CSM/SP: PROMESSA DE PERMUTA E NEGÓCIO ENVOLVENDO LOTEAMENTO. POSSIBILIDADE. NATUREZA DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA.

Acórdão – DJ nº 9000002-48.2013.8.26.0101 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000002-48.2013.8.26.0101, da Comarca de Caçapava, em que é apelante HEKA ADMINISTRAÇÃO DE BENS E COMÉRCIO LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE CAÇAPAVA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, COM A OBSERVAÇÃO DE QUE O REGISTRADOR, AO FAZER A INSCRIÇÃO, DEVERÁ FAZER MENÇÃO A CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA, V.U", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 26 de agosto de 2014.        

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 9000002-48.2013.8.26.0101

Apelante: Heka Administração de Bens e Comércio Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Caçapava

Voto nº 34.073

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE PERMUTA DE IMÓVEIS – TÍTULO COM NATUREZA JURÍDICA DIVERSA DA DENOMINAÇÃO QUE LHE FOI DADA – VERDADEIRO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – RÓTULO DO CONTRATO QUE NÃO PODE SERVIR DE ÓBICE AO SEU REGISTRO QUANDO SEU CONTEÚDO ESTÁ DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS REGISTRAIS – RECUSA AFASTADA, COM OBSERVAÇÃO.

Trata-se de apelação interposta por Heka Administração de Bens e Comércio Ltda., objetivando a reforma da r. sentença de fls. 57, que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Caçapava, referente ao ingresso no fólio real de “Instrumento Particular de Promessa de Permuta de Bens Imóveis com Torna e Outras Avenças” (fls. 14/32).

Alega o recorrente, em suma, admissibilidade do ingresso do título, nos termos do item 30, do inciso I, do artigo 167 da Lei de Registros Públicos, o qual não deve ser interpretado de forma taxativa.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 81/86).

É o relatório.

De início, cabe relembrar, como destacou a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, que o entendimento atual do C. Conselho Superior da Magistratura é no sentido da possibilidade do registro da promessa de permuta, em razão da similitude à promessa de compra e venda e do disposto no art. 533[1], do Código Civil:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Recurso de Apelação – Impugnação parcial e juntada de documento a destempo para cumprir exigência – Circunstâncias que prejudicam o recurso – Exame, em tese, dos óbices controvertidos para nortear futuras prenotações – Instrumento particular de promessa de permuta – Possibilidade de registro desde que assim caracterizado – Inocorrência no caso em exame – Contrato com rótulo de instrumento particular de promessa de permuta, mas que representa desde logo o negócio definitivo – Inexistência de obrigação de as partes declararem vontade futura ou de celebrar o contrato definitivo – Recurso prejudicado (Ap. Cível nº 0008876-60.2011.8.26.0453, Rel. Des. Renato Nalini).

Merece destaque, também, precedente mais antigo:

Porque, a rigor, a promessa de permuta constituiria duas promessas recíprocas e simultâneas de venda, mesmo paralelo existente entre a permuta em si e o contrato definitivo de venda e compra (v.g. Valmir Pontes, Registro de Imóveis, Saraiva, 1982, p. 91), seu registro não seria, por isso, impossível. Aliás, isto já decidiu o Conselho Superior, com lastro em numerosa doutrina citada, nacional e estrangeira (v. Apelação n. 37.727-0/3, Comarca de Itu), reconhecendo que o contrato de promessa de permuta é apto a induzir efeitos reais, quando registrado, o que, inclusive, foi objeto de exigência, em aresto da Suprema Corte (RE 89.501-9-RJ), para deferimento de adjudicação compulsória, destarte com aplicação, à espécie, justamente do regramento da promessa de compra e venda. O problema, no caso, é outro, de resto o mesmo que se enfrentou no acórdão do Conselho, acima citado. É que, malgrado nominado como de promessa de permuta, o ajuste em tela consubstanciou, verdadeiramente, um negócio definitivo. A propósito, basta verificar que, em momento algum, as partes, pelo instrumento juntado, se obrigaram a declarar vontade, característica básica do contrato preliminar. (Ap. Cível nº 0101195-0/5, Rel. Des. Luiz Tâmbara).

No caso em exame, embora se tenha dado o nome de promessa de permuta ao instrumento particular, está-se diante de contrato de promessa de compra e venda, uma vez que a parte em dinheiro dada em “permuta” é muito maior do que a em lotes.

Orlando Gomes, ao falar do contrato de compra e venda, explica que:

O preço é a ‘quantia’ que o comprador se obriga a pagar ao vendedor. Elemento essencial no contrato, “sine pretio nula venditio”, dizia Ulpiano. Deve consistir em ‘dinheiro’. Se é outra coisa, o contrato define-se como ‘permuta’ ou ‘troca’. Não se exige, contudo, que seja exclusivamente dinheiro, bastando que constitua a parcela principal. Para se saber se é ‘venda’ ou ‘troca’, aplica-se o princípio ‘major pars ad se minorem trahit’; venda, se a parte em dinheiro é superior; troca, se é o valor do imóvel.[2]

Os imóveis da primeira permutante totalizam área de 62,3848ha, o que corresponde a 623.848m². Apenas 24.000m² serão devolvidos mediante a entrega de lotes à primeira permutante, o que corresponde, segundo os critérios definidos nos subitens b e b.1 da cláusula 2.1 do contrato, a aproximadamente a R$ 1.200.000,00. A parte restante, no valor de R$ 20.000.000,00, será “devolvida” em dinheiro, conforme o disposto na cláusula 2.2, “a título de torna e complementação da permuta”.

Não se trata, portanto, de troca, negócio jurídico por meio do qual os contratantes se obrigam a prestar uma coisa por outra diversa de dinheiro. Inexiste a alienação de uma coisa por outra, mas a venda de área de 62,3848ha, sendo que apenas pequena parte do pagamento será efetuada mediante a entrega de lotes; o resto, em dinheiro.

Isso não impede, contudo, o registro pretendido, pois, conforme destacado nos precedentes acima, não importa o rótulo do contrato, mas sim o seu conteúdo.

No caso, como visto, embora rotulado de promessa de permuta – cujo registro é também possível, frise-se – o contrato é de compromisso de compra e venda, devendo o registrador a ele fazer menção no momento do registro.

Não teria sentido insistir na recusa apenas para que o interessado retificasse o nome do contrato. Seria providência que nenhuma segurança adicional traria ao registro, mas, de outro lado, imporia aos contratantes ônus desnecessário e dispendioso.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para determinar o registro do título, com a observação de que o registrador, ao fazer a inscrição, deverá fazer menção a contrato de compromisso de compra e venda.

HAMILTON ELLIOT AKEL                                   

Corregedor Geral da Justiça e Relator

_______________________________

[1] Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante

[2] GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 274/275.

Fonte: TJ/SP | 04/09/2014.

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STJ: DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES. RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE DIREITOS DE TERCEIROS.

Acórdão: Recurso Especial n. 1.119.462 – MG.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Data da decisão: 26.02.2013.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.119.462 – MG (2009⁄0013746-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : R G C E OUTRO
ADVOGADOS : SALOMÃO DE ARAÚJO CATEB E OUTRO(S)
CRISTIANO ABRAS SILVA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES. RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE DIREITOS DE TERCEIROS. 1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de “asilo inviolável”. 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC⁄02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes. 3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal. 4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade (Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF⁄STJ). 5. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 26 de fevereiro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.119.462 – MG (2009⁄0013746-5)
RECORRENTE : R G C E OUTRO
ADVOGADO : SALOMÃO DE ARAÚJO CATEB E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Rodrigo Gomes Cardoso e Cristiane Nunes Cardoso, mediante procedimento de jurisdição voluntária, ajuizaram ação de alteração de regimes de bens, aduzindo que contraíram matrimônio, em maio de 1999, sob o regime de comunhão parcial. Fundamentaram a pretensão na alegação de que o cônjuge varão iniciou atividade societária com terceiro no ramo de industrialização, comercialização, importação e exportação de gêneros alimentícios, e que, na visão da cônjuge virago, a mencionada empreitada constitui grave risco ao patrimônio do casal, mostrando-se necessária, inclusive, a obtenção de financiamento bancário para a viabilização da empresa. Assim, para manutenção harmoniosa do casamento, entenderam necessária a alteração do regime anterior para o da separação convencional de bens.
O Juízo de Direito da 8ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte⁄MG julgou procedente o pedido de alteração do regime de bens do casamento dos requerentes (fls. 61-63), decisão contra a qual apelou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Em grau de apelação a sentença foi reformada para que o pedido de alteração fosse indeferido, nos termos da seguinte ementa:
CASAMENTO. CC⁄1916. CONSTITUIÇÃO. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. Incabível a alteração do regime de bens dos casamentos contraídos na vigência do CC⁄1916, quando não incidente o art. 1.639, § 2º, do novo Código Civil (fl. 95).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, no qual se alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa ao art. 1.639 do Código Civil.
Em síntese, sustentam os recorrentes que os requisitos legais para a alteração do regime de bens estão presentes no pleito por eles deduzido, não devendo haver restrições exageradas ao pedido, e que a pretensão, em última análise, visa à preservação do casamento.
Contra-arrazoado (fls. 163-166), o especial foi admitido (fls. 170-171).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.119.462 – MG (2009⁄0013746-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : R G C E OUTRO
ADVOGADO : SALOMÃO DE ARAÚJO CATEB E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES. RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE DIREITOS DE TERCEIROS.
1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de “asilo inviolável”.
2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC⁄02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes.
3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal.
4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade (Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF⁄STJ).
5. Recurso especial parcialmente provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Primeiramente, cumpre ressaltar que, muito embora na vigência do Código Civil de 1916 não houvesse previsão legal para tanto, e também a despeito do que preceitua o art. 2.039 do Código Civil de 2002, a jurisprudência tem se mantido uniforme no sentido de ser possível a alteração do regime de bens, mesmo nos matrimônios contraídos ainda sob a égide do diploma revogado.
Nessa linha, confiram-se, entre outros, os seguintes precedentes:
CIVIL – CASAMENTO – REGIME DE BENS – ALTERAÇÃO JUDICIAL – CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC⁄1916 (LEI Nº 3.071) – POSSIBILIDADE – ART. 2.039 DO CC⁄2002 (LEI Nº 10.406) – PRECEDENTES – ART. 1.639, § 2º, CC⁄2002.
I. Precedentes recentes de ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte uniformizaram o entendimento no sentido da possibilidade de alteração de regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, por força do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual.
II. Recurso Especial provido, determinando-se o retorno dos autos às instâncias ordinárias, para que, observada a possibilidade, em tese, de alteração do regime de bens, sejam examinados, no caso, os requisitos constantes do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual.
(REsp 1112123⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄06⁄2009, DJe 13⁄08⁄2009)
________________________
CIVIL. CASAMENTO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. ALTERAÇÃO DE REGIME. COMUNHÃO UNIVERSAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
I. Ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte assentaram que o art. 2.039 do Código Civil não impede o pleito de autorização judicial para mudança de regime de bens no casamento celebrado na vigência do Código de 1916, conforme a previsão do art. 1.639, § 2º, do Código de 2002, respeitados os direitos de terceiros.
II. Recurso especial não conhecido.
(REsp 812.012⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 02⁄12⁄2008, DJe 02⁄02⁄2009)
________________________
Com efeito, satisfeitas as exigências legais, aos matrimônios celebrados antes da vigência do Código Civil de 2002, é possível a aplicação do seu art. 1.639, § 2º, que possui a seguinte redação:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
[…]
§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido.
Os fatos alegados são incontroversos e, segundo a análise soberana das instâncias ordinárias, estão todos comprovados.
O Juízo de primeiro grau entendeu ser suficiente a justificativa apresentada pelos autores, deferindo o pedido com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
Da análise dos autos, vê-se que os cônjuges justificaram que apesar de viverem bem, há divergência entre eles quanto à constituição de uma empresa pelo varão, motivo pelo qual pretendem a alteração de seu regime de bens no casamento.
É cediço que muitos casamentos se desfazem por desentendimentos financeiros entre os cônjuges.
No caso em tela, verifica-se que, apesar da meação da varoa se ver resguardada de eventuais dívidas da empresa a ser aberta pelo varão, certo é que o clima de instabilidade e risco, principalmente nos dias atuais, com a abertura de um empreendimento afetará reflexamente toda a família do varão.
Importante se faz registrar, ainda, que a modificação do Regime de Bens somente surtirá efeitos perante terceiros a partir do instante da averbação da sentença, com indicação minuciosa da decisão, no livro de casamento (artigo 100, § 1º, da Lei 6.015⁄73), e após o registro, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos Cônjuges.
Observa-se, assim, que os fundamentos apresentados pelos requerentes são procedentes e autorizam o acolhimento do pedido (fl. 63).
O acórdão recorrido, à sua vez, entendeu ser insuficiente a justificativa apresentada pelos ora recorrentes para a modificação do regime de bens, conclusão essa apoiada nos seguintes fundamentos:
No caso em exame, o pedido tem fundamento na discordância da varoa, quanto a empreendimento comercial que vem sendo perpetrado pelo varão, no que se refere à constituição de empresa, que, na sua ótica, poderá implicar em risco para o patrimônio do casal e da prole comum.
Referida motivação, contudo, não me convence da necessidade de que se altere o regime de bens do casamento dos apelados.
Não restou demonstrado, de pronto, que o fundamento do pedido ensejará risco para o patrimônio do casal – frise-se, por oportuno, que os autos não noticiam que o casal com esforço comum tenha adquirido bens na constância da união.
Ora, a constituição de empresa pelo varão, ora apelado, não tem o condão de, por si só, motivar o presente pedido, porquanto a pessoa jurídica tem personalidade jurídica própria, não se confundindo com a pessoa física de seu sócio.
[…]
Assim, não restando caracterizados os requisitos estabelecidos no § 2º do art. 1.639 do Código Civil⁄02, a improcedência do pedido era medida que se impunha (fls. 84-85).
Em síntese, cuida-se de saber se a constituição de uma sociedade limitada entre um dos cônjuges e terceiro é justificativa que satisfaz as exigências do 1.639, § 2º, do Código Civil, de modo a autorizar a mudança do regime de bens.
4. Primeiramente, cumpre ressaltar que o direito de família deve ocupar no ordenamento jurídico papel consentâneo com as possibilidades e limites estruturados pela própria Constituição Federal, não podendo a legislação infraconstitucional avançar em espaços tidos pela própria Carta da República como invioláveis. Deve disciplinar tão somente o necessário e o suficiente para realização não de uma vontade estatal, mas dos próprios integrantes da família.
Em outras palavras, parece claro que o direito de família há de observar uma principiologia de “intervenção mínima”, mostrando-se deveras necessária a contenção de índole constitucional nessa seara normativa que sempre transita muito próximo a bens especialmente protegidos pela Constituição – como a intimidade e a vida privada -, erguidos como elementos constitutivos do refúgio impenetrável da pessoa e que, por isso mesmo, podem ser opostos à coletividade e ao próprio Estado.
Nessa linha de raciocínio, o casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de “asilo inviolável”.
Confira-se:
Aliás, a família é o mais privado de todos os espaços do Direito Civil.
Com isso, forçoso é reconhecer a suplantação definitiva da (indevida) participação do Estado no âmbito das relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada que, seguramente, dizem respeito somente à vontade do próprio titular, como expressão pura de sua dignidade.
PIETRO PERLINGIERI, que de há muito apregoa tais idéias, dispara, com precisão cirúrgica, que “expressão de liberdade é o poder reconhecido aos cônjuges de acordar a direção da vida familiar interpretando as exigências de ambos e da família”. E mais adiante acresce que os acordos e estipulações recíprocas entre os consortes “assumem o papel de regra e de instrumento de realização do princípio de igualdade moral e jurídica e, ao mesmo tempo, relativamente à natureza e aos conteúdos da direção fixada” (FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21).
Com efeito, é por essa lente que deve ser interpretado o disposto na parte final do § 2º do art. 1.639 do Código Civil de 2002, referente ao “pedido motivado de ambos os cônjuges” e à “procedência das razões invocadas”, para a modificação do regime de bens do casamento.
De fato, no tocante aos efeitos patrimoniais do casamento, não havia mais necessidade da manutenção da antiga inalterabilidade do regime de bens, que vigorava antes do Código de 2002, a qual estava alicerçada em três justificativas: i) natureza contratual do casamento, concebido como um pacto de família, inalterável por vontade dos cônjuges; ii) propósito de proteção de um dos cônjuges contra as investidas abusivas do outro motivadas na obtenção de vantagem com a alteração do regime; e iii) a defesa do interesse de terceiros (cf., por todos, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 398).
Ora, atualmente, o casamento está ancorado em outros valores que o distanciam cada vez mais de um mero contrato (comunhão plena de vida). A proteção de um dos cônjuges pode ser realizada com o controle judicial do pedido de alteração e com a necessidade de pleito conjunto e os direitos de terceiros são expressamente ressalvados.
Como bem elucida Paulo Lôbo, referindo-se à nova sistemática do CC⁄02,
a lei está mais contemporânea com a realidade social atual, da emancipação feminina e sua inserção na vida econômica, máxime no mercado de trabalho, além do fato de a mulher, a principal destinatária da rígida tutela legal anterior, não se encontra mais submetida ao chefe de família, cujo último resquício desapareceu com o princípio da igualdade jurídica integral entre os cônjuges, assegurado pelo art. 226 da Constituição (LÔBO, Paulo. Famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 297).
Assim, muito embora a inalterabilidade do regime de bens continue a ser a regra no ordenamento jurídico, o pedido de alteração deve ser guiado pela liberdade da vida conjugal, ficando, a um só tempo, preservados os valores atuais relativos ao casamento e resguardados todos os interesses que estavam subjacentes à antiga imutabilidade do regime.
5. Desse modo, a meu juízo, a melhor interpretação que se deve conferir ao supracitado art. 1.639, § 2º, do CC⁄02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes.
Certamente, a divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal.
Basta mencionar a corriqueira situação em que o sócio figura como avalista⁄fiador da sociedade, hipótese em que responderá ele pessoalmente pelas obrigações da pessoa jurídica. Nesse caso, no regime de comunhão parcial de bens, eventual patrimônio sobrevindo exclusivamente pelo trabalho do outro cônjuge, por fazer parte dos bens comuns (art. 1.658, CC⁄02), poderá ser chamado a solver o débito, mesmo que apenas parcialmente, dada a possibilidade de defesa da meação pelo cônjuge não devedor.
Assim, mostra-se razoável que um dos cônjuges prefira que os patrimônios estejam bem delimitados, para que somente o do cônjuge empreendedor possa vir a sofrer as consequências por eventual empreendimento malogrado.
No ponto, ao contrário do entendimento abraçado pelo acórdão recorrido, pouco importa se não houve prova da existência de patrimônio comum, porquanto se protegem, com a alteração do regime, os bens atuais e os futuros do cônjuge.
Alinhando-se a esse entendimento, cito, uma vez mais, o magistério de Paulo Lôbo:
Entre os motivos relevante está a alteração do regime legal de comunhão parcial para o de separação de bens, tendo em vista que os cônjuges passaram a ter vidas econômicas e profissionais próprias, sendo conveniente a existência de patrimônios próprios para garantirem obrigações que necessitam profissionalmente ou para incorporação em capital social de empresa. O juiz deve levar em conta as idades e a natural imaturidade dos cônjuges ao se casarem, quando as pessoas não dispõem de informações suficientes para tomada de decisão que determina tão fortemente o futuro do casal. A mudança de regime de bens pode significar a remoção de considerável obstáculo ao entendimento dos cônjuges, assegurando-se a permanência de sua convivência (LÔBO, Paulo. Op. cit., p. 298).
No mesmo sentido, e fazendo a exortação de que a investigação desmedida da causa para a alteração do regime consubstanciaria uma indevida ingerência na vida privada e intimidade dos cônjuges, cito também o magistério de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
Sem dúvida, o simples fato de ser requerida, em via judicial, a alteração do regime de bens já indica que algum motivo relevante há para os autores do pedido e para a vida pessoal deles, sendo descabida a indagação da causa. Ademais, não se esqueça que a mudança não produzirá efeitos em relação a terceiros, eventualmente prejudicados (que, ademais, serão citados, tendo os seus interesses preservados). Pela soma de todos estes argumentos, é de se preservar a vida privada e a inviolabilidade do núcleo familiar, dispensando-se, em cada caso concreto, por controle de constitucionalidade difuso, a justificativa do casal.
De qualquer modo, exigida pelo juiz, a motivação pode ser a mais diversa possível, não devendo o juiz ser rigoroso na exigência de uma indicação precisa (FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson.Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 227).
________________________
Finalmente, não se pode presumir o propósito fraudulento do pedido. Havendo ardil, o ordenamento jurídico prevê mecanismos de contenção, como a própria submissão do presente pedido ao Judiciário, a desconsideração da personalidade jurídica direta – para atingir os bens particulares do sócio em caso de fraude praticada pela pessoa jurídica – ou inversa, para atingir o patrimônio da pessoa jurídica que serviu de desaguadouro de bens em detrimento da família.
6. Portanto, com base na fundamentação acima desenvolvida, há de ser removido o óbice apontado pelo Tribunal a quo ao deferimento da alteração do regime de bens, assumindo-se como suficiente ao pleito a justificativa apresentada pelos autores.
Porém, no caso, somente não será possível, desde logo, o deferimento da alteração dado o tempo transcorrido entre o pedido até agora.
Como dito anteriormente, a alteração do regime de bens deve acautelar também os interesses de terceiros, mostrando-se insuficiente a tanto a exposição da situação financeira dos cônjuges na época da propositura da presente ação, como ocorreu no caso, em que foram apresentadas as certidões de distribuição de ações cível e criminal na Justiça estadual, na Justiça Federal e Cartório de Protestos, mas que, a essa altura, encontram-se desatualizadas.
Necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e de interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade.
Nesse sentido, foi aprovado o Enunciado n. 113 na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF⁄STJ:
É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.
7. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, removendo o óbice apontado pelo Tribunal a quo acerca da justificativa suficiente à alteração do regime de bens dos cônjuges, determinar o retorno dos autos à primeira instância com a finalidade de se investigar a atual situação financeira dos autores, franqueando-lhes a possibilidade de apresentação de certidões atualizadas que se fizerem necessárias.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2009⁄0013746-5
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.119.462 ⁄ MG
Números Origem: 10024062047808 10024062047808001 24062047808
PAUTA: 26⁄02⁄2013 JULGADO: 26⁄02⁄2013
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : R G C E OUTRO
ADVOGADO : SALOMÃO DE ARAÚJO CATEB E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Família – Regime de Bens Entre os Cônjuges
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Fonte: Blog do 26 | 30/09/2014.

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Artigo – Uniões es(ins)critas – Por Jones Figueirêdo Alves

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Os pares convivenciais que vivem em união livre consolidam a união de fato, quando esta resulta configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituir família.

A união existente, informal e não solene, ao tempo que consolidada pelos seus caracteres de publicidade, estabilidade e o ânimo afetivo da formação familiar, torna-se, então, uma entidade familiar constitucionalizada. Assim dispõe a Constituição Federal de 1988: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". (art. 226, parágrafo 3º).

Avulta, daí, a necessidade de serem regulamentadas as atividades referentes ao registro da união estável junto ao Cartório de Registro de Pessoas Naturais e aos Registros Imobiliários, a fim de uniformizar procedimentos e garantir segurança jurídica da entidade familiar, tanto aos casais formados por homem e mulher (artigo 1.723 do Código Civil), como aos formados por duas pessoas do mesmo sexo (julgados do STF, com eficácia "erga omnes" e efeito vinculante, nos autos da ADI nº 4.277-DF e da ADPF nº 123-RJ).

Neste sentido é, agora, editado o Provimento nº 10/2014, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco (de nossa iniciativa, enquanto Corregedor Geral de Justiça, em exercício), de 03.09.14 e publicado em DJPe., de 08.09.14.

Certo que faculta-se aos conviventes, plenamente capazes, lavrarem escritura pública declaratória de união estável, observado o disposto nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, o Provimento cuida de disciplinar o procedimento da lavratura do referido instrumento publico perante o Serviço de Notas, bem como o seu registro junto ao cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e ao Registro de Imóveis competente, no tocante ao patrimônio imobiliário existente.

É certo que na aludida escritura, as partes conviventes poderão deliberar de forma clara sobre as relações patrimoniais, nos termos do art. 1.725 do Código Civil, inclusive sobre a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um, descrevendo-os de forma detalhada, com indicação da matrícula e registro imobiliário (art. 6º, Provimento 10/2014). Em hipótese, quando for adotado o regime de bens diverso da comunhão parcial, deverá ser esclarecido que esse novo regime só terá eficácia a partir da Escritura Pública que alterou o regime patrimonial (parágrafo 1º, art. 6º, Prov. 10/2014).

No ponto, o Provimento elucida, ainda, questão de relevo, a saber que o regime da separação obrigatória de bens somente terá lugar quando na data do termo inicial da existência da união estável, um ou ambos os conviventes já contem com mais de setenta anos, ou seja, as uniões estáveis preexistentes que reúnam pessoas não septuagenárias, mesmo que declaradas, ao depois dos setenta nos, receberão o regime patrimonial de bens da comunhão parcial (artigo 1.725)  ou outro regime elegível pelos conviventes.

O normativo também indica de o Tabelião de Notas dever fazer constar no traslado a ser entregue aos conviventes declarantes, uma nota de advertência quanto à necessidade se promover o registro da Escritura Pública de União Estável no Oficio do Registro Imobiliário competente, onde se situam os imóveis em comum dos conviventes (artigo 6º, parágrafo 5º).

É que mais das vezes, a falta de tal providência, tende a permitir que um dos conviventes possa, por interesse próprio, alienar um imóvel comum, sem conhecimento da(o) companheira(o), induzida(o) a acreditar que somente a escritura da união estável protegerá o patrimônio que igualmente lhe pertença.

O novo Provimento também cuida estabelecer que a escritura pública poderá ser averbada, pelo empresário ou empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, com o respectivo regime de bens, após o registro no Livro "E" perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (artigo 6º, parágrafo 4º), bem como no serviço do registro de títulos e documentos do domicilio dos conviventes, nos termos do artigo 127, inciso VII, da Lei 6.015/1973 .

Mas não é só. O Provimento oferece novas latitudes de garantia da união estável, em segurança de seus direitos. Sublinham-se, com efeito: (i) quando da escritura pública de compra e venda de imóvel, por pessoa solteira, o Notário/oficial deverá colher declaração de que o alienante e/ou o adquirente não convive(m) em união estável com outrem, fazendo constar referida informação no corpo da escritura (art. 15, Prov. nº 10/2014); (ii) qualquer dos conviventes, querendo, poderá acrescentar ao seu, o sobrenome do outro, na forma do artigo 1.565, parágrafo 1º, do Código Civil (art. 6º, parágrafo 3º, Prov. nº 10/2014).

Na forma do Provimento nº 37 do Conselho Nacional de Nacional, torna-se vedado que pessoa casada, em se achando separada de fato, possa reconhecer a união estável existente durante a separação conjugal, ficando, por segurança jurídica a matéria reservada à decisão judicial.

Finalmente, em admissão de direitos, o Provimento contempla que servidores do Poder Judiciário que venham escriturar e inscrever a união estável, terão direito a licenças de gala e de nojo, por reconhecimento equivalente às núpcias ou por óbito do convivente.

Em menos palavras, a escrita e a inscrição da união estável servem a dignificar a entidade familiar, como forma que consagra a família existente nesse modelo.

_______________

* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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