Em verdade, a qualificação registrária apenas aponta, com precisão por apoio no princípio da legalidade, que o título judicial não pode ter ingresso em virtude da exclusão de herdeiro necessário da partilha, o cônjuge supérstite, o que precisa ser regularizado pelo juízo competente.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço o recurso de apelação já que prejudicada a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.
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