CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Servidão administrativa – Princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área de cada um dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente nas respectivas matrículas – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.


Trata-se de apelação interposta por INTERLIGAÇÃO ELÉTRICA DO MADEIRA S.A. contra r. sentença que, no julgamento de dúvida inversa, manteve a negativa de registro de carta de sentença de servidão administrativa, acolhendo as razões trazidas pelo Sr. Oficial do 2° Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Araraquara quanto à necessidade de prévia retificação das matrículas atingidas pela servidão.

A apelante sustenta, em síntese, que o georreferenciamento, conforme §§ 3º e 4º art. 176 da Lei n° 6.015/1973, somente é obrigatório em caso de transferência de titularidade e quando há alteração dos limites do imóvel, o que não é o caso da servidão administrativa. Ademais, seria impossível a obtenção das assinaturas do proprietário nos mapas e memoriais, bem como assinatura dos confrontantes, eis que se trata de servidão constituída judicialmente.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 412/415).

É o relatório.

A apelante é concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica e lhe coube a construção, operação e manutenção do empreendimento elétrico denominado de Linha de Transmissão Coletora Porto Velho Araraquara 2, cujo traçado passou pelos Estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

Não evoluindo as tentativas de formalização da faixa de servidão pela via administrativa, a apelante, na forma do Decreto-Lei n.º 3.365/41, obteve sentença judicial favorável para a constituição de servidão administrativa nas áreas da matrícula n° 9.770 do 2º Registro de Imóveis de Araraquara (Processo n° 0009264-47.2011.8.26.0037), com expedição da carta de sentença (fls. 09/127).

O título, contudo, obteve qualificação negativa perante o 2º Ofício de Registro de Imóveis de Araraquara pelas razões expostas na nota de devolução nº 12337/2017 (fls. 194) e nas informações prestadas a fls. 185/190.

A qualificação registral imobiliária é expressão do exame registral, após apresentação do título original. Ela é feita pelo Oficial Registrador, com verdadeira natureza de tutela preventiva de conflitos (órgão pacificador de conflitos). Por essas razões, a qualificação deve observar todos os princípios e regras aplicáveis, sejam legais, sejam administrativas.

Como é sabido, os títulos judiciais também não escapam ao crivo da qualificação registral [1], de modo que o registrador, longe de questionar o mérito da decisão, deverá examinar se estão atendidos os princípios registrais pertinentes ao caso, para seu perfeito ingresso no fólio real. Trata-se, assim, de análise formal, restrita aos requisitos extrínsecos do título.

No presente caso, para o registro da carta de sentença o 2º Oficial de Registro de Imóveis de Araraquara apresentou Nota de Devolução assim redigida: “Inviável identificar a área de servidão no imóvel objeto da matrícula 9.770, face a precariedade da descrição do imóvel daquela matrícula, devendo, precedentemente, a descrição de referido bem de raiz ser objeto de retificação” (fls. 194).

E, de fato, não é possível o ingresso do título à míngua de descrição suficiente da área e dos limites do imóvel, sem a indicação de marcos seguros que permitam identificar a sua correta base geodésica, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

Os requisitos para o registro da servidão de passagem na matrícula do imóvel atingido, contudo, não estão presentes porque a descrição das áreas contidas na matrícula nº 9.770 não permite identificar, com a segurança necessária, o local em que seria atingida pela servidão de passagem com a descrição contida no memorial trazido aos autos. A precariedade das descrições dos imóveis, ademais, não é suprida pela planta apresentada porque inova em relação aos pontos de amarração e demais elementos contidos na matrícula, com indicação de medidas e azimutes nela não identificáveis por meio de sua leitura.

São diversos os precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura sobre a matéria, no sentido de que o registro da servidão administrativa se submete a todos os princípios informadores dos registros públicos. A servidão administrativa proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente, que pertence a proprietário diverso, com força de limitação administrativa. Uma vez registrada, grava o direito real em favor de seu titular, no caso, a Administração Pública ou suas concessionárias.

Ora, não se pode admitir a constituição de um direito real sem a necessária certeza sobre a amarração da área objeto da servidão à base territorial sobre a qual está sendo implantada [2].

É verdade que as servidões administrativas não possuem natureza similar à da desapropriação, como modo de aquisição de domínio; entretanto, de outro enfoque, traduzem gravame e limitam o exercício da propriedade, com natureza pública, instituído sobre imóvel alheio [3].

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário [4].

E a despeito do quanto alegado pela apelante, decisão anterior proferida por outro Juízo então responsável pela Corregedoria Permanente, ou mesmo a existência de outra nota devolutiva com exigência não feita anteriormente não obstam a nova análise feita pela r. sentença recorrida, especialmente em virtude da inexistência de coisa julgada administrativa nesta hipótese.

Ademais, não há óbice que impeça, de forma absoluta, que a apelante promova a retificação da matrícula, na condição de interessada no registro da servidão, uma vez que, na impossibilidade de assinatura de titulares de domínio ou confrontantes, serão feitas as regulares notificações, na forma do art. 213 e parágrafos da Lei n° 6.015/73.

Em hipótese bastante semelhante, decidiu este Egrégio Conselho Superior da Magistratura:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Impugnação da totalidade das exigências – Exame das razões da apelante – Servidão administrativa – Princípio da especialidade – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente – Cabimento do aditamento de carta de sentença em obediência ao conteúdo do título judicial – Recurso parcialmente provido para julgar a dúvida procedente. (TJSP; Apelação 1005784-34.2017.8.26.0037; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Araraquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/03/2018; Data de Registro: 04/04/2018).

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Apelações CSM n° 1006009-07.2016.8.26.0161 e 0001652-41.2015.8.26.0547.

[2] Apelação CSM n° 1003805-88.2015.8.26.0269.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 145.

[4] CSM, Apelações nº 122-6/9, 456-6/2, 454-6/3 e 666-6/0 e 0001620-50.2014 e 1001809-55.2015.

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 07/02/2019.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Área maior transcrita, com marcos imprecisos e contendo diversos desfalques, perdendo suas características de especialização objetiva – Necessidade de retificação – Apuração de remanescente – Dúvida procedente – Recurso desprovido.


VALDENILIA DE ARAUJO SILVA interpõe recurso de apelação contra r. sentença de fl. 83/85, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Barueri, mantendo a recusa para ingresso de escritura de compra e venda naquela serventia.

A apelante sustenta que o título apresentado para registro não apresenta qualquer vício, já que presente a especialidade quantitativa, que será destacada de área maior da transcrição. Afirmou que já houve aberturas de matrículas da mesma transcrição de origem (fl. 91/95).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 143/144).

É o relatório.

O apelo não deve ser provido.

O objeto da escritura de compra e venda apresentada a registro é uma área de 2.625,00 m² (fl. 25/28), com origem na transcrição n° 81.055, do 11° Registro de Imóveis da Capital, circunscrição competente antes da criação das comarcas de Cotia, Itapevi e Barueri.

De acordo com a certidão transcrição n° 81.055, expedida pela serventia imobiliária de origem (fl.32/39), o vendedor adquiriu o terreno sem denominação, localizado no Sítio Paneleiros, Distrito de Itapevi, com área total de 329.263,00 m².

Não consta da referida transcrição qualquer regularização quanto ao parcelamento da área, arruamento, desmembramento ou loteamento.

Ainda está certificada pela circunscrição de origem a ocorrência de diversas alienações, muitas delas da década de 60, totalizando o desfalque de 272.854,00 m². E, em Barueri, estão registradas alienações que totalizam 47.810,94 m² (fl. 32/39).

Sendo assim, do total da área da transcrição n° 81.055 (329.263,00 m²) já saíram 320.664,94 m². Sobram 8.598,06 m².

Como o título possui como objeto a área de 2.625,00 m², não há dúvidas quanto à disponibilidade quantitativa no registro anterior; contudo, por outro enfoque, está claro que a disponibilidade qualitativa inexiste. Não se sabe de onde sairá a área a ser destacada.

Em razão de tantas alienações e destaques ao longo do tempo, a transcrição n° 81.055 perdeu suas características de especialização objetiva, não havendo, sequer no Registo Imobiliário de Barueri, planta da referida transcrição, para mínimo controle de disponibilidade.

Não seria possível o ingresso do título, portanto, à míngua de descrição suficiente da área e dos limites do imóvel remanescente, sem a indicação de marcos seguros que permitam levantar de onde será destacada a área, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

A questão não é nova; são diversos os precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura sobre a matéria. A título ilustrativo:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra – Acesso negado – Lote destacado de área transcrita – Ausência de perfeita identificação tabular – Princípios da especialidade e da disponibilidade – Dúvida procedente – Recurso não provido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 188-6/9, da Comarca de BARUERI, Rel. Des. JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Transcrição imprecisa que compromete a segurança do sistema Venda e compra celebrada com herdeiros dos titulares tabulares – Sujeição do registro ao princípio da continuidade – Desmembramento irregular de lote, a exigir retificação (apuração do remanescente) Irrelevância dos erros praticados no âmbito do serviço extrajudicial (notarial e registral) – Sentença mantida – Recursos improvidos. (Apelação nº 0005615-39.2015.8.26.0068, Comarca de BARUERI, Rel. Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS)

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário.

Embora a apelante sustente ocorrência de registros anteriores envolvendo a mesma área, consta às fl.7 que a penúltima matrícula aberta naquela serventia data de 1979 (matrícula n° 16.920), e a última, de 2011, se deu por declaração de usucapião (matrícula n°154.402).

Ademais, sem prejuízo de eventual pedido de usucapião, não há óbice que impossibilite, de forma absoluta, que a apelante promova a retificação da transcrição, na condição de interessada no registro da compra e venda de área a ser destacada, uma vez que, na impossibilidade de iniciativa de eventuais titulares de domínio ou confrontantes, serão feitas as regulares notificações, na forma do art. 213 e parágrafos da Lei n° 6.015/73.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 07/02/2019.

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