A PEC da imoralidade

* Vitor Frederico Kümpel

Sem sombra de dúvida se questionado, qualquer aplicador do Direito, quais os princípios reinantes num Estado Democrático de Direito, um dos vetores mais mencionado seria o da moralidade. A sociedade pós-moderna clama pela ética que tem sido falada e anunciada a exaustão, mas muito pouco vivida, gerando grandes paradoxos sociais e jurídicos.

Hoje é sonho para muitos tornar-se "dono de cartório" e poder gerenciar alguma serventia lucrativa: notarial ou registral. A mencionada atividade, em algumas pouquíssimas serventias, se tornou altamente rentável e a disputa nos concursos cresce acirradamente, porque o candidato coloca como meta, muitas vezes, uma ou duas serventias entre centenas disponibilizadas no certame. A Constituição Federal de 1988 e o advento da lei 8.935/94 moralizaram, sobremaneira, a forma de recrutamento tornando-o meritocrático, por meio de concursos públicos de provas e títulos.

É bom lembrar, que já houve defesa acirrada, por parte de alguns setores, para que o concurso de remoção fosse apenas avaliado por títulos, o que, felizmente, foi rechaçado pelos tribunais locais e pelo CNJ. Também deve ser destacado que alguns Estados vêm retardando a realização de concurso, desde 1988 até hoje. Parece incrível que um Estado não tenha realizado nenhum concurso nestes últimos 25 anos, lembrando que aqui no estado de São Paulo estamos indo para o nono concurso. Essa paralisia dos Estados obrigou, o ministro do STJ, Francisco Falcão a determinar a abertura de concurso, sob pena de responsabilidade administrativa.

Nesta história toda, surgiu a PEC 471 no sentido de restabelecer uma situação inadequada que vigorou por muitos anos, mas se adotada seria uma verdadeira irrealidade jurídica, que é a hereditariedade cartorial.

Faremos uma pequena incursão histórica. A atividade notarial e registral brasileira sofreu grande influência das ordenações filipinas, e foi instituída em consonância com o regime político e geográfico das capitanias herediárias. O "escrivão" (hoje titular notarial e registral) era visto como o terceiro nível na hierarquia burocrática da sociedade, juntamente com os oficiais da marinha e os fiscais. E, embora específica e de alto escalão,a atividade não tinha qualquer regulamentação própria, existindo, de fato, um descaso por parte das autoridades1.

A transmissão hereditária das serventias ocorreu de forma livre até 1827. Naquela oportunidade foi editada uma lei que visava impedir a transmissão cartorial pai e filho, mas o sistema se adaptou e continuou a ser permitida, de forma não escorreita, a referida transmissão, como se fosse uma sucessão de posto ou de trono, porém com múnus absolutamente público.

Logo, desde o passado, o manifesto descaso para com essas instituições, gerou prejuízos para a formação de um serviço eficiente,o que legitimou a qualificação do notariado brasileiro como de "evolução frustrada" ou de "atrasado" pela doutrina estrangeira.

Foi somente em 1988 que a Constituição, em seu artigo 236, estabeleceu diretrizes para o ingresso na mencionada atividade, que deveria, a partir de então, se dar por meio de concurso de provas e títulos. Em 1994 a lei 8.935, regulamentou o ingresso na carreira, esmiuçada pela resolução 81 do Conselho Nacional de Justiça, de 9 de junho de 2009, que também teve por finalidade a unificação dos concursos públicos em todo o país, lembrando que é atribuição dos tribunais estaduais locais organizar e estabelecer o concurso.

Não realidade, conforme dito acima, a inércia mencionada ainda se prolonga. Hoje, muitos Estados sequer regulamentaram qualquer possibilidade de concurso público de ingresso. E, conforme lista divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça, existem no país mais de 4.700 serventias extrajudiciais vagas, isto é, irregulares, que deveriam ser objeto de concurso.

Ademais, chega a ser grave a situação de muitos cartórios extrajudiciais. Sem delegatários, são dirigidos por pessoas não habilitadas e legitimadas, muitas vezes, sem a qualificação devida, o que compromete a eficiência da consecução dos serviços.

Aqui é bom lembrar, que os princípios norteadores da atividade são: a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos. Os oficiais exercem relevante função jurídica social, são responsáveis pela qualificação registral e notarial, pela instrumentação da segurança jurídica e pela prevenção de litígios. Os delegatários possuem, para tanto, um preparo específico até porque as novas leis têm conferido novas e muitas atribuições para a realização do seu mister.

Nesse sentido a PEC 471, se aprovada implicaria na violação de inúmeros preceitos constitucionais. Afora a legitimidade albergada pelo concurso público há ainda a presunção de eficiência e, além de tudo, manter-se-iam interinos que foram alçados a essa condição por parentalidade ou por outros interesses locais, muito distantes do perfil democrático exigido pela sociedade contemporânea.

Segundo a Constituição Federal de 1988, temos no art. 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Públicoe, no § 3ºque o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Aliada ao artigo 14 da lei 8.935/94, estão os requisitos para a delegação e o exercício da atividade notarial e de registro: (i) habilitação em concurso público de provas e títulos; (ii) nacionalidade brasileira; (iii) capacidade civil; (iv) quitação com as obrigações eleitorais e militares; (v) diploma de bacharel em direito; (vi) verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Cabe ressaltar, que além do concurso público de ingresso por provimento é possível, ainda, o ingresso por remoção e ambas as formas de ingresso ocorre por provas e títulos de maneira a garantir, cada vez mais, um melhor aperfeiçoamento por parte dos delegatários em geral.

Assim sendo, a PEC 471 altera a Constituição Federal, efetivando atuais responsáveis ou substitutos de serventias que não passaram pelo concurso público e, portanto, não estão legitimados democraticamente a exercer o múnus. Entre outros consectários, retiraria para o concursado sua legitimidade, porque passariam todos pela pecha da hereditariedade ou criaria o titular concursado e o titular não concursado, que passaria a ser uma subcategoria odiosa.

A Corregedoria Nacional entre os argumentos mencionados na nota técnica 80/20092, a rechaçar a PEC 471 salienta que o interino de designação na serventia poderia pleitear o benefício da titularidade, que de longe não é razoável. Há uma inconstitucionalidade, inclusive por ferir o princípio da inconstitucionalidade sistêmica.

Nas palavras de Ricardo Dip3, a autoridade social4 para a invenção das regras e comportamentos é chamada a exercitar a inventio das leis e o governo da sociedade para que ela cresça em ordem a cumprir exatamente seus fins. Os fins devem ser regidos pelo desenvolvimento social, correspondendo à ordem ideal, isto é, uma sociedade crescente em meio a um progresso real, que se aperfeiçoa. Este, porém, não é o fim observado na PEC 471. Cabe, ao legislador, por meio das normas, fomentar o crescimento social. O projeto de emenda em questão é claramente contrário a toda a conquista democrática e crescimento conquistado em 88, atuando à margem da legalidade e, utilizando o direito como meio de legitimar interesses escusos.

Todo o esforço dos tribunais estaduais em realizar concurso, regularizar e difundir a atividade notarial e a de registro e, ainda, melhorar o atendimento à população sofreria um tremendo retrocesso com a aprovação da PEC 471.

Poder-se-ia perguntar se a aprovação não seria positiva apenas para os cartórios deficitários, pela absoluta falta de interesse nos mesmos por parte dos candidatos aprovados. Ainda, nesta hipótese, o ideal seria que o concurso fosse aberto para um grupo específico, interessado nestas serventias e aprovasse, em uma segunda etapa, 100 candidatos para cada serventia deficitária a fim de que os interinos, democraticamente, alcançassem a aprovação no concurso público e assim a necessária legitimação social, além da grande satisfação pessoal em ter sido aprovado em um concurso público, de forma transparente e democrática.

A atividade notarial possui grande valor, na realidade fática do sistema jurídico positivo brasileiro, como um todo. Honrar seu valor é o mínimo que os parlamentares podem determinar a fim de não prejudicar seu desempenho, bem como a sua credibilidade e segurança junto ao sistema. A atividade notarial e registral deve se dirigir, efetivamente, à consecução dos valores perseguidos pela comunidade, o que não importa em uma conveniência a favor de antigos segmentos, detentores do controle da atividade, ávidos de manter admiráveis lucros.

Manter a vigência da PEC 471 seria, portanto, atuar em uma ordem puramente exortativa, se convencendo de que a partir do erro, presente na irregularidade de 4.700 registros extrajudiciais irregulares, pudesse se transmutar em verdade unicamente por meio de uma legitimação constitucional deste erro, como se fosse possível, por assim dizer: "evoluir".

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1. Luís Paulo Aliende Ribeiro, Regulação da Função Pública, p. 29

2. CNJ, acessado em 9/12/2013

3. Ricardo Dip. A Natureza e os Limites das Normas Judiciárias do Serviço Extrajudicial. São Paulo: QuartierLatin. 2013.

4. Ricardo Dip. Auctor – promotor – deriva de augere (desenvolver), ensinou S. ISIDORO de Sevilha nas Etimologias, e auctoritas provém do latim augeo (acrescentar, crescer, fazer crescer).

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: MIgalhas I 10/12/2013.

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TJ/MS: Publicado edital do IV Concurso Extrajudicial

Está publicado no Diário da Justiça de sexta-feira (6) o edital do IV concurso público para a outorga de delegação de serviços notariais e registrais do Estado de Mato Grosso do Sul.

O concurso será regido pelas normas contidas na Resolução nº 81/2009 do Conselho Nacional de Justiça, pela Lei Federal nº 8.935/94, pela legislação em vigor e pelas normas estabelecidas no edital.

As provas serão realizadas pelo Instituto de Estudos Superiores do Extremo Sul – IESES, sob a supervisão da Comissão Organizadora do Concurso.

Estão disponíveis 74 vagas, cujo ingresso se dará por provimento (50) e por remoção (20). Entretanto só podem concorrer à remoção os candidatos que já sejam titulares de Delegações em MS. Ao todo estão reservadas 4 vagas a pessoas com deficiências. Os candidatos aprovados não poderão ser aproveitados em vagas que surgirem após a publicação do Edital.

Podem se inscrever às vagas com ingresso por provimento os candidatos que tenham concluído o curso superior de graduação em Direito ou aqueles que tenham exercido por 10 anos completos função em serviço notarial ou de registro.

As inscrições custam R$ 200,00 e deverão ser feitas pela internet no período de 13 de janeiro a 14 de fevereiro de 2014.

O certame será efetuado em 4 etapas, mediante aplicação de provas objetiva, escrita e prática, oral e de títulos. A primeira etapa está prevista para acontecer em 30 de março de 2014.

Todas as provas serão realizadas em Campo Grande (MS), exceto a Prova de Títulos.

Fonte: TJ/MS I 06/12/2013.

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TJ/PB: publica Edital do concurso para serviços notariais e registrais das Serventias Extrajudiciais

A presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba publicou nesta quinta-feira (5), na edição eletrônica do Diário da Justiça, o Edital n 001/2013, que disciplina o concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais, das Serventias Extrajudiciais. Ao todo são 278 vagas existentes no Estado, sendo 186 por provimento e 92 por remoção. O edital na íntegra está disponível no site do TJPB (www.tjpb.jus.br), a partir da página 5.

As inscrições acontecerão no período de 20 de janeiro a 21 de fevereiro de 2014, no valor de R$ 200, e serão realizadas através dos sites www.cartorio.tjpb.ieses.org ou www.tjpb.jus.br. O Instituto de Estudos Superiores do Extremo Sul (IESES) é a empresa responsável pela realização do certame.

Conforme o edital, no dia 15 de janeiro de 2014, a partir das 16h, será realizada uma audiência pública, no auditório do Tribunal de Justiça, para definir, por sorteio, a ordem de vacância e as que serão reservadas a pessoas portadoras de deficiência.

Organização – A Comissão organizadora do concurso é composta pelo desembargador Romero Marcelo da Fonseca (presidente); pelos juízes Antônio Silveira Neto, Meales Medeiros de Melo e Romero Carneiro Feitosa; pelos representantes do Ministério Público, procurador de Justiça José Raimundo de Lima; da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Paraíba, Otaviano de Medeiros Mangabeira e dos titulares da Serventias Extrajudiciais, notário, Germano Carvalho Toscano e o registrador, Valter Azevedo Miranda.

Fonte: TJ/PB I 05/12/2013.

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