Jurisprudência mineira – Agravo instrumento – Ação de divórcio – Alimentos provisórios – Cônjuge-virago

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – CÔNJUGE-VIRAGO – NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA – CAPACIDADE LABORATIVA – INDEFERIMENTO

– Restando demonstrado nos autos que a recorrente é pessoa jovem, saudável e bem instruída, possuindo capacidade para exercer uma atividade laborativa remunerada através da qual mantenha o próprio sustento, deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de alimentos provisórios.

Recurso desprovido.

Agravo de Instrumento Cível nº 1.0024.12.156051-0/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: C.R.L.X. – Agravado: A.X.

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso. – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto

Belo Horizonte, 27 de março de 2014. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade. Cuidam os autos de agravo de instrumento interposto por C.R.L.X. contra decisão de f. 221, que, nos autos da "ação de divórcio litigioso" que move em face de A.X., indeferiu o pedido de fixação de alimentos em favor da autora, "haja vista a necessidade de instrução dos autos" (f. 221).

Sustentou a recorrente que "não possui renda ou formação profissional que possibilite arcar com seu sustento" (f. 7), bem como que a "única ocupação da agravante fora do lar era junto à empresa […], empresa na qual o agravado possui quotas, e, quando da separação de fato, o agravado não permitiu que ela continuasse trabalhando" (f. 6).

Acrescentou que "o agravado sacou da conta conjunta, sem permissão da requerente, todos os valores aplicados" (f. 7) e que "a condição de guardiã das filhas menores, uma de 14 (quatorze) anos e outra com 10 (dez) anos, exige a atenção total sobre elas, haja vista não ter recursos para mantê-las em atividades que permitam à agravante se inserir no mercado de trabalho" (f. 8).

Por fim, pugnou pela concessão da tutela recursal e, ao final, pelo provimento do recurso, "fixando alimentos provisórios em seu favor no valor de R$2.000,00" (f. 10).

O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo (f. 227/231).

A douta Juíza de primeiro grau prestou as informações necessárias à instrução do recurso à f. 235.

Contraminuta às f. 237/243.

A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais apresentou parecer às f. 248/249, opinando pelo desprovimento do recurso.

Revelam os autos que C.R.L.X. ajuizou "ação de divórcio litigioso" em face de A.X. (f. 11/20-TJ), afirmando ser casada com o requerido desde o dia 28 de junho de 1995, pelo regime de comunhão parcial de bens, tendo a vida comum se tornado insuportável, culminando com a separação de fato do casal, com a saída do cônjuge varão do lar conjugal, ocorrida em 20 de setembro de 2011, pretendendo a decretação do divórcio, a guarda das filhas menores, bem como a partilha de bens e a fixação, em antecipação de tutela, de alimentos provisórios, em seu favor, no importe de R$2.000,00 (dois mil reais). 

A MM. Juíza de primeiro grau indeferiu o pedido de antecipação de tutela, consignando "a necessidade de instrução dos autos" (f. 221), o que motivou o presente recurso.

Nesse mister, registro inicialmente que, nas palavras da Yussef Said Cahali, os “alimentos” devem ser entendidos como "tudo o que é necessário para satisfazer os reclamos da vida; são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é contribuição periódica assegurada a alguém, por título de direito,
para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção" (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: RT, p. 16).

Fundamentado no princípio da solidariedade, o dever de alimentos obriga as pessoas unidas por laços de parentalidade a prestarem mútua assistência umas às outras, dentro dos limites da capacidade e da necessidade de cada uma, conforme expressamente consagrado nos arts. 1.694 e 1.695 do Código Civil de 2002:

“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. 

A esse respeito, são os ensinamentos de Maria Berenice Dias:

“A responsabilidade alimentar recebe, no Código Civil, tratamento uniforme. Inexiste distinção de critérios para a fixação do valor da pensão em decorrência da natureza do vínculo obrigacional. Estão regulados de forma conjunta os alimentos decorrentes dos vínculos de consanguinidade e solidariedade, do poder familiar, do casamento e da união estável. Os alimentos devem sempre permitir que o alimentando viva de modo compatível com a sua condição social. De qualquer forma, ainda que seja esse o direito do credor de alimentos, é mister que se atente, na quantificação de valores, às possibilidades do devedor de atender ao encargo. Assim, de um lado, há alguém com direito a alimentos e, de outro, alguém obrigado a alcançálos” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 552).

Especificamente quanto aos requisitos da necessidade, da possibilidade e da proporcionalidade, que devem pautar o arbitramento dos alimentos, assim preceitua Caio Mário da Silva Pereira:

“Necessidade. São devidos alimentos quando o parente que os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo trabalho, a própria mantença. Não importa a causa da incapacidade, seja ela devida à menoridade, ao fortuito, ao desperdício, aos maus negócios, à prodigalidade. […].

Possibilidade. Os alimentos devem ser prestados por aquele que os forneça sem desfalque do necessário ao próprio sustento. O alimentante os prestará sem desfalque do necessário ao próprio sustento. Não encontra amparo legal que a prestação de alimentos vá reduzi-lo a condições precárias, ou lhe imponha sacrifício de sua própria subsistência, quando aquele que se porá em risco de sacrificá-la se vier a dá-los. Se o alimentante não os puder fornecer na razão de seu próprio sustento, prestá-los-á dentro daqueles limites, cumprindo ao alimentado reclamar de outro parente a complementação.

Proporcionalidade. Os alimentos hão de ter, na devida conta, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Vale dizer: serão fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Não tem cabida exigi-los além do que o credor precisa, pelo fato de ser o devedor dotado de altas posses; nem pode ser este compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores (§ do art. 1.964)” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, Direito de Família, p. 497-499).

Portanto, resta claro que, da mesma forma como no Código Civil de 1916, os alimentos continuam condicionados ao binômio necessidade/possibilidade, sendo imperiosa a verificação dos documentos acostados aos autos para se aferir a condição econômica das partes, atentando-se para o fato da pretensão se referir, in casu, a alimentos provisórios, ensinando, a propósito, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery:

“Alimentos provisórios. São aqueles que podem ser modificados pela sentença, isto é, são os não definitivos. O que caracteriza os alimentos como provisórios é a sua não definitividade. Dividem-se em provisórios em sentido estrito e em provisionais. […]. Alimentos provisionais (alimenta in litem). São provisórios, porque não definitivos e guardam natureza antecipatória, porém cautelar. Têm como finalidade manter a subsistência do alimentado, durante o período em que transcorre a ação principal. Com os alimentos provisionais, o alimentando pretende: a) manter a situação do alimentando de que já desfruta (v.g. em razão de ser casado) e que pode perder com o resultado da ação principal (v.g. anulação de casamento, separação judicial); ou b) obter meios de subsistência com os alimentos, caracterizados como adiantamento da sentença de mérito que pretende obter (v.g. na investigação de paternidade). Os alimentos provisionais podem ser requeridos tanto com base no CPC (273 e 852), como com fundamento em leis extravagantes (v.g. LA e LIP)” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado e legislação extravagante. 3. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 795).

Também leciona Yussef Said Cahali, especificamente em relação à fixação dos alimentos a título provisório: “Como obrigação de natureza alimentar, os alimentos provisionais ou provisórios devem ser fixados em função das possibilidades do devedor e das necessidades do alimentando, segundo regra geral do art. 399 do CC (art. 1.695 do novo Código Civil).

E, ainda:

Mas, se é certo que na ação de alimentos, o juiz fixa desde logo os alimentos provisionais, sem maior aprofundamento das causas do pedido, também é certo que essa faculdade, entretanto, não significa que possa decidir de forma arbitrária, sem base em elementos probatórios e sem fundamentar sua decisão.

Embora também se diga que, resultando os alimentos provisionais da cognição incompleta, a lei não exige, na espécie, despacho fundamentado, porquanto a reparação do erro de fato na fixação dos alimentos provisórios pode ser feita por outro despacho.

Alias, exatamente porque resulta de cognição sumária, a fixação dos alimentos provisionais ou provisórios concedidos liminarmente sujeita-se a revisibilidade no curso do processo” (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: RT, p. 852-853).

Constata-se, pois, que os alimentos, in limine lites, devem ser fixados pelo magistrado com bastante ponderação, a partir das alegações e dos documentos trazidos com a inicial.

Dessarte, a despeito das assertivas da agravante no sentido de que "a única ocupação da agravante fora do lar era junto à empresa […], empresa na qual o agravado possui quotas, e, quando da separação de fato, o agravado não permitiu que ela continuasse trabalhando” (f. 6), consta dos autos que “a requerente ocupava o cargo de gerente na empresa […]” (f. 59), tratando-se, pois, de pessoa jovem, saudável e bem instruída, com capacidade para exercer uma atividade laborativa remunerada através da qual mantenha o próprio sustento, não sendo razoável admitir que o cônjuge varão seja obrigado a custear as suas despesas ordinárias, dentre as quais se incluem significativos gastos com academia, personal trainer, terapia, vestuário, salão de beleza e celular (f. 15).

Com efeito, não obstante a necessidade de melhor instrução dos autos, a princípio, entendo que a fixação de alimentos provisórios para a cônjuge-virago estimularia o ócio, devendo a recorrente buscar, de modo efetivo, sua inserção, progressão ou recolocação no mercado de trabalho, a fim de providenciar sua independência financeira, não havendo justificativa para impor ao ex-cônjuge a obrigação de sustento na hipótese em que o beneficiário tenha condições de prover a sua própria manutenção.

Assim, inexistindo prova acerca das assertivas da requerente no sentido de que o cônjuge varão ter-lhe-ia impedido de retornar ao labor ou que não tivesse tido sucesso em sua recolocação no mercado de trabalho, ao que se acresce o fato de que a separação de fato do casal ocorreu nos idos de 2011, com o deferimento de liminar de separação de corpos nos Autos de nº 0024.12.082074-1, em 13 de abril de 2012, conclui-se, neste exame perfunctório, que a agravante possui condições de prover o próprio sustento.

A esse respeito, consignou o douto representante da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais:

“Desse modo, os alimentos provisórios só são devidos nesta hipótese, quando demonstrado que o cônjuge que os requer não exerce atividade laborativa capaz de garantir sua subsistência e que não possui condições de ingressar no mercado de trabalho em função de doença incapacitante, idade avançada ou falta de qualificação. In casu, não existe prova, pelo menos até o momento, de que os alimentos provisórios sejam efetivamente imprescindíveis à agravante, sendo certo que ela já exerceu atividade laborativa, não restando evidenciada qualquer doença incapacitante ou falta de qualificação profissional” (f. 249).

Com tais considerações, nego provimento ao recurso.

Custas recursais, pela agravante, suspensa a exigibilidade, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50. 

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Bitencourt Marcondes e Alyrio Ramos.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 25/04/2014.

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CSM|SP: Registro de Imóveis – Doação – Cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – Reserva de Usufruto – Não configuração de encargos, nem a reserva de usufruto a torna modal – Recurso provido.

APELAÇÃO CÍVEL: 005452-0/86
Vencidos em pretensão de registro de escritura de doação de unidade autônoma condominial com reserva de usufruto e imposição de cláusulas e impenhorabilidade e incomunicabilidade, Josué de Maia e sua mulher, D. Nivia Afonso de Maia, recorrem da r. sentença do MM. Juízo da Comarca de Santos que não lhes atendeu o pedido veiculado em procedimento de dúvida inversa.
Os interessados exibiram ao 2º Cartório do Registro Predial de Santos traslado de escritura pública de doação de apartamento em favor de seus filhos, um dos quais menor impúbere dilatando-se a aceitação da transferência, em relação ao último, para até seis meses após sua maioridade (fl. 8). Ademais, houve imposição de cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, gravando o imóvel, e reserva de usufruto vitalício em favor dos doadores. Entendeu a Serventia Imobiliária que a doação se perfazia com encargos, de sorte que reclamada a intervenção de curador especial para a representação do menor impúbere.
A r. sentença manteve a denegação do registro, afastando a incidência da regra do art. 1.166, Cód. Civ., com o argumento de que a norma pressupõe justamente a capacidade faltante ao donatário impúbere. Ademais, as cláusulas impostas e a reserva de usufruto demonstram, consoante a decisão de que se apela, restrição ainda mais grave do que o encargo, a ensejar exigência de intervenção de curador especial. Por fim, o MM Juízo a quo esposou o entendimento da Curadoria de Registros Públicos local, no sentido de que aplicável à espécie o disposto no art. 857, n.º III, Cód. Civ., diferindo-se o registro para época posterior à maioridade do destinatário que ainda não aceitou a transferência (fls. 19/21).
Apelaram tempestivamente os interessados (fls. 25/31), insistentes nas razões iniciais.
Os pareceres do Ministério Público, em ambas as Instâncias, são pelo desprovimento do apelo (fls. 38/39 e 43/47).
É o relatório do necessário.
1. Não configuram propriamente encargos da doação as imposições que não beneficiarem o doador, terceiro ou a coletividade, aproveitando apenas ao donatário (arg. do art. 1.180, Cód. Civ.).
A lei civil não obriga o donatário ao cumprimento de imposição que lhe favoreça e que, por isso mesmo, não constitua verdadeiro encargo, reduzindo-se a mero conselho, recomendação ou exortação (Clóvis Beviláqua, “Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, observação n.º 1 ao art. 128; Carvalho Santos, “Código Civil Brasileiro Interpretado”, comentário ao art. 128, n.º 1; Agostinho Alvim, “Da Doação”, comentário ao art. 1.180, n.º 14).
Esse encargo impróprio, beneficiando o donatário, não corresponde a direito de exigir seu cumprimento, não se contrapondo a qualquer dever jurídico do favorecido (L. Enneccerus, “Tratado de Derecho Civil – Derecho de Obligaciones”, § 125, n.º III; C. A. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1976, pág. 466; Guillermo Borda, “Manual de Obligaciones”, Buenos Aires, 1975, pág. 287). Por isso, as imposições que prestam proveito ao próprio donatário não tornam modais as doações em que emerjam (Clóvis Beviláqua, o.c., comentário ao art. 1.180).
Em particular, as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas em contrato de doação, nisso que beneficiam o donatário, não transformam em modal a doação pura (Vicente Ráo, “Ato Jurídico”, São Paulo, 1979, pág. 450; Agostinho Alvim, o.c., comentário ao art. 1.180, n.º 18).
Tampouco é doação sub modo a que se perfaz com reserva de usufruto, não se revelando prestação a cumprir pelo donatário em favor do doador, de terceiro ou da coletividade. Esse é o entendimento de Washington de Barros Monteiro, apoiado em jurisprudência que menciona (“Curso de Direito Civil”, vol. 5, 6ª edição, São Paulo, 1969, pág. 132), perfilhado também pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura paulista, no julgamento da Apelação Cível n.º 608-0, Capital, em 28.12.81 (apud Narciso Orlandi Neto, “Registro de Imóveis”, edição de 1984, págs. 81-84).
2. Inaplicável à espécie a regra do art. 1.166, Cód. Civ., que supõe exatamente a plena capacidade de fato do donatário, invoca-se o preceito do art. 1.170 do mesmo Código, para considerar implícita a aceitação de doação pura pelo incapaz, nada obstante a assinação de prazo para o placet, cláusula que deve reputar-se inócua.
Essa orientação, que não é isenta de dissídio doutrinal, foi esposada pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo no julgamento da Apelação Cível n.º 608-0, citada, e já se prenunciara em precedente acórdão para o Agravo de Petição n.º 251.603, 21.6.76 (apud Francisco de Paula Sena Rebouças, “Registros Públicos”, São Paulo, 1978, págs. 92-94).
Incumbindo aos pais a representação dos filhos absolutamente incapazes (arts. 384, n.º V, e 5º, n.º I, Cód. Civ.), demasiado não é, como quer que seja, considerar suplementada a aceitação do representado pelo simples fato da instância do ato registral, grifada, na espécie, até mesmo pela circunstância de os doadores requererem suscitação de dúvida para superar os óbices levantados pelo registrador. Aliás, justamente o exame da rogação do procedimento registrário presta-se a remover o obstáculo que se entreviu no inciso III, art. 857, Cód. Civ.
3. Merece, assim, provimento o recurso, reproduzindo-se a observação lançada no venerando acórdão para a Apelação Cível n.º 608-0, Relator Desembargador Affonso de André: “… não se pode determinar, a um só tempo, o registro – considerando-se aceita a doação, ou produzindo efeitos – e a averbação da circunstância de aceitação, pela donatária, no momento fixado”.
DO EXPOSTO, o parecer é pelo provimento da apelação, registrando-se o título exibido, admitida já aceita a doação pelo incapaz, observando-se que do registro não deverá constar, por incompatível com a aceitação atual, a dilação de prazo para o consentimento do menor impúbere.
São Paulo, 4 de abril de 1986
RICARDO HENRY MARQUES DIP
Juiz de Direito Corregedor
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 5.452-0, da Comarca de SANTOS, em que é apelante JOSUÉ DE MAIA e s/mulher NIVIA AFONSO DE MAIA e apelado o OFICIAL DO 2º CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS,
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação. Custas na forma da lei.
Assim decidem de conformidade com o parecer do M. Juiz Corregedor, que adotam como razão de decidir.
O caso não é de doação com encargos, que exigisse nomeação de curador especial para o menor impúbere, pois a impenhorabilidade, a inalienabilidade e a reserva de usufruto são restrições que a doutrina, como bem demonstra o parecer, não classifica como encargos impostos ao doador. Nesse sentido definiu também a jurisprudência deste e do Supremo Tribunal Federal, bem como deste Conselho (v. Jurispr. STF, Lex, 17/12, RJTJ 36/330, Agr. instr. 39.925, 2ª Câmara Cível deste Tribunal, além de diversos outros acórdãos invocados por este último julgado).
Tratando-se de doação pura, que nenhum encargo impõe ao donatário, a aceitação pelo menor impúbere considera-se implícita, nos termos do art. 1.170 do Código Civil, independentemente portanto da manifestação posterior à maioridade, prevista na escritura. De qualquer modo, como observa o parecer, o certo é que no caso a aceitação está inequivocamente manifestada pelo menor, através de seu representante legal, com o pedido de registro da escritura e a aprovação da dúvida e o recurso ora manifestado contra a decisão judicial contrária.
São Paulo, 5 de Maio de 1986.
NELSON PINHEIRO FRANCO
Presidente do Tribunal de Justiça
SYLVIO DO AMARAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
J. P. PRESTES BARRA
Vice-Presidente do Tribunal de Justiça

Fonte: Blog do 26.

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Jurisprudência mineira – Apelação cível – Registro de óbito tardio – Jurisdição voluntária – Rigorismo formal desnecessário

Apelação Cível – Registro de Óbito Tardio

APELAÇÃO CÍVEL – REGISTRO DE ÓBITO TARDIO – JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – RIGORISMO FORMAL DESNECESSÁRIO – ART. 1.109 DO CPC E ART. 5º DA LINDB – SENTENÇA MANTIDA

– Diante da possibilidade de, nos procedimentos de jurisdição voluntária, proceder-se ao julgamento com base no princípio da equidade, desconsiderando a legalidade estrita e atentando-se ao disposto no art. 5º da LINDB, impõe-se a manutenção de sentença que permite o registro de óbito tardio, sendo desarrazoada a extinção do feito com amparo em rigorismo formal, mormente considerando-se que o registro de óbito é imprescindível para a ordem pública.

Apelação Cível nº 1.0016.13.005034-3/001 – Comarca de Alfenas – Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Apelados: Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais da Comarca de Alfenas, Walkíria de Fátima Pereira Oliveira – Relator: Des. Peixoto Henriques

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e à unanimidade, em negar provimento.

Belo Horizonte, 11 de março de 2014. – Peixoto Henriques – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. PEIXOTO HENRIQUES – Por via de apelação (f. 15/19), insurge-se o Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a sentença (f. 11/13) que reconheceu o direito ao assentamento tardio de óbito.

Em suma, aduz o apelante: que o Oficial de Registro de Pessoas Naturais não possui legitimidade para requerer o registro de óbito, nos termos dos arts. 77 a 79 da Lei nº 6.015/73; e que, "ainda que fosse a genitora do falecido a requerente, esta não possui capacidade postulatória para estar em juízo, razão pela qual deveria constar contar com a assistência de um advogado".

Requer o provimento do recurso para reformar a sentença.

Dispensado o preparo.

A d. PGJ/MG, no judicioso parecer do i. Procurador de Justiça Paulo Cançado, opina pelo desprovimento do recurso (f. 31/32).

Fiel ao breve, dou por relatado.

Conquanto admissível, improcedente o apelo.

A Lei nº 6.015/73, conhecida como Lei de Registros Públicos, assim dispõe acerca do registro de óbito: 

"Art. 77 – Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.

Art. 78. Na impossibilidade de ser feito o registro dentro de 24 (vinte e quatro) horas do falecimento, pela distância ou qualquer outro motivo relevante, o assento será lavrado depois, com a maior urgência, e dentro dos prazos fixados no artigo 50.

Art. 79. São obrigados a fazer declaração de óbitos:

1°) o chefe de família, a respeito de sua mulher, filhos, hóspedes, agregados e fâmulos;

2º) a viúva, a respeito de seu marido, e de cada uma das pessoas indicadas no número antecedente;

3°) o filho, a respeito do pai ou da mãe; o irmão, a respeito dos irmãos e demais pessoas de casa, indicadas no nº 1; o parente mais próximo maior e presente;

4º) o administrador, diretor ou gerente de qualquer estabelecimento público ou particular, a respeito dos que nele faleceram, salvo se estiver presente algum parente em grau acima indicado;

5º) na falta de pessoa competente, nos termos dos números anteriores, a que tiver assistido aos últimos momentos do finado, o médico, o sacerdote ou vizinho que do falecimento tiver notícia;

6°) a autoridade policial, a respeito de pessoas encontradas mortas.

Parágrafo único. A declaração poderá ser feita por meio de preposto, autorizando-o o declarante em escrito, de que constem os elementos necessários ao assento de óbito".

Ao exame dos artigos supratranscritos, verifica-se que, de fato, o Oficial de Registro de Pessoas Naturais não está incluído entre os obrigados a fazer a declaração de óbito.

Todavia, no caso em apreço, deve-se atentar para o fato de que o pedido foi feito pelo Oficial, atendendo à solicitação feita pela genitora do falecido, a, qual, como deixa certo o art. 79, § 1º, da Lei nº 6.015/73, está obrigada a declarar o óbito.

E, em que pese a mãe do falecido não possuir procurador, injustificável reformar-se a sentença por conta disso.

Não se deve olvidar que o registro de óbito é necessário à ordem pública, pois confere segurança jurídica às relações sociais, sendo imperiosa a observância do disposto no art. 5ª da LINDB, segundo o qual:

"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Além disso, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, tem-se que, a teor do art. 1.109 do CPC, o juiz não é obrigado "a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna".

Trata-se, portanto, da possibilidade de decisão por equidade.

Sobre o tema, lecionam os renomados Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"A lei processual concede ao juiz a oportunidade de aplicação de princípios de equidade, ao arrepio da legalidade estrita, podendo decidir escorado na conveniência e oportunidade, critérios próprios do poder discricionário, portanto inquisitorial, bem como de acordo com o bem comum" (Código de Processo Civil comentado. 9. ed. São Paulo: RT, p. 1.061. Em comentário de nº 1 ao art. 1.109).

"Equidade. Na concepção aristotélica, equidade não é o legalmente justo, mas sim a correção da justiça legal. O equitativo é justo. O CPC/39 114 mandava o juiz, ao decidir por equidade, aplicar a norma que estabeleceria se fosse o legislador. Na classificação de Alípio Silveira (Conceitos e funções da equidade, p. 60-62), há três acepções para o conceito de equidade: a) em sentido amplíssimo, é o princípio universal de ordem normativa relacionada a toda conduta humana, do ponto de vista religioso, moral, social e jurídico, a que todo homem deve obedecer porque se constitui em suprema regra de justiça; b) em sentido amplo, confunde-se com os conceitos de justiça absoluta ou ideal, com os princípios de direito e com a ideia de direito natural; e, c) em sentido estrito, equidade é a justiça no caso concreto" (ob. cit., p. 336 – Em comentário de nº 1 ao art. 127). No caso em apreço, ocorrido o falecimento do filho menor por afogamento, conforme declaração subscrita por médico do IML (f. 4), impõe-se a manutenção da sentença que autoriza o extemporâneo registro do óbito, sendo desarrazoada a extinção do processo conforme rigorismo formal exigido pelo d. Promotor, fato este que somente prolongaria desnecessariamente o sofrimento da mãe e benefício algum traria à coletividade. 

A propósito, eis a jurisprudência:

"O art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, abertura essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à situação concreta" (REsp nº 623.047/RJ, 3ª T./STJ, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, DJ de 14.12.2004, ementa parcial).

Isso posto, contando com o sempre reconfortante aval da d. PGJ/MG, nego provimento à apelação.

Sem custas recursais (LE nº 14.939/03).

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Oliveira Firmo e Wander Marotta.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO.

Fonte: Arpen/Brasil – DJE/MG | 24/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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