Isonomia para registrar filho

* Vitor Frederico Kümpel 

É bom deixar assentado desde um primeiro momento que a lei dos Registros Públicos nada mais fazia do que refletir o pensamento do Código Civil de que a família decorria das justas núpcias e que o homem exercia chefia da sociedade conjugal, com a colaboração da mulher. Nessa linha de raciocínio é que se concebeu tudo que diz respeito ao nascimento, originariamente, sendo que os assentos decorriam das relações matrimoniais, competindo ao homem (marido) o comparecimento perante o Oficial do Registro Civil para lavratura e prática do ato. A mulher, e os demais legitimados, tinham papel subsidiário e um prazo diferenciado por força da tradição histórica e para proteger a própria condição de resguardo da mulher, que recém havia dado a luz ao registrando.

O histórico do Registro de nascimentos no Brasil, portanto, nos permite ver que desde muito cedo foi feita uma diferenciação entre o papel do homem de da mulher, na linha da tradição acima mencionada. A bem da verdade, o art. 52 da lei 6.015 de 19731, a lei de Registros Públicos, há muito que não tem a menor efetividade. Ocorre que, à época em que foi concebido o sistema (muito antes da redação do artigo) a mulher era considerada relativamente incapaz, ao passo que o marido era quem ocupava a posição de chefe da sociedade conjugal acima mencionado e, portanto, tomava posição à frente da família, estando incumbido da função, prioritariamente, de registrar os filhos, entre todos os demais encargos.

Foi exatamente essa colocação do homem face à organização familiar que deu razão para que a redação do art. 52 priorizasse o pai como responsável pelo registro dos filhos, inclusive com prazo exíguo, que há muito também não faz o menor sentido. A redação de tal artigo sofreu uma renumeração pela lei 6.216/1975, porém sem qualquer consectário prático, não tendo sofrido qualquer atualização por força da Constituição Federal, de 1988, que na verdade já havia estabelecido uma plena igualdade à luz do art. 226, §5º, do texto constitucional.

Já por ocasião da incidência do texto constitucional em 88, não restou a menor dúvida da plena igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal. Nunca se pensou em modificar o capítulo em questão da Lei dos Registros Públicos, posto que o dispositivo constitucional supramencionado (art. 226, §5º) sempre foi considerado norma de eficácia plena, derrogando a própria lei dos Registros Públicos em muitos dispositivos, lembrando sempre da auto aplicabilidade dos dispositivos constitucionais. Em arremate, o art. 5º, I, por exemplo, do texto magno, já estabelecera que homens e mulheres são iguais perante a lei, e desde então o registro de nascimento, na prática, já vinha se distanciando dos termos exatos que estavam previstos no art. 52 da lei dos Registros Públicos.

A ideia de igualdade entre o homem e a mulher já constava, portanto, na ideia de atuação de muitos profissionais do direito, incluindo-se aqui os registradores civis das pessoas naturais. Aliás, as Normas de Serviço, os provimentos e as resoluções estaduais, desde os idos de 88 vem garantindo a referida igualdade. Desse modo, ainda que a lei 6.015/73 mantivesse sua redação desatualizada, em seu art. 52 já tão mencionado, na prática, a situação adequou-se à realidade social e às necessidades que as pessoas foram demonstrando ao longo do tempo.

Acontece que, visando corrigir e aprimorar a redação deste mesmo dispositivo, foi aprovado no Senado Federal o projeto de lei nº 16 de 2013 que visa alterar a prioridade que seria garantida apenas ao pai, de acordo com a redação atual do artigo em vigor, sob a justificativa de que este trataria de forma desigual os genitores criando ainda obstáculos para que a mãe realizasse o registro logo nos primeiros dias.

A redação do art. 52, segundo o deputado Rubens Bueno (autor do projeto originário), vinha colocando a mãe em um patamar de desigualdade em relação ao pai e, segundo o referido deputado, a mãe só poderia realizar o assento na falta ou impedimento do pai. Na prática isso nunca aconteceu.

Na prática, os registradores civis das pessoas naturais nem lembravam que existia o art. 52 da LRP e realizavam os registros e concediam certidões apenas com a manifestação da mãe que, na prática, é a pessoa que mais procura a serventia ou é a pessoa a quem os oficiais buscam nas maternidades.

Nessa linha de raciocínio foi editada a lei 8.560, de 1992, carinhosamente conhecida como lei do Suposto Pai ou do Pai Presente, que regula o procedimento administrativo que questiona a mãe da figura do suposto pai, sendo ela ouvida tanto pelo Oficial Registrador, quanto pelo juiz de Direito, antes de invocar o suposto pai.

Na prática registral, três são as possibilidades da lavratura integral do assento para a mulher não casada, já que a mulher casada tem a presunção pater is do artigo 1.597, do Código Civil. Voltando, ou a mãe comparece sozinha com uma escritura pública ou instrumento particular do pai reconhecendo o filho, ou pai e mãe comparecem simultaneamente para lavrar o assento, ou o pai comparece munido da DNV para prática do ato. Em todos estes casos, como já dito, o assento é lavrado integralmente.

É muito difícil acreditar, ainda que se mostrem assim convictos os que dão suporte a esse novo projeto de lei, que nem o legislador nem o registrador teriam ultrapassado essa barreira que privilegia o homem no momento do registro de nascimento dos filhos. Pensar assim seria ignorar a realidade, um conjunto de provimentos do CNJ (13, 16, 17, etc.), um conjunto de normas administrativas estaduais e toda a prática registral de mais de década.

A prioridade do Conselho Nacional de Justiça, das Justiças Estaduais e dos registradores é garantir que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes, em idade escolar, tenham o assento de nascimento completo, o que não tem acontecido, mas que infelizmente o projeto de lei em questão não ajudará nada. Os vários provimentos do CNJ mencionados vêm garantindo ao pai, entre outras coisas, que reconheça seu filho em qualquer Oficio de Registro Civil do território nacional, em qualquer momento e sem incidir qualquer sanção.

Em arremate, o novo projeto de lei torna-se completamente dispensável, visto que, nem na teoria e nem na prática irá representar mudança alguma nos assentos de nascimento realizados no Brasil. O medo é que passe a pensar que a mãe, sem qualquer autorização do pai, e sem estar casada com ele, possa registrar a criança, com paternidade determinada, o que não vai acontecer com o novo projeto em hipótese nenhuma. Esse "boato legislativo" não passa de uma ficção que não tem a menor plausibilidade. Infelizmente, o projeto de lei em questão não vem agregar ao cidadão e ao operador do direito, nenhuma mudança significativa, de forma que as crianças e adolescentes mencionados continuarão sob um discriminem prático (art. 227, §6º) reinante no sistema brasileiro.

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1Lei 6.015/1973, art.52: "São obrigados a fazer declaração de nascimento: 1º) o pai; 2º) em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo neste caso o prazo para declaração prorrogado por quarenta e cinco (45) dias; 3º) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente e; 4º) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto; 5º) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe; 6º) finalmente, as pessoas (vetado) encarregadas da guarda do menor.

§ 1° Quando o oficial tiver motivo para duvidar da declaração, poderá ir à casa do recém-nascido verificar a sua existência, ou exigir a atestação do médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou o testemunho de duas pessoas que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido.

§ 2º Tratando-se de registro fora do prazo legal o oficial, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências que forem cabíveis para esclarecimento do fato".

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas I 22/10/2013.

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Arpen-SP e Anoreg-SP divulgam Nota Oficial sobre o PLC 16/2013 – registro de nascimento feito pela mãe

A Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) e a Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg-SP), cumprindo sua missão de aprimorar a atividade dos cartórios, informar a população e atender ao interesse público, vem oferecer esclarecimentos em relação ao Projeto de Lei que trata do registro de nascimento feito pela mãe. PLC 16/2013 no Senado Federal, originalmente o PL 817/2011 na Câmara de Deputados.

Tem sido divulgado que pelo texto aprovado a mãe "mesma pode indicar o nome do pai da criança, e o cartório é obrigado a incluir na certidão de nascimento" (http://oglobo.globo.com).

Todavia, em nenhum momento esse projeto traz tal possibilidade, a nova legislação apenas corrigirá uma deficiência e inconstitucionalidade da Lei 6.015/73 oferecendo tratamento igual aos homens e mulheres. 

O que o projeto prevê é que para fazer o registro de nascimento, tanto a mãe, quanto o pai, podem, em igualdade de condições, comparecer ao cartório, porém a paternidade continua submetida às mesmas regras, dependendo de presunção que decorre do casamento (art. 1597 do Código Civil), reconhecimento realizado pelo próprio pai (art. 1609, inciso I, do Código Civil), ou procedimento de averiguação da indicação feita pela mãe (art. 2º da Lei 8560/92).

Importante observar que a inovação do projeto respeita a Constituição Federal e já tem sido aplicada há anos pelos cartórios de Registro Civil do País, e, por contribuição das associações de cartórios, Anoreg-SP e Arpen-SP, normas de Tribunais têm sido editadas nesse sentido, como é o caso de São Paulo, Piauí, Bahia, entre outros.

Diante disso, a Arpen-SP e a Anoreg-SP esclarecem que a aprovação deste projeto de lei – PLC 16/2013 em trâmite no Senado Federal, é uma imposição constitucional, um respeito à igualdade entre homens e mulheres e uma garantia à cidadania, sem oferecer qualquer risco ao estabelecimento da paternidade e à segurança dos envolvidos, lembrando que em todos os casos estarão assessorados por um profissional do direito que é o Registrador.

No Jornal da ARPEN-SP – nº 110, em abril de 2011, foi publicado artigo defendendo a aprovação desse projeto (então PL 817/2011 da Câmara), disponível no site: http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=BC1&pagina_id=107

O mesmo texto foi publicado no site jurídico – Jus Navigandi: http://jus.com.br/artigos/20077/pai-e-mae-procedem-ao-registro-de-nascimento-do-filho-em-igualdade-de-condicoes

Sempre a serviço da Sociedade, as entidades tem a satisfação de contribuir com o aprimoramento dos direitos da cidadania.

Fonte: Arpen/SP I 21/10/2013.

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Entrevista: dupla parentalidade

Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que  a existência de pai socioafetivo não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) em Rondônia comentou a decisão. Confira:

1) Na sua avaliação o entendimento do STJ de que a paternidade socioafetiva não pode ser imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o reconhecimento do vínculo biológico está correto?

Entendo que o posicionamento do STJ está correto porque o filho, embora tenha um pai registral tem direito de saber a sua origem biológica. Vemos no direito das famílias contemporâneo, novos arranjos familiares e novas formas de paternidade e maternidade. Decorrentes desse novos arranjos, dessas novas famílias, criam-se laços afetivos e situações inusitadas que tem desafiado os julgadores. A paternidade é exemplo desses laços.

Sabe-se que a paternidade, atualmente, exige mais que um laço de sangue, mais do que a procriação, é necessário sobretudo o vínculo afetivo e emocional, surgindo daí a figura da paternidade socioafetiva, na qual o pai reconhece como seu um filho não biológico. Todavia, uma vez instalada essa situação fática e jurídica, ela não constitui óbice ao filho que tem interesse em conhecer a sua origem biológica. Isso é uma realidade para a qual o direito e os julgadores não podem fechar os olhos.

Não podemos olvidar que é preciso buscar um direito próximo da realidade, ainda que a situação não esteja prevista no direito positivado. Ora, se é possível o reconhecimento de dupla maternidade porque não também da dupla paternidade?

Penso não ser razoável impor ao filho que escolha somente um daqueles que exercem a função de pai, não sendo razoável também admitir que um dos pais se sobreponha ou exclua o outro, e isso consiste em adequar o direito às novas realidades sociais.

Ademais, entendo que a paternidade socioafetiva pode conviver harmoniosamente com a paternidade biológica, não havendo óbice para que conste na certidão de nascimento o nome dos dois pais (socioafetivo e biológico).

Registro, no entanto, que a questão é nova, e merece uma análise mais acurada, devendo ser estudada e debatida pelos tribunais e operadores do direito, à luz dos novos paradigmas com os quais lida o direito de família atual.

2) Sendo reconhecida a paternidade biológica, teria esse filho o direito sucessório à herança dos pais, afetivo e biológico?

Uma vez reconhecida a dupla parentalidade, é indubitável que filho terá todos os direitos inerentes à filiação, inclusive os direitos sucessórios. Ora, se a pretensão é ter dois pais registrais, um socioafetivo e outro biológico, o reconhecimento não visa usurpar, mas sim ampliar direitos.

3) Na sua opinião quais princípios norteiam o reconhecimento da dupla parentalidade?

A pretensão do filho em saber a sua origem e a busca pelo reconhecimento do vínculo se coaduna com o princípio do melhor interesse, que visa a busca de soluções que representem maiores benefícios para a criança e adolescente, além do princípio da dignidade humana.

Fonte: IBDFAM I 21/10/2013.

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