Artigo: O Alvará Municipal e as Serventias Extrajudiciais – Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

* Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Ultimamente os municípios têm investido com freqüência contra as unidades de serviços notariais e de registros para a cobrança da chamada “taxa de licença”, como forma de viabilizar a expedição pelas prefeituras do respectivo alvará de funcionamento para os cartórios.

Para enfrentar a questão, de saída, há de considerar que os serviços notariais e de registros possuem natureza pública. Já não é novidade que a atividade notarial e registral, desde o advento da Constituição Federal de 1988, possui roupagem peculiar, caracterizando-se pelo exercício privado de uma função pública, mediante delegação do Poder Público (art. 236, caput, da CF).

Nesse trilho, os serviços de registro e notariais são públicos, não afastando esta característica o fato de serem prestados em caráter privado por particulares. Segundo a doutrina, inclusive, seus atores enquadram-se na categoria de particulares em colaboração com o Estado, de modo que as unidades para as quais receberam a delegação do Poder Público são consideradas parte integrante da organização judiciária, como serventias do foro extrajudicial.

Em outros dizeres, apesar dos atos notariais e de registro serem exercidos em caráter privado – porque eles não são remunerados pelos cofres públicos, mas sim pelo pagamento de custas e emolumentos que lhes fazem os interessados nos respectivos serviços –, tal circunstância não desnatura a natureza dos referidos serviços, que são sabidamente públicos. São, em realidade, atividades jurídicas próprias do Estado, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Vale dizer, notários e registradores atuam como delegados do Poder Público.

Nesse caminho, colhe-se elucidativo raciocínio de José Cretella Júnior: “Relembre-se que o serviço público tem esse caráter, não em si e por si, em essência – serviço público material – mas ‘em razão de quem o fornece’. Se o Estado titulariza certo serviço – ensino, transporte, a atividade é, formalmente, serviço público. Os serviços notariais e de registro cabem, por sua relevância, ao Estado, mas os Poderes Públicos, por delegação, permitem que sejam exercidos em caráter privado”. 1

Com arrimo nessas ponderações iniciais, faz-se necessário considerar que os serviços notariais e de registros não podem ser equiparados às atividades comerciais comuns ou mesmo assemelhados a qualquer serviço prestado em iniciativa privada. Colaciona-se nessa linha de pensamento manifestação precisa de Ana Luísa de Oliveira Nazar de Arruda: “Muito salutar é, entretanto, salientar efusivamente que um cartório não pode ser equiparado a uma empresa privada, em que se prestam serviços de caráter privado, essencialmente disponíveis, muitas vezes supérfluos, e de natureza eminentemente contratual. Os serviços notariais e de registro são de natureza compulsória, de caráter público, cuja prestação interessa a toda sociedade”. 2

Sedimentada esta premissa, indaga-se: afinal, o que é alvará?

Hely Lopes Meirelles sempre ensinou que “Alvará é o instrumento de licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. É o consentimento formal da Administração à pretensão do administrado, quando manifestada em forma legal.” 3

A partir do conceito fornecido pela clássica doutrina administrativista vê-se que “alvará” nada mais é do que um ato administrativo pelo qual a Administração Pública confere licença ou autorização para a prática de ato ou para o exercício de atividade sujeitos ao poder de polícia do Estado – tomada aqui a expressão “Estado” no seu sentido amplo, significando qualquer das pessoas jurídicas de direito público, na esfera federal, estadual e municipal.  

Nessa senda, não parece correto admitir que o funcionamento da unidade de serviço extrajudicial – que presta serviço público à população e cuja existência decorre de Lei, havendo regras definidas nas Leis Federais 6.015/73, 8.935/94. 9.492/97 e 10.169/00, entre outras – possa estar condicionado à concessão de alvará por parte da municipalidade. Ora, se como adrede examinado, a atividade do notário e do registrador é considerada serviço público disciplinado por lei, não há outra conclusão a se chegar. Falta aos municípios legitimidade para autorizar a prestação ou o funcionamento dos serviços notariais e de registros. Entender noutro sentido, com a devida vênia, leva ao absurdo de se permitir, por exemplo, a exigência de alvará municipal para a instalação e funcionamento do fórum de determinada comarca, ou de qualquer outro órgão público seja do Estado, seja da União.

Em passo seguinte, a esta altura já com certa maturidade doutrinária, não se discute mais que na novelsistemática constitucional, o poder delegante a que se refere a Lex Mater, no caput do art. 236, é, inexoravelmente, o Poder Judiciário. Afinal, se este é o Poder responsável pela fiscalização e decretação do fim da delegação – nos termos da Lei vetora da atividade notarial e registral (Lei nº 8.935/1994) –, nada mais natural que seja atribuída ao Judiciário a competência para outorgar as delegações notariais e de registros.

Nesse ângulo, ainda na dogmática jurídico-constitucional, o § 1º do art. 236 da Constituição – norma constitucional de eficácia limitada, na clássica dicção de José Afonso da Silva – estabelece, que “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade e criminal dos notários, os oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”.  

A premissa constitucional é muito clara e espanca qualquer dúvida. Não há, pois, necessidade de qualquer esforço hermenêutico para concluir que o Poder Judiciário é o responsável pela fiscalização dos serviços notariais e de registros.

Completando o preceito constitucional, a Lei nº 8.935/1994 disciplinou detalhadamente o regime jurídico a ser aplicado aos notários e registradores e em capítulo específico (Capítulo VII) esmiuçou como deve ser a fiscalização do Poder Judiciário frente às serventias extrajudiciais. Observe-se em detalhe a polida redação do art. 37, que para sua intelecção dispensa outras ponderações: “A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos”.

Coloca-se em evidência que não é outro o objetivo dessa zelosa fiscalização a ser materializada pelo Judiciário Estadual senão para que os serviços notariais e de registros “sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística” (art. 38 da Lei nº 8.935/1994).

Com efeito, considerando-se o alvará como instrumento que materializa uma fiscalização positiva em relação à determinada atividade, é de rigor advertir que na hipótese dos serviços notariais e de registros, essa fiscalização é incumbência exclusiva do Poder Judiciário. Nessa ampla moldura, eventual interferência do Poder Executivo Municipal na fiscalização dos cartórios extrajudiciais mostra-se juridicamente inoportuna e incabível, capaz inclusive de balançar a harmoniosa convivência dos Poderes da República, comprometendo-se o pacto federativo.

Diga-se de passagem, sequer legitimação constitucional para esta atuação dos municípios existe. Peremptória, nesse sentido, foi a conclusão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “(…) Trata-se de matéria incontroversa, havendo expressas disposições legais a discipliná-la no sentido de que compete ao Poder Judiciário fiscalizar as atividades realizadas pelos notários, oficiais de registros e respectivos delegados, não podendo, pois, o Município exercer poder de polícia com relação a estes serviços. Nos termos do art. 236, § 1º, da CF/88 e art. 37 da Lei n. 8.935/84, compete ao Poder Judiciário estadual fiscalizar as atividades realizadas pelos notários, oficiais de registros e seus respectivos prepostos, sendo indevida a exigência, pelo ente municipal, de licença prévia de funcionamento e cobrança de taxa de fiscalização ou vistoria (TJRS – Apelação Cível 70042273854, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Arno Werlang, DJ 13.12.2012). Também nessa linha confiram-se os julgados:TJRS – Apelação Cível nº 70015176829, Primeira Câmara Cível, Rel. Luiz Felipe Silveira Difini, julgado em 09/08/2006; TJRS – Apelação e Reexame Necessário nº 70010126001, Primeira Câmara Cível, Rel. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 15/12/2004. 

Quadra anotar ainda que não bastassem todos esses fundamentos jurídicos, há um imperativo de ordem prática que também deve ser considerado. No mais das vezes, o que se vê no mundo dos fatos é que a fiscalização municipal se limita única e exclusivamente à mera arrecadação de taxas periódicas e nada mais. É dizer em palavras outras que sequer o poder de polícia municipal – que serve de substrato para a exação tributária na modalidade “taxa” – é efetivamente levado a efeito pelo Poder Executivo Municipal, resumindo-se à cobrança do tributo sem qualquer conduta ou providência de ordem fiscalizatória para com aspectos técnicos referentes à instalação, funcionamento, higiene, saúde, segurança, ordem ou tranqüilidade públicas.

Entrementes, os municípios costumam fundamentar sua atuação fiscalizatória na necessidade de verificação do correto uso e ocupação do solo, localização física dos prédios, atendimento à legislação de acessibilidade, dentre outras questões. Cabe dizer que nessa ótica verifica-se nítida desconsideração por parte dos municípios da peculiar natureza jurídica dos serviços notariais e de registros, que, como amplamente explorado, não se confundem com as atividades das empresas privadas. Nessa linha de raciocínio, observe-se pedagógica manifestação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “O poder de policia a ser exercido por serviços desta natureza, ainda que relacionado à questão urbanística, é da competência exclusiva da Corregedoria do Tribunal de Justiça, de forma que a exigência pelo Distrito Federal de Alvará de Funcionamento é indevida.(…) Avaliar se o imóvel é ou não seguro para a atividade, se está de acordo com as normas urbanísticas e ambientais, com o zoneamento, com os padrões legalmente estabelecidos para o funcionamento dos prédios”, para efeito de exigência de expedição de alvará de funcionamento, é rigorosamente providência desnecessária, uma vez que esse exame é feito quando da construção do prédio pela Emissão do Alvará de construção, depois, pela expedição de carta de Habite-se. Manifesto o desvio de finalidade com que se houve a autoridade coatora” (TJDFT – 2ª T. Cível, Apelação Cível e Remessa de Ofício nº 2000.01.1 081982-9, Rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto, julgado em 01/12/2003). 

Eloquente, a propósito, é o argumento de que as normatizações administrativas a cargo das Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados – verdadeiras responsáveis pela orientação, coordenação e fiscalização das unidades de serviços extrajudiciais – têm evoluído sensivelmente no regramento das condições e exigências para a prestação dos serviços notariais e de registros, detalhando minuciosamente os padrões a serem observados pelos seus titulares. Mencione-se, por exemplo, valiosa previsão contida nas Normas do Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que em seu Capítulo XIII, item 20.1, determina: “Observadas as peculiaridades locais, ao Juiz Corregedor Permanente caberá a verificação dos padrões necessários ao atendimento deste item, em especial quanto a: a) local, condições de segurança, conforto e higiene da sede da unidade do serviço notarial ou de registro; (…) c) adequação de móveis, utensílios, máquinas e equipamentos, fixando prazo para a regularização, se for o caso; (…) g) fácil acessibilidade aos portadores de necessidades especiais, mediante existência de local para atendimento no andar térreo (cujo acesso não contenha degraus ou, caso haja, disponha de rampa, ainda que removível); h) rebaixamento da altura de parte do balcão, ou guichê, para comodidade do  usuário em cadeira de rodas; i) destinação de pelo menos uma vaga, devidamente sinalizada com o símbolo característico na cor azul (naquelas serventias que dispuserem de estacionamento para os veículos dos seus  usuários) e, finalmente, um banheiro adequado ao acesso e uso por tais cidadãos”.

De mais a mais, comprovando-se não tratar de mero argumento de retórica, em termos essencialmente práticos, tem se verificado no contexto hodierno uma objetiva e eficaz fiscalização realizada pelo Poder Judiciário nas serventias extraforenses, bastando para se chegar a esta certeza uma simples análise das atas de correição, nas quais se encontram elencados diversos pontos como instalações, equipamentos, acessibilidade, higiene, segurança entre outros. Irrefutável, pois, que as condutas fiscalizatórias das prefeituras municipais esbarram em atribuições de outro Poder. Alinhando-se ao entendimento de ser exclusividade do Poder Judiciário a fiscalização das unidades extrajudiciais o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sem deixar dúvidas: “Taxa em razão do poder de polícia. A Lei matogrossense nº 8.033/2003 instituiu taxa em razão do exercício do poder de polícia. Poder que assiste aos órgãos diretivos do Judiciário, notadamente no plano da vigilância, orientação e correição da atividade em causa, a teor do § 1º do art.236 da Carta-cidadã” (STF – ADI nº 3151, julgado 08/06/2005, Rel. Min. Carlos Ayres Brito, DJ de 28/04/2006).

Por derradeiro, cabe acrescentar outro estribado argumento alhures apresentado por Marco Antonio de Oliveira Camargo. 4  Considerando-se, à guisa de raciocínio, as serventias de registro civil das pessoas naturais, a Lei nº 8.935/1994 determina peremptoriamente que “em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais”. Desse modo, se a lei exige sua existência em todos os municípios não tem cabimento as prefeituras municipais dificultar ou impedir a instalação e funcionamento desse serviço trivial aos cidadãos. Parece teratológico considerar possível que a municipalidade possa censurar o funcionamento deste essencial serviço público. Imagine-se, nesse passo, o absurdo que seria se determinado município recusasse a concessão do alvará de funcionamento de uma serventia de registro civil das pessoas naturais – o que, para quem defende a legitimidade da fiscalização municipal, seria em tese possível, já que a concessão ou não do alvará é ato discricionário da municipalidade. Quem faria os registros de nascimento e de óbito? Os munícipes ficariam impedidos de se casar?

Em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, assim como da essencialidade dos serviços notariais e de registros à população é ululante que o ente municipal não pode impedir a prestação destes serviços indispensáveis.  Aliás, sob este prisma a questão já foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, tendo sido afastada conduta manifestamente ilegal de determinado município: “Reexame Necessário de Sentença. Mandado de Segurança. Fechamento de cartório de registro civil como meio coercitivo no recebimento pela prefeitura municipal de taxa de alvará e localização dessa entidade judicial. Ilegalidade do ato. Ordem concedida. Sentença reexaminada confirmada. Traduz-se em ato ilegal e abusivo o Decreto Legislativo Municipal que determina o fechamento de Cartório de Registro Civil como meio coercitivo no recebimento dos tributos devidos por essa entidade judicial"(TJMT – RN 1.002, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. José Ferreira Leite, julgado 26.11.1996) .5

Por todos os argumentos articulados é de se concluir que as serventias extrajudiciais não estão sujeitas à ingerência fiscalizatória dos municípios, de modo que eventuais condutas das autoridades municipais nesse sentido, em realidade, desnaturam todo o arcabouço jurídico que rege a atividade notarial e registral.

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Referências

1. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988, vol. IX, p. 4.611.

2. ARRUDA, Ana Luísa de Oliveira Nazar. Cartórios extrajudiciais: Aspectos Civis e Trabalhistas. Editora Atlas, p.17.

3. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Editores, 22ª Edição. p.122 e 123.

4. CAMARGO, Marco Antonio de Oliveira. Da desnecessidade de alvará e taxa municipal, publicado em 06/12/2010, no blog do Colégio Notarial do Brasil, acessível em http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=204)

5. RIBEIRO, José. Serviços Notariais e registrais. Imposto sobre serviço – ISS. As serventias e o alvará municipal. Disponível emhttp://www.irib.org.br/html/boletim/boletim-iframe.php?be=3247

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CAR- Cadastro Ambiental Rural é implementado por ato da Ministra do Meio Ambiente| Instrução Normativa nº. 02/14 do Ministério do Meio Ambiente.

Instrução Normativa MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE nº 02, de 05.05.2014 – D.O.U.: 06.05.2014.

Dispõe sobre os procedimentos para a integração, execução e compatibilização do Sistema de Cadastro Ambiental Rural-SICAR e define os procedimentos gerais do Cadastro Ambiental Rural-CAR.

A MINISTRA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, de 5 de outubro de 1988, e nos termos das Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981 e 12.651, de 25 de maio de 2012, e do Decreto no 7.830, de 17 de outubro de 2012, e

Considerando que os Ministros de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário foram devidamente ouvidos, conforme disposto no art. 21 do Decreto no 7.830, de 17 de outubro de 2012, resolve:

Capítulo I

DOS PRINCÍPIOS E DEFINIÇÕES

Art. 1º Estabelecer procedimentos a serem adotados para a inscrição, registro, análise e demonstração das informações ambientais sobre os imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural-CAR, bem como para a disponibilização e integração dos dados no Sistema de Cadastro Ambiental Rural-SICAR.

Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:

I – imóvel rural: o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, conforme disposto no inciso I do art. 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, podendo ser caracterizado como:

a) pequena propriedade ou posse: com área de até 4 (quatro) módulos fiscais, incluindo aquelas descritas nos termos do inciso V do art. 3º da Lei nº 12.651, de 2012;

b) média propriedade ou posse: com área superior a 4 (quatro) até 15 (quinze) módulos fiscais;

c) grande propriedade ou posse: com área superior a 15 (quinze) módulos fiscais;

II – atividades agrossilvipastoris: são as atividades desenvolvidas em conjunto ou isoladamente, relativas à agricultura, à aquicultura, à pecuária, à silvicultura e demais formas de exploração e manejo da fauna e da flora, destinadas ao uso econômico, à preservação e à conservação dos recursos naturais renováveis;

III – informações ambientais: são as informações que caracterizam os perímetros e a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das áreas de utilidade pública, das Áreas de Preservação Permanente-APP’s, das áreas de uso restrito, das áreas consolidadas e das Reservas Legais-RL’s, bem como as áreas em recomposição, recuperação, regeneração ou em compensação;

IV – área em recuperação: é aquela alterada para o uso agrossilvipastoril que se encontra em processo de recomposição e/ou regeneração da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente, Uso Restrito e Reserva Legal;

V – área de servidão administrativa: área de utilidade pública declarada pelo Poder Público que afetem os imóveis rurais; e

VI – área antropizada: as áreas degradadas ou alteradas de que tratam, respectivamente, os incisos V e VI do art. 2º do Decreto no 7.830, de 2012.

Art. 3º Os remanescentes de vegetação nativa, existentes após 22 de julho de 2008, não perderão esta classificação nos casos de incêndio, desmatamento ou qualquer outro tipo de intervenção não autorizada ou não licenciada.

Capítulo II

DO SISTEMA DE CADASTRO AMBIENTAL RURAL

Seção I

Das Normas Gerais

Art. 4º O SICAR disponibilizará instrumentos para o cadastramento dos imóveis rurais pelos proprietários ou possuidores rurais.

Parágrafo único. Os instrumentos descritos no caput serão implementados progressivamente, conforme a evolução do sistema e o processo de integração das bases de dados dos entes federados no SICAR.

Art. 5º Os entes federados que optarem por desenvolver seu sistema de CAR, ou por utilizar apenas os instrumentos de cadastro ambiental disponíveis no SICAR, e desenvolver instrumentos complementares, deverão:

I – atender aos critérios de inscrição disponíveis no sítio eletrônico <http://www.car.gov.br>;

II – observar as condições para integração das bases de dados no Sistema, conforme estabelecido no Decreto no 7.830, de 2012; e

III – observar os Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico – e-PING constantes da Portaria SLTI/MP no 5, de 14 de julho de 2005.

Art. 6º O Ministério do Meio Ambiente poderá disponibilizar um aplicativo de inscrição, com vistas à realização do cadastro ambiental rural de que trata esta Instrução Normativa.

Art. 7º O registro do imóvel rural no CAR é nacional, único e permanente, constituído por um código alfa numérico composto da identificação numeral sequencial, da Unidade da Federação e do código de identificação do Município, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE.

Art. 8º O acesso para, consultas, revisões e alterações de informações declaradas será feito utilizando-se o Cadastro de Pessoa Física-CPF ou o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica-CNPJ ou número de inscrição no CAR e senha pessoal, gerada pelo SICAR.

Art. 9º O SICAR estará disponível no sítio eletrônico <http://www.car.gov.br>.

Seção II

Da Integração das Informações pelos Entes Federativos

Art. 10 A integração ao SICAR dos dados e informações dos programas eletrônicos de cadastramento no CAR previstos no § 1o do art. 3o do Decreto no 7.830, de 2012, bem como dos dados e informações previstos no art. 4o do mesmo Decreto, seguirá as especificações e padrão técnico disponíveis nos sítio eletrônico <http://www.car.gov.br>.

Parágrafo único. Os dados a serem importados serão aqueles declarados no CAR, bem como aqueles já analisados e validados pelo do órgão competente, além dos dados e informações relacionados às atualizações e complementações cadastrais registradas no CAR em função de:

I – retificações dos dados e informações declaradas, em especial no caso de desmembramentos, remembramentos, fracionamentos e alterações de natureza dominial ou possessória;

II – atendimento às pendências;

III – alterações da situação do cadastro do imóvel rural no CAR;

IV – alterações de natureza ambiental decorrentes de impactos sobre as áreas declaradas, incluída a supressão e a exploração de florestas e demais formas de vegetação nativa; e

V – evolução e estágio de cumprimento dos termos de compromisso e Programa de Regularização Ambiental-PRA.

Art. 11 Os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente- SISNAMA, conforme art. 6o da Lei nº 6.938, de 1981, implementarão serviços web a serem disponibilizados para o SICAR, contemplando:

I – dados cadastrais do proprietário ou possuidor;

II – dados cadastrais do imóvel rural;

III – dados de localização geográfica do imóvel rural e das áreas detalhadas em sua planta ou croqui de identificação; e

IV – situação no CAR do imóvel rural, sendo ativo, pendente ou cancelado, conforme art. 51 desta Instrução Normativa.

§ 1º Os dados mencionados nos incisos I, II e III deverão ser apresentados, conforme listagem, critérios e regras de padrão disponíveis no sítio eletrônico <http://www.car.gov.br>.

§ 2º Os arquivos digitais utilizados para inscrição via SICAR, seja por meio de importação de arquivos, seja por outros meios de inserção de dados, bem como aqueles integrados ao SICAR, deverão adotar o Datum SIRGAS 2000, SAD-69 ou WGS 84 e o sistema de coordenadas geográficas ou de projeção UTM, indicando neste último caso fuso e zona.

§ 3º Os Estados que adotem sistemas de projeção e Datum diferentes daqueles citados no parágrafo anterior deverão reprojetar seus dados antes da sua integração ao SICAR, conforme especificações descritas no parágrafo anterior.

§ 4º Os vetores caracterizados como polígonos deverão estar fechados geometricamente para permitir identificações de topologia, evitando falhas, sobreposições e erros de processamento.

§ 5º Os arquivos dos vetores deverão estar estratificados em camadas distintas, separando-as conforme cada tema, tais como: área do imóvel rural representada em uma camada; área da Reserva Legal em outra camada, e assim sucessivamente, contemplando todos os temas pertinentes à localização geográfica do imóvel e demais áreas identificadas.

§ 6º Os arquivos deverão incluir tabela de atributos associados aos vetores, indicando todas as áreas calculadas.

Seção III

Das Informações Disponibilizadas no SICAR

Art. 12 As informações de natureza pública de que trata o inciso V do art. 3º do Decreto nº 7.830, de 2012, a serem disponibilizadas pelo SICAR, será limitada:

I – ao número de registro do imóvel no CAR;

II – ao município;

III – à Unidade da Federação;

IV – à área do imóvel;

V – à área de remanescentes de vegetação nativa;

VI – à área de Reserva Legal;

VII – às Áreas de Preservação Permanente;

VIII – às áreas de uso consolidado;

IX – às áreas de uso restrito;

X – às áreas de servidão administrativa;

XI – às áreas de compensação; e

XII – à situação do cadastro do imóvel rural no CAR.

§ 1º As informações elencadas neste artigo serão prestadas mediante a disponibilização de relatório.

§ 2º As informações relativas às notificações são restritas aos proprietários e possuidores rurais.

§ 3º As informações de interesse dos cartórios de registro de imóveis, instituições financeiras e entidades setoriais serão disponibilizadas mediante solicitação específica ao gestor do Sistema, respeitadas as informações de caráter restrito.

CAPÍTULO III

DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL

Seção I

Da Inscrição no CAR

Art. 13 A inscrição e o registro do imóvel rural no CAR é gratuita e deverá conter, conforme disposto no art. 5º do Decreto nº 7.830, de 2012, as seguintes informações:

I – identificação do proprietário ou possuidor do imóvel rural;

II – comprovação da propriedade ou posse rural; e

III – planta georreferenciada da área do imóvel, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel e o perímetro das áreas de servidão administrativa, e a informação da localização das áreas de remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de uso restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, a localização da Reserva Legal.

Art. 14 A inscrição no CAR da pequena propriedade ou posse rural familiar, que desenvolva atividades agrossilvipastoris, bem como das terras indígenas demarcadas e das demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais, que façam uso coletivo do seu território, conforme previsão do § 3º do art. 8º do Decreto no 7.830, de 2012, deverão conter as seguintes informações simplificadas:

I – identificação do proprietário ou possuidor rural do imóvel rural;

 II – comprovação da propriedade ou posse rural; e

III – croqui, indicando a área do imóvel rural, as Áreas de Preservação Permanente, as áreas de remanescentes de vegetação nativa que formam a Reserva Legal, as áreas de servidões administrativas, áreas consolidadas e as áreas de uso restrito, quando houver.

Art. 15 Os dados referentes aos demais proprietários ou possuidores vinculados ao imóvel além daquele responsável pela inscrição, bem como o detalhamento das informações comprobatórias de todas as propriedades ou posses que compõem o imóvel rural deverão ser apresentados separadamente, contemplando todos os envolvidos.

Art. 16 As informações solicitadas nos itens I e II do artigo 13 e 14 poderão ser atendidas mediante a mera declaração dos dados contidos nos documentos do proprietário ou possuidor e da propriedade ou posse rural.

Art. 17 Para atendimento da localização e delimitação das áreas previstas nos itens III dos arts. 13 e 14, a elaboração da representação gráfica, planta ou croqui, do imóvel rural, poderá utilizar imagens de satélite ou outros métodos disponíveis, observando as seguintes considerações:

I – as propriedades e posses que já dispõem de plantas contendo as informações detalhadas dos aspectos naturais e artificiais, em escala mínima de 1:50.000, elaboradas conforme normas técnicas, poderão fornecer os respectivos arquivos vetorizados em formato digital para o CAR;

II – as pequenas propriedades poderão utilizar os mecanismos e imagens disponibilizados no SICAR, para elaborar o croqui contendo as informações ambientais acerca da área do imóvel rural, das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de uso restrito, e das áreas com remanescentes de vegetação nativa que formarão a Reserva Legal; e

III – para elaborar a planta georreferenciada poderão ser utilizados sistemas globais de navegação por satélite, ou estação total, ou vetorização sobre imagem georreferenciada, com precisão posicional que atenda a definição do inciso IX do art. 2º do Decreto nº 7.830, de 2012.

§ 1º São considerados métodos, entre outros, para elaboração da representação gráfica, a digitação de coordenadas, a descrição dos azimutes e distâncias e a importação de arquivos digitais, ou outros métodos que possibilitem a inserção da representação gráfica das diversas áreas no imóvel rural.

§ 2º Para a elaboração e a integração das informações espaciais utilizadas em plantas, croquis ou outras representações gráficas, bem como para a conversão de áreas, e módulos fiscais, será considerada como unidade referencial o hectare (ha), que equivale a 10.000 (dez mil) metros quadrados.

Art. 18 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas ocupadas por servidão administrativa, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta Instrução Normativa, deverão observar a caracterização descrita no art. 3o, incisos VIII, IX e X, e art. 5o da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 19 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas de remanescentes de vegetação nativa, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta Instrução Normativa, deverão ser indicadas sobre toda a área do imóvel rural, inclusive, sobre:

I – Áreas de Preservação Permanente;

II – áreas de uso restrito; e

III – áreas de Reserva Legal, inclusive as existentes nos termos dos arts. 30 e 68 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 20 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas das Áreas de Preservação Permanente, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta Instrução Normativa, deverão observar:

I – as áreas definidas no art. 4o da Lei nº 12.651, de 2012; e

II – as áreas criadas entorno de reservatório d’água artificial, nos termos do art. 5º da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 21 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas de uso restrito, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta IN, deverão observar os critérios descritos nos arts. 10 e 11 da Lei nº 12.651, de 2012, e, ainda:

I – nas propriedades localizadas em áreas de pantanais e planícies pantaneiras, caracterizadas conforme a definição do inciso XXV do art. 3o da Lei nº 12.651, de 2012, deverão ser indicadas, além do perímetro da área destinada à composição da Reserva Legal, as Áreas de Preservação Permanente consolidadas até 22 de julho de 2008; e

II – declarar as áreas com topografia com inclinação entre 25o e 45º.

Art. 22 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas consolidadas, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta Instrução Normativa, deverão indicar:

I – áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanentes e Reserva Legal até 22 de julho de 2008, conforme o disposto no art. 61-A da Lei nº 12.651, de 2012; e

II – as áreas de uso restrito, conforme o disposto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 23 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas de Reserva Legal, solicitadas no inciso III dos arts. 13 e 14, desta Instrução Normativa, deverão observar, além do disposto nos arts. 14 e 18 da Lei nº 12.651, de 2012, os seguintes critérios:

I – o cálculo da área de Reserva Legal dos imóveis que apresentem as áreas de servidão administrativa, será o resultado da exclusão dessas do somatório da área total do imóvel rural;

II – para a área de Reserva Legal que já tenha sido averbada na matrícula do imóvel, ou no Termo de Compromisso, quando se tratar de posse, poderá o proprietário ou possuidor informar, em ambos os casos, no ato da inscrição, as coordenadas do perímetro da Reserva Legal ou comprovar por meio da apresentação da certidão de registro de imóveis onde conste a averbação, nos termos do § 2o do art. 18 e art. 30 da Lei nº 12.651, de 2012; e

III – para os casos em que houve supressão da vegetação, antes de 22 de julho de 2008, e que foram mantidos os percentuais de Reservas Legais previstos na legislação em vigor à época, os proprietários ou possuidores de imóveis rurais deverão comprovar que a supressão da vegetação ocorreu conforme disposto no art. 68 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 24 A localização e a delimitação sobre imagens georreferenciadas de áreas de Reserva Legal nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12 da Lei nº 12.651, de 2012, será descrita sobre a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo, conforme disposto no art. 67 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 25 Para cumprimento da manutenção da área de Reserva Legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o da Lei nº 12.651, de 2012, poderão ser computadas as áreas com plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostas por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região em sistemas agroflorestais, conforme disposto no art. 54 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 26 Nos casos em que as Reservas Legais não atendam aos percentuais mínimos estabelecidos no art. 12 da Lei nº 12.651, de 2012, o proprietário ou possuidor rural poderá solicitar a utilização, caso os requisitos estejam preenchidos, isolada ou conjuntamente, os mecanismos previstos nos arts. 15, 16 e 66 da Lei nº 12.651, de 2012, para fins de alcance do percentual, quais sejam:

I – o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal;

II – a instituição de regime de Reserva Legal em condomínio ou coletiva entre propriedades rurais;

III – a recomposição;

IV – a regeneração natural da vegetação; ou

V – a compensação da Reserva Legal.

Art. 27 Nas etapas de localização e delimitação das áreas, será disponibilizado um aplicativo de Sistema de Informações Geográficas- SIG, composto por uma base de dados e imagens de satélite, disponível para auxiliar na elaboração do croqui ou planta do imóvel rural.

Art. 28 O proprietário ou possuidor de imóvel rural que não dispõe dos percentuais estabelecidos nos incisos I e II do art. 12 da Lei nº 12.651, de 2012 e que deseje utilizar a compensação de Reserva Legal em Unidade de Conservação, conforme previsto no inciso III do § 5o do art. 66 da mesma Lei, poderá indicar no ato da sua inscrição a pretensão de adoção dessa alternativa para regularização, conforme disposto no art. 26, desta Instrução Normativa.

Art. 29 Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que já compensaram a Reserva Legal em outro imóvel, em qualquer das modalidades, deverão indicar no ato da inscrição o número de inscrição no CAR do imóvel de origem da Reserva Legal ou a identificação do proprietário ou possuidor do imóvel rural.

Art. 30 O proprietário ou possuidor rural de pequena propriedade ou posse rural familiar, cuja área do imóvel rural seja de até 4 (quatro) módulos fiscais e que desenvolva atividades agrossilvipastoris, bem como das áreas de terras indígenas demarcadas e das demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território, caso julgue necessário, poderá solicitar o apoio institucional ou de entidade habilitada para proceder à inscrição no CAR.

Art. 31 Para o imóvel rural que contemple mais de um proprietário ou possuidor, pessoa física ou jurídica, deverá ser feita apenas uma única inscrição no CAR, com indicação da identificação correspondente a todos os proprietários ou possuidores.

Art. 32 Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais, que dispõem de mais de uma propriedade ou posse em área contínua, deverão efetuar uma única inscrição para esses imóveis.

Parágrafo único. Para o cumprimento dos percentuais da Reserva Legal, bem como para a definição da faixa de recomposição de Áreas de Preservação Permanente, previstos nos arts. 12 e 61-A da Lei nº 12.651, de 2012, o proprietário ou possuidor deverá inscrever a totalidade das áreas.

Art. 33 Quando o imóvel rural tiver seu perímetro localizado em mais de um ente federado, a inscrição no CAR dar-se-á naquele que contemple o maior percentual de sua área, em hectare.

Art. 34 Quando o imóvel rural tiver seu perímetro localizado em zona de transição de biomas, na Amazônia Legal, a definição dos índices de Reserva Legal levará em conta a tipologia da vegetação, caracterizada nos mapas fitogeográficos do Instituto Brasileiro Geografia e Estatística-IBGE.

Art. 35 Quando o imóvel rural tiver seu perímetro localizado em zona urbana com destinação rural, a inscrição no CAR deverá ser feita regularmente pelo proprietário ou possuidor rural, considerando os índices de Reserva Legal previstos no art. 12 da Lei nº 12.651, de 2012.

Parágrafo único. No caso de inclusão do imóvel rural em parcelamento ou expansão urbana, devidamente caracterizado por legislação específica, o proprietário ou possuidor rural deverá solicitar, junto ao órgão competente, alteração do registro no CAR.

Art. 36 Diante do desmembramento ou fracionamento de imóvel rural já cadastrado no CAR, o proprietário ou possuidor responsável deverá promover a atualização do cadastro realizado, em especial, no tocante à informações de que tratam os arts. 14 e 15 desta Instrução Normativa.

§ 1º Para o imóvel rural originado do desmembramento ou fracionamento, o proprietário ou possuidor de imóvel rural deverá realizar nova inscrição, observando o disposto no § 2º do art. 2º da Lei nº 12.651, de 2012.

§ 2º A análise do órgão competente observará o cumprimento do disposto no § 1o dos arts. 12 e 14 da Lei nº 12.651, de 2012, bem como a manutenção da proporcionalidade da Reserva Legal instituída dos imóveis rurais decorrentes do desmembramento ou fracionamento.

Art. 37 Os imóveis rurais já inscritos no CAR que forem agrupados ou remembrados deverão refazer a inscrição indicando os compromissos decorrentes do § 2º dos arts. 2º e 7º da Lei nº 12.651, de 2012, quanto ao cumprimento dos percentuais de Reserva Legal descritos na primeira inscrição.

Art. 38 O proprietário de imóvel rural que pretende destinar as áreas excedentes de Reserva Legal, parcial ou integralmente, para a compensação de Reserva Legal, conforme previsto no art. 66 da Lei nº 12.651, de 2012, poderá declarar essa intenção no ato da sua inscrição.

Art. 39 Será facultado ao proprietário ou possuidor de imóvel rural declarar no CAR os autos de infração emitidos pelos órgãos competentes, anteriores a 22 de julho de 2008, referentes ao imóvel rural cadastrado, conforme estabelecido no art. 60 da Lei nº 12.651, de 2012.

Parágrafo único. Os entes federados responsáveis pelos autos de infração poderão disponibilizar a situação atualizada das autuações efetivadas.

Art. 40 As informações declaradas no CAR deverão ser atualizadas pelo proprietário ou possuidor rural sempre que houver notificação dos órgãos competentes ou quando houver alteração de natureza dominial ou possessória, mediante autorização do órgão competente.

Seção II

Do Recibo de Inscrição no CAR

Art. 41 A inscrição no CAR será realizada por meio do SICAR, que emitirá recibo de inscrição do CAR, garantindo o cumprimento do disposto no § 2º do art. 14 e o § 3º do art. 29 da Lei nº 12.651, de 2012, sendo o instrumento suficiente para atender o disposto no art. 78-A da referida lei (Anexo I).

Seção III

Da Análise

Art. 42 A análise dos dados declarados no CAR será de responsabilidade do órgão estadual, distrital ou municipal competente.

Art. 43 O SICAR poderá dispor de mecanismo de análise automática das informações declaradas e dispositivo para recepção de documentos digitalizados, que contemplará, no mínimo, a verificação dos seguintes aspectos:

I – vértices do perímetro do imóvel rural inseridos no limite do Município informado no CAR;

II – diferença entre a área do imóvel rural declarada que consta no documento de propriedade e a área obtida pela delimitação do perímetro do imóvel rural no aplicativo de georreferenciamento do sistema CAR;

III – área de Reserva Legal em percentual equivalente, inferior ou excedente ao estabelecido pela Lei nº 12.651, de 2012;

IV – Área de Preservação Permanente;

V – Áreas de Preservação Permanente no percentual da área de Reserva Legal;

VI – sobreposição de perímetro de um imóvel rural com o perímetro de outro imóvel rural;

VII – sobreposição de áreas delimitadas que identificam o remanescente de vegetação nativa com as áreas que identificam o uso consolidado do imóvel rural;

VIII – sobreposição de áreas que identificam o uso consolidado situado em Áreas de Preservação Permanente do imóvel rural com Unidades de Conservação;

IX – sobreposição parcial ou total, de área do imóvel rural com Terras Indígenas;

X – sobreposição do imóvel rural com áreas embargadas, pelo órgão competente; e

XI – exclusão das áreas de servidão administrativa da área total, para efeito do cálculo da área de Reserva Legal.

Art. 44  No processo de análise das informações declaradas no CAR, o órgão competente poderá realizar vistorias no imóvel rural, bem como solicitar do proprietário ou possuidor rural a revisão das informações declaradas e os respectivos documentos comprobatórios.

Parágrafo único. Os documentos comprobatórios relativos às informações solicitadas no caput poderão ser fornecidos por meio digital.

Art. 45  Iniciada a análise dos dados, o proprietário ou possuidor do imóvel rural não poderá alterar ou retificar as informações cadastradas até o encerramento dessa etapa, exceto nos casos de notificações.

Art. 46  Constatada a sobreposição, ficarão pendentes os cadastros dos imóveis sobrepostos no CAR, até que os responsáveis procedam à retificação, à complementação ou à comprovação das informações declaradas, conforme demandado pelo órgão competente.

Art. 47 O órgão estadual integrante do SISNAMA ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a localização da Reserva Legal proposta na inscrição do imóvel no CAR, nos termos do disposto no § 1o do art. 14 e demais dispositivos da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 48 O CAR poderá dispor de mecanismos de análise que permitam:

I – elaborar o termo de compromisso e os atos decorrentes das sanções administrativas previstas nos §§ 4o e 5o do art. 59 da Lei nº 12.651, de 2012; e

II – avaliar as declarações de áreas de uso consolidado antes de 22 de julho de 2008, para que possam ser dirimidas quaisquer dúvidas sobre uso e destinação dessas áreas.

Seção IV

Do Demonstrativo da Situação das Informações Declaradas no CAR

Art. 49  O SICAR disponibilizará demonstrativo da situação das informações declaradas no CAR, relativas às Áreas de Preservação Permanente, de uso restrito e de Reserva Legal, para os fins do disposto no inciso II do caput do art. 3o do Decreto no 7.830, de 2012.

Art. 50 O demonstrativo refletirá a situação das declarações e informações cadastradas, retificadas ou alteradas pelo proprietário ou possuidor de imóveis rurais e poderá ser consultado no sítio eletrônico <http://www.car.gov.br>.

Art. 51 O demonstrativo poderá apresentar as seguintes situações relativas ao cadastro do imóvel rural:

I – ativo:

a) após concluída a inscrição no CAR;

b) enquanto estiverem sendo cumpridas as obrigações de atualização das informações, conforme § 3o do art. 6o do Decreto no 7.830, de 2012, decorrente da análise; e

c) quando analisadas as informações declaradas no CAR e constatada a regularidade das informações relacionadas às APP’s, áreas de uso restrito e RL.

II – pendente:

a) quando houver notificação de irregularidades relativas às áreas de reserva legal, de preservação permanente, de uso restrito, de uso alternativo do solo e de remanescentes de vegetação nativa, dentre outras;

b) enquanto não forem cumpridas as obrigações de atualização das informações decorrentes de notificações;

c) quando constatadas sobreposições do imóvel rural com Terras Indígenas, Unidades de Conservação, Terras da União e áreas consideradas impeditivas pelos órgãos competentes;

d) quando constatadas sobreposição do imóvel rural com áreas embargadas pelos órgãos competentes;

e) quando constatada sobreposição de perímetro de um imóvel com o perímetro de outro imóvel rural;

f) quando constatada declaração incorreta, conforme o previsto no art. 7o do Decreto no 7.830, de 2012;

g) enquanto não forem cumpridas quaisquer diligências notificadas aos inscritos nos prazos determinados;

III – cancelado:

a) quando constatado que as informações declaradas são total ou parcialmente falsas, enganosas ou omissas, nos termos do § 1o do art. 6o do Decreto no 7.830, de 2012;

b) após o não cumprimento dos prazos estabelecidos nas notificações; ou

c) por decisão judicial ou decisão administrativa do órgão competente devidamente justificada.

CAPÍTULO IV

REGIMES ESPECIAIS SIMPLIFICADOS DO CAR

Seção I

Dos Assentamentos de Reforma Agrária

Art. 52 Será de responsabilidade do órgão fundiário competente a inscrição no CAR dos assentamentos de Reforma Agrária.

Art. 53 A inscrição dos assentamentos de Reforma Agrária no Cadastro Ambiental Rural dar-se-á, inicialmente, por meio do registro do seu perímetro e posteriormente por meio da individualização dos lotes, quando couber, sem prejuízo das demais informações previstas no Capítulo III desta Instrução Normativa.

§1º Quando do registro do perímetro o órgão fundiário informará, por meio de planilha digital, a relação de beneficiários do assentamento de reforma agrária objeto de registro no CAR.

§ 2º Quando da inscrição individualizada dos lotes contidos nos assentamentos de Reforma Agrária, os assentados poderão contar com o apoio do órgão fundiário competente, para proceder os respectivos cadastros no CAR, nos termos do art. 8º do Decreto nº 7.830, de 2012.

§ 3º Para inscrição dos assentamentos de Reforma Agrária no Cadastro Ambiental Rural deverá ser utilizado, preferencialmente, o aplicativo destinado a imóvel rural de assentamentos da reforma agrária a ser disponibilizado pelo Ministério do Meio Ambiente.

§ 4º A relação de beneficiários do assentamento, poderá sofrer alterações, inclusões e exclusões dentro do CAR e a incompletude da lista não impedirá a inclusão do assentamento no sistema.

Art. 54 Para os assentamentos de reforma agrária o registro das informações ambientais obedecerá aos seguintes critérios:

I – para os assentamentos criados até 22 de julho de 2008, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008.

II – para os assentamentos criados após 22 de julho de 2008, a Reserva Legal será constituída pelos percentuais definidos no art.12 da Lei nº 12.651, de 2012;

III – para o cadastramento do perímetro do assentamento de reforma agrária ou para assentamentos onde não existe a individualização dos lotes, o cálculo da faixa marginal de recomposição de Áreas de Preservação Permanente ao longo ou no entorno de cursos d’água, lagos e lagoas naturais dar-se-á em função da fração ideal média do assentamento.

§ 1º A fração ideal média do assentamento será o resultado da divisão da área total do assentamento pelo número total unidades familiares previsto no ato de criação do assentamento.

§ 2º Quando ocorrer a individualização dos lotes em assentamentos e for identificada diferença entre a faixa de recomposição de APP, calculado de acordo com o estabelecido no inciso III, deverá o detentor do lote recuperar a faixa suplementar, calculada segundo os arts. 61-A e 61-C.

Art. 55 Após o registro das informações ambientais do perímetro do assentamento, a individualização das informações ambientais dos lotes poderá ser obtida por meio do cruzamento do polígono do lote com o perímetro do assentamento.

Art. 56 Quando identificado o passivo ambiental em assentamentos, referente às áreas de Reserva Legal, de Preservação Permanente e de Uso Restrito, o cumprimento dos dispositivos da Lei nº 12.651, de 2012, será feito mediante adesão ao PRA.

§ 1º Caberá ao órgão fundiário competente cumprir solidariamente com os assentados o disposto no caput quando as áreas de Reserva Legal nos projetos de assentamentos de reforma agrária forem coletivas.

§ 2º Quando a área de Reserva Legal for localizada no interior do lote, o assentado deverá, com apoio do órgão fundiário competente, cumprir o disposto no caput.

Art. 57 Para a regularização do passivo de que trata o artigo anterior, a assinatura do termo de compromisso com o órgão ambiental competente para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental- PRA dar-se-á de forma solidária pelo beneficiário e o órgão fundiário competente.

Seção II

Dos Povos e Comunidades Tradicionais

Art. 58 As áreas e territórios de uso coletivo tituladas ou concedidas aos povos ou comunidades tradicionais deverão ser inscritas no CAR pelo órgão ou instituição competente pela sua gestão ou pela entidade representativa proprietária ou concessionária dos imóveis rurais, podendo dispor dos benefícios contidos no § 3o do art. 8o do Decreto no 7.830, de 2012.

§ 1º. Quando identificado passivo ambiental referente às Áreas de Preservação Permanentes e áreas de uso restrito e quando houver Reserva Legal, o cumprimento do disposto nos arts. 12 e 66 da Lei nº 12.651, de 2012 deverá ser realizado solidariamente com a instituição competente ou entidade representativa da comunidade tradicional.

§ 2º No caso de território de uso coletivo titulado ou concedido aos povos ou comunidades tradicionais, o termo de compromisso será firmado entre o órgão competente e a instituição ou entidade representativa dos povos ou comunidades tradicionais.

§ 3º Caberá aos órgãos competentes integrantes do SISNAMA, ou instituição por ele habilitada, realizar a captação das respectivas coordenadas geográficas, devendo o poder público prestar apoio técnico e jurídico, assegurada a gratuidade de que trata o parágrafo único do art. 53 da Lei nº 12.651, de 2012, sendo facultado ao proprietário ou possuidor fazê-lo por seus próprios meios.

Art. 59 Consideram-se como inscritas no CAR as Terras Indígenas que compõem a base de dados do SICAR indicadas pela Fundação Nacional do Índio-FUNAI.

Art. 60 Para efeito da inscrição no CAR e de eventuais passivos ambientais sobre APP’s localizadas em terras indígenas demarcadas e às demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território serão considerados como critérios de regularização ambiental os dispositivos adotados para a pequena posse ou propriedade rural da agricultura familiar, previstos nos arts. 61-A, 61-B e 61-C da Lei nº 12.651, de 2012 com os benefícios e obrigações estabelecidos para imóveis rurais de 4 (quatro) módulos fiscais.

Seção III

Das Unidades de Conservação

Art. 61 A inscrição no CAR de imóveis rurais localizados, parcialmente ou integralmente, no interior de Unidades de Conservação, integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação- SNUC, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, deverá ser feita regularmente pelo proprietário ou possuidor rural nos termos do § 3o do art. 29 da Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 62 O proprietário ou possuidor de imóvel rural situado, parcialmente ou integralmente, no interior de Unidade de Conservação interessado em compensar Reserva Legal por doação ao poder público, nos termos do inciso III do § 5º do art. 66 da Lei nº 12.651, de 2012, poderá indicar esse interesse na sua inscrição.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 63 As informações dos imóveis rurais inscritos no Programa Mais Ambiente até 18 de outubro de 2012 poderão ser migradas para o CAR.

§ 1º As inscrições que migrarem serão encaminhadas para análise nos órgãos competentes que poderão solicitar complementação ou retificação dos dados dos imóveis, para fins de efetivação de inscrição.

§ 2º Caberá aos entes federativos estabelecer os prazos para complementação ou retificação dos dados ou informações.

Art. 64 Em atenção ao disposto no § 3o do art. 29, da Lei no 12.651, de 2012, e no art. 21, do Decreto no 7.830, de 2012, o CAR considera-se implantado na data de publicação desta Instrução Normativa.

Art. 65 Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

IZABELLA TEIXEIRA

ANEXO

RECIBO DE INSCRIÇÃO DO IMÓVEL RURAL NO CAR

INFORMAÇÕES GERAIS

1. Este documento garante o cumprimento do disposto no §2º do art. 14 e § 3º do art. 29, da Lei nº 12.651, de 2012 e se constitui em instrumento suficiente para atender ao disposto no art. 78-A da referida Lei;

2. O presente documento representa a confirmação de que foi realizada a declaração do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR e que está sujeito a validação pelo órgão competente;

3. As informações prestadas no CAR são de carater declaratório;

4. Os documentos, especialmente os de caráter pessoal ou e os dominial, são de responsabilidade do proprietário ou possuidor rural declarante, que ficarão sujeito à pena prevista no art. 299 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940) e no art. 69-A da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998;

5. O demonstrativo da situação das informações declaradas no CAR, relativas às áreas de Preservação Permanente, de uso restrito e de Reserva Legal poderá ser acompanhado no sítio eletrônico www. car. gov. br;

6. Esta inscrição do imóvel rural no CAR poderá ser suspensa ou cancelada a qualquer tempo, em função do não atendimento de notificações de pendências ou inconsistências detectadas pelo órgão competente nos prazos concedidos ou por motivo de irregularidades constatadas;

7. Este documento não substitui qualquer licença ou autorização ambiental para exploração florestal ou supressão de vegetação, como também não dispensa as autorizações necessárias ao exercício da atividade econômica no imóvel rural

8. A inscrição do imóvel rural no CAR não será considerada título para fins de reconhecimento de direito de propriedade ou posse; e

9. O declarante assume plena responsabilidade ambiental sobre o imóvel rural declarado em seu nome, sem prejuízo de responsabilização por danos ambientais em área contínua, posteriormente comprovada como de sua propriedade ou posse.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Este texto não substitui o publicado no D.O.U.: de 06.05.2014

Fonte: Blog do 26 (http://blog.26notas.com.br/) | 08/05/2014.

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CARTÓRIOS – PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA. O artigo 21 da Lei nº 8.935/94 não deixa margem a dúvidas ao tratar o notário ou oficial como um gestor, um gerente, um administrador da entidade, distinguindo-o da entidade administrada. O tabelião, ou notário, ou oficial de registro não é a entidade, não se confunde com a entidade, não é a pessoa jurídica, apenas administra, gerencia a entidade.

EMENTA

CARTÓRIOS – PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA. O artigo 21 da Lei nº 8.935/94 não deixa margem a dúvidas ao tratar o notário ou oficial como um gestor, um gerente, um administrador da entidade, distinguindo-o da entidade administrada. O tabelião, ou notário, ou oficial de registro não é a entidade, não se confunde com a entidade, não é a pessoa jurídica, apenas administra, gerencia a entidade. Diz o parágrafo único do art.41 do CCB que, “Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código. Essa entidade, o Cartório, por vezes é proprietária do imóvel que ocupa, ou o loca em nome próprio. Possui livros e registros que não pertencem ao notário mas à própria entidade Cartório. Firma contratos em nome próprio. Movimenta contas bancárias em nome próprio. Possui inscrição junto à fazenda, com CNPJ próprio. Possui inscrição Estadual e Municipal. E paga impostos. Personalidade jurídica nada mais é que a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Os entendimentos relativos à existência ou não de personalidade jurídica dos cartórios, não se sobrepõem à realidade. No presente caso, o Cartório existe como entidade registrada em órgãos públicos, como Ministério da Fazenda e Ministério do Trabalho, anotou o contrato de trabalho e efetuou transferências bancárias em seu nome. Em razão dessas circunstâncias, ouso discordar da idéia comum, para afirmar que os Cartórios são pessoas jurídicas e têm personalidade jurídica, desde que inscritos nos órgãos fazendários com matrícula própria, mantenham contas bancárias em nome próprio e contratem empregados anotando o contrato de trabalho em nome próprio. Recurso provido. (TRT 2ª Região – Recurso Ordinário nº 0002703-84.2011.5.02.0373 – Mogi das Cruzes – 14ª Turma – Rel. Des. Manoel Antonio Ariano – DJ 21.02.2014)

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença de fls. 190/195, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação, complementada pela decisão em embargos declaratórios (fls. 205/206), recorre ordinariamente a reclamante pelas razões de fls. 210/220, pretendendo a reforma do julgado quanto à responsabilidade da primeira e terceira reclamadas, valor da indenização por dano moral e sua base de cálculo, aviso prévio proporcional.

Recorre a segunda reclamada pelas razões de fls. 223/238, pretendendo a reforma no tocante ao motivo da rescisão, indenização por danos morais e benefícios da justiça gratuita. Contrarrazões às fls. 244/247; 251/265 e 271/279.

É o relatório.

VOTO

Regulares e tempestivos, conheço de ambos os recursos.

RECURSO DA RECLAMANTE

A primeira reclamada não deixou de contestar a ação, como alega em preliminar. A partir de fl. 65 a 2ª reclamada, Giselle Dias Rodrigues Oliveira de Barros apresentou contestação qualificando-se como sucessora da primeira reclamada OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E TABELIÃO DE NOTAS DE JUNDIAPEBA. Também na procuração de fl. 173, a 2ª reclamada Giselle se qualifica como sucessora da 1ª e compareceu às duas audiências realizadas, não se justificando a confissão ficta pretendida.

LEGITIMIDADE DO CARTORIO, 1ª RECLAMADA, PARA COMPOR A LIDE PERSONALIDADE JURÍDICA DO CARTÓRIO.

A primeira e talvez principal questão que apresenta a autora recorrente é quanto à responsabilidade do Tabelião, ou Cartório, por seu crédito trabalhista.

Na defesa de fl. 65, assim como na procuração de fl. 173, a tabeliã se apresenta como Giselle…, antiga Oficial de Registro…, colocando-se na posição de nova denominação ou sucessora do Cartório. Nas audiências constou nas atas como representante do Cartório.

O contrato de trabalho foi anotado na CTPS da autora por “MOGI DAS CRUZES CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL E TABELIONATO”, inscrito no CNPJ sob nº 51.373.736/0001-46 e a baixa foi firmada por “OFICIAL DE REGISTRO CIVIL E TABELIONADO DE NOTAS JUNDIAPEBA, como consta das copias juntadas à fl. 37.

Pagamentos foram feitos por transferência bancária pelo OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS, como demonstram os extratos de fls. 41/43.

A esse contrato que vigeu entre 05.10.98 e 22.02.10 segui-se outro anotado na CTPS por Giselle Dias Rodrigues Oliveira de Barros, iniciado em 22.02.10 e encerrado em 01.10.11.

O Cartório anotou o contrato de trabalho na CTPS, possui CNPJ e conta bancária em nome próprio, de forma que inequivocamente pratica atos da vida civil.

É preponderante a idéia de que Cartório não possui personalidade jurídica, entretanto essa conclusão comporta questionamento. De plano há que se lembrar que não há qualquer previsão legal nesse sentido, apenas conclusões doutrinarias e jurisprudenciais.

Diz-se que os Cartórios não têm personalidade jurídica, porque têm natureza pública, por prestar serviços públicos, apesar de submeter-se ao regime de direito privado quanto à administração e funcionamento, entretanto, dessa constatação não se pode concluir que por isso ele não tem personalidade jurídica. Um Tribunal tem natureza pública, presta serviço público, integra um Poder Público e tem personalidade jurídica.

A natureza jurídica dos serviços notariais e de registro é de serviços públicos e assim já decidiu o E. STF (regime jurídico direito público (ADIN 1.378-MC- 1995), (é serviço público não privativo (ADI nº 2602 de 2005) e submete-se aos princípios de direito administrativo, em virtude de sua própria natureza jurídica de prestação de serviços públicos por particular em colaboração com o Poder Público.

Mas quanto à organização, estrutura, exercício ou execução do serviço, o regime jurídico é de direito privado. O regime é de direito privado porque “é exercido em caráter privado” (Art. 236, CF/88); pratica atos de natureza técnico-administrativa (Art. 1º, Lei nº 8.935/94), previstos em lei, por sua conta e risco, que não dependem de autorização e necessários à organização e execução do serviço (Art. 41, Lei nº 8.935/94), os tabeliães são vinculados à previdência social (Art. 40, Lei nº 8.935/94) e a remunerado é paga pelo particular (emolumentos) e não pelos cofres públicos.

Temos então uma entidade que exerce função pública, gerida e administrada pelo particular, organizando-se e funcionando, portanto, como entidade privada. Seus gerentes ou administradores, denominados notários ou oficiais de registro atualmente são escolhidos por concurso público, porém não ocupam cargo público.

Nesse sentido o artigo 236 da C.F.: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.

O próprio Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2602/2002[04], sobre a aposentadoria compulsória por idade considerou que os serviços notariais e de registros têm natureza pública, exercido em caráter privado e seus notários não são titulares de cargo público:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

O artigo 21 da Lei nº 8.935/94 estabelece:

“O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação de serviços”.

O texto legal não deixa margem a dúvidas ao tratar o notário ou oficial como um gestor, um gerente, um administrador da entidade, distinguindo-o da entidade administrada. O tabelião, ou notário, ou oficial de registro não é a entidade, não se confunde com a entidade, não é a pessoa jurídica, apenas administra, gerencia a entidade.

A entidade cartório existe inequivocamente, sendo impossível ignorar os registros, por vezes centenários, o acervo de atos e negócios registrado e a clientela, que constituem verdadeiro fundo de comércio.

Essa entidade, o Cartório, por vezes é proprietária do imóvel que ocupa, ou o loca em nome próprio. Possui livros e registros que não pertencem ao notário mas à própria entidade Cartório. Firma contratos em nome próprio. Movimenta contas bancárias em nome próprio. Possui inscrição junto à fazenda, com CNPJ próprio. Possui inscrição Estadual e Municipal. E paga impostos.

Recentemente, em São Paulo, Cartório impetrou mandado de segurança, alegando que a impetrada, objetivando regulamentar a exigência do ISS, conforme a LM. 13.701/03, editou o Decreto 47.350/06, instituindo a nota fiscal eletrônica e, na mesma data editou a Portaria 72 que incluiu as serventias extrajudiciais não oficializadas na relação dos prestadores de serviços obrigados à emissão do referido documento fiscal, além de classificar a atividade no código 03875, ou seja, na qualidade de pessoa jurídica.

Decidiu então o juiz Cláudio Antônio Marques da Silva, os cartórios são concessões e, assim como qualquer outra concessionária, obedecem as regras das empresas privadas. Não estão, portanto, livres da tributação. A Constituição Federal, em seu artigo 236, privatizou os serviços notariais e de registro. “A partir da Constituição da República de 1988, embora sejam chancelados por fé-pública e o Estado detenha a titularidade, os serviços notariais são prestados a título privado, de modo que incide a tributação pelo ISS”,

Mas, apesar dessa realidade, propaga-se que os Cartórios não possuem personalidade jurídica.

É possível resumir as várias teorias e estudos sobre o que seja personalidade jurídica em uma frase:

Personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Simples assim.

Ideia ligada à de pessoa, é reconhecida atualmente a todo ser humano e independe da consciência ou vontade do indivíduo: recém-nascidos, loucos e doentes inconscientes possuem, todos, personalidade jurídica. Esta é, portanto, um atributo inseparável da pessoa, à qual o direito reconhece a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações.

Também é atribuída a entes morais, constituídos por agrupamentos de indivíduos que se associam para determinado fim (associações e afins) ou por um patrimônio que é destinado a uma finalidade específica (fundações e congêneres): as chamadas pessoas jurídicas (ou morais), por oposição aos indivíduos, pessoas naturais (ou físicas).

Assim, qualquer que possa adquirir direitos e contrair obrigações tem personalidade jurídica, logo, a pessoa jurídica tem personalidade jurídica, porque a pessoa jurídica pode adquirir direitos e contrair obrigações e o Cartório é uma pessoa jurídica.

O CC estabelece:

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Sendo o Cartório pessoa jurídica de direito público, com estrutura de direito privado, está sob a égide do Código Civil.

Os Cartórios, em nome próprio, ao longo dos tempos compram, vendem, contratam e exploram atividade lucrativa, por isso pagam impostos.

Não é possível demonstrar que uma entidade que paga impostos, inscrito com matrícula própria nas Fazendas, que emite nota fiscal, não seja pessoa jurídica e não tenha personalidade jurídica própria.

Os entendimentos relativos à existência ou não de personalidade jurídica dos cartórios, não se sobrepõem à realidade. No presente caso, o Cartório existe como entidade registrada em órgãos públicos, como Ministério da Fazenda e Ministério do Trabalho, anotou o contrato de trabalho e efetuou transferências bancárias em seu nome.

Em razão dessas circunstâncias, ouso discordar da idéia comum, para afirmar que os Cartórios são pessoas jurídicas e têm personalidade jurídica, desde que inscritos nos órgãos fazendários com matrícula própria, mantenham contas bancárias em nome próprio e contratem empregados anotando o contrato de trabalho em nome próprio.

Em decorrência, provejo o apelo nesse ponto para declarar que o primeiro reclamado OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E TABELIÃO DE NOTAS DO DISTRITO DE JUNDIAPEBA tem personalidade jurídica e é parte legítima para figurar no polo passivo da lide.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CARTÓRIO.

O contrato inicial foi registrado na CTPS da autora pelo Cartório, em seguida novo contrato foi anotado pela tabeliã Giselle, que foi sucedida por outra tabeliã Jornada e todos negam responsabilidade quanto aos pretensos direitos trabalhistas da autora.

Quando o art. 20 da Lei 8.935/94 dispõe que “os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes”, penso que não está determinando que os notários e oficiais os contratem em nome próprio, como pessoa física, mas em nome da entidade cartorária, isso porque o artigo 21 trata os notários como administradores, gerentes do negócio e não como empregadores, pessoas jurídicas.

No caso em tela, o contrato corretamente anotado pelo Cartório, através de seu administrador, o tabelião anterior, foi extinto e na mesma data da rescisão foi anotado novamente pela tabelião Giselle, em nome próprio que, ao ser substituída pela nova tabeliã, Jordana, anotou nova baixa no contrato, como consta do documento de fl. 37.

Em que pesem essas circunstâncias, cumpre nesta questão decidir que é o responsável pelos valores supostamente devidos à autora em razão desse contrato de trabalho incontroverso.

Argumenta-se que não ocorre sucessão nesse tipo de trabalho, diz-se que, em se tratando de serventia cartorial não há transferência de um direito, mas uma aquisição originária de direitos, como ocorre com a investidura em função pública por concurso público, a impedir que se afigure a sucessão trabalhista.

Como visto acima, o próprio STF tem decidido no sentido de que isso não ocorre porque o cartorário não é investido em cargo público. Apenas passa a exercer atividade pública delegada, em regime privado e o que define a sucessão não é a natureza do cargo do administrador, tampouco o fato de ser ou não função pública, tanto que são conhecidos inúmeros casos de sucessão em empresa pública.

O que define a sucessão é a transferência do patrimônio, da atividade, do acervo, da clientela, da atividade lucrativa, que se pode resumir em “fundo de comércio”.

Os artigos 10 e 448 da CLT não distinguem essas questões. O artigo 10 fala em qualquer alteração na estrutura jurídica

Há que se considerar que a atividade cartorária está submetida às regras de direito privado e a responsabilidade do seu titular pelos direitos trabalhistas de seus empregados não se restringe ao período de sua gestão. Ao contrário, são aplicáveis, neste caso, também as regras celetistas que regem a responsabilidade no caso de sucessão de empregadores (arts. 10 e 448 da CLT). Cite-se como exemplo os seguintes arestos jurisprudenciais que ao analisarem a matéria, assim se pronunciam:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA CARTÓRIO. SUCESSÃO. A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT, consiste no instituto em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos, sendo indiferente à ordem justrabalhista a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. Sob esse enfoque, nada obsta a que o novo titular do Cartório extrajudicial, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos artigos 10 e 448 da CLT. Agravo de instrumento desprovido."(TST-AIRR-341/2002-281-01-40, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DJ de 20/06/08)”.

“RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MUDANÇA DE TITULARIDADE. SUCESSÃO TRABALHISTA. Havendo continuidade na prestação de serviços, a alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento, caracteriza a sucessão de empregadores. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. II – RECURSO DE REVISTA ADESIVO DO 1º RECLAMADO. Diante do não conhecimento do recurso de revista interposto pela reclamante, fica prejudicada a análise do recurso de revista adesivo do 1º reclamado, nos termos do artigo 500 do CPC. Recurso de revista prejudicado. ( RR – 791-73.2010.5.09.0088 , Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 27/02/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: 08/03/2013)”

A jurisprudência trabalhista tem caminha sempre no sentido de garantir a efetividade das normas tutelares dos trabalhadores. Instituto como a sucessão, por força dos artigos 10 e 448 é aplicado sem restrições, assim como a desconsideração da personalidade jurídica das empresas, ambos de forma diversa e muito mais abrangente que nas relações cíveis, não se justificando interpretações restritivas que coloquem essa importante e lucrativa atividade empresarial que é a exploração dos cartórios, acima da lei e da jurisprudência trabalhista, em detrimento de direitos trabalhistas básicos.

No passado recente não são raros os casos de trabalhadores em cartórios encontrando muitas dificuldades para receberem seus haveres, com os novos tabeliães resistindo obstinadamente no cumprimento dessas obrigações, não se justificando a adoção de teses discutíveis para proteger essa importante e muito lucrativa atividade diante da cobrança de seus trabalhadores.

Provejo o apelo também nesta questão, para reconhecer a responsabilidade solidária dos três reclamados.

MÉRITO

A irresignação quanto à indenização fixada pelos danos morais perpetrados será apreciada no julgamento das razões recursais da segunda reclamada.

Pretende a recorrente receber aviso prévio proporcional, nos termos da lei 12.506/2011, de 11/10/2011. A rescisão ocorreu em 01.10.2011.

Dispõe o § 1º do artigo 487 que “A FALTA DO AVISO PRÉVIO, POR PARTE DO EMPREGADOR DÁ AO EMPREGADO O DIREITO AOS SALÁRIOS CORRESPONDENTES AO PRAZO DO AVISO, GARANTIDA SEMPRE A INTEGRAÇÃO DESSE PERÍODO NO SEU TEMPO DE SERVIÇO”.

O dispositivo não garante indenização ou multa, mas literalmente salário e o cômputo do período no tempo de serviço. Se há pagamento de salário e o período é considerado como tempo de serviço, não há nenhuma ficção, mas contrato de trabalho real vigendo. O período é considerado para preenchimento da condição tempo de serviço, para recebimento do seguro desemprego e aposentadoria, efeitos que não têm natureza pecuniária imediata. Se há pagamento de salário e integração no tempo de serviço, há contrato. Se há contrato de fato, com salário e tempo de serviço, não se pode afirmar que sua extinção ocorreu um mês antes. Portanto, a reclamante tem direito ao acréscimo referido na lei 12.506/2011, assim como à alteração da data de saída, nos termos da OJ 82 da SDI-I do C. TST. Reformo.

RECURSO DA SEGUNDA RECLAMADA

Sustenta a recorrente que houve pedido de demissão.

Em seu depoimento a recorrente declarou que houve pedido de demissão verbal; que não se comprometeu a indicar a reclamante à Corregedoria para a delegação do cartório; a Corregedoria teria indicado sua substituta para responder pelo cartório; na reunião em que a depoente comunicou sua saída para cartório de SP, a reclamante teria se mostrado bastante alterada, proferindo ofensas, dizendo que só permaneceria se houvesse aumento; após a reunião, a reclamante teria se retirado do local e não mais retornado (fl. 182).

A terceira reclamada disse que ao tomar conhecimento de que Giselle iria sair do cartório, manifestou interesse em acompanhá-la; caso isso ocorresse, a reclamante poderia ficar no cargo; na reunião em que Giselle comunicou sua saída e a substituição pela depoente, a reclamante teria se alterado, dizendo que a oficial não cumprira o prometido e que só ficaria no cartório se houvesse uma contraproposta salarial; após alteração da reclamante, Giselle também se alterou; a depoente era substituta da oficial desde nov/2010; quando da admissão da depoente, em 06.06.1995, a reclamante já trabalhava e era substituta da oficial designada anteriormente.

Foram ouvidas duas testemunhas levadas pela reclamante. A primeira disse que na reunião retromencionada, Giselle teria se alterado e falado que a reclamante não tinha competência para ficar no cargo e nem no cartório; que a reclamante deveria ir embora e entregar os carimbos do cartório; a autora pegou os carimbos e os devolveu à Giselle; a reclamante não se alterou; a terceira reclamada também não se manifestou; as demais “meninas” começaram a chorar; batendo palmas, Giselle dizia que queria a chave agora; quando a reclamante foi se despedir da depoente, Giselle disse “sai daqui, aqui não é o Big Brother”; a reação da reclamante ao comunicado de saída da oficial e substituição por Jordana foi dizer que não sabia do fato; Giselle disse que não tinha proposta para a reclamante e que esta era incompetente.

A segunda testemunha informou que no dia da reunião em que Giselle comunicou sua saída, a autora externou que não tinha interesse em continuar no cartório com o mesmo salário; para a depoente houve pedido de demissão; houve reunião anterior, quando Giselle teria dito que “iria indicar a reclamante para o juiz”; que tanto reclamante quanto a oficial se alteraram; a reclamante informou que não pretendia ficar no cartório e Giselle teria dito para ela ir embora, deixando chaves e documentos do cartório; a terceira reclamada permaneceu quieta; as participantes da reunião choraram com a saída da reclamante; a situação foi desagradável; a reclamante se despediu da depoente e demais colegas, reagindo a segunda reclamada dizendo que ali não era o “Big Brother”; que Giselle não chamou a reclamante de incompetente; na ocasião em que a segunda reclamada tinha mencionado que indicaria a reclamante para substituí-la, acredita a depoente que não fosse de seu conhecimento a permanência de Jordana no cartório.

Da análise do conjunto probatório, conclui-se que a reclamante embora tenha externado seu descontentamento com a situação por não ser a substituta da segunda reclamada, e não estar satisfeita com o salário, foi dispensada pela oficial Giselle, que determinou: “sai daqui, aqui não é o Big Brother”, pedindo as chaves, carimbos e documentos pertencentes ao cartório e que estavam em poder da autora. Assim, devidas as verbas rescisórias atinentes à modalidade de rescisão sem justa causa por iniciativa do empregador. Mantenho.

Quanto ao dano moral, nada a reformar. Em que pese a contradição entre os depoimentos testemunhais no tocante à atribuição de “incompetência” da reclamante pela segunda reclamada, restou comprovado que a saída da obreira foi tumultuada, com tratamento ríspido e desrespeitoso pela sua superiora na frente das demais colegas de trabalho. Também foi comprovada a promessa da oficial Giselle de indicação da reclamante para substituí-la, não se comprovando a explicação de que isso só ocorreria se a terceira reclamada não ficasse no cartório, criando a expectativa do direito. Evidente o constrangimento e humilhação experimentados pela autora, portanto, o dano moral deve ser reparado.

A lei civil fixa critérios relativamente objetivos para a fixação da indenização por danos materiais. No entanto, a quantia indenizatória por dano moral não tem como ser fixada com mesma objetividade. A partir de critérios aferidos e cotejados com sensatez, equanimidade, isenção e imparcialidade, o juiz arbitra o valor compensatório do dano moral, estético ou à imagem.

O arbitramento, no caso, foi desproporcional, considerando a compensação pelo dano suportado e a necessidade de punição à reclamada. Assim, reduzo a indenização dos danos morais para valor ao último salário percebido pela autora multiplicado por quatro, compatível com a função punitiva e pedagógica da indenização.

Não foram concedidos os benefícios da justiça gratuita à autora, portanto, não há interesse recursal nesse particular.

Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamante, para declarar as três reclamadas solidariamente responsáveis e deferir o acréscimo referido na lei 12.506/2011, assim como a alteração da data de saída, nos termos da OJ 82 da SDI-I do C. TST, em oito dias do trânsito em julgado, e; DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da segunda reclamada, para reduzir a indenização dos danos morais para valor equivalente ao último salário percebido pela autora multiplicado por quatro, mantendo a r. sentença nos demais termos.

MANOEL ANTONIO ARIANO – Relator.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6379 | 24/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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